888kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Sobre o conflito, Orysia Lutsevych nega que esteja num "impasse"
i

Sobre o conflito, Orysia Lutsevych nega que esteja num "impasse"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Sobre o conflito, Orysia Lutsevych nega que esteja num "impasse"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Putin está num limbo. Não sabe qual é a estratégia para a vitória e a sua aposta é que mude o poder em Washington"

Orysia Lutsevych, vice-diretora do programa Rússia e Eurásia no Chantam House, acredita que Putin não "tem estratégia" para a vitória, esperando por Trump. E antevê que a Ucrânia entre na UE em 2030.

Uma “guerra longa” não estava nos planos de Vladimir Putin, que esperava uma vitória rápida na Ucrânia. Depois de o conflito se ter estendido, o Presidente russo não tem outra alternativa senão prolongar a ofensiva, acredita Orysia Lutsevych, vice-diretora do programa Rússia e Eurasia no think tank Chantam House. Em entrevista ao Observador, a especialista ucraniana defende que a presidência russa está agora “num limbo” e não tem uma “estratégia” clara.

Lembrando a Euromaidan — a revolução que começou em 2013 por o antigo Presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovych ter adiado a assinatura de um acordo de associação da União Europeia (UE), afastando assim Kiev de Bruxelas —, Orysia Lutsevych refere que os ucranianos olham para a organização como um baluarte de “liberdade e justiça”. “As pessoas querem quebrar o ciclo de violência e juntar-se à UE, um espaço baseado nas regras, nos direitos humanos e em que o Estado não é um predador.” 

A especialista diz ser “realista” que a Ucrânia se junte à União Europeia em 2030, ainda que tenha de enfrentar várias dificuldades, a principal sendo a guerra. Sobre o conflito, Orysia Lutsevych nega que esteja num “impasse”, mas admitiu que tenha havido “demasiadas expectativas o que é que a Ucrânia podia alcançar no campo de batalha durante o verão”.

A especialista disse ser "realista" que a Ucrânia se junte à União Europeia em 2030

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“A Ucrânia já fez muito desde a revolução de há dez anos, mas ainda não completou o caminho”

Há dois dias, a Ucrânia celebrou o décimo aniversário da Euromaidan e, quase dez anos depois, a Comissão Europeia recomendou que se abram negociações para a União Europeia (UE). Tem alguma estimativa sobre quando é que a Ucrânia poderá entrar na UE?
Em primeiro lugar, muito obrigado por mencionar a revolução [Euromaidan], que na Ucrânia se chama também Revolução da Dignidade. No início da revolução, era difícil imaginar por é que era tão importante para a Ucrânia ser membro da União Europeia. Conectando os pontos anos depois, a Ucrânia quis defender um modo de vida, que significa liberdade e justiça — as bases do projeto da União Europeia. Para as pessoas, isso tinha um significado. E hoje há um grande apoio, mais de 90% dos ucranianos apoiam a adesão à União Europeia, o que significa que quem quer que esteja no poder terá de cumprir essa promessa. E isso significa implementar reformas. A Ucrânia já fez muito desde a revolução de há dez anos, mas ainda não completou o caminho. Sobre a minha previsão… Diria que daqui a sete anos será realista.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em 2030, então? 
Sim, mas muito depende de quando e como é que a guerra termina. Este é o grande obstáculo agora, porque, para a adesão à União Europeia, para além das reformas, é preciso que a economia cresça. É um clube de nações relativamente prósperas. Por exemplo, os portugueses seguiram o caminho de se aproximarem do resto da Europa. A Ucrânia, depois da guerra, também terá de fazer muito para se aproximar do resto da Europa.

Falou da guerra, mas quais são os outros obstáculos para além desse?
Penso que há dois obstáculos. O primeiro é que a Ucrânia nunca recebeu um elevado número de grandes investimentos privados estrangeiros. E o outro tem a ver com as instituições.

"A Ucrânia, depois da guerra, também terá de fazer muito para se aproximar do resto da Europa"

O que quer dizer com a Ucrânia ter recebido pouco investimento estrangeiro?
Falo sempre disso, porque é um tema que não é muito falado. Acredito que se a Ucrânia tivesse tido mais investimento do estrangeiro, as empresas iriam fazer lobby para a adesão à União Europeia e à NATO da Ucrânia. E talvez a Ucrânia nunca tivesse sido invadida. Nos últimos 30 anos da independência, a Ucrânia atraiu 40 mil milhões de dólares em capitais estrangeiros. Isso não é nada. Por isso, a Ucrânia precisa de modernizar a economia para competir com empresas europeias e contribuir realmente com ativos positivos para o mercado europeu.

E as instituições?
Tem de haver uma mudança nas instituições. A Ucrânia era um país soviético. Fazia parte de um sistema totalitário [durante a União Soviética] e isso teve impacto na forma como o país funciona. 30 anos [de independência] é nada. É por isso necessário deixar de lado o legado soviético. E isso significa independência das instituições. Seja parlamentar, judicial, dos governos regionais. Cada um deve ser independente e desempenhar o seu papel. E é aqui que a Ucrânia precisa mesmo de mudar e a União Europeia vai ajudar, especialmente no direito à propriedade e na defesa do Estado de Direito.

Isso também aconteceu com Portugal.
Sim, a União Europeia é um íman para isso. É o que faz de melhor.

O que é que a União Europeia representa para o povo ucraniano? Disse que 90% dos ucranianos apoiavam a adesão.
Para os ucranianos, representa a ideia de que não se vai viver num sistema que é violento. Nós tivemos uma História difícil, desde a repressão da Rússia Imperial, à repressão estalinista e depois à invasão de Hitler. A Ucrânia sempre foi este espaço, como [o historiador] Timothy Snyder lhe chamou, de “terras de sangue”, certo? E as pessoas querem quebrar esse ciclo de violência e juntar-se à UE, um espaço baseado nas regras, nos direitos humanos e em que o Estado não é um predador. Em última instância, é isso que a União Europeia significa para a Ucrânia. E não há outra alternativa. Não há outro modelo alternativo que a Ucrânia possa seguir.

"A Ucrânia sempre foi este espaço, como [o historiador] Timothy Snyder lhe chamou, de terras de sangue, certo?"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

As “batalhas domésticas” de certos Estados-membros que “podem influenciar e prejudicar a Ucrânia”

Mas há alguns países da União Europeia, como por exemplo a Hungria através das posições do primeiro-ministro Viktor Orbán, que insistem que a adesão da Ucrânia será muito complicada. Isso pode dificultar as aspirações ucranianas?
Sim, pode, porque esses países estão infelizmente a fazer jogo duplo. Estou a lembrar-me da Hungria, da Eslováquia após as eleições recentes. Podem mesmo complicar. Podemos especular qual o motivo e penso que tem a ver com a política interna. A Hungria argumenta que tem a ver com a minoria étnica húngara [no oeste da Ucrânia]. Mas é uma coluna de fumo, porque a etnia húngara tem tudo — tem escolas, tem universidade em húngaro. Só não podemos permitir que os jovens não saibam falar ucraniano. Se se é cidadão de um país, se se vive e se se cresce nesse país, tem de se aprender a língua. Pode usar-se a língua que se quiser em casa e na escola. Mas insisto: acho que é simplesmente um pretexto para alguns objetivos que Orbán quer atingir.

Também houve eleições na Polónia, um importante aliado da Ucrânia. Durante a campanha eleitoral, o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki foi particularmente duro com a Ucrânia. Apesar de ter vencido, é Donald Tusk quem deve governar. Acha que as relações podem melhorar e que a retórica mais dura pode desaparecer?
Sim, as batalhas domésticas podem influenciar e podem prejudicar a Ucrânia. E algumas coisas que os dirigentes polacos disseram não foram bonitas. Penso que a mudança política na Polónia pode tirar o país do populismo do atual partido de governo [PiS, Partido da Lei e Justiça], ainda que seja certo que as relações polaco-ucranianas historicamente tenham sido muito difíceis. Sobre Donald Tusk, é um grande europeísta, não vai causar obstruções à adesão e vai tentar reconciliar as relações. Mas temos problemas nas fronteiras com as empresas de transportes polacas, que estão a bloquear a fronteira. Haverá tensões e temos de as resolver de maneira adulta. Mas da Polónia vieram boas notícias e acredito que [o país] apoiará que a Ucrânia se torne membro da União Europeia.

A NATO: “Quem vai garantir a segurança de um país que perdeu a sua segurança?”

Falando sobre a NATO, considera que a adesão é mais difícil para a Ucrânia?
Penso que o trabalho preparatório para ambas as alianças é bastante complexo. O que ainda é mais complexo é o convite da NATO para que se junte um país que está em guerra. Quem vai garantir a segurança de um país que perdeu a sua segurança? É quase um paradoxo. Penso que neste momento quente da guerra é difícil. Porém, isso não significa que não haja preparação para quando a guerra terminar. Deve ter lugar. É disso que estamos a falar. A cimeira de Vilnius começou o projeto e expandiu as oportunidades da Ucrânia na NATO, mas as questões de segurança ainda estão no caminho. Para além disso, é claro que a Ucrânia tem forças de combate bem preparadas, provavelmente as mais bem preparadas da Europa, mas há outras coisas que a Ucrânia ainda precisa de melhorar, como em termos de treino, de doutrina, da relação entre militares e civis…

"Quem vai garantir a segurança de um país que perdeu a sua segurança? É quase um paradoxo. Eu penso que neste momento quente da guerra é difícil"

A Rússia tem-se oposto à ideia de a Ucrânia aderir à NATO. Acha que isso pode prejudicar a entrada de Kiev na organização?
Acho que Putin perdeu toda a credibilidade: é um criminoso de guerra com um mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional. A maneira como a Rússia leva a cabo esta guerra, o pretexto para a invasão, nada disso torna a voz de Putin credível. [Sobre a oposição russa à entrada da Ucrânia na NATO], acho que foi um pretexto para começar a guerra. O que ele tinha medo era da democracia ucraniana, porque a Ucrânia pode ser democrática. E o vírus da democracia podia espalhar-se para a Rússia. Putin quer controlar o seu povo como se este vivesse num gulag. E nós ucranianos dissemos que não queremos viver num gulag. E vamos lutar pela nossa liberdade, ao passo que a Rússia, no Ocidente, se tornou um Estado pária.

Putin queria uma “vitória rápida”. “Não sabe qual é a estratégia para a vitória”

Já passaram quase dois anos desde o início da guerra. Considera que a Rússia pode procurar uma guerra de atrito longa? 
Oh, eles queriam uma vitória rápida. Ninguém quer uma guerra longa. Acho que Putin estava a ser honesto, apesar de ele mentir a maior parte do tempo, quando declarou a operação militar especial. Ele não estava pronto para uma guerra longa. Quando a operação militar especial falhou, porque a Ucrânia estava a lutar como um leão com a ajuda dos seus aliados, Putin entendeu que tinha de colocar a economia e sociedade a guerra e continuar a guerra para tentar conquistar mais território. É por isso que vemos os recentes avanços em Donetsk, perto de Avdiivka. Eles estão inseguros. Estão nervosos relativamente ao que a Ucrânia conseguirá alcançar no futuro, com as novas capacidades que têm à sua disposição.

Então Putin quer mesmo uma guerra longa?
Acho que não tem escolha e já agiu nesse sentido ao anexar ilegalmente territórios ucranianos que não controla e ao inscrevê-los na Constituição russa. Ele alimenta a sociedade com propaganda e com retórica militarista de que esta guerra protege a Rússia de uma futura invasão. É totalitário e o seu regime depende da repressão — manda os líderes da oposição para a prisão, por exemplo. Tendo em conta a gestão do regime, uma guerra longa é a única maneira de ele se manter no poder. O que assusta mais um ditador? São duas coisas: uma chamada revolução, outra chamada o fim da guerra.

"Tendo em conta a gestão do regime, uma guerra longa é a única maneira para que ele se mantenha no poder. O que assusta mais um ditador? São duas coisas: uma chamada revolução, outra o fim da guerra"

A guerra está ligada ao seu futuro político?
Exatamente. Acho que o Putin está numa espécie de limbo. Ele não sabe qual é a estratégia para a vitória. Para ser honesta, a Rússia tem uma estratégia de vitória limitada no campo de batalha. Podem controlar mais uma aldeia ucraniana, mas não vão conseguir alcançar os seus objetivos, um dos quais que era destruir o projeto europeu da Ucrânia. Putin já falhou nisso. Acho que a questão é apenas por quanto vai perder.

Para o ano, há eleições nos Estados Unidos. Acredita que Vladimir Putin pode esperar por Donald Trump para que o candidato republicano tente terminar a guerra na mesa das negociações, com condições desfavoráveis para a Ucrânia, uma vez que o ex-Presidente prometeu que terminaria a guerra em 24 horas?
Sim, porque tem uma estratégia pouco vitoriosa. No campo de batalha, a Ucrânia ainda resiste. Cerca de 80% dos ucranianos acreditam na vitória e o apoio do Ocidente está a ajudar a Ucrânia a enfrentar várias dificuldades. A sua aposta é Washington, é que o poder vá mudar. E não sabemos qual é o grau de dependência que Trump mantém com a Rússia e se não está a ser manipulado. Nunca conhecemos ao detalhe que tipo de relacionamento é este. É importante lembrar que, no Kremlin, eles têm forças de segurança que tentam plantar armadilhas com material comprometedor. É assim que eles manipulam. E isto significa que a Europa tem de ter um plano de contingência.

Como assim?
A Europa precisa de construir uma base industrial militar, porque vamos ser honestos: depois da Segunda Guerra Mundial, a Europa dependeu fortemente do guarda-chuva da segurança norte-americana. O crescimento alemão deveu-se à segurança norte-americana, a gás barato russo e à produção barata na China. Todas essas coisas estão agora a mudar. Há várias ameaças para a Europa, desde o terrorismo às migrações. Há que desenvolver capacidades. Claro que com os Estados Unidos é muito mais fácil. Mas não sabemos como é que o mundo vai mudar e onde para onde é que os Estados Unidos vão virar ou com o que os Estados Unidos estarão ocupados.

"A Europa dependeu fortemente do guarda-chuva da segurança norte-americana"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Eleições de 2024 são um “momento de vulnerabilidade” para Putin

Também há eleições na Rússia para o ano que vem. Acredita que a estratégia da guerra na Ucrânia pode mudar, mesmo que seja apenas para efeitos propagandísticos? As coisas vão ser diferentes?
Sim, mas devemos chamar às eleições uma reafirmação do poder. Contudo, mesmo que seja destinado apenas para renovar o mandato do atual czar e mesmo que as eleições sejam falsas, é sempre um momento de vulnerabilidade. E penso que Putin está cada vez mais vulnerável, porque falhou nas promessas que fez ao povo russo. Por isso, pode ser que Putin possa aumentar os recursos para conquistar mais territórios ucranianos, talvez até para conquistar outro oblast. Por exemplo, se conquistar todo o Donbass, isso seria uma espécie de vitória. É importante notar que a guerra é um jogo entre a política e as Forças Armadas. Agora, claro que a tarefa da Ucrânia é obrigar Putin a negar a sua narrativa em frente ao povo russo, porque os russos também veem que a guerra não está a correr como planeado, ainda que o Kremin encontre diferentes explicações para isso. Mas é certo que a Rússia está fundamentalmente a falhar e Putin pensava que era invencível antes. Ele podia tornar a Crimeia russa. Ele podia tirar um pedaço da Geórgia. Ele tinha o apoio do Cáucaso. De um momento para outro, está a perder influência entre os seus vizinhos.

O quão isolada pensa que a Rússia está? Há alguns países como o Irão e a Coreia do Norte que estão a apoiar a Rússia.
Primeiro temos de pensar primeiro no que quer a Rússia. Os russos querem sentar-se na mesa grande. Não se querem sentar numa mesa com o Burkina Faso, com a Nicarágua ou com a Eritreia, certo? Eles querem sentar-se na mesa dos superpoderes, ao lado da China e dos Estados Unidos. Dito isto, penso que a Rússia está claramente isolada do Ocidente e está a tentar compensar isso com a relação com a China. Acho que isso dá ao Kremlin algum espaço de manobra para circundar sanções, para terem alguma tecnologia, e isso prolonga a guerra. A maneira como a China age tem uma grande importância — sublinho que a China tem muitos investimentos no Irão. E o Irão ajuda a Rússia. Então, esta estratégia chinesa de apoiar implicitamente a Rússia é um elemento chave nesta guerra. Agora veremos se se mantém assim à margem ou se vai ajudar o seu aliado a não perder a guerra.

Derrubar governo ucraniano? “Os russos vão explorar as oportunidades sempre que tiverem essa chance”

Recentemente, Volodymyr Zelensky tem dito, em várias entrevistas, que há um plano chamado Maidan-3 para tentar derrubar o governo ucraniano. O Presidente da Ucrânia indica que os serviços de informação lhe comunicaram isso. Enquanto analista, acredita que a Rússia ainda quer derrubar o governo de Zelensky?
Sim, penso que querem que isso aconteça, porque isso ameaçaria a mobilização do povo ucraniano e a sua coesão. Causaria o pânico e isso daria tempo aos russos para desestabilizarem ainda mais a Ucrânia e a comunidade internacional, alegando que haveria uma guerra civil na Ucrânia. Acho que o plano russo é mesmo fomentar uma guerra civil.

"O plano russo é mesmo fomentar uma guerra civil"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A reputação da Ucrânia na comunidade internacional iria então piorar?
Claro. Há que referir que há uma vantagem para a Ucrânia: existe mais ou menos a clareza, pelo menos no Ocidente, de quem é o agressor e de quem é vítima e quem está certo à luz do Direito Internacional. Quando a Ucrânia interage com os legisladores, esta clareza extraordinária ajuda-os a tomar políticas a favor da Ucrânia, por exemplo. Se a Rússia conseguisse suceder ao desestabilizar internamente a Ucrânia, isso iria agitar as águas e podia mudar essa reputação, que iria piorar.

Zelensky adiantou que o Maidan-3 iria acontecer “até ao final do ano”. Acredita nisso?
Penso que os russos vão explorar as oportunidades sempre que tiverem essa chance. São um adversário muito perigoso por esse motivo. E existe uma grande penetração [de agentes russos] na Ucrânia. Não é segredo para ninguém que eles têm agentes na Ucrânia, acho que ainda têm confiança de que podem desestabilizar a Ucrânia. E é por isso que há que tratar certos temas de forma séria, porque às vezes perdemos a vigilância, as pessoas ficam mais cansadas da guerra, mais relaxadas… Por exemplo, as pessoas já não vão para os abrigos com tanta frequência, já ignoram os avisos. E quando se verifica essa perda essa atenção… O Presidente Zelensky também está cansado. Ele tem tido uma forte liderança, fala com o povo ucraniano todos os dias, participa em reuniões… É por isso que é importante que a Ucrânia mantenha a atenção a esses planos e que os aliados também ajudem a Ucrânia a manter a resiliência. Não sei se sabia, mas no ano passado, houve mais de 400 ciberataques na Ucrânia. Eles vão tentar desestabilizar a Ucrânia e a única maneira de responder é a seguinte: que a Ucrânia esteja mais bem protegida.

“O uso do termo impasse é incorreto”

Disse que Zelensky está cansado, mas que os ucranianos ainda acreditam na vitória. Como é que descreve o moral na Ucrânia neste momento da guerra, ainda para mais com a chegada do inverno, que é um tempo mais complicado?
Acho que toda a gente se sente mais deprimida no inverno, mesmo sem a guerra [risos]. Como é que descreveria? Existe a noção de que esta guerra vai durar mais do que as pessoas esperavam. Houve demasiadas expectativas sobre o que é que a Ucrânia podia alcançar no campo de batalha durante o verão. E a Ucrânia também perdeu os seus melhores homens e mulheres em combates. Em resumo, acho que há alguma consciência de que não será fácil, mas isso não leva ao derrotismo. Penso que ainda há determinação para lutar, porque qual é a alternativa? O que acontece se se parar de lutar? A Rússia não vai simplesmente parar. Só pode ser destruída militarmente na Ucrânia. E esta é infelizmente a realidade.

"Em resumo, acho que há alguma consciência de que não será fácil, mas isso não leva ao derrotismo. Penso que ainda há determinação para lutar, porque qual é a alternativa? O que acontece se se parar de lutar? A Rússia não vai simplesmente parar. Só pode ser destruída militarmente na Ucrânia. E esta é infelizmente a realidade"

Acha que a Rússia pode voltar a atacar o setor energético da Ucrânia, como fez no ano passado?
As pessoas estão a adaptar-se ao inverno. As empresas têm geradores e preferem recorrer, por exemplo, a painéis solares, porque o ano passado houve essa série de ataques e haverá decerto este ano também. Eles não vão apenas atacar a infraestrutura destinada à distribuição da energia, mas também os geradores de energia, o que é muito mais caro de reparar. O que dá esperança no inverno são os avanços tecnológicos, por exemplo com drones. A Ucrânia tem tido um sucesso extraordinário a fabricar esses drones e a atacar, por exemplo, a baía de Sevastopol e a destruir as defesas aéreas russas na península da Crimeia. Esse sentimento de que a tecnologia pode virar o jogo é fundamental. Porque sem isso será muito difícil.

Acredita que a Crimeia é a parte mais vulnerável dos territórios ocupados? Isto porque a Crimeia é muito importante para Putin…
A Crimeia é uma pedra angular que, se for roubada, as coisas começam a colapsar. Esta guerra começou com a anexação da Crimeia e avançou porque Putin precisa de a ligar ao restante território ucraniano. As pessoas podem estar esquecidas, mas Putin já tentou controlar Mariupol em 2014 por causa disso. Na altura, as forças ucranianas conseguiram obrigar à retirada russa de Mariupol. Putin quer todo o mar de Azov para conectar a Crimeia ao restante território russo. Não sou uma especialista militar, mas é claro que mais é fácil controlar uma região como o Donbass, que é perto da fronteira, do que uma península, que é mais vulnerável. A Ucrânia também nunca vai desistir e ainda há alguma esperança. Ao ocupar, como fez recentemente, a margem esquerda do [rio] Dnipro, está a consolidar as suas posições para chegar à Crimeia. É uma preparação para um avanço futuro.

Existe uma grande especulação sobre um impasse no campo de batalha e, mesmo que não se verifique, isso pode alterar a perspetiva da guerra. Acha que há mesmo um impasse e pode prejudicar a ajuda entregue à Ucrânia?
Primeiro, penso que o uso do termo impasse é incorreto, porque nenhum dos lados concordou em cessar as hostilidades. É preciso que os dois lados assumam que estão num beco, mas quer os russos, quer os ucranianos, estão a tentar controlar mais território. A Ucrânia até pode estar a fazer avanços no campo de batalha, mas não tem capacidades para explorar essas oportunidades. Não obstante, acho que a Ucrânia está a mostrar aos aliados que pode ter sucesso no campo de batalha contra as forças russas. Também penso que muitas pessoas talvez tenham sido ingénuas ao acreditar que esta guerra seria rápida. Tal como as longas guerras europeias, se a Ucrânia conseguir ajustar a sua economia e defesa e se tiver o apoio dos aliados ocidentais, pode vencer. Penso que estrategicamente, na Europa, toda a gente concorda que a Rússia deve perder e não pode vencer na Ucrânia. Há que priorizar essa estratégia. Há também de ter liderança. E se não há uma liderança clara nos Estados Unidos, é complicado. Quem na Europa poderia providenciar essa liderança, se os EUA estiverem fora de jogo? Eu aponto para a Ursula von der Leyen [presidente da Comissão Europeia], que fez um trabalho fantástico. Esteve sempre ao lado da Ucrânia e foi clara desde o primeiro dia. Há pessoas que olham para a Alemanha como uma superpotência.

"Acho que a Ucrânia está a mostrar aos aliados que a Ucrânia pode ter sucesso no campo de batalha contra as forças russas"

A Alemanha que foi muito criticada no início da invasão pela Ucrânia…
Sim. Mandaram cobertores e capacetes no início da invasão, porque não acreditavam que a Ucrânia pudesse resistir à Rússia. Acho que havia muita gente em Berlim, e também em Washington, que acreditava que a Ucrânia não resistia nem duas semanas.

Se a Ucrânia acabar derrotada no campo de batalha, acredita que outros países, como os Bálticos — que pertencem à NATO e a à União Europeia — estão em risco de ser invadidos e pressionados pela Rússia?
Sim. Penso que globalmente estamos em risco se a Rússia ganhar e se este tipo de comportamento invasor tiver sucesso. Os outros países que têm uma agenda revisionista, como o Irão ou a China, poderão ser incentivados a fazer o mesmo. E será muito perigoso. Não seremos capazes depois de moldar a ordem mundial. Os países mais fortes teriam a hegemonia e os mais pequenos teriam grandes problemas. Temos de garantir que a Rússia é derrotada e travada. Que fica contida. Porque depois do colapso da União Soviética, estendeu-se a passadeira vermelha à Rússia em muitas áreas — na tecnologia, na banca, no imobiliário, nos vistos dourados, em clubes de futebol. Estavam em todo o lado. A Rússia tem de ficar isolada [depois da guerra] e deve ser incapaz de fazer avanços.

“Se a guerra se expandir ao Médio Oriente, isso pode prejudicar diretamente a Ucrânia”

Falemos da guerra no Médio Oriente. Vê alguma influência da Rússia na guerra entre o Hamas e Israel? E que impacto pode este conflito ter para a guerra na Ucrânia?
Bem, acho que sabemos bem onde residem as simpatias do Kremlin nesta guerra. É com o Hamas. Os russos nunca condenaram o ataque e o Hamas visitou Moscovo frequentemente — e não muito antes de atacarem Israel. Os russos estavam a fornecer algum treino ao Hamas e possivelmente até mesmo algum equipamento que capturaram dos ucranianos para demonstrar que a Ucrânia não é um parceiro confiável e que o Hamas pode ter acesso a armas de Kiev. Isso pode descredibilizar a Ucrânia. Os russos, assim, também acabaram por beneficiar de outra crise, de outra guerra, porque isso complica a tomada de decisões em Washington. E é isso que eles querem. Querem sobrecarregar e pressionar os Estados Unidos e tentam distrair Washington. Não quero especular muito, mas o momento do ataque do Hamas e da contraofensiva de Adviika foi quase sincronizado. Vemos que os russos tentam sincronizar esses pontos de pressão. Também conta o facto de que os russos terem uma forte relação com o Irão, cuja proximidade aumentou tanto desde desde o início da guerra. O Irão, esse país sancionado e que não era tão tecnologicamente avançado como a Rússia, de um momento para o outro tornou-se um fornecer de drones à Rússia — e até já se fala que vão enviar mísseis balísticos. De todos os modos, a Ucrânia precisa de munições e de coisas diferentes de Israel. Mas se a guerra se expandir ao Médio Oriente, a história é diferente e isso pode prejudicar diretamente a Ucrânia. Se bem que os Estados Unidos estejam a fazer tudo o possível para que esta guerra não escale.

"Eu acho que sabemos bem onde residem as simpatias do Kremlin nesta guerra. É com o Hamas. Os russos nunca condenaram o ataque e o Hamas visitou Moscovo frequentemente — e não muito antes de atacarem"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A relação entre Israel e Ucrânia, como tem sido?
Lembro-me de falar com um bom amigo que conhece bem Israel e ele dizia-me que Israel não podia enviar armas. Estranhei, porque o Presidente ucraniano até é judeu. Mas ele disse que Israel se estava a preparar para uma guerra, que haveria uma guerra. Fora isso, as pessoas da Ucrânia não têm grande consciência do Médio Oriente. Sabem pouco. Claro que havia expectativas de que Israel ajudasse mais, mas, ainda assim, continua a ser um modelo de país popular, por conta do seu sucesso económico. É um país muito moderno e é uma democracia até começar a ter problemas. Isto é exatamente o que acontece quando a agenda é dominada por assuntos de segurança. E é isto que espero que a Ucrânia seja capaz de evitar.

O que quer dizer com isso?
Quanto mais tempo um país estiver sob ameaça, mais o sistema político interno se torna mais radicalizado. Porque há sempre a cartada da segurança para comprometer mais direitos. A democracia prospera quando há crescimento económico e segurança. Isso permite o pluralismo e não há ameaças. Sob ameaças, as democracias às vezes quebram.

“Não pode haver eleições e o povo ucraniano não está a pedir eleições”

Na vida política ucraniana, poderá haver eleições na Ucrânia em 2024, mesmo que o Presidente Zelensky já tenha admitido que seja difícil. Como vê isso?
É legalmente impossível, porque a Ucrânia está sob lei marcial. Não pode haver eleições e o povo ucraniano não está a pedir eleições. Não é algo que esteja na mente das pessoas. É como se fosse uma distração. É como se quisesse combater e alguém lhe dá uma receita de bolachas, é desnecessário. Além disso, Zelensky não tem qualquer problema de aprovação ou de legitimidade. Cerca de 80% dos ucranianos ainda confiam em Zelensky. Seria também difícil que houvesse observadores internacionais, seria impossível para muitos refugiados votarem e criaria oportunidades para a Rússia manipular, o que seria uma complicação adicional.

"Zelensky não tem qualquer problema de aprovação ou de legitimidade. Cerca de 80% dos ucranianos ainda confiam em Zelensky"

Os ucranianos aceitam continuar a ser governados por Zelensky, então?
Sim. E não sei até certo ponto seria a aceitação de que os territórios ocupados não seriam ucranianos, porque não haveria representantes das regiões no parlamento. Além disso, como é que os ucranianos que vivem em territórios ocupados poderiam votar? Não podiam.

Para os próximos tempos, quais considera que são os principais problemas para a Ucrânia em 2024? Como é que o Ocidente deve responder a esses problemas?
Já falámos de muitos deles durante a entrevista. Será um ano muito difícil, porque vai implicar uma mudança sistemática na maneira como a guerra está a ser conduzida. Precisamos de mais energia para sobreviver a esta batalha. Isso significa mais recursos para apoiar a economia, proteger a infraestrutura crítica e não deixar que os ucranianos deixem a Ucrânia. Não queremos um país despovoado. Temos, acima de tudo, de nos recalibrar para uma guerra longa. Penso que é uma guerra que pode ser vencida se melhorarmos e formos capazes de mostrar as nossas capacidades, porque as Forças Armadas ucranianas estão cada vez mais bem treinadas e mais confiantes com nova tecnologia. Também será um ano importante para começar as negociações para a adesão à União Europeia, porque isso dá mesmo alguma esperança para o futuro.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.