Índice
Índice
A notícia do Observador saiu pouco depois das 21h30 de quarta-feira: das 15 medidas urgentes que o Governo incluiu no Plano de Emergência e Transformação na Saúde, só cinco tinham sido concluídas dentro do prazo. O plano, aprovado a 29 de maio, definia medidas de três tipos: urgentes, prioritárias e estruturantes. As urgentes eram mesmo isso: urgentes. Nas palavras do próprio Governo, “requerem implementação imediata, com o objetivo de obter resultados tangíveis num período de até três meses”.
Trata-se de um total de 15 medidas, distribuídas em cinco eixos estratégicos, que incluem temas tão diferentes como a regularização das listas de espera para cirurgias oncológicas, melhorias na linha SNS24, medidas direcionadas à saúde materno-infantil, requalificações dos serviços de urgência, aumento do número de portugueses com médico de família e reforço das respostas em saúde mental.
Ora, os três meses completaram-se esta quinta-feira com apenas um terço das medidas urgentes cumpridas. Contudo, pouco depois da publicação da notícia do Observador, o Ministério da Saúde atualizou o portal digital onde está a ser feito o acompanhamento da implementação deste plano — e adicionou mais cinco medidas urgentes ao leque das “concluídas”.
Governo falha concretização de quase 70% das medidas urgentes do Plano de Emergência da Saúde
Contudo, no terreno, não é certo que as medidas estejam efetivamente cumpridas — sobretudo se for tido em conta o critério do próprio Governo, que exigia não apenas uma implementação administrativa, mas “resultados tangíveis” em três meses. Afinal, que medidas urgentes são estas que ficaram concluídas em poucas horas esta quarta-feira? Como explica o Ministério da Saúde o seu cumprimento? E o que sabemos sobre a sua implementação no terreno?
O Observador questionou o Ministério da Saúde sobre este assunto, pedindo uma confirmação sobre as razões pelas quais estas medidas foram classificadas como concluídas logo após a publicação da notícia e dados específicos sobre o que foi feito em concreto para que aquelas medidas fossem dadas como concluídas. Foram também pedidas as explicações e demonstrações concretas de como as referidas medidas já se encontram implementadas no terreno.
Em resposta, o Ministério da Saúde não clarificou os pormenores de cada uma das cinco medidas, mas assegurou que “as medidas já estavam dadas como concluídas, mas como o Portal do SNS é atualizado semanalmente, o que constava nos mapas na quarta-feira passada era o status ’em curso'”. “A atualização do portal foi feita na quarta-feira à noite“, disse o Ministério da Saúde.
Sobre a forma específica como as medidas foram concluídas, o Ministério da Saúde foi tudo menos concreto. “Adjudicação de empreitada de obras, assinaturas de portarias, abertura de concursos, recolha de dados finais…“, diz fonte do gabinete da ministra Ana Paula Martins, sem dar um exemplo concreto.
Além disso, o Governo também argumenta que “a data final das medidas urgentes do PES [Plano de Emergência e Transformação na Saúde] é no dia 31 de agosto e não no dia 28 de agosto, como o Observador decidiu”. Para ilustrar, o Ministério da Saúde diz que “a portaria do Oncostop termina a 31 de agosto” e que, até lá, “não se pode fazer um balanço”.
Contudo, olhando para as 210 páginas que compõem o plano, só é possível encontrar duas referências à data de 31 de agosto. Uma é justamente a da janela de implementação do programa Oncostop, destinado a regularizar a lista de espera para cirurgia oncológica (uma medida que, na verdade, até já estava dada como concluída antes da notícia do Observador). A segunda prende-se com a medida de contratação de 100 psicólogos para o SNS: 31 de agosto é a data limite para a “conclusão da contratação” dos psicólogos. Neste momento, de acordo com o bastonário da Ordem dos Psicólogos, a maioria dos concursos nem sequer está aberta.
De resto, a regra para as medidas consideradas urgentes é que se traduzam em resultados “tangíveis” num período máximo de três meses.
Ao pedido de explicações e demonstrações concretas de como as medidas já se encontram implementadas, o Ministério da Saúde remeteu para a próxima semana. “Estas explicações serão dadas na conferência de imprensa de balanço do PES, na próxima quarta-feira”, diz fonte do ministério.
Vejamos, então, quais as cinco medidas que foram dadas como concluídas depois da publicação da notícia do Observador — e o que sabemos sobre a sua implementação.
Atribuição de incentivos financeiros para aumentar a capacidade de realização de partos
Com o objetivo de “rentabilizar a capacidade instalada global do país em locais de parto do Serviço Nacional de Saúde”, o Governo definiu como medida urgente (ou seja, que devia ter resultados “tangíveis” em três meses) a atribuição de incentivos financeiros às equipas de parto, compostas por obstetras, enfermeiros, pediatras, anestesistas e outros profissionais.
“Manter estes profissionais motivados é crucial, pois a sua satisfação e bem-estar refletem-se diretamente na disponibilidade e qualidade do serviço prestado”, diz o plano. “De forma a acomodar uma maior parcela de partos no sistema de saúde público, pretende-se com esta medida rentabilizar os locais de parto existentes no SNS, nomeadamente através da revisão dos incentivos concedidos aos profissionais de saúde que compõem as equipas responsáveis por acompanhar o parto e garantir que cada nascimento ocorre em segurança. Propõe-se a reativação, ainda que adaptada, das horas majoradas e a reavaliação da possibilidade de recurso ao regime de prestação de serviços por trabalhador do mapa de pessoal da entidade beneficiária e ainda a conjugação com incentivo por parto, calculado a partir de um valor de produção médio base.”
Contudo, durante o dia de quarta-feira, esta medida ainda não estava dada como concluída pelo Ministério da Saúde, apesar do prazo de três meses que lhe estava associado. Foi dada como concluída na noite de quarta-feira, depois da publicação da notícia do Observador.
Nesse dia, o pediatra Alberto Caldas Afonso, presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, destacava a importância da medida, reconhecendo que ela ainda não estava implementada no terreno. “Considero importante que avance o mais depressa possível, porque é um sinal aos profissionais”, dizia, numa altura em que o Governo ainda considerava que a medida estava em curso. Agora, depois de o Ministério da Saúde ter classificado a medida como “concluída”, Caldas Afonso reitera que faltava “operacionalização” e que, se o Governo deu a medida como concluída, é porque os eventuais obstáculos à sua implementação já terão sido resolvidos.
“Havia problemas, algumas dificuldades do ponto de vista de encontrar o enquadramento legal necessário”, explica Caldas Afonso, dizendo não ter quaisquer dados novos sobre a implementação da medida.
Contactado pelo Observador, o o presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia e antigo diretor do serviço de Obstetrícia e Ginecologia de Santa Maria, Diogo Ayres de Campos, disse não ter qualquer informação para adiantar sobre o tema. “Tanto quanto sei, a implementação dessa medida está apenas prevista para setembro, mas o motivo para a terem dado como concluída só pode ser explicado pelo ministério”, disse.
Requalificação das infraestruturas dos Serviços de Urgência — Urgência Geral/Psiquiátrica
A medida está incluída entre o lote das urgentes, que devem ter resultados tangíveis nos primeiros três meses, e foca-se especialmente nas urgências pediátricas. O objetivo, diz o plano, é “realizar obras em espaços dos Serviços de Urgência hospitalares, com início nas Urgências Pediátricas carenciadas, para melhoria da qualidade de atendimento, aumento da segurança dos doentes e incremento da eficiência dos cuidados prestados pelas equipas multidisciplinares do Serviço Nacional de Saúde”.
“Tendo em conta o impacto da pandemia na saúde mental em Portugal e o contexto nacional de sucessivos anos de investimento nas Urgências Psiquiátricas, torna-se crucial a requalificação destes espaços dedicados”, diz o plano. “Pretende-se com esta medida mitigar as necessidades já identificadas e nivelar as urgências psiquiátricas a nível nacional, em termos de infraestrutura, qualidade de atendimento e segurança para os doentes.”
Apesar de a medida ter sido incluída no lote das medidas urgentes, a verdade é que o próprio plano apresenta um cronograma que se estende muito para lá dos três meses. Na verdade, o prazo apresentado para estas obras é o dia 15 de dezembro de 2024. Até lá, contudo, o Ministério da Saúde compromete-se a criar um grupo de trabalho para implementar a medida, a autorizar a ACSS a disponibilizar uma linha de financiamento e a dar início a um processo de candidaturas para a implementação desta medida.
tangíveis num período de até três meses. Estas medidas são críticas e visam responder a
situações que necessitam de uma ação rápida para mitigar riscos e/ou aproveitar oportunidades
no imediato."
As unidades de saúde do SNS que têm urgências gerais ou psiquiátricas deverão candidatar-se a este programa “de forma a permitir uma avaliação uniforme e coerente das várias candidaturas e a garantir transparência na utilização dos recursos financeiros afetos ao SNS”. Depois, as candidaturas vão ser avaliadas e serão atribuídos fundos para a realização destas obras, num máximo total de 20 milhões de euros. Tudo isto coloca a conclusão desta medida entre o final de 2024 e o início de 2025.
Na noite de quarta-feira, o Ministério da Saúde classificou esta medida como “concluída”, embora seja pouco claro o que está efetivamente implementado. O que é certo é que as obras não avançaram — o próprio Ministério da Saúde reconhece que o que foi feito no âmbito destas cinco medidas, para já, foram ações como “adjudicação de empreitada de obras, assinaturas de portarias, abertura de concursos”.
Atribuição de Médicos de Família aos utentes em espera com a capacidade atual do setor público
De acordo com o plano apresentado em maio, esta era uma das medidas urgentes que se deviam ter traduzido em resultados tangíveis até esta semana: atribuição de médicos de família aos utentes em espera com capacidade atual do setor público, uma medida que passa pela otimização da atribuição destes profissionais através atualização das listas de utentes (retirando delas os utentes que não frequentam os cuidados de saúde primários).
Contudo, o Ministério da Saúde já esclareceu que esta medida está relacionada com a abertura de 900 vagas para especialistas em Medicina Geral e Familiar. Esta quarta-feira, numa altura em que a medida ainda estava dada como “em curso”, fonte do Governo dizia ao Observador que as Unidades Locais de Saúde já abriram os concursos para a colocação dos médicos nos centros de saúde — e que os concursos se encontram a decorrer.
À noite, a medida foi dada como “concluída”, sem que seja clara o que aconteceu para justificar essa mudança de estatuto.
Ao Observador, o vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, António Luz Pereira, mantém o que tinha dito em declarações prestadas horas antes de a medida ter sido classificada como concluída: o número de médicos da família efetivamente colocados é “residual”.
“Todos os concursos nas ULS estão abertos”, reitera agora ao Observador. “A questão é que poucas ULS conseguiram fazer o encerramento desses concursos. Só saíram a listagem de ordenação dos candidatos de três ULS a nível de Medicina Geral e Familiar. Ou seja, o número de contratos é muito pequeno”, acrescenta Luz Pereira, estimando em “cerca de uma dezena” o número de médicos efetivamente colocados — num universo de 900 vagas que foram abertas.
“O que é facto é que os médicos de família não estão ao serviço, não estão com listas atribuídas, não estão no seu local de trabalho definitivo, ainda estão a ser remunerados como internos e ainda não lhes foi reconhecida a especialidade por via do concurso”, sublinha.
Contratação de psicólogos para os Cuidados de Saúde Primários
A medida é urgente, clara e até tem um número: “Reforçar a integração e participação de 100 psicólogos nas equipas multidisciplinares dos CSP na promoção da saúde mental, prevenção da doença e melhoria dos cuidados de saúde prestados em Portugal.” Contudo, três meses depois, não há qualquer “resultado tangível”, para usar as palavras do próprio Governo. Na tarde de quarta-feira, ainda estava “em curso”; à noite, passou a “concluída”.
Esta é a única medida que, no plano, tem efetivamente como referência a data de 31 de agosto que o Ministério da Saúde diz ser o prazo de todo o plano. De acordo com o cronograma de aplicação desta medida, 31 de agosto é a data limite para a “conclusão da contratação”.
Em declarações ao Observador, o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Francisco Miranda Rodrigues, diz que não tem qualquer indicação de que a medida esteja cumprida. “Não tenho conhecimento de que tenham existido quaisquer contratações”, assegura. “Do âmbito desses cento e poucos psicólogos, posso afirmar com muita segurança que não existiram quaisquer contratações.”
“Quando à abertura de concursos, posso dizer com muita confiança que, de forma generalizada, ainda não abriram os concursos. Nas várias ULS do país, não. Eventualmente, pode ter acontecido num ou noutro caso”, diz ainda o bastonário dos psicólogos.
Francisco Miranda Rodrigues admite apenas uma possibilidade de a medida ter sido dada como concluída pelo Ministério da Saúde. O Governo “pode, diretamente ou indiretamente através da Direção Executiva do SNS, ter autorizado que as ULS possam avançar com os procedimentos”. Ou seja, que o Ministério da Saúde já tenha, de certa forma, cumprido a sua parte do processo — cabendo agora o resto a cada ULS.
Todavia, o bastonário dos psicólogos tem dúvidas de que isso chegue para considerar a medida concluída. “Quero acreditar que o que aconteceu foi uma gralha, um erro, provavelmente causado por alguma confusão interna na passagem de informação dentro do próprio ministério”, diz, sublinhando estar a “medir as palavras” que usa.
“Finalizada, a medida só pode estar se separarmos as responsabilidades de várias entidades. Considerando, por exemplo, que a medida político-administrativa que cabe ao ministério está feita e agora é uma questão de operacionalização, só considerando isso é que se podia considerar que a medida estava executada”, afirma Miranda Rodrigues. “A medida está completada quando os psicólogos estiverem contratados e a trabalhar.”
Criação de programa estruturado de Saúde Mental para as forças de segurança (PSP e GNR)
É outra das medidas identificadas como urgentes — ou seja, que se deviam ter traduzido em resultados tangíveis até esta semana —, mas sobre o qual se sabe, para já, muito pouco. O Governo está atento à situação específica de saúde mental entre os agentes da PSP e da GNR.
A ideia é “implementar uma Via Verde dedicada, agilizar o acesso a urgências psiquiátricas e disponibilizar equipas multidisciplinares nos Cuidados de Saúde Primários para garantir o apoio e o acompanhamento psicológico – atuando ao nível do controlo e prevenção da doença – adaptado às situações de stress, depressão e à elevada taxa de suicídios observada nesse grupo profissional”.
Ainda de acordo com o plano, a entidade central no arranque deste processo seria a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), responsável pela criação de um grupo de trabalho inter-ministerial para o efeito, por implementar o programa e por monitorizar o seu funcionamento. Também esta medida estava, na tarde de quarta-feira, classificada como “em curso” — e, na noite de quarta-feira, passou a estar “concluída”.
Contudo, três meses depois da aprovação do plano, ainda é incerto o real estado deste programa de saúde mental para forças de segurança. Recorde-se que o objetivo do Governo relativamente às medidas urgentes era o de “obter resultados tangíveis num período de até três meses”.
Ao Observador, o bastonário da Ordem dos Psicólogos diz não ter qualquer conhecimento de que tenha sido implementado este programa de saúde mental para agentes das forças de segurança, embora a Ordem tenha sido uma das instituições inicialmente contactadas para dar o seu contributo para o grupo de trabalho.
Francisco Miranda Rodrigues recordou que esteve numa reunião em julho com o Diretor-Executivo do SNS em que foi feita uma referência a esse programa, “dizendo que nós iríamos ser contactados para darmos o nosso contributo para o grupo de trabalho”, algo que “nunca aconteceu até hoje”. O bastonário sublinha que isto não quer dizer que o grupo de trabalho não possa ter avançado, mas garante desconhecer “completamente” qualquer avanço deste projeto.
O Observador contactou a IGAI com perguntas sobre o andamento dos trabalhos para a implementação desta medida, nomeadamente sobre o grupo de trabalho, mas não recebeu resposta até à publicação deste artigo.