O presidente do Conselho Económico Social começou reservado no comentário à atual situação política, condicionado pelas funções que hoje ocupa. Mas, nesta entrevista na Vichyssoise, programa da rádio Observador, Francisco Assis acabou por discordar da linha socialista: invocar as políticas de Pedro Passos Coelho para “justificar seja o que for” é um caminho errado. Mais a mais: desafiado a dizer se votaria em Passos se a alternativa fosse o almirante Gouveia e Melo, o socialista não teve grandes hesitações — o antigo primeiro-ministro era a sua escolha.
Assis também acredita que o Governo vai ter promover um aumento dos salários, “mais próximo do valor de inflação” no próximo ano, ainda que admita que a contestação social venha a aumentar nos próximos tempos, dado o contexto económico social.
A entrevista ao socialista, assumido crítico do modelo da ‘geringonça’, começou pela última crise do Governo, que envolveu o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, o grande pivô da solução encontrada à esquerda e a figura que muitos dizem estar em melhores condições de suceder a António Costa. A esse propósito, Assis, que representa a ala mais centrista do PS, não tem dúvidas: apesar da crise política que protagonizou, o atual ministro mantém intactas todas as condições para vir a ser o futuro do partido.
[Pode ouvir aqui a Vichyssoise]
O vigor de Costa, o tropeção do PSD e a ameaça Gouveia e Melo
Já percebeu exatamente o que aconteceu a Pedro Nuno Santos?
Considero que esse assunto está encerrado. Não perco muito tempo a imaginar o que possa ter sucedido naqueles dias. Fui acompanhando todo o processo que se desenrolou em poucas horas e não faço nenhum comentário especial até porque sou presidente do Conselho Económico e Social. Um presidente do CES é eleito por maioria de dois terços na Assembleia da República. Isso obriga a isenção, independência e algum distanciamento em relação à vida político-partidária. Procurarei agir assim enquanto estiver em funções.
O Governo tem dado alguns sinais de instabilidade. A maioria absoluta fez mal a António Costa?
Acompanho a ação do Governo, como acompanho a ação dos partidos da oposição. Procuro assistir ao que se passa, mas o presidente do CES, pela natureza específica do cargo, não deve estar a fazer uma análise. Isso compete aos parlamentares, aos comentadores políticos.
Foi muito pouco entusiasta da geringonça. Não ter o PS a depender da esquerda foi um alívio?
É uma questão histórica. Fui completamente contra a geringonça e não tenho nenhum motivo para ter alterado a posição.
Até chegou a dizer que haveria uma crise política em outubro e houve mesmo.
Sim. Mas quando adivinhei uma crise política foi porque estávamos perante uma situação de pandemia. Admiti que estivesse superado em outubro e houve necessidade de rever algumas coisas.
Existiu a crise, houve maioria absoluta. Foi um alívio?
Para quem não é muito favorável a ideia de um entendimento parlamentar nestas circunstâncias históricas de partidos que divergem do PS em questões essenciais, fiquei satisfeito com a maioria absoluta. Mas olho para a geringonça como um acontecimento histórico que a história julgará. Não alterei em nada a minha posição de 2015. Inicialmente havia muitos poucos. Depois, as pessoas foram sendo convencidas e eu fiquei praticamente sozinho. Fiz uma travessia. Andei seis ou sete anos sozinho. Depois, convidaram-me para esta função, tive alguma hesitação, mas percebi que era uma função onde poderia ser útil. Exigia um consenso e como tinha defendido que havia necessidade de alguns consensos de fundo entre o PS e o PSD, entendi que não devia dizer que não ao convite colocado pelo PS e à manifestação de apoio imediato do PSD. Rui Rio ligou-me logo.
O Presidente da República alertou para a possibilidade de existirem movimentos inorgânicos de protesto, potenciados pela crise económica e social. Sente esse risco nesta altura?
Neste momento, isso ainda não é visível. Mas essa antevisão não é disparatada, bem pelo contrário. Em momentos de crise económica e social, há sempre o risco de surgimento desses movimentos inorgânicos, nas sociedades democráticas, que manifestam o seu descontentamento por diversas razões. Tivemos movimentos desses em França, como os coletes amarelos. Numa sociedade democrática, temos de estar preparados para isso. Esses fenómenos tenderão a emergir menos se a Assembleia da República funcionar adequadamente, se o Governo procurar responder às principais questões colocadas ao país e se as oposições também fizerem o seu trabalho.
O ambiente atual é promissor desse ponto de vista?
Vejo com agrado este encontro de hoje [sexta-feira] entre António Costa e Luís Montenegro.
Estava a falar da importância do Parlamento. Intervenções como as de Augusto Santos Silva [contra o Chega] são importantes para fazer essa contenção?
Não vou fazer nenhuma consideração sobre isso. A intervenção do presidente da Assembleia da República suscitou uma reação por parte de um partido político e não quero entrar nesse tipo de apreciação. A única coisa que posso dizer é que na Assembleia da República deve haver um debate muito qualificado e deve haver respeito de uns pelos outros. Penso que o Presidente da Assembleia da República tem tido a preocupação em qualificar o debate na Assembleia da República e reconheço-me nessa preocupação.
Sobre o encontro que aconteceu entre o primeiro-ministro e o líder da oposição, vê mais condições com este novo PSD liderado por Luís Montenegro para esse diálogo?
Já havia condições no período anterior. Uma das minhas interrogações era por que é que no passado não havia possibilidade de diálogo. A verdade é que Rui Rio sempre manifestou uma grande disponibilidade.
Portanto, a responsabilidade era de António Costa.
Porventura, Rui Rio até terá manifestado uma disponibilidade excessiva e terá sido castigado por isso em termos eleitorais.
Insistimos: a responsabilidade era de António Costa?
Não imputo assim responsabilidades diretamente. Pode haver coisas que não sei. A última coisa que se pode dizer é que Rui Rio não estava disponível para o diálogo. Parece que com Montenegro há uma disponibilidade para o diálogo e que também existe uma vontade de afirmar uma alternativa.
Esta estratégia que o PS tem seguido de ligar o novo PSD ao passismo parece-lhe uma boa ideia para conseguir esse diálogo?
Não aprecio esse tipo de comportamentos. Seja no PS ou no PSD. Não aprecio os que fazem política a pensar no passado e a retirar pequenas vantagens do passado. Tenho mais consideração por aqueles que estão mais centrados nas questões presentes e futuras.
Noto uma crítica à linha do PS nesta altura.
Sim. Não querendo entrar em pormenores, devo dizer que não aprecio esse tipo… O PS está no Governo há sete anos, Passos Coelho já deixou de ser primeiro-ministro há sete anos, sempre que houve qualquer invocação de Passos Coelho para justificar seja o que for, parece-me uma via completamente errada e que nada contribui para que nos concentremos nos problemas presentes e futuros do país. Os quatro anos de Passos Coelho serão avaliados historicamente, como serão avaliados historicamente todos os primeiros-ministros e governos que temos tido. Não me parece que seja bom estarmos permanentemente a travar uma discussão em que os principais protagonistas sejam José Sócrates e Passos Coelho.
Foi um final de ano tenso na concertação social, com os patrões a abandonarem a mesa das negociações. Entretanto, voltaram mas com avisos sobre os salários. Há saída para aumentar o poder de compra dos portugueses no atual contexto evitando a tal espiral inflacionista?
O poder de compra, no contexto desta espiral inflacionista, vai ser um dos temas centrais que se vão colocar nos próximos tempos. Aumento de salários tem de haver, até porque a própria inflação vai exigir que no próximo ano haja aumento de salários. Compreende-se que não tenha havido aumento imediato porque isso teria contribuído para a espiral inflacionista. Mas se houver uma perda muita grande de rendimentos em resultado de uma inflação bastante elevada, é óbvio que vai ter de haver aumento dos salários.
Mais próximo do valor da inflação?
Sim, mais próximo do valor da inflação. Há duas preocupações: a de não concorrer para que isso contribua para aumentar a própria inflação e a questão do rendimento das pessoas, que torna a vida das pessoas completamente insuportáveis.
Considera que o Governo está a fazer tudo para combater a inflação? Luís Montenegro acusou o atual Governo de insensibilidade social e até de imoralidade.
Tal como os governos tendem a fazer um retrato demasiado idílico da realidade, os líder da oposição também tendem a fazer um retrato demasiado negro da realidade.
Mas está a ser feito tudo por parte do Governo para encarar este desafio?
A política económico-financeira que tem sido seguida nos últimos meses é correta, cautelosa. O que se está a passar no mundo, neste momento, vem dar razão às afirmações de Fernando Medina, quando afirmou que era preciso muita prudência na condução da política financeira. É evidente que, a cada momento, têm de ser calibradas as opções.
O primeiro-ministro desafiou empresas com um aumento salarial de 20% até 2026. Os patrões acusam-no de não dar o exemplo. O Governo não devia fazer mais?
Compreendo a preocupação do primeiro-ministro e do Governo. Temos um salário mediano muito baixo e muito abaixo do nível europeu. Só poderá haver um aumento sustentado dos salários se houver um crescimento da economia. A nossa produtividade tem crescido a um ritmo manifestamente insuficiente. É um enigma. Depois de tanto investimento na Educação, depois de termos construído uma política de investigação científica séria, de tantos apoios à inovação, depois de tantos investimentos em infraestruturas, o nosso país não tem um crescimento da produtividade.
Registo que está num quase salomónico. Até presidenciável.
Sou presidente do CES, não sou presidenciável. Sou presidente do CES e, nesse sentido, não tenho de ser salomónico, mas tenho de atender às várias perspetivas. Quando se chega a uma função destas não é para tomar partido. É preciso ouvir as diferentes partes.
Ainda assim, falemos do PS. Depois de tudo o que aconteceu, Pedro Nuno Santos tem condições para continuar a alimentar o sonho de vir a ser líder do PS?
Pedro Nuno Santos tem condições para continuar a aspirar a liderar um dia o PS. Ele já disse que tem essa aspiração e considero que essas condições permanecem. Há uma série de personalidades no PS, algumas no Governo, outras fora do Governo…
Está a pensar em alguém em concreto? Ou em si próprio, aliás?
Se há pessoa em quem não estou a pensar é em mim próprio. Estou a pensar noutras pessoas, mas não vou citar nenhum, porque há sempre o risco de nos esquecermos de alguém e sermos injustos. Mas tenho um conjunto de nomes que acho que têm condições de aspirar à liderança do PS.
Vamos tentar uma pergunta mais fácil, então…
Esta pergunta não é nada difícil, é bastante fácil. Respondi de forma muito clara.
Não disse quem, além de Pedro Nuno Santos, é que pode vir a ser candidato à sucessão de António Costa.
Sabem tão bem como eu quem pode vir a ser e têm uma liberdade para o dizer que eu não tenho. Mas é uma questão de justiça. A pergunta que me fizeram foi se Pedro Nuno Santos tem ou não condições. A minha resposta é evidente: tem condições. Não tenho a mais pequena dúvida.
Augusto Santos Silva é um bom candidato presidencial?
Sobre a questão presidencial estabeleci este princípios: estamos a quatro anos das eleições presidenciais, estamos num contexto de guerra na Europa, estamos perante o risco de uma grave crise económica e social, avizinham-se tempos muito difíceis. Acho francamente que estarmos, neste momento, a discutir a eleição presidencial é quase do domínio do indecoroso. Essas são as tais coisas que os portugueses não percebem e não entendem. E são levados a pensar que há um país político, distante do país real, que se empenha a discutir coisas que não interessam à maioria das pessoas.
Seja como for, admite vir a ser candidato a Presidente da República?
A minha resposta está dada. Dizer sim ou não era entrar numa discussão que acho indecorosa neste momento.
“Preferia votar em Pedro Passos Coelho do que em Gouveia e Melo”
Vamos avançar para a segunda parte da nossa refeição, o “Carne ou Peixe”, em que só pode escolher uma de duas opções. Dos dois ministros que António Costa já teve de segurar neste mandato, tem possibilidade de salvar apenas um: escolheria Marta Temido ou Pedro Nuno Santos?
Aí funcionaria o o factor amizade e escolheria Pedro Nuno Santos.
Se só tivesse duas opções para as próximas Presidenciais, em quem votava: Gouveia e Melo ou Passos Coelho?
Passos Coelho.
A quem preferia dar uma aula de filosofia: Luís Montenegro ou André Ventura?
Luís Montenegro.
Foi eurodeputado durante vários anos. Quem preferia levar numa visita guiada a Bruxelas: Fernando Medina ou Mariana Vieira da Silva?
Tenho uma relação de grande amizade com Fernando Medina já há muitos anos, portanto gostaria de levar o Fernando Medina, mas se fosse com Mariana Vieira da Silva também sentiria bastante bem acompanhado.