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Quem é quem na guerra pelos restos mortais de José Eduardo dos Santos

Depois de 15 dias em que se discutiu na praça pública o direito de quem a desligar as máquinas a que o ex-Presidente de Angola estava ligado, agora é o local onde será enterrado que divide a família.

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Não é a primeira vez que o local de enterro de um Chefe de Estado é um problema. Nem é novidade a disputa familiar num momento tão delicado. Sem sair de África, basta pensar em Nelson Mandela. Com “Madiba”, a questão de desativar ou não as máquinas a que estava ligado não se tornou num caso de polícia como com “Zédu”. Mas o local onde sepultar o rosto da luta contra o apartheid, assim como dividir o seu património entre os herdeiros e que uso político dar à sua imagem, sim.

A guerra a que se assistiu publicamente nos últimos 16 dias, tantos quantos José Eduardo dos Santos esteve internado nos cuidados intensivos, em coma, numa clínica catalã, não é pois um exclusivo angolano. Nem uma surpresa para muitos angolanos.

A paz no clã mais poderoso de Angola durante 38 anos podia encher as imagens das redes sociais. Mas os angolanos conheciam as fraturas existentes num circulo familiar de nove filhos (os oficialmente conhecidos) de cinco mulheres. E no momento mais difícil da vida do antigo Presidente angolano, ficaram visíveis para todo o mundo.

“Eram raros os dias em que não havia gritaria nos corredores da clínica”, diz ao Observador uma fonte amiga dos dois lados em confronto. Ou seja, da ala de Tchizé e Isabel dos Santos (apesar de não estarem sempre totalmente alinhadas) e do flanco de Ana Paula dos Santos, a ex-primeira-dama. Pelo meio, estavam outros filhos de José Eduardo dos Santos e, com peso acrescido, os seus dois irmãos, Luís e Marta.

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Família Dos Santos cada vez mais dividida. Isabel não acompanhou queixa da irmã Tchizé. José Eduardo dos Santos piorou nas últimas 48 horas

A divisão não acabou com a morte do patriarca, nesta sexta-feira, pelas 11h10 (em Espanha). Enquanto o governo de Angola marcava luto nacional (que alargou de cinco para 7 dias), preparava um funeral de Estado — com João Lourenço a deixar elogios e a admitir a presença de toda a família, incluindo Isabel dos Santos, apesar dos problemas com a justiça —, e o MPLA (partido no poder há 46 anos) suspendia toda as ações políticas nesse período, uma das filhas, Tchizé, continuava a sua batalha. Se até quinta-feira a decisão de desligar ou não as máquinas era o motivo da sua luta, agora a razão é o local do funeral e sepultura do pai.

Funeral de Estado para José Eduardo dos Santos. Um problema para João Lourenço e para a família do antigo Presidente de Angola

Nesse mesmo dia, quinta-feira, segundo o jornal espanhol La Vanguardia, a ex-deputada apresentou mesmo uma providência cautelar para impedir que o corpo do pai fosse trasladado para Luanda e, nesta sexta-feira, pediu à clínica Teknon em Barcelona, que não entregasse o corpo antes da autópsia para averiguar a causa da morte, avançou a SIC Notícias. No início desta semana, já tinha pedido uma investigação policial sobre as circunstâncias e as condições do internamento do pai.

A advogada de Tchizé confirmou ao final da tarde à agência Lusa que tinha sido interposta uma providência cautelar no tribunal e que a clínica Teknon lhe tinha dito “que o corpo não vai sair da clínica enquanto não houver ou uma ordem judicial ou um acordo entre todos os filhos”.

“É indiscutível que é aqui que deve ser enterrado, e com honras de Estado”, sublinha, sob reserva de identidade, um general amigo de José Eduardo dos Santos ao Observador. Sobre a ação de Tchizé apenas responde: “Mas que disparate é este? Não vamos transformar isto num duelo pelo corpo dele. Haja bom senso”. Mas, e se família decidir que fica em Barcelona? “Que família? A maior parte da família do Presidente Emérito está em Luanda”, comentou. “Fora, só estão Tchizé e Isabel. Não tenha dúvidas, os restos mortais do meu camarada vêm para Angola”, garantiu.

Afinal, se o processo caminhar pela justiça, quem vai poder decidir? Os filhos que estão divididos? Ana Paula, ex-primeira-dama, com José Eduardo dos Santos sobre quem recai neste momento uma denúncia por alegada tentativa de homicídio do marido terá alguma influência? Os irmãos de José Eduardo dos Santos, seguindo a tradição africana de que os mais velhos têm a primazia? Os filhos, que estão divididos? Quem é quem neste xadrez sobre o destino dos restos mortais do segundo Presidente africano que mais tempo esteve no poder?

Ana Paula, a mulher separada há mais de 4 anos

José Eduardo dos Santos e Ana Paula na campanha eleitoral de 2017

Com 58 anos, Ana Paula tem estado no centro do furacão familiar. Casada com José Eduardo dos Santos (JES) desde 1991, terá uma palavra decisiva no assunto. Tchizé em tentado anular qualquer intervenção dela, por acreditar que a madrasta está ao serviço do governo angolano e que pretendia desligar a máquina que manteria vivo José Eduardo dos Santos. Para isso, a ex-deputada do MPLA argumenta que, segundo a lei espanhola, Ana Paula teria que estar casada de facto com o pai, o que não acontece: não vivem juntos desde a segunda metade de 2017, quando JES deixou o palácio presidencial da Cidade Alta.

A enteada de Ana Paula apresentou mesmo um pedido de investigação à polícia por alegada tentativa de homicídio do pai contra a ex-primeira-dama e o médico angolano que o acompanha há quase duas décadas.

A denúncia, o estado de saúde de José Eduardo dos Santos e a guerra judicial. O que se sabe sobre o antigo Presidente de Angola

A presença de Ana Paula em Barcelona espantou muitos angolanos que vão repetindo nas redes sociais e em conversas a mesma pergunta: porque é que a ex-primeira-dama, de repente, decidiu ir ter com José Eduardo dos Santos?

Tchizé tem uma tese: foi a mando do governo de Angola. Os motivos? Já apresentou dois:

  • Um seria acelerar a morte de JES, porque este estaria interessado numa alternância do poder e, perante eleições, já em agosto, João Lourenço (JLO) teria receio que o antecessor apoiasse o maior opositor do MPLA: a UNITA;
  • Outro seria que Ana Paula estava em Espanha para garantir que, caso o pior cenário se concretizasse, como aconteceu, o corpo de JES será mesmo levado para Angola, onde terá um funeral de Estado, o que pode trazer dividendos políticos a JLO. Segundo alguma imprensa angolana, Tchizé disse que o pai confessou que gostaria de ser enterrado em Espanha. Mas ainda não apresentou qualquer prova desse suposto desejo.

Ao final da tarde desta sexta-feira, a sua advogada disse que nunca viu um documento nesse sentido mas que tinha sido entregue uma declaração no tribunal onde os filhos assim o garantiam.

Estado de saúde de José Eduardo dos Santos agravou-se seriamente. João Lourenço diz que é “preocupante”

Do outro lado do confronto surgem outras razões. Fontes angolanas referem que há a informação de que José Eduardo dos Santos terá entregue na clínica um papel segundo o qual Ana Paula era responsável pelo seu acompanhamento médico. “Mas eu nunca vi tal documento”, ressalva fonte próxima do atual e anterior governo. Jornais angolanos dizem que as filhas contestam a veracidade desse eventual documento, mas a Teknon, sem provas de que o documento fosse falso, não afastou Ana Paula do quarto do doente. O Observador contactou a clínica, mas não obteve resposta.

Uma fonte amiga da ex-primeira-dama que pediu para não ser identificada, não tem dúvidas: Ana Paula foi para Barcelona, “contente”, para “resolver as coisas entre eles” em nome de um casamento “muito bonito de muitos anos”. Foi em abril, como “mulher e mãe que tem um coração grande”, num momento muito frágil de José Eduardo dos Santos. “A cabeça dele estava boa, ele não disse que não a queria lá, recebeu-a bem, não a mandou embora”, conta a mesma fonte.

"Ana Paula foi por razões humanitárias", JES pesava cerca de 50 quilos e recusava-se a comer

Tchizé tem outra versão: Ana Paula chegou com Joseana, filha do casal, que lhe pediu para a mãe ficar e ele aceitou, remetendo-a para o quarto de hóspedes.

Uma outra fonte angolana tem uma resposta mais simples: “Ana Paula foi por razões humanitárias”, JES pesava cerca de 50 quilos e recusava-se a comer.

Ana Paula tem estado silenciosa nesta batalha. Uma caraterística que muitos dizem marcar a sua personalidade. Não deu muitas entrevistas enquanto primeira-dama em que falasse de si. Preferia usar as palavras para referir a sua Fundação Lwini, criada em 1998, para apoiar “vítimas de minas terrestres e outras deficiências” ou outras das suas iniciativas de solidariedade social.

Conhecida pelo seu guarda-roupa exuberante, com peças de uma conceituada designer angolana, Nadir Tati, mas também com modelos de grandes marcas internacionais comprados no estrangeiro, há quem diga que foi ela que introduziu o luxo na vida de José Eduardo dos Santos. Apontam-lhe as jóias caríssimas ou as festas de milhões de dólares, por exemplo.

No entanto, uma fonte que a conhece há muitos anos desmente tal visão: “Nunca a vi esbanjar dinheiro, pelo contrário, chegava a ser ela a comprar os produtos comuns para a casa, sabia o preço das coisas. Claro que gostava de uma boa festa, mas não tinha uma vida luxuosa e essas de que falam eram da Fundação Lwini para angariar fundos”.

Com menos 21 anos do que José Eduardo dos Santos, conheceu-o no início dos anos 90. Ana Paula, que nascera em Luanda e tinha feito o ensino médio de Pedagogia, era hospedeira de bordo. “Ela sempre trabalhou muito, vivia com dificuldades, até levava as sobras do catering do avião para casa e era muito alegre e namoradeira”, conta uma fonte angolana.

Um dia, num voo presidencial, o então Chefe de Estado, que estava a ser pressionado pelo MPLA para casar, reparou nela e deu-lhe um cartão com o seu número de telefone. “Não foi só a ela, foi a mais duas aeromoças, mas uma tinha namorado e a Ana Paula foi a mais rápida”, acrescenta a mesma fonte.

Em maio de 1991, com Ana Paula grávida, casaram pela Igreja Católica e, um ano depois, o Papa João Paulo II abençoou-os. Tiveram quatro filhos e Ana Paula, que entretanto tirou o curso de Direito, aprendeu “a defender os seus” no meio dos outros filhos que Zédu já tinha. As relações com Tchizé e Isabel nunca foram suaves, garantem fontes angolanas. Aliás, a primeira, filha de JES com “Milucha”, chegou a acusar Ana Paula de se considerar “dona de Angola”e de ter obrigado a mãe “a exilar-se” durante 21 anos nos EUA.

Separaram-se em 2017 (Tchizé diz que foi ela quem deixou o marido), depois de José Eduardo dos Santos ter deixado o palácio cor de rosa que Ana Paula decorara com o melhor mármore do mundo, o de Carrara.

Na disputa anterior à morte do marido Ana Paula dos Santos esteve disponível para subscrever a decisão que os irmãos de JES tomassem em relação ao desligar de máquina. “Só assim evitaria uma guerra permanente com as enteadas, sobretudo com Tchizé”, diz uma fonte a partir de Luanda. E, segundo o general amigo de José Eduardo dos Santos, Ana Paula “só pode concordar em trazer o marido para a terra dele. Não vejo outra possibilidade. E seguramente irá influenciar os três filhos que teve com JES…”.

Isabel dos Santos, a filha milionária na mira da Justiça

Isabel dos Santos com o pai nos anos 80 (DR)

É a filha que esteve mais próxima do pai em Barcelona. Foi por ela que JES abandonou pela primeira vez o seu refúgio no bairro de elite catalão, para a visitar no Dubai em 2020, depois de faltar ao funeral do genro, Sindika Dokolo, que morreu num acidente de mergulho.

Em Angola chamavam-lhe Princesa ou Leoa. Foi considerada a mulher mais rica de África, e nasceu do primeiro casamento de JES, o que celebrou com a russa campeã de xadrez, Tatiana Kukanova.

Isabel dos Santos, de princesa a pária. Como a filha preferida se tornou a mulher mais rica de África até cair com estrondo

A primogénita recebeu a partir de 1999 das mãos do pai algumas das principais empresas e indústrias de Angola, tendo em 2016 ficado com a poderosa petrolífera Sonangol. Construiu um império empresarial que nada tinha a ver com o seu primeiro negócio, uma discoteca em Luanda, e em 2013 já a revista Forbes a acusava de ter feito riqueza à custa da corrupção e da ajuda do pai.

Durante o internamento do pai, Isabel esteve sempre por perto, mas praticamente sem dizer muito. Foi publicando fotos com o pai no Instagram, ou uma vela, ou uma imagem sua vestida de preto, para além de fazer divulgar a nota da família onde se admitia o estado grave de José Eduardo dos Santos e se pedia privacidade.

Mas o primeiro abalo chegou no final de 2019 quando a justiça angolana lhe arrestou os bens e o terramoto chegou em 2020 com o escândalo Luanda Leaks — em que foram revelados os esquemas financeiros que lhe permitiram retirar fundos públicos de Angola através de paraísos fiscais — e a sua constituição como arguida por alegada má gestão e desvio de fundos na passagem pela Sonangol.

Durante o internamento do pai, Isabel esteve sempre por perto, mas praticamente sem dizer muito. Foi publicando fotos com o pai no Instagram, ou uma vela, ou uma imagem sua vestida de preto, para além de fazer divulgar a nota da família onde se admitia o estado grave de José Eduardo dos Santos e se pedia privacidade. Mas nesta sexta-feira, dia da morte do pai, nada publicou até ao momento da publicação deste texto.

Família de ex-PR de Angola confirma quadro clínico “crítico” e pede privacidade

Ao lado de Tchizé quando os médicos informaram que não tinham conseguido despertar o pai do coma profundo, e que tinha lesões irreversíveis no cérebro (JES caiu em casa, teve uma paragem cardiorespiratória e só foi socorrido 15 minutos depois, dando depois entrada na clínica Teknon), Isabel acabou por assumir uma postura diferente. Isso deu-se com o agravamento do estado de saúde de José Eduardo dos Santos e sobretudo depois de o cardiologista lhe ter comunicado que JES não sairia mesmo do coma. Isabel ter-se-á conformado com a ideia de “que nada mais há a esperar” e preparado-se “para deixar o pai ir”, diz uma fonte ao Observador.

Isabel não acompanhou nenhuma das queixas de Tchizé na polícia contra Ana Paula dos Santos, o médico e o Estado angolano e negou ter retirado os móveis que tinha comprado para o pai em 2019 da casa de Pedralbes.

Mas se Isabel mudou de opinião em relação ao desligar das máquinas, o mesmo não é líquido sobre o local onde o pai será sepultado. Se for em Luanda, como seria o mais natural, ela terá de pensar duas vezes antes de aterrar em Angola: pode ser presa assim que chegar ao aeroporto. A menos que o regime lhe dê garantias de que pode assistir ao funeral e sair tranquilamente. As palavras de João Lourenço desta sexta-feira ao fim da tarde apontam nesse sentido: “Não vemos porque a família que está lá fora não possa acompanhar o funeral do seu ente querido”, disse, numa clara alusão a Isabel, e já depois de anunciar que o governo angolano criara uma comisão para organizar o funeral de Estado.

O Observador não conseguiu, contudo, apurar se Isabel também pediu, juntamente com a meia irmã Tchizé, que o corpo não fosse trasladado. Fonte bem colocada em Angola diz que Tchizé estará isolada neste luta, contando talvez, apenas, com o apoio do irmão Coréon Du.

Tchizé, a filha polémica que dispara acusações quase diariamente

Tchizé com o pai

A segunda filha de José Eduardo dos Santos nasceu da sua relação com Maria Luisa Abrantes, conhecida como “Milucha”. Como a mãe, Welwitschia José (Tchizé), diz o que tem a dizer quando quer e em voz bem alta e acutilante. A filha política de Zédu tem estado no centro de várias polémicas: foi suspensa do MPLA, onde era membro da direção central do partido que lhe retirou também o mandato de deputada. E nunca deixou de criticar João Lourenço, mesmo quando ainda era deputada do partido.

Aliás, nesta sexta-feira, depois da notícia da morte do pai, publicou no Instagram um vídeo de uma manifestação em Angola em que dizia “Mataram o nosso pai” com um emoji a chorar. E dirigiu-se diretamente a João Lourenço: “Apagar a luz do outro não vai fazer com que a sua brilhe mais!”.

Em 2019 Tchizé deixou Angola dizendo ter a vida em risco devido ao que chamou “vingança política contra a família Dos Santos” e tem estado a viver entre Portugal e Londres. Deslocou-se a Barcelona quando o pai ficou pior, mas a incompatibilidade com Ana Paula afastou-a, numa fase inicial, do pai.

Nas suas declarações e queixa, Tchizé, que fala em negligência médica e revelação de dados confidenciais, usou duas palavras que têm um efeito muito forte na crendice angolana: envenenamentos e feitiçaria. "Em Angola, o povo tem tendência a acreditar que ou se morre envenenado ou por efeito de feitiço", diz uma fonte

Foi raro o dia, nestas semanas, em que Tchizé não lançou uma gravação, deu uma entrevista ou fez declarações aos jornais. Convencida de que havia um complô para antecipar a morte do pai, acabou mesmo por formalizar uma denúncia na polícia contra a madrasta e o médico angolano de JES e ter-se-à queixado ainda do governo de Angola.

Filha de José Eduardo dos Santos diz que não vai permitir que desliguem as máquinas ao pai e critica João Lourenço

Nas suas declarações e queixa, Tchizé, que fala em negligência médica e revelação de dados confidenciais, usou duas palavras que têm um efeito muito forte na crendice angolana. Pediu análises para despistar possíveis envenenamentos e falou em feitiçaria.

“Em Angola, o povo tem tendência a acreditar que ou se morre envenenado ou por efeito de feitiço”, diz uma fonte do país. “Há sempre esta ideia de que os líderes são envenenados”, explica. “E já há muito boa gente que se está a convencer de que Zédu morreu envenenado em Barcelona, tal como acreditou que Agostinho Neto [primeiro Presidente angolano] morreu envenenado em Moscovo”.

Nesta sexta-feira à tarde algumas dezenas de pessoas manifestaram-se nas ruas de Luanda dizendo precisamente isso, que Zédu tinha sido morto em Espanha e que João Lourenço tinha culpas no cartório: chamaram-lhe “assassino”.

Filha de José Eduardo dos Santos quer investigação sobre alegada tentativa de homicídio do pai

Foi Tchizé que, assim que surgiram as notícias do estado crítico de JES, saiu a terreiro para dizer que queriam desligar as máquinas do pai e que ela não o ia permitir. Criou no Instagram uma hastag #souzedu e lançou o apelo: “Não desliguem as máquinas”. E foi a segunda filha de JES que ainda antes de a clínica dar o pai como morto, nesta quinta-feira, mandatava a sua advogada espanhola para entrar na justiça com uma ação para impedir a trasladação do corpo para Angola e nesta sexta-feira pedia uma autópsia.

Este apontar sistemático das baterias contra Ana Paula e João Lourenço não é novo. Já quando o meio-irmão, Filomeno dos Santos, foi preso, Tchizé veio dizer que ele estava a ser sequestrado, referiu temer pela sua segurança em Angola, acusou o governo angolano de a perseguir, etc.

Terá tido a seu lado o irmão músico, empresário de moda e produtor, filho de ‘Milucha’ e de JES, José Eduardo Paulino, de nome artístico Coréon Du, com quem teve (e tem) vários negócios. Um dos exemplos é a Semba Comunicação, que geria o segundo canal da televisão pública, TPA até isso lhes ser retirado por João Lourenço. O Maka Angola, do jornalista e ativista Rafael Marques, calcula que, só em 2016, em contratos com o Estado, a empresa recebeu 87 milhões de euros.

Tchizé chegou também à banca em 2015, ao fundar o Banco Prestígio. E a sua diamantífera Di Oro (em que Coreón Du tem 10%) recebeu uma licença, no reinado de JES, dada por decreto presidencial, de prospeção, inserida num consórcio em que está a brasileira Odebrecht, segundo o MakaAngola. Nos últimos anos, para além do seu Tea Club e de um canal de Youtube de Lifestyle em português, tem-se afirmado como influencer.

Nesta quarta-feira, Tchizé  disparou contra um outro alvo: a tia Marta, a quem acusava de querer desligar as máquinas.

Marta, “a senhora com quem não se brinca”

A irmã mais nova de José Eduardo dos Santos (tinha cinco irmãos, Isabel, Avelino e Lucrécio já morreram) tornou-se numa dor de cabeça para Tchizé. Diz a tradição africana que a palavra dos mais velhos tem mais peso do que a dos outros. E se o tio Luís, segundo uma gravação divulgada na quarta-feira à noite não levantou problemas, o mesmo não se pode dizer da tia: segundo Tchizé, Marta era favorável a um desligar de máquinas se JES evoluísse para um estado vegetativo permanente. E, segundo fontes do Observador, quer que o irmão seja sepultado em Luanda.

Marta, que viaja muito entre várias cidades no seu barco e “pouco tem estado em Angola”, diz ao Observador uma fonte das suas relações, está em Barcelona desde que o irmão José Eduardo foi internado.

A “mana Marta” é conhecida em Angola por ter construído dois grandes prédios na avenida Lenine e porque terá recebido mais de 700 milhões de euros do BESA (Banco Espírito Santo de Angola) para um projeto imobiliário. É uma senhora com quem “não se brinca” avisou o ex-banqueiro português Ricardo Salgado, a quem o sócio de Marta, o empreiteiro José Guilherme, ofereceu 14 milhões de dólares com a que ficou famosa “liberalidade”.

Luís, o irmão que é “uma candura de pessoa”

Luis terá sido o último membro (daqueles que se deslocaram a Espanha) a chegar a Barcelona

O irmão mais novo de Zédu terá chegado esta quinta-feira a Barcelona. A sua presença foi lida por alguns como um sinal de que uma decisão da família estaria para breve. E não se terão enganado. Aliás, Tchizé sentiu necessidade de, na quarta-feira à noite, pedir na tal gravação que disponibilizou no seu grupo do Whatsapp para “não diabolizarem” o tio “que é um candura de pessoa”.

Luís Eduardo não é propriamente um desconhecido da imprensa de Espanha. Foi administrador não executivo da TAAG e viu-se envolvido num caso de corrupção com uma companhia espanhola, a Indra, que esteve nas eleições angolanas de 2008, 2012 e 2017. O jornal El Confidencial revelou que alegadamente recebeu 108 mil euros de comissões em 2008 e que em 2012 desapareceram mais de nove milhões de euros em contas na Suíça.

Zénu, o filho que não pode sair de Angola

O filho homem mais velho de Zédu, José Filomeno, esteve durante o internamento do pai a batalhar com a justiça angolana para poder sair de Angola e ir visitá-lo. Na semana passada, queixou-se à SIC porque o tribunal angolano lhe estava a reter os passaportes “ilegalmente”, manifestando tristeza por não poder estar com a família num momento tão difícil.

Zénu, como também é conhecido, filho de “Necas” (Filomena, a secretária que engravidou de JES quando este ainda não era Presidente mas sim ministro das Relações Exteriores) foi condenado a cinco anos de prisão pelos crimes de burla e defraudação, peculato e tráfico de influências no “caso dos 500 milhões” de dólares do Fundo Soberano de Angola que dirigia.

José Eduardo dos Santos foi mesmo aconselhado a não ver televisão, porque ficou profundamente triste. “Talvez, a nível da Europa, não se tenha a noção do que é ter o filho homem preso. Para nós, em África, é muito. É humilhante“.

Apresentou recurso e está a aguardar em liberdade pela decisão mas não pode deixar o país. A imprensa angolana ainda avançou no início desta semana que já teria os seus passaportes e uma fonte próxima do governo angolano tinha dito que “seria autorizado a viajar quando o momento chegasse”, mas a informação que o Observador tem é a de que não chegou a ir a Barcelona e que não irá. “Tudo converge para Luanda”, disse fonte próxima do Palácio da Cidade Alta, acreditando que este é um sinal de que o corpo será levado para Angola.

Zénu nunca se manifestou publicamente sobre o local do enterro do pai, que sentiu uma “grande pancada” quando a justiça angolana o prendeu. Foi mesmo aconselhado a não ver televisão, porque ficou profundamente triste. “Talvez, a nível da Europa, não se tenha a noção do que é ter o filho homem preso. Para nós, em África, é muito. É humilhante“,  disse ao Observador em 2020 o advogado David Mendes, deputado independente pela UNITA e presidente da associação Mãos Limpas, que durante anos se opôs ao antigo Presidente.

Os outros filhos: um apoia Ana Paula, outro “não quer opinar” e do terceiro não se sabe o que pensa

Joess, o filho que Ana Paula obrigou Zédu a assumir

O que pensam os outros quatro filhos (oficialmente conhecidos) sobre o destino do pai? Tchizé levantou o véu no ficheiro de som que divulgou. Joseana e Danilo — o estudante de 25 anos que foi acusado de comprar um relógio de 500 mil dólares que o jovem veio depois dizer ter sido uma coleção de quadros para apoiar a luta contra a sida — os filhos mais velhos de Ana Paula e José Eduardo, estão do lado da mãe. De Eduardo Breno, de 23 anos, Tchizé disse “não quer opinar” e sim “ficar longe de confusões”.

Também não se conhece qual é a opinião de “Joess”, José Avelino Gourgel dos Santos, que em grande parte da sua infância não fez parte da família. “José Eduardo dos Santos engravidou a namorada e depois pediu ao amigo para casar com ela e aceitar o filho como seu”, contou ao Observador uma amiga de ‘Milucha’.

Filho de Maria Bernarda Gourgel, foi criado até aos 12 anos por Paulo Kassoma, homem de confiança de JES. Entrou no círculo familiar restrito quando Ana Paula impôs ao marido que assumisse o filho. Joess quase uniu a família Dos Santos e a Lourenço. Foi noivo de uma filha do atual Presidente de Angola, Cristina Giovanna, mas a relação terminou em 2019. Foi aliás, um novo noivado de Joess que, segundo a versão oficial, levou José Eduardo dos Santos a regressar a Angola, em 2021.

Conhecido como o empresário dos plásticos, terá sido o filho que mais acompanhou Zédu quando este deixou a Presidência: visitava-o diariamente, às vezes mais do que uma vez, almoçando com ele regularmente em Miramar, na mansão de paredes amarelas para onde se mudou em 2017.

No entanto, algumas fontes angolanas têm outra explicação para Zédu ter voltado a Luanda: interceder junto de JLO pelos filhos com processos judiciais, especialmente por Zénu, que esteve preso.

E o governo angolano tem uma palavra a dizer?

José Eduardo dos Santos e João Lourenço na campanha para as eleições de 2017 O executivo de João Lourenço tem obrigações constitucionais para com o sucessor. Por isso cobriu ao longo destes anos todas as suas despesas em Luanda, com a casa Miramar e o seu gabinete de apoio, e em Barcelona. Depois de anunciar a morte de JES, decretou luto nacional e nomeou uma comissão para preparar um funeral de Estado.

João Lourenço poderá colher dividendos políticos com um grande funeral de Estado. Apesar de todas as críticas de nepotismo, corrupção, do uso de dinheiros públicos para enriquecimento do seu inner circle, por exemplo, os angolanos têm algum carinho por Zédu

Mas oficialmente nada pode fazer para que JES possa ser sepultado em Luanda. Não está nas suas mãos, mas nas da família. Isso mesmo diz a advogada de Tchizé:

“José Eduardo dos Santos já não era diplomata, a sua residência era Barcelona, e os únicos que têm decisão sobre o local do enterro são os filhos, já basta de manipulações políticas”. Cármen Varela não poupa nas palavras:

“Nem os ministros nem o Presidente podem passar por cima do desejo da família, a família não vai autorizar nenhum enterro em Angola porque os filhos do primeiro casamento não podem entrar em Angola e querem despedir-se do seu pai de forma livre em Espanha”. Acrescentou ainda que forçar a trasladação para Luanda seria “uma violação dos direitos humanos da família”.

Mas Cármen Varela enganou-se. Não há filhos do primeiro casamento, mas apenas uma filha, Isabel, a única que pode ser detida se entrar em Luanda. E se Isabel tem receio de ir a Angola, Filomeno não pode sair e participar no funeral do pai em Barcelona.

Para já, João Lourenço deu sinais de pacificação nas relações tensas entre as duas partes, dirigindo-se a toda a família:

“Nenhuma autoridade do país tem competência para impedir que um cidadão angolano que esteja a viver no exterior possa regressar ao seu próprio país, não importa em que circunstâncias”, disse o Presidente angolano, acrescentando que está “a contar com a presença de todos sem a exceção de ninguém”.

E foi mais longe: “Não vemos porque a família que está lá fora não possa acompanhar o funeral do seu ente querido (…) Nós estamos solidários com a família neste momento bastante difícil e que eles não sofrem sozinhos e toda a dor que eles sentem, todo o povo angolano sente.”

O tempo dirá se Isabel e Tchizé acreditam nas palavras de João Lourenço, que ao fim da tarde de sexta-feira alargou o luto nacional de cinco para sete dias.

Para além de Tchizé, vários analistas têm referido que João Lourenço poderá colher dividendos políticos com um grande funeral de Estado.

Combate à corrupção: a bandeira de João Lourenço que se tornou numa espada de dois gumes

Apesar de todas as críticas de nepotismo, corrupção, de abuso de poder, do uso de dinheiros públicos para enriquecimento do seu inner circle, por exemplo, os angolanos têm algum carinho por Zédu. Foi ele que lhes trouxe a paz depois de 27 anos de uma guerra civil sangrenta e uniu o país. Há, inclusive, um certo saudosismo do seu reinado por alguma camada da população face à ideia de que o combate à corrupção, bandeira de João Lourenço, foi seletivo e perante à difícil crise económica que o país atravessa. “Podia roubar, mais os filhos do que ele, mas o Pai Grande punha pão na nossa mesa”, ouviu o Observador com recorrência nas ruas de Luanda nos últimos anos.

João Lourenço. Três anos no poder com uma ausência omnipresente: José Eduardo dos Santos

Nesse sentido, o MPLA pode capitalizar com essa simpatia, perante um grande funeral de Estado, a mês e meio das eleições gerais, num momento em que a UNITA tem vindo a ganhar terreno.

Sobre a decisão que durante 16 dias esteve em cima da mesa, desligar as máquinas, decididamente o governo não interferiu, garantiu o ministro das Relações Exteriores que João Lourenço enviou para Barcelona. Téte António foi inteirar-se da situação in loco, e segundo fonte do Palácio, esclarecer que desligar as máquinas não era pensamento que atravessasse a cabeça presidencial. “Somos africanos, temos uma certa cultura que não conduz a este tipo de hipóteses” afirmou. Isto apesar de deixar bem claro que o governo continuaria a pagar as despesas de José Eduardo dos Santos como sempre fizera até ali, mas que a decisão pertencia exclusivamente à família.

Uns dias depois da visita, João Lourenço, já depois do ataque cerrado de Tchizé, voltou a telefonar a Ana Paula. Revelava assim que canal tinha escolhido para comunicar com a família Dos Santos. Resta saber se esta comunicação se vai revelar útil para o desejo presidencial: enterrar condignamente José Eduardo dos Santos na terra que governou de forma absoluta, durante 38 anos.

José Eduardo dos Santos. Presidente angolano volta a ligar a Ana Paula dos Santos

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