Intervenção de Pedro Nuno Santos

no 24º Congresso do PS

Dois cumprimentos especiais ao José Luís Carneiro e ao Daniel Adrião, para lhes agradecer o contributo para o fortalecimento do PS, com debate de ideias e pluralidade de pensamento”

A primeira intervenção começou com os agradecimentos e um particularmente esperado tendo em conta a recente disputa interna no PS. Na sexta-feira, Pedro Nuno já entrou no pavilhão da FIL com José Luís Carneiro e Daniel Adrião, seus adversários nas diretas, e agora referiu ambos na primeira vez que se dirigiu ao Congresso. E agradeceu concretamente o “debate de ideias e a pluralidade de pensamento” que as suas candidaturas permitiram, isto quando no seu núcleo, durante a campanha interna, foram vários os elementos que criticaram nos bastidores a existência de uma luta no partido numa altura de crise política e com eleições legislativas ao virar da esquina. É passado que já lá vai.

Ganhar as regionais, as europeias, as autárquicas e nas presidenciais onde o PS apoiará um candidato como há muito tempo não o faz. Honrando os melhores Presidentes da República que Portugal já teve”

Antes da defesa de Costa, uma pontada na sua gestão partidária, muito concretamente a gestão eleitoral da Presidência da República. Pedro Nuno Santos já deixou claro várias vezes que considerou um erro o PS não ter apoiado um candidato concreto à Presidência da República nas últimas Presidenciais, deixando os militantes sem uma referência. Disse-o nas Presidenciais de 2021, quando Marcelo se recandidatava a um segundo mandato em Belém, expressando logo o seu apoio à candidata Ana Gomes — que vinha da área socialista mas sem o apoio formal do seu partido. Para 2026 avisa já que o seu PS não cometerá aquilo que considera ter sido um erro e vai apoiar um candidato. “Como há muito tempo não o faz”. E há especificamente quanto tempo? Desde que Costa é líder. Recuando ao pós-Sampaio: em 2006, o PS de Sócrates apoiou Mário Soares e em 2011, o mesmo líder, apoiou Manuel Alegre. Em 2016, na primeira eleição de Marcelo e já com Costa em campo, a estrutura socialista andou perto de Sampaio da Nóvoa, mas com Maria de Belém como candidata alternativa acabou por não dar apoio oficial a ninguém. Na reeleição, em 2021, fez o mesmo, deixando a socialista Ana Gomes sozinha com os socialistas que quiseram prestar-lhe apoio a título individual.

Somos o partido de Mário Soares, de António Arnaut e de Manuel Alegre. Somos o partido de António Guterres e de Jorge Sampaio. E somos também o partido de António Costa

Depois passou para a defesa de Costa, que ocupou boa parte desta sua intervenção, começando logo por colocar o seu antecessor numa espécie de Olimpo socialista, ao lado de fundadores, como Soares, Arnaut ou Alegre, e de duas referências cimeiras para os socialistas, Guterres e Sampaio. Fundadores, antigos Presidentes da República e os socialistas que foram primeiros-ministros. Todos menos um: José Sócrates.

Os portugueses sabem bem qual é o partido das contas certas. O partido para quem contas certas não significa cortes na certa

António Costa já tinha dado o mote na noite anterior, provando como a era Passos Coelho continua a ser a melhor cola de qualquer esquerda que possa estar menos empenhada. Qualquer referência levanta a sala e a tentativa de manter essa memória bem viva continua com Pedro Nuno Santos que atribui a Costa diretamente o mérito pelas “contas certas” — mais do que a qualquer ministro das Finanças, mesmo que o seu arqui-inimigo no PS, Fernando Medina, se prepare para embandeirar com uma dívida abaixo dos 100% pronta. Mas neste ponto, o interesse é mesmo recorrer a memória de 2011-2015 e a uma governação do PSD e CDS onde o PS só quer que sejam recordados os cortes em salários e pensões ou os aumentos de impostos. Essa página, diz, foi virada por António Costa que “escreveu um capítulo novo e inteiro da nossa democracia”, depois de ter provado que “foi e é possível subir salários e pensões e simultaneamente reduzir o défice e a dívida”. Aqui referiu o “diabo”, de que o país continua à espera, bem como espera “o apelo de Passos Coelho ao voto no PS”.

Falamos de mudanças estruturais. De reformas silenciosas. Mudanças estruturais que não se concretizam em meia dúzia de meses, não produzem resultados profundos, claros e duradouros antes de um horizonte mais alargado de meia dúzia de anos.

Depois do elogio ao “virar de página da austeridade” que atribui exclusivamente a Costa, Pedro Nuno Santos defende-o no ponto onde tem sido mais atacado: a falta de reformas estruturais visíveis. Chama-lhe “silenciosas” para responder à tal crítica que vem da oposição e dos maiores críticos do costismo e ensaia logo uma resposta para quem disser que Costa responde por oito longos anos de governação, pelo que não tem desculpa para não ter esses resultados. Para Pedro Nuno, o que é estruturante não aparece “em meia dúzia de meses”, mas também não surge em “meia dúzia de anos”.

Nós sabemos, vocês sabem, a esmagadora maioria dos portugueses lá em casa e que não fala na televisão sabe que o essencial é introduzir essas mudanças e ser persistente no alcançar dos objetivos traçados”

A tese da bolha político-mediática foi inaugurada por António Costa sempre que a crise do último ano — que agora o PS já aceita chamar de crise — mais apertou. Pedro Nuno Santos não parece interessado em abandonar essa linha e substituiu-a agora pelos “portugueses que não falam na televisão”. Esses, acredita, valorizam o estilo de Costa, de uma governação que não segue “à vista, ao sabor da corrente, a pensar apenas no hoje esquecendo sempre o amanhã”. E que foi feita de reforma que “não encheram as televisões de polémicas e as ruas de manifestações”.

Os acontecimentos de novembro último interromperam, infelizmente, um ciclo político de estabilidade e uma governação com provas dadas.

Alinha em quase tudo, mas esta frase mostra como Pedro Nuno não quer ter o seu PS perdido em teses conspirativas, como a que António Costa deixou ontem na última linha da sua intervenção de despedida. Houve “acontecimentos” em novembro, cuja autoria não atribui a ninguém, que “interromperam” um ciclo político. E ponto final. Pedro Nuno Santos tem garantido que estava confortável com uma solução — como a que o PS apresentou — de manutenção da maioria absoluta que existia com a nomeação de um primeiro-ministro, depois da demissão de António Costa. Mas essa parece agora uma posição de fachada, com o novo líder a deixar de parte, pelo menos por agora, a ideia de um PS vítima de uma orquestração sem rosto que deitou o Governo abaixo.

Testemunhei, também, que só erra quem faz ou tenta fazer – ao contrário daqueles que nada fazem e nada tentam. Esses, posso garantir-vos, nunca erram.

Jurou ter aprendido muito com as oportunidades que António Costa lhe deu de governar, quer como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares no tempo da geringonça, quer como ministro das Infraestruturas e da Habitação. Desfiou obra sua nessas áreas, sobretudo na ferrovia, mas focou principalmente no que essa experiência executiva trouxe à sua personalidade, que é o calcanhar de Aquiles. Afinal é o ministro que assinou um despacho sobre a futura localização do novo aeroporto de Lisboa sem conhecimento do primeiro-ministro e essa “cicatriz”, como já lhe chamou, ainda está fresca, tanto que continua a surgir nas entrelinhas dos seus discurso, como é o caso deste, quando fala na existência de “erros” que só acontecem a quem faz — a formulação já tinha sido usada no discurso de apresentação de candidatura.

Durante quatro anos tive a oportunidade, enquanto Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, de estar no centro de uma solução governativa de que muitos duvidaram, mas que se revelou virtuosa

A solução governativa é a geringonça que não nega querer reeditar se tiver condições para isso. E aponta-lhe uma vantagem em relação a todas as soluções de governação seguinte, até a maioria absoluta, classificando de “estável”. Ao contrário das expectativas iniciais – até de alguns socialistas que estão agora ao lado de Pedro Nuno, como Francisco Assis — a solução de um PS apoiado no PCP e no Bloco de Esquerda, com acordos escritos pelo meio, foi a única que permitiu a Costa cumprir uma legislatura até ao fim. Diz que não só “enriqueceu a democracia” como não pôs em causa “o espaço de autonomia do PS” — a crítica que José Luís Carneiro mais apontou a essa solução na campanha interna. Essa parte do partido está presente neste congresso e vai integrar os órgãos de direção do partido para os próximos tempos e Pedro Nuno Santos quer apaziguá-la face à ideia de um PS de mão dada com a esquerda num futuro próximo.

A TAP continua a ser usada como arma de arremesso, nomeadamente por quem, ao dia de hoje, continua sem assumir e declarar com clareza aos portugueses o que teria feito em 2020.

Tal como nos assuntos mais resolvidos, ou “cicatrizes”, Pedro Nuno Santos prefere verbalizar os pontos polémicos em vez de não lhes tocar sequer. E no caso da TAP, a ideia é mesmo transformar um ponto fraco numa força, ao colocar-se como o salvador da companhia que o PS — e o especialista em comunicação da maioria de Costa — entende como um “activo tóxico”. Em 2020, diz Pedro Nuno, “ou era intervencionada, ou encerrava, tão simples como isto. Houve que decidir e enfrentar, com coragem e determinação, uma situação dramática”, refere sobre a sua ação. E desafia o PSD a dizer o que teria feito de diferente nesse mesmo cenário.

Este capítulo escrito pelos governos socialistas liderados por António Costa encerra-se agora. Outro se iniciará com as eleições de março próximo”

O costismo chegou ao fim e Pedro Nuno Santos sentiu necessidade de declarar isso no mesmo palco onde, na noite anterior, Costa tinha estado. O antigo líder promete não “assombrar” o novo, mas também não tem saído propriamente do palco e vai ser primeiro-ministro, no mínimo, até ao final de março. Mas tem mantido uma agenda intensa e declarações públicas frequentes de que dificilmente abdicará. E também tem mostrado manter vontade de continuar na política activa, assim que o Ministério Público o permita (Costa não admite outro desfecho para o seu processo-crime que não seja o arquivamento ou, no limite, a sua eventual absolvição). Há risco de parecer uma liderança bicéfala, mas a partir das eleições de Março Pedro Nuno espera que deixe de ser assim. Dá mais uns meses a Costa para a despedida, mas depois quer ser deixado sozinho no palco e, na sua preferência, na cadeira onde o antecessor agora ainda está, em São Bento.

A direita mostra-se tão envergonhada da sua história recente que, numa tentativa de se unir, teve de ir ao baú recuperar um projeto amarelecido pela antiguidade de mais de 40 anos”

O ataque mais direto à direita surgiu quando encerrou a exaltação do passado de Costa e da parte desse passado em que teve parte. Depois, Pedro Nuno passou à Aliança Democrática que o PSD montou com CDS e PPM e que o líder do PS diz que é uma tentativa de passar por cima de um período de que o PSD menos se orgulhará. É um “truque”, diz, que pretende “fazer esquecer o período em que governaram juntos”, o “verdadeiro diabo que visitou os portugueses durante aqueles quatro terríveis anos.” Reduz a AD a um “mito”, uma solução “recauchutada” e chama a atenção para a ilusão que esses “malabarismos” da direita podem provocar. Usa-a também para dizer que foi a forma de Luís Montenegro preencher o “vazio de projeto, o vazio de liderança, o vazio de visão”. E por ai fora.

A política tem horror ao vazio. Foi para ocupar o vazio que é hoje o PSD que cresceram dois partidos à sua direita, a Iniciativa Liberal e o Chega, ambos filhos da austeridade de Passos Coelho”

Mais uma vez o ex-líder do PSD, que foi mais vezes referido neste discurso do que o atual (Costa já tinha feito o mesmo no dia anterior, nem sequer falando em Montenegro). Acusa Passos de ser o pai da Iniciativa Liberal que “mais parece uma agência de marketing e publicidade” mas é na verdade “um projeto de transformação radical da forma como organizamos a nossa vida coletiva”. E também do Chega, que “não tem qualquer projeto sério para o país nem solução para os problemas do povo”. E que tem por objetivo-último um “discurso de ódio e repulsa contra bodes expiatórios, sejam estes os políticos, os imigrantes ou as minorias”.

Nem tudo foi bem feito e que há ainda muito trabalho pela frente”

Ao fim de oito anos de governação, o desgaste do partido é muito e as críticas ao mesmo também. Pedro Nuno Santos sabe disso e é por essa razão que imprime agora na linha socialista uma ideia de reconhecimento dos problemas que se mantêm. E também a necessidade de “ouvir o povo”. O que inevitavelmente soa sempre a uma comparação com o líder que saiu. E nesse povo coloca “trabalhadores e empresários”, o tal “Portugal Inteiro” que é o seu lema desde a candidatura à liderança e que se manteve nesta corrida em que agora arranca — este domingo, no discurso de encerramento do congresso, já apresentando as primeiras medidas concretas que tardam a surgir.§