[Infografias atualizadas a 29 de setembro de 2020]

Quatro meses parecem uma eternidade para quem é obrigado a ficar confinado ou limitado nas suas liberdades. Mas na área da ciência, onde os avanços levam normalmente muito tempo, é quase um piscar de olhos. Neste período de tempo foram registadas mais de 160 candidatas a vacinas preventivas contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2). Neste momento, há 40 em ensaios clínicos com humanos (dados de 28 de setembro de 2020). A Organização Mundial de Saúde atualiza estes números regularmente.

As vacinas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, da Cansino e da Sinopharm, na China, e da Moderna, nos Estados Unidos, já publicaram os resultados dos primeiros ensaios clínicos. Resultados animadores, considerando que as vacinas foram consideradas seguras e despertaram uma resposta do sistema imunitário contra o agente estranho. Os investigadores têm tentado encurtar alguns passos, mas a Rússia conseguiu mesmo saltar uma barreira: aprovou uma vacina antes de completar a fase 2 e sem ter começado a fase 3.

A falta de informação sobre a vacina russa foi inicialmente criticada — até por académicos russos. Mas, desde aí, tanto o Instituto Gamaleia como o Instituto Vector (Centro de Investigação Estatal de Virologia e Biotecnologia), na Sibéria, divulgaram alguma informação sobre os ensaios em curso. Tal como anunciado por Dmitry Kulish, professor do Instituto Skolkovo de Ciência e Tecnologia (Skoltech), a AstraZeneca prepara-se para pedir a aprovação da vacina na Rússia, começando com um ensaio clínico de fase 3 com 100 voluntários.

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De forma geral, os avanços feitos pelos vários grupos são promissores, tendo em conta que dos 10 a 15 anos que demora normalmente o desenvolvimento de uma vacina aos 12 a 18 meses que foram prometidos nesta pandemia vai uma grande diferença. É que, até agora, a vacina desenvolvida mais rapidamente demorou quatro anos. A vacina contra o novo coronavírus tem, no entanto, alguns pontos a seu favor. Primeiro, nunca se tinha assistido a tamanho esforço a nível mundial para o desenvolvimento de uma vacina no menor espaço de tempo possível e isso implica muito financiamento, parcerias entre várias entidades, fases de ensaios clínicos combinadas (fase I e II ao mesmo tempo, por exemplo) e aceleração de processos que normalmente são burocráticos e morosos.

Depois, esta não é a primeira epidemia de coronavírus e já havia trabalho de investigação feito para o SARS e MERS e algumas vacinas até já estavam prestes a entrar em ensaios clínicos — mas o surgimento de outras epidemias e o corte no financiamento deixou-as em espera. Algumas equipas começaram a trabalhar neste novo vírus ainda antes da declaração da pandemia, após a divulgação da sequência genética, a 11 de janeiro.

Olhar para o esquema das vacinas em desenvolvimento permite-nos perceber que não acontecerá tudo assim tão rapidamente — isto considerando que não vamos saltar passos importantes na verificação da segurança — e parece pouco provável que haja uma vacina no mercado antes do final do próximo ano. Em meados de julho havia apenas três vacinas inscritas na terceira fase de ensaios clínicos (no final de setembro já eram nove) e nove que ainda só tinham registo para a primeira fase (15, no final de setembro). Se correr tudo bem até ao final da fase III, depois ainda terão de passar pela validação das autoridades de saúde competentes para poderem entrar no mercado. Mas nem todas vão conseguir completar o processo e muitas ficarão pelo caminho, seja porque não funcionam, porque têm efeitos secundários graves ou porque lhes faltou o financiamento.

Uma forma de reduzir os riscos — de efeitos secundários e de falhanços tecnológicos — e potenciar bons resultados é recorrer a metodologias que já tenham sido usadas no desenvolvimento de outras vacinas e que estejam bastante estudadas. Uma das hipóteses são as vacinas atenuadas (como a do sarampo) ou inativadas (como a da poliomielite) que usam o vírus completo, mas sem a capacidade de causar doença. A vantagem é que a resposta imunitária é mais completa, porque houve contacto com todos os componentes do vírus, e normalmente mais duradoura. O maior risco é que o vírus não tenha ficado bem atenuado e volte a estar ativo uma vez dentro do organismo. O processo complexo de desenvolvimento deste tipo de vacinas pode justificar que sejam o grupo com menos candidatas.

Usar vetores virais, que são vírus modificados ou incapazes de provocar doença no homem, são uma abordagem mais segura. Neste caso, podem levar moléculas específicas do coronavírus para dentro das células e desencadear a resposta do sistema imune. O problema é se o vírus em circulação sofrer uma mutação na molécula escolhida, fazendo com que a resposta imunitária desencadeada pela vacina deixe de ser eficaz contra o novo vírus mutado.

Vacinas. Dos resultados promissores ao que ainda pode correr mal

Com os vírus intactos ou modificados ou colocando as proteínas noutros veículos (como nanopartículas) o objetivo é sempre o mesmo: mostrá-las ao sistema imunitário para que ele as possa combater. A estratégia que usa apenas partes das proteínas virais e esses veículos alternativos é de longe o tipo de vacinas que reúne mais candidatas (51, a 15 de julho).

Sabendo que são as proteínas que provocam a resposta do sistema imunitário, podem usar-se partículas semelhantes a vírus (naturais ou sintéticas) cuja cápsula e estrutura é semelhante à do vírus, mas não têm material genético no seu interior (como a vacina da hepatite C). Portanto, mesmo que consiga entrar dentro das células humanas, não tem o centro de comandos que provocaria a verdadeira infeção e doença.

Outros grupos optaram por outra estratégia: vacinas com partes do material genético do vírus (ARN ou ADN). O desenvolvimento inicial é relativamente rápido, basta que o código genético do vírus já tenha sido sequenciado (decifrado), mas a verdade é que ainda não existe nenhuma vacina no mercado que use esta tecnologia. Receia-se, por exemplo, que o ADN viral entre no núcleo das células e se funda com o ADN humano, com consequências desconhecidas.

Quase todos os ensaios clínicos estão a decorrer com adultos saudáveis, a partir dos 18 anos, muitas optaram por não testar em maiores de 60 anos e poucas são aquelas que vão fazer testes em crianças — pelo menos, por enquanto. Mas a Universidade de Oxford vai fazer um teste diferente das demais: na África do Sul, vai recrutar 50 adultos com VIH que estão a fazer tratamento com antirretrovirais. O objetivo é não só testar a segurança da vacina contra o SARS-CoV-2, mas perceber se o sistema imunitário destes doentes é capaz de dar resposta a este esquema de vacinação.

[Veja nesta tabela em que fase está cada uma das candidatas a vacinas registadas:]

Três das candidatas a vacinas que estão mais avançadas nos ensaios clínicos — ou, pelo menos, nas autorizações para os fazerem — vão receber financiamento do governo norte-americano para a fase III dentro do programa de apoio ao desenvolvimento de vacinas e tratamentos contra o SARS-CoV-2, Operation Warp Speed: a Moderna em julho, a Universidade de Oxford em agosto e a BioNTech em setembro.

Todas as vacinas apresentadas estão a ser desenvolvidas ou adaptadas para combater o SARS-CoV-2, mas existe um caso especial (que não foi incluído na tabela): a BCG, usada normalmente na prevenção da tuberculose. Como esta vacina demonstrou, no passado, proteger contra outros tipos de infeções ou aumentar a resposta do sistema imunitário, e como houve relatos (ainda não validados) que as pessoas vacinadas com a BCG em criança recuperavam melhor da Covid-19, decidiu testar-se se era eficaz para reduzir o número de casos de infeção e a gravidade da doença.

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Neste momento, estão a decorrer dois ensaios clínicos de fase III com profissionais de saúde: um com mais de 10 mil profissionais de saúde na Austrália, outro com 1.500 na Holanda. É possível que no início do próximo ano já haja resultados do estudo holandês (com menos pessoas). A vantagem do ensaio com esta vacina é que já não precisa de passar pelos ensaios de segurança, esses já foram feitos há muito tempo, e pode avançar-se diretamente para os testes de eficácia.