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Porto, 22/10/2021 - cerimónia de recandidatura de Rui Rio à liderança do PSD (Rui Oliveira/Observador)
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(Rui Oliveira/Observador)

(Rui Oliveira/Observador)

Reforçar o mito e repetir a história. O caminho de Rio para tentar derrotar Costa

Invicto, picado e em "ponto de rebuçado" para derrotar António Costa. Rio derrotou Rangel e aquece agora para a última batalha. Vai usar o mito para seduzir o centrão e fazer repetir a história.

Quando Rui Rio subiu ao palco do 37.º Congresso do PSD, em 2018, e discursou pela primeira vez como líder eleito, os adversários internos reviraram os olhos. Corria o mês de fevereiro, Pedro Passos Coelho tinha deixado o partido com uma vitória inglória nas legislativas e uma hecatombe nas autárquicas, Pedro Santana Lopes tinha sido derrotado apesar do apoio de muitos notáveis, e uma parte relevante do partido ainda digeria o novo líder eleito. As palavras de Rio provocaram um misto de choque e regozijo: o novo presidente do PSD assumia como absoluta prioridade disputar as autárquicas de 2021, como se a derrota nas legislativas de 2019 fosse um facto consumado. Os críticos traçaram-lhe ali mesmo o destino: curto, irrelevante, um parêntesis na história do partido.

Desde esse dia até hoje, passaram-se quase quatro anos, duas eleições internas e quatro eleições nacionais. Sofreu um desastre nas europeias, esteve perto dos mínimos olímpicos nas legislativas, esteve do lado certo nas presidenciais e, tal como previa desde o início, conseguiu o que diziam ser impossível nas autárquicas. Pelo caminho, enxutou Luís Montenegro e derrotou de forma inequívoca Paulo Rangel, varrendo do partido qualquer resquício de oposição interna que pudesse sobrar.

Contas feitas: todas as etapas que tinha definido até chegar a este momento foram cumpridas. Resistiu às europeias, sobreviveu às primeiras legislativas, inverteu a erosão eleitoral, ganhou implantação local e viu António Costa cair depois das autárquicas. Tudo isto foi rigorosamente projetado desde o minuto zero da liderança de Rio, ainda em 2017. E tudo isto aconteceu. Falta agora que a história se repita.

O núcleo duro de Rio sempre assentou a sua estratégia na esperança de concretizar um de dois cenários: no pós-autárquicas, ou o Governo implodia, como o que aconteceu com António Guterres, em 2001; ou acelerava o processo de morte natural, como aconteceu com Cavaco Silva, em 1993. O primeiro não se concretizou apesar do choque provocado pela derrota de Fernando Medina em Lisboa; mas nada garante que o fim de ciclo de António Costa não tenha começado nesse mesmo dia.

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Os solavancos sofridos pelo caminho tornaram, ainda assim, as contas mais difíceis. A onda vitoriosa conseguida nas autárquicas esfumou-se na disputa com Paulo Rangel e quase fez Rui Rio desistir da recandidatura. Calçou de novo as luvas de boxe e reservou duas garrafas de champanhe, uma para a derrota, outra para a vitória, tal como refletia o Observador quando acompanhou os últimas dias de campanha interna de Rio. Acabou a noite eleitoral a abrir a segunda. Mas o verdadeiro combate só agora começou.

Paradoxalmente, a disputa que Rui Rio quis a todo custo evitar pode ter sido tudo aquilo que precisava para derrotar António Costa. Pelo menos, é essa a convicção que se gerou entre os mais próximos apoiantes do líder social-democrata. A dois meses das legislativas, Rio está em “ponto de rebuçado“: galvanizado pela vitória interna, com o partido muito mobilizado pela vitória surpreendente e uma aura de vencedor que não tinha desde há muito. “Estou picado para ganhar as legislativas porque é possível”, celebrou Rui Rio na noite eleitoral.

António Costa está no ciclo oposto“, contrapõe fonte da direção de Rio. As autárquicas provocaram um rombo na confiança dos socialistas, o chumbo do Orçamento às mãos da esquerda lançou o PS numa discussão a várias vozes sobre acordos à esquerda e/ou à direita, os habituais parceiros de governação são agora os maiores adversários do PS e a frente pandémica está a exigir um esforço e um foco que pode deixar António Costa sem energia para novos golpes de asa. “Cheira mesmo a fim de ciclo”, resume a mesma fonte. “Só falta um empurrãozinho.”

Todas as etapas que tinha definido até chegar a este momento foram cumpridas. Resistiu às europeias, sobreviveu às primeiras legislativas, inverteu a erosão eleitoral, ganhou implantação local e viu António Costa cair depois das autárquicas. Tudo isto foi rigorosamente projetado desde o minuto zero da liderança de Rio, ainda em 2017. E tudo isto aconteceu. Falta agora que a história se repita.

Reforçar o mito de Rio

Para tal, é preciso que os eleitores vejam em Rio o material de que são feitos os primeiros-ministros. Internamente, os militantes sociais-democratas parecem ter passado esse atestado, o que pode ter contribuído decisivamente para a derrota de Paulo Rangel. Mas é preciso mais para derrotar António Costa.

De resto, há muito que no núcleo duro do líder se instalou a convicção de que o mito criado em torno de e alimentado por Rui Rio, o estadista que põe sempre o interesse nacio­nal acima dos interesses partidários e pessoais, que não abdica dos valores que defende, que, se preciso for, vai “contra tudo e contra todos” em nome das convicções, é hoje o principal ativo do PSD.

E esse é um dos trunfo que os sociais-democratas vão levar para as próximas legislativas: a marca “Rui Rio“, que é, ou quer ser, a antítese da marca “António Costa”, tem potencial para ultrapassar as fronteiras do próprio partido e fazer crescer o PSD para valores muito superiores ao que representará hoje o eleitorado tiffosi, aquele que vota no partido aconteça o que acontecer.

Baralhando e dando de novo: se o PSD é hoje um partido médio, incapaz de ganhar as eleições, a marca “Rui Rio” pode catapultá-lo para outro patamar uma vez que parece ter maior penetração junto do eleitor comum. A vitória nestas diretas ajudou a relançar esse mesmo mito. Mesmo num contexto hostil, Rio juntou mais um ponto ao conto do homem que sobrevive quando todos os dão como defunto. Agora é fazer com que essa marca se consolide junto dos eleitores que oscilam habitualmente entre PS e PSD.

A disputa que Rui Rio quis a todo custo evitar pode ter sido tudo aquilo que precisava para derrotar António Costa. Pelo menos, é essa a convicção que se gerou entre os mais próximos apoiantes do líder social-democrata. A dois meses das legislativas, Rio está em "ponto de rebuçado": galvanizado pela vitória interna, com o partido muito mobilizado pela vitória surpreendente e uma aura de vencedor que não tinha desde há muito

Fazer parte da solução e não do problema

O primeiro passo foi dado de forma decisiva nestas diretas: ao afirmar e reafirmar a disponibilidade para garantir a estabilidade do país no pós-legislativas, mesmo perante as críticas dos seus adversários internas que o acusaram de querer ser apenas o número dois de António Costa, Rio tentou consolidar as suas hipóteses de conquistar mais eleitores no centrão, sobretudo entre aqueles que estão cansados da governação socialista.

Por outras palavras: ao não hostilizar abertamente o PS — ao contrário do que fez Paulo Rangel — e ao não implodir pontes à direita (IL e CDS) e à esquerda (PS), Rio tentou apresentar-se como um líder capaz de oferecer soluções de governabilidade a todos os que, neste espaço político, querem uma mudança de ciclo em segurança e com previsibilidade.

Além disso, ao arrumar de vez e de forma definitiva a conversa sobre possíveis alianças com o Chega, Rio pode ter conseguido duas coisas: deixou de causar calafrios ao eleitorado mais moderado, que temia que um voto no PSD significasse entregar um livre trânsito a André Ventura rumo aos centros de decisão; e tornou mais difícil a vida aos eleitores anti-Costa. “Rio é o único candidato em condições de derrotar António Costa, qual é a utilidade de votar em Ventura? Nenhuma”, argumenta fonte da direção do PSD.

Na direção do PSD entende-se que a marca "Rui Rio", que é, ou quer ser, a antítese da marca "António Costa”, tem potencial para ultrapassar as fronteiras do próprio partido e fazer crescer o PSD para valores muito superiores ao que representará hoje o eleitorado tiffosi, aquele que vota no partido aconteça o que acontecer.

Se o centro é chave para derrotar Costa, os homens de Rio, aliás, agarram-se aos sinais “positivos” que os últimos atos eleitorais foram revelando, em particular as autárquicas. Quando recebeu o partido, o PSD tinha perdido força junto do eleitorado mais velho e mais urbano. As vitórias em Lisboa ou em Coimbra e o controlo de 11 capitais de distrito provam que é possível inverter a tendência. Resta crescer também entre os eleitores mais velhos, sobretudo reformados e pensionistas.

O caminho até lá foi reafirmado na moção estratégica com que se apresentou a votos. “As próximas eleições decidir-se-ão ao centro do espetro político-partidário. É esse centro político que determinará qual das opções vingará: ou a continuidade das políticas de esquerda que têm conduzido ao empobrecimento relativo do nosso país face aos nossos parceiros europeus, ou a mudança para uma política de libertação da economia e da sociedade portuguesas de forma a retomar um crescimento mais rápido e competitivo que permita criar mais riqueza, melhores salários e mais oportunidades que respondam às aspirações pessoais e sociais dos Portugueses.”

No sábado, no discurso de vitória, Rio enunciou várias das suas bandeiras: “Mais rigor e menos facilitismo”; “mais riqueza e menos endividamento”; mais “reformismo” e menos “interesses instalados”; melhor Saúde e melhores serviços públicos; menos impostos e um país mais descentralizado.

É desta forma que Rui Rio se vai apresentar a votos contra Costa, sabendo que está em melhores condições do que nunca. Não só não tem sombra de oposição interna, como sente que os socialistas estão mais frágeis do que alguma vez estiveram: em estado de choque, divididos, desorientados, bloqueados à esquerda e ao centro.

O líder social-democrata acredita, aliás, que se bater António Costa, o atual primeiro-ministro não terá margem política para reeditar uma geringonça nos mesmos termos em que o fez em 2015 e sairá de cena com naturalidade se ficar em segundo lugar.

Nesse entretanto, o PS permite que o PSD possa governar pelo menos durante um ou dois anos até se recompor e arranjar novo líder. O país vai a votos em dois anos e os sociais-democratas sairão reforçados, senão maioritários, como aconteceu Cavaco Silva, em 1987. Para isso, no entanto, é preciso ganhar a 30 de janeiro. Rio tem dado de provas de ter dons premonitórios. Terá razão mais uma vez?

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