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[Especial originalmente publicado a 8 de maio de 2022, mas agora recuperado a propósito da morte da filha de Alexander Dugin, numa explosão no carro onde seguia em Moscovo]
Longa barba, olhos azuis penetrantes, ar compenetrado. Muitos lhe chamam “O Rasputine de Putin”; e a alcunha deve parte do seu sucesso ao aspeto de Alexander Dugin, que não passa despercebido. Outros elementos contribuem para o epíteto de “conselheiro das sombras”: Dugin é um intelectual cuja ideologia mistura elementos do fascismo, do oculto e do pós-modernismo e já há anos que considera que a Rússia deveria invadir a Ucrânia. Agora, com uma guerra em marcha no país, as suas declarações do passado parecem assumir um caráter profético e lançam a questão: poderá Vladimir Putin estar a dar ouvidos a este homem?
Alexander Dugin é um homem complexo, Charles Clover que o diga. O antigo correspondente do Financial Times em Moscovo conheceu Dugin enquanto preparava o livro Black Wind, White Snow: The Rise of Russia’s New Nationalism (sem edição em português), sobre o nacionalismo russo. A primeira impressão deixou-o baralhado, como descreve na obra: “Dugin podia parecer um filósofo louco, um eremita Dostoievskiano. Mas, na verdade, era um tipo divertido, na moda e fácil de se gostar, bem como um dos intelectuais mais interessantes e com mais leituras que já conheci.”
Ouça aqui o episódio de “A História do Dia” sobre o Alexander Dugin.
Seis anos depois, já com maior distância (e fora de Moscovo), Clover mantém a mesma avaliação: “Ele é a pessoa mais interessante para se ter como convidado num jantar”, partilha o jornalista com o Observador. “Tenho de admitir, fui meio encantado pelo feitiço dele. Não que acredite no que ele diz ou que concorde com ele, mas… Já nos anos 90 ele dizia: ‘É por aqui que a Rússia vai’. E foi mesmo.” Uma personagem polémica, mas fascinante, que foi até retratada na obra de ficção Limonov (ed. Sextante), de Emmanuel Carrère, como alguém que “fala 15 línguas, já leu tudo, bebe álcool de um só trago, tem uma risada franca e é uma montanha de conhecimento e charme”.
Na realidade, Dugin falará menos línguas (nove, dizem), mas não há dúvidas das suas capacidades intelectuais. Nem das suas ideias, que desde a década de 1980 até hoje foram incluindo elementos fascistas e tradicionalistas, aproximando-o atualmente de figuras como Stephen Bannon e Olavo de Carvalho (considerados os ideólogos de Trump e Bolsonaro), com quem mantém contacto. Também não há dúvidas do que defende para a Rússia: o país deve liderar um bloco eurasiático conservador, que comande todos os países da sua região, por oposição ao Ocidente liberal.
Não é, contudo, o único a defender ideias semelhantes na Rússia, onde o movimento euroasiático remonta à eslavofilia do século XIX. Mas Dugin é, como aponta Clover, “muito bom a promover-se”. “Ele é muito bom a pegar nas teorias dos outros e a torná-las populares. Dugin conseguiu implementar estas ideias na consciência russa.” Mas será também o responsável por semeá-las na cabeça do Presidente russo?
As ligações a militares e as teorias fascistas da “luta letal” entre Oriente e Ocidente
Alexander Gel’evich Dugin nasceu em São Petersburgo, em 1962, numa família tipicamente soviética: neto da reitora da escola de quadros do Partido Comunista da URSS e de um militar, os pais eram uma funcionária do ministério da Saúde e um engenheiro que trabalhou para o KGB. Produto do sistema, desde cedo se revoltou contra ele, porém. No final da adolescência, já fazia parte de um clube literário proibido, o Yuzhinskiy. Foi aí que conheceu os intelectuais que o inspirariam para a vida toda, como o tradicionalista René Guénon e o fascista Julius Evola. O investigador John B. Dunlop diz que Dugin foi nessa altura detido pelo KGB: há relatos de que terá sido depois expulso do Instituto de Aviação de Moscovo, outros dizem que chegou a terminar os estudos. No final dos anos 80, já durante a perestroika, Dugin juntou-se à organização nacionalista Pamyat, conhecida pelas suas posições claramente anti-semitas.
A União Soviética, porém, não era a sua única inimiga. Com a queda da URSS, Dugin manteve-se ativo na política, mas de outra forma. Juntou-se ao Partido Nacional-Bolchevique, de Eduard Limonov, que aliava a extrema-esquerda à extrema-direita, e concorreu à Duma (Parlamento russo) em 1995, mas obteve menos de 1% dos votos. Mais tarde faria uma segunda tentativa, ao ajudar a criar o Partido Eurásia, em 2002, mas novamente com maus resultados — seria expulso pelo fundador.
Além da política ativa, Dugin procurou outra forma de influência, cultivando relações com figuras de destaque. Começou com os militares da Academia Militar russa, incluindo Igor Rodionov, que viria a tornar-se ministro da Defesa em 1996. Foi também nessa altura que Dugin publicou a sua obra de maior sucesso, Fundamentos da Geopolítica (sem edição em português), onde explica a sua teoria eurasiática. Até hoje, explica Charles Clover, é difícil perceber quem influenciou mais quem: se Dugin criou um ascendente sobre os militares ou se estes moldaram a sua visão. “Ele no livro agradece ao general Nikolai, diz que ele o ajudou muito, mas este nega e ficou muito chateado com isso. Falei com Dugin sobre o assunto e com várias das pessoas que estavam lá nessa altura e ainda hoje não tenho uma resposta clara. Aquilo que é claro é que ele tinha contactos de alto nível à altura”, resume.
As ligações importantes passaram depois da esfera militar para a política. Dugin tornou-se conselheiro do porta-voz da Duma, o comunista Gennady Seleznev, e em 1999 tornou-se o principal conselheiro geopolítico do Conselho da Duma para a Segurança Nacional, com ligações próximas ao nacionalista Vladimir Zhirovskii. Marlene Laruelle, académica que investigou a vida de Dugin, garante que, à altura, o intelectual também tinha uma forte influência sobre Aleksandr Rutskoi, do Partido Social Democrata.
As ideias de Dugin, porém, estiveram sempre bem definidas. Inspirado em Julius Evola, que foi condenado em Itália em 1951 por ter tentado “restabelecer o fascismo”, Dugin afirmou que é necessário aplicar um “fascismo genuíno, verdadeiro e radicalmente revolucionário”. Mais recentemente, tem defendido a aplicação da “Quarta Teoria Política”, que diz que após o fascismo, comunismo e liberalismo, é agora necessário uma quarta ideologia que combine “as teorias sociais e económicas da esquerda com os valores tradicionais”. Economicamente, porém, Dugin também já defendeu em público que é possível aplicar um modelo economicamente liberal, que “coexiste perfeitamente bem com os regimes autoritários mais estritos”.
A discrepância pode explicar-se pelo facto de que a economia não é a área que mais interessa a Dugin. Desde que publicou os Fundamentos de Geopolítica, Dugin tem-se dedicado mais a explorar a sua teoria do Euroasianismo. Para o intelectual, o mundo vive num conflito entre o mundo “Atlântico” (Ocidente) e o Oriente e é preciso deitar abaixo a “unipolaridade” liderada pelos EUA e pelo seu modelo liberal, permitindo a existência de uma Eurásia — liderada pela Rússia, é claro — que defende um modelo de civilização mais conservador.
Andreas Umland, investigador do Centro de Estocolmo para os Estudos do Leste Europeu, considera que há, contudo, uma continuidade clara nas ideias de Dugin ao longo dos anos: “Ele atualmente usa uma terminologia diferente [da do fascismo clássico], mas as ideias básicas mantêm-se”, explica ao Observador o académico ucraniano, que investigou a extrema-direita russa e, em particular, Dugin.
“Para ele, há uma luta letal há séculos, em que a Rússia lidera os poderes terrestres (talassocracias) e os EUA os marítimos (telurocracias), que opõe a civilização tradicionalista e a civilização liberal. E esta luta terminará com uma vitória do Tradicionalismo: a criação de uma nova civilização onde as nações vivem de acordo com as suas tradições, mesmo que sejam tradições não-democráticas. Mesmo que não se foque nos judeus, por exemplo, é uma ideologia fascista, na prática”, defende o investigador, por ser uma teoria que defende “que não haja mistura das nações e onde a identidade nacional define as sociedades”.
Uma Euroásia liderada pela Rússia, “da Crimeia a Lisboa”
É também uma ideologia que define o conceito de identidade nacional de forma diferente daquela que as fronteiras atuais desenham. Para Dugin, todos os antigos territórios da União Soviética, com exceção dos Bálticos, devem fazer parte do bloco euroasiático liderado pela Rússia. Foi por isso que, aquando da guerra na Geórgia, em 2008, Dugin foi fotografado com armas no terreno e popularizou o lema “Tanques para Tbilisi!”, capital da Geórgia.
Também a Ucrânia está debaixo do seu olho há muito tempo. Já em 2009, Dugin publicava vídeos no Youtube em que falava na separação da Ucrânia, com o território oriental a ser englobado pela Rússia e deixando apenas algumas regiões mais ocidentais como independentes. Em 2016, Clover escrevia que “Dugin tem estado assustadoramente certo [nas previsões] do conflito na Ucrânia”. E o jornalista ilustra como: “Ele foi o primeiro nacionalista a usar o termo ‘Novorossiya’ [Nova Rússia] para se referir ao leste da Ucrânia, numa entrevista a 3 de março de 2014, muito antes da ocupação de Donetsk e Lugansk ter começado e mês e meio antes de Putin ter usado o mesmo termo. Ele previu que as milícias de Donetsk e Lugansk iam declarar independência semanas antes de o terem feito. Ele acertou em como seria o desenho da bandeira da República de Donetsk — vermelha com a cruz azul de Santo André — dois meses antes de ser feito um concurso para a escolher. E também previu que a Rússia iria colocar tropas no terreno em larga escala, o que aconteceu em agosto.”
O momento da anexação da Crimeia e o subsequente envolvimento russo em Donbass foi aclamado por Dugin, que o encarou como um momento de viragem em direção ao modelo mundial que defende. “Depois da Crimeia, passámos um ponto de não-retorno”, afirmou. As ações do Kremlin pareciam confirmar aquilo que Dugin defendia há muito: a Rússia deve decidir tomar os Estados pós-soviéticos e “nenhum deles existirá nas suas atuais fronteiras” no futuro; a soberania ucraniana representa “um grave perigo para toda a Eurásia”; e a Revolução da Euromaidan, em 2014, foi “um golpe de Estado liderado pelos Estados Unidos”.
E o seu relacionamento com este tema não se ficou apenas pela escrita e pelas declarações públicas. Em 2015, os EUA decidiram aplicar sanções a Dugin, proibindo-o de entrar no país. Os norte-americanos dizem que o intelectual tem “recrutado ativamente indivíduos com experiência militar e de combate para lutar pelos separatistas apoiados por Moscovo no leste da Ucrânia”.
Agora, com a invasão russa a estender-se para lá de Donbass, as previsões de Dugin parecem assustadoramente reais. “Ele tinha este plano explícito de que não deve existir um Estado ucraniano e que toda a costa do Mar Negro deve ser russa”, ilustra Andreas Umland. Com as tropas russas a tentarem tomar Mariupol e a atacarem Odessa, parece que o objetivo de tomar a costa do Mar Negro já não é exclusivo de Dugin. Charles Clover, por seu turno, volta a sublinhar que há uma interseção grande entre as ideias do próprio Dugin e de alguns setores do exército russo: “A ideia de que a costa norte do Mar Negro deve ser controlada pela Rússia é um imperativo estratégico da Rússia que já se tinha tornado evidente na guerra da Geórgia.”
Subitamente, aquilo que pareciam teorias algo tresloucadas de um intelectual russo sem relevância parecem previsões ponto por ponto das ações que Moscovo acaba por tomar nesta guerra. “Dugin era um filósofo radical e marginal dos anos 80 e 90. Aquilo que aconteceu é que a política russa mainstream se aproximou do terreno ideológico onde ele está. Não foi Dugin que se aproximou do centro, foi o centro que se aproximou de Dugin: do seu nacionalismo radical, das suas teorias de extrema-direita, do trans-eslavismo e euroasianismo, da cristandade ortodoxa.”
A grande questão que se coloca agora é se irá o Kremlin seguir ponto por ponto o plano do ideólogo ou se ficará por aqui. Dugin não se cansa de afirmar que defende um combate ideológico mundial, uma revolução e uma expansão deste novo “império”. A 7 de março de 2014, poucas semanas depois da tomada da Crimeia, o filósofo escreveu um artigo que partilhou numa das suas contas de Facebook, intitulado “Da Crimeia a Lisboa”: “Não vamos limitar-nos a anexar a Crimeia. Isso é certo. Ontem, a reunificação com a Crimeia foi uma vitória para nós. Hoje, é já uma coisa infinitamente pequena”, escreveu.
“De Lisboa a Vladivostok.” O que significa este sonho antigo de Vladimir Putin?
Se há oito anos não parecia haver qualquer sinal de que o Kremlin partilhasse de tal visão de conquista do mundo, hoje a situação é diferente. O antigo Presidente Dmitry Medvedev escreveu não há muito tempo que tinha chegado a altura de “construir uma Eurásia de Lisboa a Vladivostok”. Pode Vladimir Putin estar a considerar avançar de alguma forma nas suas ambições territoriais para lá da Ucrânia, como Dugin gostaria? “Essa é a pergunta para um milhão de dólares”, responde Umland.
Os elogios a Trump e os encontros com a extrema-direita europeia
Com alinhamento total ou não nesta matéria, certo é que Dugin também defende um envolvimento na política ocidental para provocar o seu enfraquecimento que faz lembrar algumas das táticas de desinformação do Kremlin. O ideólogo considera há muito que a União Europeia e a NATO são ameaças à Rússia, razão pela qual celebrou eventos como o Brexit e a eleição de Donald Trump — “Ele é a América crua, sem brilho e sem a elite globalista. Ele às vezes é nojento e violento, mas é o que é. É a verdadeira América”, disse sobre o ex-Presidente norte-americano.
Dugin é bastante popular nalguns dos círculos mais radicais da extrema-direita norte-americana — a mulher do supremacista branco Richard Spencer chegou mesmo a traduzir algumas das suas obras — e elogia amplamente Steve Bannon, com quem já chegou a encontrar-se em Roma. “Ele partilha comigo a necessidade de apoiar movimentos populistas na Europa para confrontar as elites globais. É um caso muito interessante e único nos EUA”, disse Dugin.
Esse apoio aos partidos anti-sistema na Europa é claro e Dugin participa ativamente nele. Com a ajuda do empresário Konstantin Malofeev, Dugin tem promovido encontros com uma série de políticos europeus de extrema-direita, como o italiano Matteo Salvini (Lega), representantes do FPÖ austríaco, a União Nacional de Marine Le Pen e os líderes da alemã AfD.
Mas Dugin não se limita a olhar para o território europeu. Em 2011, participou num debate com Olavo de Carvalho, homem visto como o ideólogo de Jair Bolsonaro. Desde então, criou um estudo de centros em São Paulo e manteve o interesse no Brasil. “É um admirador da Música Popular Brasileira, da bossa nova e da literatura brasileira”, pode ler-se num artigo da Folha de S. Paulo, onde é possível ver uma fotografia sua a beber chimarrão, uma bebida brasileira de erva-mate.
“Ele adora esta ideia de ser visto como alguém que está a trabalhar nas sombras”
A influência de Dugin na política americana, brasileira e europeia é, porém, reduzida. O mesmo já não se pode dizer do que se passa na Rússia, onde ideias como as de Dugin passaram de marginais a populares em poucos anos. Isso mesmo resume Charles Clover na conversa com o Observador: “Sempre se assumiu que o Kremlin [de Putin] era pragmático, mais interessado no comércio e na economia, e que de vez em quando dizia umas coisas sobre Estaline ou o império que eram mais para ganhar eleições e manter-se popular”, aponta. “Esse pragmatismo mudou radicalmente nos últimos dez anos, desde que Putin regressou ao poder em 2012. O seu pragmatismo deixou de ser focado na percentagem do PIB e mais em quantos quilómetros quadrados consegue controlar.”
A adoção de ideias do nacionalismo radical de Dugin por parte do Kremlin não significa, porém, que o ideólogo seja o verdadeiro Rasputine por trás do trono de Putin. É pelo menos essa a convicção dos especialistas ouvidos pelo Observador. “É mais uma ligação indireta. Ele fala de ideias, termos, planos e agendas antes dos outros. E alguns são aplicados”, afirma Andreas Umland. Para o académico, apesar de muitas ideias de Dugin e do Kremlin se sobreporem, não se pode falar numa correspondência exata. “A ideologia oficial do Kremlin é muito eclética. E mesmo quando fala de Eurásia, tem uma conotação diferente. Dugin quer um novo mundo, é um fascista. Putin é mais um conservador, quer restaurar um antigo império.”
O próprio Dugin afirma publicamente que não conhece pessoalmente o Presidente russo, mas não nega que tem ligações a elementos do Kremlin e que considera que as suas ideias influenciam Putin. “Ele não é uma pessoa ideológica — é um realista pragmático —, mas entende que a minha visão é a certa para a Rússia conseguir enfrentar os desafios dos próximos anos”, diz.
Charles Clover concorda que há laços a Dugin, mas duvida da ideia de que o filósofo possa estar a sussurrar diretamente ao ouvido do Presidente. “Ele tem alguns contactos no Kremlin e até de pessoas do círculo próximo de Putin, como Vladimir Yakunin. E é possível que, desde que escrevi o meu livro em 2016, ele tenha conseguido mais influência. Mas tenho dificuldade em imaginar Putin a ler algo escrito por Dugin, sequer.” O jornalista recorda o homem que conheceu e diz não ter dúvidas de que o próprio Dugin adora a ideia de ser descrito como “Rasputine de Putin”, mas que tal não corresponde à verdade: “Ele não é o cérebro. Mas tem uma capacidade invulgar de ler a Rússia e creio que isso também tem a ver com as relações importantes que estabelece.”
Ao longo do tempo, Dugin tem mantido a sua relevância ajustando a mensagem. Marlene Laruelle aponta que Dugin sempre manteve coerência nas suas ideias, mas tem sido capaz de alterar o seu “status público” e passou de “intelectual marginal” a “personalidade política próxima dos círculos do poder”. Andreas Umland concorda. “Ele adora esta ideia de ser visto como alguém que está a trabalhar nas sombras”, diz, porque isso também lhe dá notoriedade. “Ele esteve nos EUA, encontrou-se com o Francis Fukuyama… Odeia a ideia de ser marginalizado e quer ser aceite no mundo académico. Daí também toda aquela imagem, com a longa barba. Ele é um bom orador, lê muito, mas não é um pensador assim tão original e esta é a forma de se destacar.”
Com a guerra da Ucrânia a decorrer, Dugin pode conseguir a verdadeira influência que tanto deseja sobre Vladimir Putin? Umland destaca como a “congruência óbvia entre as suas ideias e a do Kremlin” pode continuar a acentuar-se e a ajudar a tornar as suas ideias mais mainstream. Porém, o académico aponta que há ideias no passado do intelectual que o prejudicam nesse intento, como os vários elogios no passado a membros e divisões das SS nazis — não por acaso, Carrère imaginou no seu livro que Limonov tratava Dugin pela alcunha de “Dr. Goebbels”. “Há uma bagagem ideológica da qual ele não se consegue livrar tão facilmente e que é um problema para o Kremlin. Se não fosse isso, talvez ele até já estivesse numa posição muito mais próxima oficialmente do poder do que está agora”, reflete Umland.
Perante uma Rússia que justifica a sua intervenção na Ucrânia com uma “desnazificação”, é difícil ter como rosto um homem que chegou a concorrer a eleições por um partido que tinha uma foice e o martelo estilizados como a suástica na bandeira nazi (o Nacional-Bolchevique). Talvez não seja por acaso que Dugin tem multiplicado as publicações nas suas redes sociais onde elogia a “operação militar especial na Ucrânia” e afirma que “o nazismo é parte do rumo político da Ucrânia moderna” e tem de ser eliminado.
Mas o que é a verdadeira “desnazificação” para um homem que já elogiou as SS? “O estabelecimento de outra ideologia que não se baseie no princípio anti-Rússia”, esclareceu Dugin numa entrevista recente. O objetivo principal de Alexander Dugin é sempre o da revolução, de um novo mundo onde a Rússia é uma potência pura e não manchada pelo liberalismo do Ocidente.
Há alguns dias, o ideólogo descreveu as sanções do Ocidente como “um Leviatã furioso” que está a retirar à Rússia “Twitter, TikTok, Facebook, YouTube, marcas e resorts, gasodutos e sistemas de pagamentos”. Mas não lamentou: “Esta é uma nova e fundamental ronda da História russa, que nos livra de décadas de estagnação e nos coloca no caminho do nosso destino original.” Não é certo se Vladimir Putin concorda, mas o mais certo é ter ouvido falar disso.