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Miguel Fontes assumiu a secretaria de Estado do Trabalho em 2022.
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Miguel Fontes assumiu a secretaria de Estado do Trabalho em 2022.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Miguel Fontes assumiu a secretaria de Estado do Trabalho em 2022.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Registo de trabalhadores domésticos duplicou “mais por via da consciência do que receio de que a ACT batesse à porta", diz Miguel Fontes

Com amargo de boca, secretário de Estado do Trabalho deixa para sucessor revisão do regime de trabalho doméstico. Sobre diretiva das plataformas, acredita que lei nacional não terá de ser alterada.

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Miguel Fontes assume “um certo amargo de boca” provocado pela queda do Governo — ao qual se juntou em 2022 —, “num momento em que estava a procurar dar sequência a um conjunto de diferentes dossiês”. A crise política atira para o próximo Executivo a decisão sobre o que fazer, por exemplo, com as conclusões do grupo de trabalho criado para estudar a revisão do regime do trabalho doméstico, que já tem 32 anos; ou com as sugestões de um outro grupo de peritos focado na diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social — sugestões essas que, não sendo da sua pasta direta, também podem mexer com o emprego. Não foi, aliás, com maus olhos que viu a ideia do novo secretário-geral do PS em reforçar o esforço contributivo das empresas altamente produtivas que têm mais máquinas do que pessoas.

Em entrevista ao Observador, a dois meses do fim da legislatura, o secretário de Estado do Trabalho admite que não teria “dificuldade” em “equacionar” fazer parte de um eventual governo de Pedro Nuno Santos, apesar de não ter apoiado o atual líder do PS. José Luís Carneiro era quem “melhor incorporava os valores que fizeram do PS um grande partido”, mas isso — garante — não significa que vire as costas a Pedro Nuno: “No mesmo momento em que expressei esse apoio a José Luís Carneiro disse que, independentemente de quem viesse a ganhar a contenda eleitoral, contaria seguramente não apenas com o meu, mas com o apoio de todos os socialistas mobilizados”.

Miguel Fontes fala ainda sobre o “dique” do mercado de trabalho que “não rompeu” e não trouxe aumentos exponenciais do desemprego — embora reconheça sinais de alarme em alguns setores —; das medidas tomadas para criminalizar o trabalho não declarado — incluindo no caso dos trabalhadores domésticos, cujo registo na Segurança Social mais do que duplicou — e dos processos que estão a chegar aos tribunais para obrigar as chamadas plataformas digitais a reconhecer contratos de trabalho dependente a estafetas e motoristas. “Temos de dizer não a modelos de negócio que residem quase numa lógica de castas. (…) Não é aceitável que [as plataformas] queiram convencer a sociedade que [os trabalhadores] são meros freelancers”, defende. A lei que Portugal já tem é, no seu entender, suficientemente robusta para não ter de ser alterada com a diretiva que está a ser discutida a nível europeu.

O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, João Vieira Lopes, disse em recente entrevista ao Observador, que o atual governo de António Costa foi o mais à esquerda na governação de Costa em termos de mercado de trabalho. Concorda?
Confesso que nunca me propus fazer esse exercício de memória histórica de verificar se assim foi, se não. De qualquer forma, imaginará que, para alguém que se situa no espaço político onde eu me situo, vou tomar isso como um elogio. É assim que o vejo. Mas, sinceramente, acho que não é tanto uma questão ideológica, é uma questão muito pragmática aquela que o mercado de trabalho hoje vive, nomeadamente nas questões da valorização dos salários. Tenho insistido nesta ideia de que não há nenhuma dicotomia entre valorizar os salários e trabalharmos para uma melhoria das condições dos trabalhadores e reforçarmos uma agenda tradicional de competitividade. Se alguma coisa mudou, nas sociedades contemporâneas, e Portugal não é exceção, é que hoje a procura pelo talento, a valorização das pessoas, tornou-se uma dimensão absolutamente essencial em qualquer estratégia de crescimento. Os países, as regiões, as empresas competem por talento.

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É manifestamente condição de reforço da competitividade melhorar salários e as condições de trabalho, sob pena de, num mercado que se caracteriza de mobilidade no espaço europeu, aqueles que são mais qualificados e que têm melhores condições de poderem ir à procura de outras oportunidades promoverem essa mobilidade, seja entre empresas, entre setores ou entre regiões ou mesmo países. Isto não é uma matéria da agenda sindical nem de esquerda nem de direita. É uma matéria de percebermos, com grande pragmatismo, que ou nós mudamos este estado de coisas ou o país está a prejudicar a competitividade. Da minha parte, há também uma nota intrinsecamente de justiça social evidente. E aí, se quiser ver a marca ideológica, assumo-a com gosto. Acho que a repartição entre os ganhos de capital e trabalho tem de ser mais equilibrada a favor dos trabalhadores. Há aqueles que acham que é preciso primeiro crescer para depois redistribuir e aqueles — como eu — que entendemos que esse caminho deve ser feito em paralelo. Temos de ser capazes de, ao mesmo tempo que estamos a criar riqueza, distribuí-la. E estes oito anos mostraram que foi por uma política mais redistributiva, nomeadamente a valorização dos salários, que o país resistiu bem às crises e cresceu.

Nas diretas do PS apoiou José Luís Carneiro, que se situa num quadrante um pouco mais à direita ou ao centro do que Pedro Nuno Santos. Na altura, disse que José Luís Carneiro era quem “melhor incorporava os valores que fizeram do PS um grande partido”. Não vê esses valores em Pedro Nuno Santos?
Vejo claramente. O facto de ver mais num do que noutro, num momento de uma disputa eleitoral, não significa que não veja, obviamente, em todos aqueles que partilham o espaço do Partido Socialista esses mesmos valores. Pedro Nuno Santos foi eleito com todo o mérito, teve uma votação expressiva. Acho que foi muito importante a valorização deste momento da vida interna do PS com mais do que uma candidatura. Foi muito relevante para valorizar o debate político e a dinamização do próprio PS. Mas evidentemente sinto-me perfeitamente confortável. Aliás, no mesmo momento em que expressei esse apoio a José Luís Carneiro disse que, independentemente de quem viesse a ganhar a contenda eleitoral, que contaria seguramente não apenas com o meu, mas com o apoio de todos os socialistas mobilizados, como este Congresso mostrou, em torno dessa liderança.

Aceitaria fazer parte de um governo de Pedro Nuno Santos?
Essa questão não tem a ver com maior ou menor proximidade à liderança, tem a ver com questões que se colocam na vida concreta de cada um de nós no momento em que esses desafios surgem. Essas situações têm que ser sempre apreciadas em concreto. Mas, claramente, não há nenhuma razão para lhe dizer que teria qualquer dificuldade em equacionar um cenário desses por via dessa razão.

Mas é isso que quer para o seu futuro depois do fim deste governo?
O futuro, como se costuma dizer, é incerto e é mesmo isso que o define. Estou muito comprometido neste momento em concluir, de uma forma muito profissional, uma agenda que abruptamente foi interrompida — sobretudo a quem, como eu, está no governo só desde maio de 2022. Num momento em que estava a procurar dar sequência a um conjunto de diferentes dossiês, de repente, ver este processo interrompido, deixa evidentemente um certo amargo de boca. Não vou dizer em termos pessoais o contrário. Isso gera alguma frustração. Tinha-me predisposto, quando aceitei este convite, a um horizonte temporal maior. Vamos ver o que é que o futuro reserva. Eu já tinha tido uma passagem pela vida política ativa no início da minha vida profissional.

Foi secretário de Estado da Juventude.
E assessor do engenheiro António Guterres quando foi primeiro-ministro. Depois estive muitos anos afastado profissionalmente da vida política, o que também foi muito importante no meu ponto de vista. Vamos ver o que é que o futuro reserva. Mas não fecho a porta rigorosamente a nada. Mas confesso-lhe que, neste momento, ainda não é um tema em que esteja verdadeiramente a pensar.

Referencial para aumentos salariais de 5% em 2024 é “realista”

Uma das metas que o novo secretário-geral do PS traçou foi um salário mínimo nos 1.000 euros até 2028. Tem contacto frequente com as empresas. Terão capacidade para esse valor?
Julgo que sim. Do mesmo modo que, quando esboçámos o objetivo que hoje nos trouxe a este valor dos 820 euros, houve seguramente resistências. E há sempre algum receio, que é compreensível e normal, por parte do tecido económico de saber: será que vamos conseguir acomodar este valor ou não? Mas o que a História nos mostrou, e isso dá-nos mais confiança — e diria que agora a aposta é menos arriscada do que se calhar foi no passado —, é que verdadeiramente revelou-se uma aposta certa.

Mas as empresas dizem que a produtividade não está a crescer ao mesmo ritmo.
A produtividade tem crescido. Quando dizemos que queremos fazer crescer em três pontos percentuais o peso dos salários na riqueza produzida, gosto de traduzir isto com menos tecnocracia e de uma forma mais clara para as pessoas perceberem. O que estamos a dizer é que temos que redistribuir melhor, já hoje, a riqueza que geramos. Isto não significa ignorar que o fator trabalho tem um custo associado, mas ele tem que ser visto cada vez mais como um investimento. Os empresários, as boas lideranças e os bons gestores percebem hoje isso, que não podem tratar o custo do trabalho como tratam um qualquer outro custo — comercial, logístico, de distribuição.

A perspetiva tem de ser a de valorização das pessoas. Só assim é que verdadeiramente teremos ganhos à escala micro e à escala macro. Hoje, transversalmente, o que está em causa na sociedade portuguesa é muito este sentimento de inquietação e natural impaciência pela estrutura salarial não estar a crescer como todos desejaríamos. Agora, pondo isto em perspetiva, há que ver que nos últimos anos os salários cresceram muitíssimo, mais do que em qualquer outro período histórico. E isso é importante que tenha acontecido.

Muito por via da subida do salário mínimo.
Por via do salário mínimo, certo, e o Governo concentrou-se, e a meu ver bem, em fazer sobretudo incidir nos salários mais baixos esse esforço. Parece que já todos esquecemos: em 2015 o salário mínimo era de 505 euros e a inflação não esteve sempre elevada. Só no último ano é que a inflação foi elevada. Nós conseguimos subir o salário mínimo em 62% durante este período de tempo. Isso é muito relevante.

O que não teve correspondência com o salário médio. Não estamos a correr um risco demasiado grande de juntar um ao outro?
Os salários médios também subiram por via de algum efeito de arrastamento do salário mínimo, nomeadamente nas empresas e nos setores de atividade em que há contratação coletiva, em que há carreiras estipuladas. Se o salário mínimo sobe de forma tão expressiva, todos os outros que vêm a seguir tiveram que subir em parte.

Só os que estavam indexados, há uns que não subiram dessa forma.
Certo. Há um dado importante que às vezes é esquecido que é que, apesar do salário mínimo ter vindo sempre a subir, o número de beneficiários do salário mínimo tem vindo a diminuir.

O peso, o número não…
Certo, o peso, tem razão.

Mas um milhão de pessoas a receber salário mínimo não é um mau sinal?
Os países não são feitos a régua e esquadro e Portugal teve, durante muito tempo, uma economia assente em baixos salários…

A ACT "tem que recorrer mais a este cruzamento de dados, tem que ser mais eficiente, mais inteligente a usar a tecnologia, mais digital, tem de estar menos centrada numa lógica burocrática e do papel, e mais centrada no resultado. E esse caminho está a ser feito".
Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho

E não continua? Um milhão de pessoas com o salário mínimo.
Não. É sempre uma questão de perspetiva. O número é muito impressionante. Continuamos a ter uma dimensão muito expressiva do salário mínimo em Portugal, mas é bom dizer que é um salário mínimo que já nada tem a ver com o salário mínimo de há uns anos. Por isso é que eu falo em 62% de aumento. Evidentemente que muitas pessoas sentem algum incómodo, que é compreensível, de verem o seu salário a aproximar-se do salário mínimo. O esforço é o de aumentar agora os salários de todos, mas não podem ver nisso uma razão de incómodo. Não é porque alguém que está atrás de nós melhorou mais depressa a sua situação que isso deve ser motivo de inquietação para quem já tinha um salário diferente [do mínimo]. Deve ser motivo, sim, de reivindicação, motivo para as pessoas todas se mobilizarem.

Nós temos de entender que o esforço que coletivamente temos de fazer para valorizar salários tem de ser outro. Como é que pagamos melhor? Obviamente com uma economia mais competitiva. Durante muitos anos, Portugal sofreu pelo défice de qualificações. Nós éramos pouco competitivos, tínhamos uma economia pouco sofisticada. Isso era verdade para os trabalhadores, como era igualmente verdade para as próprias elites empresariais, para os criadores de empresas, para os gestores. O país fez um esforço enorme, bem sucedido, nos últimos 30 anos, pelo menos, para alterar por completo a sua estrutura de qualificações.

Pedro Nuno Santos também disse, no Congresso do PS, que quer rever o acordo de rendimentos de modo a que “ao aumento do salário mínimo possa estar associado aumento dos salários médios”. Isso significa que o que foi acordado em outubro na concertação social não consegue cumprir este fim traçado por Pedro Nuno Santos?
Não é assim que eu interpreto essas palavras. O próprio acordo — aliás, como se verificou em outubro de 2023 — previa desde a sua criação, em outubro de 2022, que fosse objeto de revisão anual, porque é um acordo de médio prazo. Tinha o horizonte temporal da legislatura até 2026 e previa que todas as partes pudessem suscitar a sua avaliação permanente. O acordo não se limita à questão do salário mínimo. Também assumiu como meta a valorização dos salários e um referencial para os aumentos salariais que foi revisto em alta [de 4,8%] para os 5%. Aquilo que entendo é que se houver condições a cada momento para sermos mais ambiciosos, devemo-lo ser. E se houver condições também do ponto de vista orçamental para podermos desenvolver um conjunto de medidas políticas que reforcem a capacidade de as empresas corresponderem a esse esforço, pois muito bem que o façamos. Este é um processo em construção permanente e vejo isso com muita naturalidade.

Patrões disponíveis para discutir salário mínimo nos 1.000 euros em 2028 e rever acordo de rendimentos (mas com condições)

O salário médio declarado à Segurança Social estava em novembro a subir 4,8%, o que fica abaixo do referencial de 5,1% para 2023. É certo que estes dados podem ser revistos e frequentemente o são, mas acreditam que o referencial de 2023 foi cumprido?
Julgo que sim. Tivemos ao longo deste ano notícia em variadíssimos setores de atividade de que o referencial foi largamente ultrapassado, até pela escassez de pessoas que em alguns setores induziu inevitavelmente uma disputa pelo talento, pelas pessoas, e isso refletiu-se em ganhos salariais. O referencial é um referencial. Essa é a diferença para o salário mínimo. O salário mínimo tem um valor legal e é mandatório; o referencial é uma orientação que nós procurámos valorizar ao máximo, nomeadamente fazendo depender o acesso a um benefício fiscal que é muito importante em sede de IRC ao cumprimento de aumentos em linha com este referencial. Em vez de termos tomado uma decisão política de diminuir o IRC para todas as empresas, fizemos uma escolha seletiva. As empresas que se comprometam com este objetivo de aumentarem pelo menos os salários neste valor serão objeto de uma majoração.

Tem ideia se foi muito utilizado esse benefício?
Confesso-lhe que não tenho dados neste momento, até porque é a Autoridade Tributária, do Ministério das Finanças, que tem esses dados, mas só posso acreditar que sim, na medida em que se os aumentos aconteceram, e se a lei prevê essa possibilidade, não vejo nenhuma razão para que quem possa beneficiar de uma redução do IRS não o faça.

E para 2024, o referencial de 5% é realista, tendo em conta a incerteza na economia?
Julgo que sim. Isto é sempre uma resposta ingrata, porque estamos a generalizar. Evidentemente que, a bem da seriedade do debate público e político, nós sabemos que há uma grande heterogeneidade de situações. Há setores de atividade onde os 5% não têm nenhum problema porque praticam aumentos salariais maiores, são setores que estão a crescer mais rapidamente, são mais dinâmicos. Há outros para quem isso representa um esforço maior e por isso falamos de um referencial. Mas é um referencial que mostra bem o caminho que devemos seguir e o objetivo é que isso seja objeto também de negociação no seio da contratação coletiva, seja na escala mais micro, ao nível de um acordo de empresa, seja em acordos de setor.

O que nós temos é de ter uma política que valorize o diálogo social e que diga às partes — as organizações sindicais e as entidades empregadoras — que não temos de estar permanentemente de costas voltadas uns para os outros. Isto sem qualquer ingenuidade política. Mas não tem de haver aqui um divórcio entre uma agenda tipicamente mais sindical de reivindicação de aumentos salariais, de melhoria das condições de trabalho, e a agenda da competitividade. Porque hoje melhorar as condições de trabalho, de remuneração dos trabalhadores, é talvez um dos principais fatores de competitividade. O país viveu nos últimos anos essa experiência em concreto, com resultados positivos. Ou seja, não estamos apenas a formular uma hipótese de política económica, estivemos a vivenciá-la com resultados. No passado, nós experimentámos uma receita contrária que foi, perante dificuldades, achar que o que tínhamos que fazer era cortar salários, proteção social, direitos e esperar que, com isso, o país ficasse mais forte. Eu nunca vi ninguém sair mais forte de uma cura em que perde massa muscular. Normalmente tem que ir para fisioterapia para poder ganhar outra vez músculo para crescer. Foi isso que aconteceu.

“O dique não rompeu e o desemprego não desatou a aumentar de uma forma exponencial”

O número de desempregados inscritos nos centros de emprego está a subir há cinco meses e o número de trabalhadores em layoff (previsto no Código de Trabalho) também duplicou em novembro, face ao ano anterior. Este dique, como disse o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, do mercado de trabalho, está a quebrar?
Julgo que não, está em linha com as projeções e as previsões não apenas do Governo, mas de todos os organismos internacionais. É natural que tenha havido algum aumento por duas razões. A primeira é o ponto de partida. Chegámos a níveis historicamente muito baixos de desemprego. Era evidente que não era possível continuar sempre essa trajetória descendente. A segunda razão é: não vamos esconder que toda a situação que se vive hoje, nomeadamente causada por esta questão da inflação, de guerra, de instabilidade, tem gerado perturbações e há desafios.

Número de trabalhadores em layoff mais do que duplica em novembro

É isso que explica os números do layoff dos últimos meses?
Julgo que alguns números do layoff são explicados por isso e, por isso, procurámos ter uma resposta pronta. Muito recentemente pusemos de pé o programa Qualifica Indústria, em que quando mal tivemos notícia de que, nomeadamente, dois setores muito importantes, neste caso, o têxtil e o calçado, poderiam vir a enfrentar problemas sérios…

… Mas são esses os setores problemáticos?
Na altura, adivinhava-se que aí pudesse haver algum problema e montámos um programa em que, no fundo, dissemos assim: para evitar a resposta tradicional que é o recurso ao despedimento ou ao layoff — porque, evidentemente, as empresas precisam de adequar a sua estrutura de custos quando estão numa situação de aperto — procurámos criar um programa, o Qualifica Indústria, em que permitimos às empresas substituir tempos de paragem por quebras de encomendas súbitas nas cadeias de valores que são hoje muito longas, por tempos de formação. O Estado substitui numa parte o custo do pagamento do salário. O trabalhador em nada é afetado na sua relação com a entidade empregadora porque a formação é feita em contexto de trabalho durante o horário de trabalho. Já temos hoje mais de 2.200 trabalhadores abrangidos nestes dois setores ao abrigo deste programa, que, seguramente, se não houvesse esta iniciativa, ou estariam no layoff com perda de rendimento ou estariam mesmo a correr o risco de engrossar os números do desemprego.

Começámos com estes setores. O programa está em condições de, a todo o momento, podermos lançar outros avisos, ou seja, há um programa-quadro e depois, em função das necessidades identificadas, dirigimos para um ou outro setor de atividade mais específico. Portanto, temos estado a monitorizar esta situação e quando sentimos que as dificuldades já não são pontuais, apenas da empresa A, B ou C, mas que dizem respeito transversalmente a um setor de atividade, procuramos agir preventivamente, acionando este programa.

Em novembro eram 15 mil os trabalhadores em layoff. É expectável que este número venha a subir?
Eu não gosto de fazer futurologia sobre números destes. Estamos a fazer o que podemos para que esse número não cresça, nomeadamente criando alternativa para que situações de dificuldade que existam possam ter outro tipo de resposta que não apenas o layoff, ainda que o layoff exista nos termos da lei, desde sempre, precisamente para situações destas.

Está a ser suficiente para as empresas?
Da notícia que nós temos, têm conseguido passar por estes momentos de tormenta através desse instrumento, porque de facto o dique não rompeu e o desemprego não desatou a aumentar de uma forma exponencial. Felizmente, o mercado de trabalho tem reagido e resistido bem. Por outro lado, no contexto em que o desemprego continua estruturalmente baixo, ainda assim, hoje, mesmo quando há situações em que as pessoas vão para o desemprego, não têm o mesmo nível de severidade e de gravidade, porque voltam mais rapidamente de novo ao mercado de trabalho. Não é a mesma coisa ir para o desemprego quando a taxa de desemprego está nos 14% ou nos 15%, ou ir para o desemprego quando a taxa de desemprego está nos 6%. Temos que enquadrar esses números com esta prudência e também com este realismo.

Em Março do ano passado, disse que o Governo ia criar um grupo de trabalho para rever o regime de trabalho doméstico. As conclusões eram para ser apresentadas em junho, mas o prazo foi adiado para setembro. Já há conclusões?
Criámos um grupo para resolver um problema que, no fundo, era criado por duas vias. O decreto que enquadra a situação dos trabalhadores domésticos é de 1992, é bastante antigo. Por via da aprovação da agenda do trabalho digno, passámos a criminalizar o trabalho que ao fim de seis meses consecutivamente não seja declarado à Segurança Social. Como expliquei na altura, essa medida não tinha como horizonte, em primeira instância, as trabalhadoras — não quero ser acusado de sexismo, mas a verdade é que a esmagadora maioria são trabalhadoras — do serviço doméstico. Estávamos a falar de uma norma muito pesada, forte.

Criminalizar o trabalho não declarado, como se imagina, não é uma coisa que se faça de ânimo leve, a pensar sobretudo num problema que hoje existe também à escala internacional das redes ilegais de tráfico de pessoas, da utilização de mão de obra migrante sem quaisquer tipo de direitos. Mas evidentemente que a lei é universal. Sentimos a necessidade de promover uma alteração no sentido de tornar mais ágil, por um lado, as inscrições destas pessoas na Segurança Social. Isso foi possível mesmo antes de o grupo concluir os seus trabalhos. Hoje, a inscrição na Segurança Social já se pode fazer por via digital. Isso era uma barreira antes, porque também é um mercado que é caracterizado por muita rotação. Convivia-se socialmente com grande tranquilidade com essa situação. Os números mudaram, mais do que aumentou para o dobro o número de trabalhadores de serviço doméstico registados na Segurança Social, isto tudo enquanto o grupo de trabalho está a fazer o seu trabalho.

Governo vai rever regime do trabalho doméstico

Ainda está a fazer o trabalho?
Esteve. A complexidade daquilo com que se deparou foi grande e fez um pedido primeiro de prorrogação que foi concedido. Entregou o relatório há muito pouco tempo e as conclusões a que chegou já não são de modo a que, nesta situação em que nos encontramos de um governo em gestão, possamos ser consequentes com um conjunto de iniciativas, nomeadamente legislativas.

Quais foram as conclusões?
Muitas das conclusões ainda eram conclusões que careciam, agora, de uma validação e de uma discussão ao nível político. Foi um grupo técnico que foi coordenado pela Direção-Geral da Segurança Social, com representantes de diferentes organismos do Ministério, mas que não tinha ainda uma validação e uma perspetiva política. Portanto, não se pode falar de conclusões.

Registo dos trabalhadores doméstico duplicou num ano

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Segundo dados do Ministério do Trabalho, os registos de trabalhadores domésticos na Segurança Social duplicaram (+100,5%) em 2023 face a 2022, para 23.530: é o valor mais alto desde o início da série, 2010.

O Ministério atribui esta evolução à agenda do trabalho digno que passou a prever a criminalização, incluindo pena de prisão, dos empregadores que não declarem os trabalhadores domésticos nos seis meses após o início da prestação de trabalho.

O grupo faz sugestões de alterações legislativas?
Algumas sim, mas são sugestões que carecem de serem refletidas e aprofundadas.

Pode referir algumas?
Posso elencar o problema maior que está em cima da mesa: quando há uma relação de trabalho em que alguém presta serviço doméstico todos os dias em horário completo, aí não há dúvida nenhuma. Mas nas situações do multi emprego, em que cesto deve cair esta situação? A decisão de uma ou outra situação não é indiferente porque tem consequências várias para os próprios, para o regime de proteção social e para podermos, em coerência, construir um edifício de proteção social destas pessoas. Isso não ficou fechado, não ficou decidido e, com total transparência, assumo que é um processo que ficou inacabado e espero que o próximo governo tenha condições de retomar esse estudo.

Não vão revelar o estudo? Vai ficar na gaveta?
Não me sinto confortável, e isto só me compromete a mim pessoalmente, em revelar um estudo com o qual não me sinto totalmente confortável com as conclusões. Não me faz sentido estar a revelar um estudo sobre o qual depois me vão perguntar qual é o caminho, quando o caminho tem de ser de novo redefinido. Com total franqueza, digo-lhe que essa foi a razão pela qual já não houve tempo para podermos prosseguir esse caminho.

Vão enviar esse estudo ao próximo governo?
Nas transições de governo, temos sempre a famosa pasta de transição, onde constam a lista dos temas concretizados e aqueles que estavam em curso e que passamos sempre a quem nos sucede. Não deixarão de figurar aí as conclusões deste como de outros domínios. Não é só nesta situação. Por exemplo, em matéria da segurança e saúde no trabalho também, em que nomeei um grupo de trabalho de 15 pessoas para elaborar o Livro Verde sobre o futuro da Segurança e Saúde do Trabalho para enquadrar os desafios que hoje decorrem das alterações dos novos modelos de trabalho e para encarar um problema com o qual temos que ter tolerância zero, que é termos um nível de sinistralidade laboral inaceitável ainda hoje em Portugal, com acidentes graves que levam pessoas a ficarem em situação de incapacidade para o trabalho e para a vida, quando não mesmo situações de perda de vida. Esse grupo de trabalho que está a produzir o Livro Verde também pediu uma prorrogação. Era para terminar até ao final de 2023 e irá concluir já durante o mês de fevereiro a entrega de um relatório. Mas também, como eu sempre disse, não vejo aí nenhum prejuízo, porque o destinatário não é apenas o governo, é um livro verde que tem a sociedade no seu todo como destinatário.

Esse vai ser divulgado?
Vai ser divulgado porque é um livro verde, compromete essencialmente os seus autores. É uma lógica diferente e, portanto, não é necessário que o meu conforto enquanto secretário de Estado seja maior ou menor. O Livro Verde vai animar, espero eu, um debate na sociedade portuguesa sobre um tema com o qual muitas vezes há uma tolerância excessiva.

O debate não se vai perder no meio das eleições?
Espero que cada um dê o seu contributo, seguramente não será um tema dos mais discutidos e prioritários, mas nem por isso será menos importante. Há muitos anos demos, e bem, uma enorme prioridade ao combate à sinistralidade rodoviária e o país mudou a sua trajetória de acidentes. Evidentemente que continuamos a ter problemas, mas nada tem a ver já com o que era há 20 anos. Temos que fazer um caminho muito parecido na sinistralidade laboral. A primeira coisa que temos que dizer é que não podemos naturalizar os acidentes de trabalho e há setores de atividade onde eles têm maior expressão porque o risco é maior. Os últimos dados europeus que se reportam a 2020 mostram que a taxa de prevalência de acidentes de trabalho graves é de 2,77% em Portugal por cada 100 mil trabalhadores e é 1,71% na União Europeia. Estamos a divergir numa área onde não deveríamos nem podemos divergir e temos que ser mais exigentes todos com as formas de atuar aqui.

Ainda no que respeita ao trabalho de serviço doméstico. A criminalização foi vista um bocadinho como uma chantagem sobre os empregadores. Como é que se faz esta fiscalização? É ir a casa de cada pessoa?
Não, seguramente que não. Discordo por completo do pressuposto da pergunta. Não acho que se trate de maneira nenhuma de chantagem. Acho que nós temos de ter consciência que quem é profundamente democrata, independentemente do espaço político onde se situa, seguramente que me acompanhará nesta ideia de que queremos um sistema cuja proteção social seja para todos e não apenas para alguns que têm uma situação de maior privilégio. Temos de ter a noção de que trabalho não declarado, nomeadamente no serviço doméstico, está a pôr em causa futuras carreiras contributivas, pensões e prestações sociais quando essas pessoas saírem do mercado de trabalho.

Hoje quando nos queixamos de que temos pensões de miséria, é bom saber a razão — são pensões que decorreram de carreiras de trabalho que não foram declaradas, em que as pessoas não tiveram os seus descontos a ser feitos para a Segurança Social. E isso gerou e gera situações de pobreza em Portugal. Não podemos agora, em plena democracia, no ano em que vamos comemorar aos 50 anos de 25 de Abril, tolerar que continuássemos a ter situações em que alguns naturalizam esta ideia de que se não pagarem as prestações à Segurança Social não têm problema e contam muitas vezes com uma conivência pouco informada das próprias pessoas que estão nessa situação, que preferem às vezes ter um rendimento maior mensal naquele momento do que estarem a fazer os descontos. Nós aqui temos que ser firmes.

Já houve multas?
Já houve a criação de um quadro legal para isso. Eu não vou ignorar a sua pergunta. Evidentemente que num estado democrático é muito difícil fiscalizar esta situação que não seja na base de promover uma maior consciencialização social, uma cultura de direitos. Só perante denúncias. Ninguém imaginará um inspetor da Autoridade das Condições de Trabalho a bater à porta do 2.º esquerdo aqui da rua, a dizer: “Está aí algum trabalhador de serviço doméstico? Mostre lá o trabalho e as contribuições”.

É evidente que temos que ter inteligência e proporcionalidade na forma de fazer isto acontecer. Agora, acho que é bom alertarmos a sociedade portuguesa, porque acredito que todos somos pessoas de bem, bem formadas, que querem o melhor para os concidadãos. Acho que muitas vezes há uma desconformidade que decorre também de as pessoas não terem bem a perceção do que é que significa para terceiros. E não é por acaso que os números mudaram rapidamente. Foi quando isto ganhou expressão na sociedade portuguesa que muitas pessoas sentiram a necessidade de regularizar a situação e estou em crer que foi sobretudo mais por via de consciência do que propriamente por um receio de que um qualquer inspetor das condições de trabalho lhe batesse à porta.

ACT vai fazer ação de cruzamento de dados para detetar falsos recibos verdes

A Autoridade para as Condições do Trabalho já está a recorrer ao cruzamento de dados para detetar falsos recibos verdes? Como é que essas ações vão decorrer?
Nós temos que tirar proveito daquilo que hoje é o campo que a tecnologia nos oferece. Hoje temos que ser mais eficientes e mais inteligentes e, portanto, temos que fazer uso dessa tecnologia. A tecnologia permite-nos cruzar dados entre a Segurança Social, nomeadamente através dos mapas de pessoal, e verificar se há situações de incumprimento e depois atuar cirurgicamente nas situações que sejam identificadas. É esse trabalho que a ACT está a fazer nesse como noutros domínios — é trabalhar de uma forma mais eficiente, tirar mais proveito da tecnologia, porque apesar de ter sofrido também ao abrigo da agenda de trabalho digno de um reforço significativo de meios de meios humanos, financeiros e técnicos, como se imaginará, o caminho não é fazer crescer indefinidamente o número de inspetores que hoje já estão claramente, em média, com as boas práticas do que está indicado pela Organização Internacional do Trabalho.

A ACT tem meios suficientes?
Tem. Acho que o problema não é um problema de meios, é um problema de fazer diferente o seu trabalho. Tem que recorrer mais a este cruzamento de dados, tem que ser mais eficiente, mais inteligente a usar a tecnologia, tem que ser também mais digital, tem de estar menos centrada numa lógica burocrática e do papel, e mais centrada no resultado. E esse caminho está a ser feito. Para alguém como eu, que gosta de ver as coisas andar a um ritmo mais acelerado, também com alguma impaciência às vezes, mas está a correr bem.

Significa que haverá menos visitas às empresas para essa fiscalização presencial?
Significa que haverá o mesmo número de visitas, mas serão visitas que já vão orientadas em função de um trabalho prévio preparado e não uma visita, digamos, apenas porque no plano de atividades se decidiu que o mês cinco é o mês em que se vai incidir — vou dizer agora ao acaso — sobre as empresas do setor extrativo. Vai ser, nestas matérias, em função de um trabalho prévio que faça com que quando se deslocam a uma empresa já saibam exatamente aquilo a que se vai à procura. A ACT tem vindo a fazer um trabalho que tem de ser continuado. Durante muito tempo, muitas vezes ridicularizava-se a natureza do trabalho de alguns inspetores, e acho que de forma muito injusta, porque a ACT desempenha um papel muito relevante, a bem de todos nós. Tem um leque muito grande de competências atribuídas, tem que tratar destas matérias da segurança e da saúde no trabalho, de garantir que os ambientes de trabalho estão de acordo com o que a legislação obriga em todos os setores, tem que tratar do cumprimento da legislação laboral, garantir que, de facto, os salários são pagos — ainda agora, numa situação que todos verificámos com grande tristeza, da Global Media, é muito importante o trabalho da ACT no sentido de estar em cima dessas situações.

ACT vai notificar Global Media de contraordenações “muito graves” pelo não pagamento dos salários

Atua mais por denúncia ou proativamente?
Há as duas situações. Aqui não estou a falar só da denúncia individual. As próprias organizações sindicais habituaram-se, e bem, a recorrer à ACT sempre que são conhecedoras de situações que, no seu entendimento, violam de alguma forma algum normativo legal e depois têm o seu plano de atividades também que é construído anualmente, onde elege um conjunto de áreas prioritárias de atuação, numa boa lógica de afetação de meios.

Esse cruzamento de dados acontece em ações específicas?
Esta foi uma ação desencadeada com esse propósito que a todo o momento pode ser outra vez desencadeada. Uma vez encontrada esta situação, diria que, num prazo temporal razoável, haverá necessidade de o voltar a fazer, porque só assim é que se apanharão as situações de incumprimento.

Porque é que não é permanente?
Pode ser constante a monitorização. Agora estamos a regularizar e a notificar as empresas que se encontraram em situação de incumprimento e a atuar sobre essas. À partida nos próximos meses, diria assim, não vai haver de novo.

Mas porque é que não é automático?
Eu não sei como é que a ACT faz, na prática, esse cruzamento com a Segurança Social. Mas o que sei é que o objetivo é permanente e é no sentido de garantir que temos uma legislação que não é apenas programática, mas que é cumprida. Cada vez mais todos nos habituamos a que a legislação é verdadeiramente para cumprir.

"Vi com muito agrado as declarações [de Pedro Nuno Santos] sobre a necessidade de chamar a um esforço contributivo maior setores lucrativos que não recorrem a muita mão de obra."
Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho

Os desempregados de longa duração vão poder acumular o subsídio de desemprego com salário como forma de os incentivar a voltar ao ativo. Já é possível fazer o pedido? E já há pedidos feitos?
Sim, já é possível fazer o pedido. Essa é uma das medidas que mais me orgulho de o Governo ter aprovado e que tem a ver com puxarmos os desempregados de longa duração mais cedo, sempre que seja possível, para o mercado de trabalho. Muitas vezes oiço um ou outro empregador dizer: “É muito curioso que numa altura em que temos dificuldade em encontrar trabalhadores, em contratar, mesmo com desemprego baixo, há quem esteja no subsídio de desemprego”. Sobre isso tínhamos dois caminhos possíveis.

Um era reduzir a proteção social no desemprego, fosse em termos de montante, fosse em termos da duração do acesso ao subsídio de desemprego — e eu lembro que o subsídio de desemprego é um direito das pessoas que descontam para essa situação — e esse não foi o caminho do Governo. O outro foi dizer “como é que nós criamos as condições, ainda que o desemprego seja sempre uma situação involuntária, para que motivemos os desempregados de longa duração a, podendo, regressar mais rapidamente ao mercado de trabalho. Para isso foi preciso perceber porque é que esta situação acontece. Muitas vezes estes desempregados têm muita dificuldade em encontrar uma nova proposta de trabalho que seja em linha com as suas expectativas. É aqui uma dimensão que não é meramente económica, também é psicológica….

… que lhes compense ir trabalhar…
É o custo de oportunidade, é preciso que compense. Não basta ser próximo do que recebem do subsídio de desemprego, porque, obviamente, o subsídio desemprego está isento de contribuições. Depois, têm que sair de casa, têm o custo transporte, da alimentação fora, além de um conjunto de outras atividades lícitas que deixa de poder fazer porque está a ocupar o tempo a trabalhar. E também pela questão da própria situação de encarar a sua reforma no futuro, porque a pessoa quando está no desemprego está a descontar com base nos últimos salários de quando estava a trabalhar e não com a prestação social do desemprego.

Já foram pedidos?
Não tenho esses dados. Também é muito recente a promulgação deste diploma pelo senhor Presidente da República [tem um mês]. Agora é importante sublinhar que é uma medida muito inovadora. Aliás, foi aprovada com essa lógica de ser também uma medida a título experimental a que podem aceder as pessoas que já qualificavam como desempregados de longa duração na data da entrada em vigor do diploma — um desempregado de longa duração é alguém que já está há mais de 12 meses — e que vai permitir acumular até 65% do novo trabalho com a remuneração do subsídio de desemprego se for entre o 13.º mês e o 18.º que regressa ao mercado de trabalho; 45% do subsídio de desemprego, se for entre o 19.º e o 24.º ; e 25% no tempo restante do subsídio de desemprego. E esta é uma medida que é muito interessante para as pessoas, mas também interessante para a Segurança Social, porque, evidentemente, quanto mais depressa estas pessoas regressaram mercado trabalho, menos tempo estão a beneficiar de subsídio de emprego e mais depressa se tornam outra vez contribuintes líquidos, seja para a Segurança Social, seja em matéria fiscal, por via do IRS.

Desempregados de longa duração elegíveis vão ter de pedir para acumular salário com (parte do) subsídio

Há desafios novos no mercado de trabalho com impacto na segurança social

Embora não tenha essa pasta em específico, há também um grupo de trabalho constituído para estudar a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. Mas algumas dessas respostas podem estar inclusivamente no fator trabalho. Que vias estão em cima da mesa para a diversificação de financiamento?
Essa é uma pasta que é acompanhada pelo meu colega Gabriel Bastos, secretário de Estado da Segurança Social. Há uma comissão que foi criada para estudar fontes de financiamento alternativas às tradicionais e, portanto, não gostava de entrar numa área que manifestamente não é a minha.

Mas pode ter impacto na sua.
Seguramente não deixará de ter. Mas posso-lhe dizer que vi com muito agrado as declarações que o novo secretário geral do PS proferiu no seu discurso de encerramento do congresso quando identificou a necessidade de chamar hoje a um esforço contributivo maior setores de atividade que sendo altamente, e bem, lucrativos e muito produtivos não recorrem a tanta mão de obra intensiva e que pode ainda assim ter contribuição.

Estamos a falar de taxar robôs e máquinas?
Não queria entrar no detalhe, mas acho que esse caminho é suficientemente claro para percebermos por onde é que devemos ir. E é aí que falamos de diversificação de fontes de financiamento. Nós temos um sistema que assenta exclusivamente no fator trabalho, numa lógica unitária por cada trabalhador, e hoje o mundo do trabalho mudou. Há desafios novos, há formas de gerar riqueza com níveis de empregabilidade bastante menores. Há que ter a criatividade de, com equilíbrio, encontrar essa diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, mas sem pôr em causa aquilo que me parece o essencial — reafirmar o caráter de um sistema que provou ainda muito recentemente os seus méritos, na pandemia. É um sistema que funciona, que tem um caráter universal, que tem um caráter que se tem revelado, historicamente, dos projetos políticos mais relevantes.

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Mexer na taxa social única (TSU) é tabu?
Acho que essa é uma matéria que a seu tempo será equacionada por quem de direito. Não queria entrar neste domínio. O que posso dizer, e porque isso é um património com o qual todos nós, no Governo, estamos muito seguramente confortáveis, é que queremos continuar a pugnar por um sistema de Segurança Social com as características deste que assenta num contrato intergeracional. Um sistema com características de universalidade que não deixa ninguém de fora. Não ignorando os desafios que a Segurança Social vive, nomeadamente em termos da sua sustentabilidade por causa dos desafios demográficos,  mostrámos que quanto mais o emprego cresce, esse é o maior fator de sustentabilidade da Segurança Social.

O mais recente prémio salarial para os jovens que trabalham em Portugal inicialmente ficou conhecido como a devolução das propinas — aliás, no relatório do Orçamento do Estado, é referido que será uma devolução das propinas pagas em Portugal. Mas o desenho da medida é um bocadinho diferente desse, porque também vai abranger portugueses e estrangeiros que estudaram fora e venham trabalhar para Portugal. Isso quer dizer que deixou de ser um incentivo para que os jovens não deixem Portugal para ser um incentivo para que os jovens venham para Portugal?
O incentivo é claro. Nós precisamos de valorizar o talento e precisamos de o atrair e precisamos de o reter. Esta é uma medida a par de outras, como o IRS Jovem, em que se incentiva a que os jovens que estão agora a chegar ao mercado de trabalho fiquem em Portugal; ou a gratuitidade das creches que diz muito às famílias jovens, porque disponibiliza rendimento muito significativo numa fase da vida muito importante. Todas estas medidas têm o mesmo racional que é dizer que temos de valorizar o papel dos jovens no mercado de trabalho e temos de corresponder às suas expectativas. Os jovens sentem uma impaciência por sentirem que o mercado de trabalho não anda tão depressa quanto eles gostariam a reconhecer as suas qualificações e a integrá-los.

Propinas também serão “devolvidas” a quem estudou fora e vem trabalhar para Portugal

697 euros por ano é suficiente para reter jovens?
Isso é sempre, eu diria, insuficiente. Mas é muito mais do que era. O que estamos a dizer são duas coisas simultaneamente: é que vale a pena apostar nas qualificações, porque quanto mais qualificado for, melhor são as possibilidades de inserção no mercado de trabalho e de crescimento em termos de valorização profissional. Segunda mensagem: é muito importante que quem está em Portugal sinta que estamos a fazer de facto tudo para que aqui possam concretizar e realizar os seus projetos de vida e os seus projetos profissionais. Esta é uma questão não apenas de elementar justiça, uma vez mais, mas é uma questão também de desenvolvimento inclusivo da sociedade portuguesa. Se nós não formos determinados a criar um país onde os jovens se sintam bem acolhidos e que sintam que podem aqui ter os filhos que desejam ter, que possam aqui crescer, vamos ter muita dificuldade em ter fatores de competitividade enquanto país e é por isso que temos que fazer um esforço de reter, mas também de atrair talento que saiu. Muito dele saiu nos anos da troika.

A taxa de desemprego jovem está em 23%…
Também sobre isso uma iniciativa que é o programa Regressar, que procura precisamente incentivar a que os jovens, e não só, possam voltar a Portugal porque nós precisamos deles.

"Temos de dizer não a modelos de negócio que residem quase numa lógica de castas. (...) Não é aceitável que [as plataformas] queiram convencer a sociedade que [os trabalhadores] são meros freelancers."
Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho

Mas aqui referia-me a quem já está em Portugal…
Nunca tivemos uma população ativa tão expressiva como a que temos hoje. É verdade que a taxa de desemprego nos jovens, histórica e tradicionalmente é muito superior à do conjunto da população. É assim em Portugal e no conjunto dos países com que normalmente nos comparamos na Europa. Pedimos, ainda recentemente, um estudo para perceber e identificar as razões da permanência de um desemprego tão expressivo junto dos jovens. Mostrou-nos que há uma clara inadequação entre a estrutura das qualificações desses jovens e aquilo que o mercado de trabalho requer. Onde é que nós temos desemprego jovem? Nos jovens com níveis de qualificação muito baixos, que estudaram pouco, que abandonaram o sistema educativo e formativo cedo demais. O esforço tem de ser precisamente chamar esses jovens agora àquilo que nós chamamos de educação de adultos. Nós temos um programa, “Qualifica”, que existe desde 2017, e que já permitiu a que mais de meio milhão de pessoas tenham feito um processo de conclusão de formações tendo em vista o reconhecimento, a certificação e a validação das suas competências adquiridas na vida profissional e também concluírem ciclos de estudos que abandonaram precocemente.

Ministério Público já tem processos para avaliar reversão do vínculo laboral das plataformas

Está a acompanhar as ações de reconhecimento dos contratos de trabalho dos estafetas das plataformas, como por exemplo a Uber, a Bolt, a Glovo, entre outras? Quantos processos já deram entrada nos tribunais?
Estou obviamente a acompanhar esse processo. É muito importante passarmos esta imagem de uma intolerância total com aquilo que hoje são modelos de negócio que em nada acrescentam ao nosso desenvolvimento coletivo. Eu vim do mundo da inovação. Fui durante seis anos diretor da Startup Lisboa e não tenho qualquer preconceito sobre modelos de negócio inovadores. Mas temos de ser claros, temos que dizer não a modelos de negócio que residem numa lógica de diferenciarmo-nos entre nós quase em castas, em que há uns que estão numa casta superior, que beneficiam de serviços, que têm uma proteção social adequada e aqueles que nos servem, em que nós queremos fechar os olhos, não nos interessa saber em que condições é que estão a prestar esse serviço.

Não é aceitável quererem convencer a sociedade portuguesa — o problema não é meramente português, aliás, discute-se uma diretiva a nível europeu — que todas aquelas pessoas são meros prestadores de serviços, que são freelancers, que estão a recibos verdes porque querem. Isso não é verdade. Há ali pessoas que trabalham oito, nove, dez, nem sabemos quantas horas trabalham sem proteção social adequada e deveriam ter um contrato de trabalho. Eu não confundo precariedade com flexibilidade. Não tenho nada contra a flexibilidade, mas tenho tudo contra a precariedade.

As plataformas são talvez um dos melhores exemplos de uma prática inaceitável. Nós temos que dizer claramente que estas pessoas devem ser objeto de proteção social e, por isso, a ACT desencadeou, ao abrigo da agenda de trabalho digno, uma ação inspetiva. Já foram identificados mais de 2.600 ditos prestadores de serviços pelas plataformas entre estafetas e TVDE. Desses, foram já identificados 1.133 casos em que se entendeu que estariam em causa indícios suficientes para a famosa presunção de laboralidade. Desses já foram comunicados ao Ministério Público — que é quem tem o poder de fazer a conversão de uma situação em contrato de trabalho — 693 processos e já foram levantados autos de contraordenação em 676 situações detetadas dados até ao início deste ano de 2024.

Participações ao Ministério Público continuam a subir

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Os dados indicados pelo secretário de Estado do Trabalho nesta entrevista dizem respeito ao início do ano. De acordo com informação prestada esta quinta-feira pela Autoridade das Condições do Trabalho, das 1.133 situações em que os inspetores consideraram haver indícios suficientes de existência de um vínculo de trabalho dependente, já foram feitas 861 participações ao Ministério Público e levantados 861 autos de contraordenação. Houve, ainda, 299 notificações para apresentação de documentos.

Os dados da ACT revelam, também, que nas ações inspetivas foram identificados 2.609 prestadores de atividade, de 16 plataformas, após a intervenção em 593 locais.

Já houve conversão do vínculo laboral?
Esse é um processo que tem de correr por via do Ministério Público. Tenho mantido um diálogo próximo e sempre disponível com as plataformas. A maior parte destes modelos de negócios não são desenhados à escala nacional, como todos sabemos. Portugal tem a escala certa, até para eles poderem estudar formas de migrarem para novos modelos de negócio, em que é relativamente fácil resolver esta situação: têm de internalizar um conjunto significativo de pessoas porque delas precisam porque são verdadeiramente trabalhadores e, depois, seguramente, há aqueles que são verdadeiros prestadores de serviços, que querem ter uma fonte de rendimento complementar, que têm uma relação esporádica com essa atividade profissional ou para fazer face a picos de procura — estou a falar tanto dos TVDE como dos estafetas. Pois bem, serão genuínos prestadores de serviço. O que não podemos é confundir intencionalmente uma com outra situação.

O que as plataformas dizem que a maioria dos trabalhadores querem manter-se como trabalhadores independentes. O que está a dizer é que não é verdade?
Dizem, mas não é verdade, porque há muitos que não hesitariam na hora em poderem ter um contrato de trabalho com direito a férias ou uma remuneração vezes 14 meses como um trabalhador por conta de outrem. Enfim, a terem aquilo que todos desejamos que é o standard de um Estado social a nível europeu, que custou muito a construir. Acho que é bom que tenhamos todos a consciência de que o que está em causa é sermos tolerantes ou não com pôr em causa valores essenciais da nossa organização social coletiva. Temos que ser claros e dizer que isto não é aceitável, que não queremos isto nas nossas sociedades.

Não queremos ter atividades económicas que se alimentam da fragilidade, da vulnerabilidade de pessoas que, evidentemente, não têm muitas vezes outra alternativa senão aceitar prestar esse trabalho nestas condições. Mas isso não nos deve de maneira nenhuma tranquilizar. Acho que isto não é uma batalha só do governo. Deve ser uma coisa que nos deve a todos, enquanto cidadãos, preocupar, inquietar. Não tenho nada contra os TVDE, não tenho nada contra as plataformas, não há aqui nenhum espírito de cruzada, nenhum preconceito. Há, sim, um conceito: trabalho com direitos, combater a precariedade, porque ela é inaceitável, porque é injusta e condena às margens quem não deve estar a ser condenado a essa situação.

A diretiva europeia, que ainda está a ser negociada, poderá obrigar a alterações à lei nacional?
Feliz ou infelizmente, a nossa lei é mais avançada e robusta do que aquilo que se tem vindo a discutir em termos de diretiva europeia. Julgo que não — obviamente teremos que depois fazer essa avaliação técnico-jurídica —, mas a nossa legislação seguramente que já cumprirá essa transposição da diretiva porque fomos pioneiros nesse trabalho. Mas esse é um desafio que não é meramente à escala nacional, coloca-se a nível internacional. Temos de ser claros — nós não temos que ser contra as novas formas de organização do trabalho, não temos que deitar fora a inovação. Temos que, ao contrário, ser intransigentes nesta ideia de que a inovação tem que obedecer, obviamente, a critérios de proteção social, de valorização das pessoas. E essa será sempre bem vinda.

A inovação que se baseia numa receita que já não é sequer do século XX, é do século XIX, que nós julgávamos que ficou lá atrás enterrada, que é a de procurar ter os ganhos a partir de procurar explorar — e meço bem a palavra — uma situação de vulnerabilidade máxima das pessoas para ter o máximo ganho do outro lado em termos de lucros. Acho que é ilegítimo e inaceitável, e nós devemos ser firmes no sentido de dizer que não queremos andar para trás. Queremos uma agenda que nos aprofunde um mercado de trabalho e uma sociedade que seja mais inclusiva e mais justa.

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