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OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

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R, o número que vai passar a controlar a nossa vida. 6 dados para entender porque é que há divergências sobre os seus valores

Nova atualização põe o índice de transmissibilidade em 0,8. Mas há especialistas que falam em mais de 0,9. De onde vêm estas divergências? Seis respostas sobre o número chave do desconfinamento.

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O índice de transmissão (R) para a Covid-19 publicado esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) continua diferente dos valores de outros especialistas portugueses. As autoridades de saúde estimam que o R — o número que diz quantas pessoas alguém contagiado pelo SARS-CoV-2 pode infetar — se situa agora em 0.80. Muitos peritos afirmam que estará já acima de 0.90 e foi mesmo esse o número que Marcelo Rebelo de Sousa indicou aos partidos ainda antes de António Costa revelar o plano de desconfinamento. Apenas num ponto há concordância: há um subida deste indicador nas últimas semanas.

Vários motivos de ordem técnica podem justificar estas divergências, explicaram ao Observador três especialistas: o engenheiro Carlos Antunes e o matemático Jorge Buescu, ambos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), e Henrique Oliveira, membro do grupo responsável pela monitorização da epidemia de Covid-19 no Instituto Superior Técnico (IST).

Em entrevistas ao Observador, os cientistas apontaram seis motivos para investigadores diferentes anunciarem índices de transmissão diferentes — quer em Portugal, quer noutros países. As fórmulas podem ser diferentes, os números que entram nas equações também e, por cá, até a falha informática que se registou na base de dados madeirense pode ter tido algum peso nestas divergências.

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Fórmula para calcular o R pode incorporar vários fatores

Os modelos matemáticos que permitem calcular o R podem ter em consideração fatores diferentes. A fórmula utilizada pelo INSA, por exemplo, pesa quatro grandes fatores: o número de casos ativos em cada momento, o número de pessoas suscetíveis a serem infetadas, o número de pessoas expostas a uma infeção pelo vírus e o número de casos não ativos — ou seja, os recuperados e as vítimas mortais. Cada um desses critérios é calculado com base numa equação.

Mas há modelos mais complexos — e, por isso, mais minuciosos — que acrescentam outros fatores às contas: pode também tomar-se em conta o número de pessoas que estão em isolamento, quem enfrenta a possibilidade de uma reinfeção e quantas pessoas já foram vacinadas contra a Covid-19, por exemplo. Peritos diferentes podem acrescentar parcelas diferentes aos seus algoritmos, o que justifica em parte as divergências dos valores calculados por instituições e especialistas diferentes.

Peritos diferentes podem acrescentar parcelas diferentes aos seus algoritmos, o que justifica em parte as divergências dos valores calculados por instituições e especialistas diferentes.

Especialistas admitem períodos de transmissibilidade diferentes

Durante quanto tempo é que um infetado com o SARS-CoV-2 pode contagiar as pessoas com quem contacta? A Direção-Geral da Saúde (DGS) diz que o período de infecciosidade começa 48 horas após a exposição ao vírus, dura até 12 dias em casos moderados, mas pode chegar a uma média de duas semanas em casos mais graves. Mas nem tudo é tão linear: sabe-se que também os casos assintomáticos são transmissores do vírus e que o risco de contágio é maior nos primeiros cinco dias de infeção.

Nos cálculos do R(t) que cada investigador faz é possível utilizar intervalos de infecciosidade diferentes. Carlos Antunes considera um período de transmissibilidade de três dias, o INSA de quatro dias e Henrique Oliveira faz as contas a sete dias, por exemplo. E claro que isso acaba por dar resultados finais difrentes nas contas.

Os dados que alimentam os algoritmos alteram resultados

A qualidade dos dados a que as instituições e os peritos têm acesso também condicionam os cálculos. Carlos Antunes e o INSA recebem o número de novos casos diários de acordo com o dia de início dos sintomas — uma distribuição que é da responsabilidade da DGS. Os outros peritos, como Henrique Oliveira e Jorge Buescu baseiam as suas fórmulas nos dados da incidência de acordo com a data de notificação dos contágios, tal como surgem nos relatórios diários sobre a Covid-19.

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Ora, os dados corrigidos à data dos sintomas são mais fiáveis para compreender a situação epidemiológica do país, porque são os que melhor revelam a origem das cadeias de transmissão. Ainda assim, e mesmo com uma base de dados igual, o INSA e Carlos Antunes chegam a valores diferentes para o R. Porquê? O motivo está a montante: a divergência no algoritmo que cada um deles utiliza e que se baseia em fatores diferentes.

Carlos Antunes e Henrique Oliveira utilizam um modelo empírico, menos complexo que o algoritmo utilizado pelo INSA, mas em tudo semelhante ao modelo alemão, do Instituto Robert Koch. Enquanto a equação da  instituição pública leva em conta aspetos como o peso dos assintomáticos na infeção, os modelos empíricos limitam-se a determinar o aumento do número de novos casos num determinado período de tempo e a compará-lo com o aumento no período registado nos dias anteriores. Carlos Antunes faz contas a três dias, Henrique Oliveira a sete — depende, lá está, do período de transmissibilidade que se assumir. Os resultados são obviamente diferentes.

Carlos Antunes e Henrique Oliveira utilizam um modelo empírico, menos complexo que o algoritmo utilizado pelo INSA, mas em tudo semelhante ao modelo alemão, do Instituto Robert Koch. Enquanto a equação da  instituição pública leva em conta aspetos como o peso dos assintomáticos na infeção, os modelos empíricos limitam-se a determinar o aumento do número de novos casos num determinado período de tempo e a compará-lo com o aumento num período registado nos dias anteriores.

Por contar com mais pressupostos, a lógica por trás do modelo do INSA é mais sensível e mais complexa. Mas tem um problema: os dados têm mais inércia, isto é, uma maior resistência à mudança porque, por causa da própria arquitetura do algoritmo, o R que se calcula num dia terá influência naquele que vai ser registado nos dias seguintes. Ou seja, um R determinado ‘por baixo’ hoje também vai puxar para baixo o R registado amanhã — daí que o R do INSA continue em 0.80, mesmo com os outros especialistas a calcularem que esteja já em números superiores a 0.90.

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Quando o R baixa de 0.80, os resultados dos métodos divergem mais entre si

Quando o número básico de reprodução ronda 1 — o que se verifica quando o número de novos casos diários estabiliza, uma vez que uma pessoa infetada só deve infetar outra —, independentemente destas divergências para os cálculos do R, os valores serão muito aproximados, seja qual for o método, ou o algoritmo usado. No entanto, quando ele atinge métricas mais baixas, normalmente inferiores a 0.80, a diferença dos valores produzidos pelos vários algoritmos pode tornar-se mais evidente, o que transparece depois na disparidade entre os critérios considerados ou na qualidade dos dados.

Esta é a perceção de Carlos Antunes, que encontra um motivo puramente matemático para este fenómeno: as equações que compõem o cálculo do R são exponenciais, têm por natureza uma espécie de “área cinzenta e nebulosa” onde são numericamente instáveis. A certa altura, com números demasiado baixos ou demasiado altos, a incerteza aumenta: é matematicamente possível encontrar valores para o R, mas algoritmos diferentes passam a encontrar soluções mais divergentes para o mesmo parâmetro. Com um R progressivamente mais próximo de 1, a incerteza diminui.

Carlos Antunes encontra um motivo puramente matemático para este fenómeno: as equações que compõem o cálculo do R são exponenciais, têm por natureza uma espécie de "área cinzenta e nebulosa" onde são numericamente instáveis. A certa altura, com números demasiado baixos ou demasiado altos, a incerteza aumenta: é matematicamente possível encontrar valores para o R, mas algoritmos diferentes passam a poder encontrar soluções mais divergentes para o mesmo parâmetro. Com um R progressivamente mais próximo de 1, a incerteza diminui.

É por causa disto que, à semelhança do que foi explicado pelos peritos na audição no Parlamento a 24 de fevereiro, em vez de se olhar exclusivamente para o valor calculado para o R, se deve ter outros dois aspetos em consideração: a incidência observada em cada dia e a tendência do valor do R. O primeiro é importante porque é mais confortável ter um R maior se a incidência for muito baixa (um número de contágios mais baixos), já que há margem de manobra das autoridades de saúde e uma maior oportunidade de controlar o avanço da doença.

O segundo também o é porque não varia significativamente à deriva dos algoritmos: mesmo com valores do R diferentes, a tendência revela sempre se ele está ou não a aumentar e a que velocidade. É por isso que, mesmo com a maioria dos investigadores a apurarem valores do R consideravelmente superiores ao INSA, há uma coisa em que todos concordam: o R está a subir, e mais rápido há cerca de uma semana, em direção ao 1. Daí a tal necessidade de cautela de que todos falam, porque com o desconfinamento e o regresso às aulas, avisam, há uma subida previsível de cerca de duas décimas, o que colocará os números já acima de 1, ou seja, da linha vermelha.

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O cálculo do R0 também causa divergências

O valor que se atribui ao R0, o ponto de partida (o Rt é depois a evolução desse valor ao longo do tempo), que reflete quantos casos secundários é que alguém infetado pode provocar numa população em que toda a gente está suscetível de apanhar o vírus e não há qualquer medida de mitigação em vigor, também influencia as contas. A estimativa que o INSA mantém é de que Portugal teve um R0 na ordem dos 2.02, embora admita que o verdadeiro valor pode ter-se situado entre 1.92 e 2.11. Mas Henrique Oliveira, por exemplo, assinala valores entre 4.0 e 5.0, ou seja, o dobro ou mais da fonte institucional do Governo.

Ora, segundo o INSA, a determinação do R0 em Portugal foi efetuada a partir de um método desenvolvido em 2009 por cientistas norte-americanos para estimar o número de reprodução da epidemia de gripe A nos Estados Unidos naquele mesmo ano. Outras equipas utilizam outras fórmulas: por exemplo, investigadores norte-americanos publicaram um artigo com base nas propostas de uma equipa que trabalhou sobre o tema em 2005 e chegaram a um R0 entre 0s 3.60 e os 6.10.

Os valores registados na China e em Itália, por exemplo, os primeiros países a registar casos de Covid-19, apontam para um R0 na ordem dos 2.40, mas o número depende não só dos algoritmos usados — que, tal como no caso do Rt, dependem dos parâmetros considerados — mas também da qualidade dos dados, que variam de país para país.

Os valores registados na China e em Itália, por exemplo, os primeiros países a registar casos de Covid-19, apontam para um R0 na ordem dos 2.40, mas o número depende não só dos algoritmos usados — que, tal como no caso do Rt, dependem dos parâmetros considerados — mas também da qualidade dos dados, que variam de país para país. O INSA mantém é de que Portugal teve um R0 na ordem dos 2.02, embora admita que o verdadeiro valor pode ter-se situado entre 1.92 e 2.11. Mas Henrique Oliveira, por exemplo, assinala valores entre 4.0 e 5.0

Além disso, há outra questão: o índice de transmissibilidade inicial das diferentes variantes em circulação. Os dados ingleses sugerem que o R0 da nova variante, a britânica, pode ser 0.40 superior ao da variante dominante anterior. Por isso, é de esperar um índice de transmissibilidade maior nos países onde esta variante for mais dominante (e que são já uma grande maioria) — em Portugal está acima de 60%.

Determinar o R0 é importante para orientar os modelos que determinam a evolução do R a longo prazo — como quando se quer prever a chegada de uma nova vaga, por exemplo. Mas também é crucial para estabelecer que percentagem da população é necessária para se atingir a imunidade de grupo. A teoria prevalecente indica que 70% da população deve estar protegida contra o vírus (ou porque já recuperou de uma infeção e desenvolveu uma resposta imunitária, ora porque foi vacinada e também estimulou o organismo a produzir os anticorpos necessários).

Há especialistas que argumentam que, se o R0 for cerca de 2 como apontado pelo INSA, a imunidade de grupo seria atingida com uma percentagem bastante inferior a essa: bastaria cerca de 50% da população — menos 20 pontos percentuais que a meta estabelecida neste momento. É o que explica Henrique Oliveira, para quem a imunidade de grupo pode só ser atingida nos 85%. Mais uma vez, tudo uma questão de fórmulas e fatores considerados.

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As falhas nos dados da Madeira influenciam contagens

O risco de transmissão no arquipélago da Madeira tem estado acima de 1 devido a uma falha informática que comprometeu a transferência dos dados para a DGS. Essa falha criou uma espécie de ilusão ótica nos dados: como não havia datas de início de sintomas nem de notificação associados aos casos, que já eram transferidos com atraso, eles foram introduzidos em dias consecutivos como sendo novos, quando na verdade não o eram. Isso influenciou o R, que disparou.

Uma falha criou uma espécie de ilusão ótica nos dados madeirenses: como não havia datas de início de sintomas nem de notificação associados aos casos, que já eram transferidos com atraso, eles foram introduzidos em dias consecutivos como sendo novos, quando na verdade não o eram. Isso influenciou o R, que disparou.

Nos casos dos modelos que têm por base os dados com os casos confirmados à data de notificação, estas falhas podem influenciar mais o valor do R; mas naqueles que utilizam os dados já corrigidos pela DGS à data dos sintomas, os erros dissolvem-se e o valor torna-se mais fidedigno.

Mas há duas boas notícias: tanto num cenário como no outro, como os casos registados na Madeira são baixos de qualquer modo, o peso deles sobre o cálculo do R não é muito significativo. Além disso, mesmo para quem utiliza os modelos empíricos, como se comparam períodos de tempo com três ou mais dias, os problemas de notificação são mais diluídos e não transparecem tanto nas contas.

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