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O festival Bons Sons ocupa a aldeia de Cem Soldos, em Tomar, de 8 a 11 de agosto, com 50 concertos de música portuguesa
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O festival Bons Sons ocupa a aldeia de Cem Soldos, em Tomar, de 8 a 11 de agosto, com 50 concertos de música portuguesa

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O festival Bons Sons ocupa a aldeia de Cem Soldos, em Tomar, de 8 a 11 de agosto, com 50 concertos de música portuguesa

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O Bons Sons não invade a aldeia de Cem Soldos: envolve-a

Depois de um ano de ausência, o festival que mudou uma aldeia em Tomar regressou esta quinta-feira. Mostra-a de cara lavada depois de obras de renovação à medida.

Por estes dias, os habitantes de Cem Soldos, no distrito de Santarém, confundem-se com quem está de passagem. De 8 a 11 de agosto, a aldeia tomarense fecha-se para se transformar no festival Bons Sons e mostrar 50 concertos de música portuguesa em 10 palcos distintos. “Estamos a falar de uma aldeia de 700 pessoas que, de repente, recebe 35 mil ao longo de quatro dias”, diz Miguel Atalaia, diretor artístico do festival.

Começando como bienal em 2006 e de cariz anual há dez anos, o Bons Sons é um caso inaudito no panorama dos festivais de verão em Portugal: um evento comunitário de música portuguesa erguido por 400 voluntários, na maioria moradores da aldeia. É organizado por uma associação sem fins lucrativos, o Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS) e com uma equipa constituída pela comunidade local.

Mas, em 2023, Cem Soldos teve de passar sem o Bons Sons, graças às muito ambicionadas obras de requalificação do largo do Rossio, bem no centro da povoação. Trata-se de uma praça em forma de triângulo onde acontecem as principais festividades ao longo do ano. “O projeto começou a ser desenhado pela própria população de Cem Soldos e foi votado pela comunidade”, explica Atalaia ao Observador. A obra, a cargo da Câmara Municipal de Tomar, atualmente presidida pelo socialista Hugo Cristóvão, ascendeu a quase um milhão de euros.

A aldeia de Cem Soldos é fechada e o seu perímetro delimita o recinto que acolhe palcos integrados nas ruas, praças, largos, auditório, igreja e até em garagens e lagares

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Esta requalificação “foi pensada para devolver o largo às pessoas”, sumariza Miguel Atalaia, enumerando a intervenção: melhorias nas infraestruturas, no saneamento básico e drenagem de águas, na pavimentação de vias e áreas de lazer, na iluminação, no mobiliário urbano, na circulação das pessoas e dos automóveis e na organização do estacionamento. Quem conhece o festival fala numa “praça mais aberta” e numa constatação: a aldeia está a crescer. De resto, não é difícil encontrar quem gabe o impacto positivo do Bons Sons na demografia de Cem Soldos. Somam-se histórias de antigos habitantes a regressar em definitivo e o jardim de infância tem crescido todos os anos, com mais crianças inscritas. Os que vêm ao festival pelo ambiente bucólico e espírito comunitário ora voltam ora espalham a palavra.

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Luís Ferreira, que criou o festival e deixou a função de diretor artístico em 2020, acompanha de perto a evolução do certame sem fins lucrativos e que subsiste com 80% de receitas próprias. “Sem o festival não haveria as obras de certeza. É quase uma devolução à aldeia daquilo que tem sido o esforço enorme da comunidade em erguer este festival anualmente”, crê. O caderno de encargos implicou que as obras respeitassem não apenas os desejos dos organizadores do festival, mas também a fogueira de Natal, as procissões. Ou seja, foi necessário um alinhamento de vontades cozinhados para um objetivo comum. “É difícil uma câmara investir numa aldeia, normalmente investem nos centros urbanos”, nota Luís, que garante que tal aconteceu à conta de “uma pressão política muito grande da nossa aldeia”, confirma o programador cultural, nascido e criado na aldeia, e que, apesar de viver atualmente em Lisboa (trabalha no Teatro Nacional D. Maria II), recentemente comprou casa no centro de Cem Soldos e a disponibilizou como palco para um concerto surpresa de poucos minutos.

À esquerda: Luís Ferreira, fundador do festival Bons Sons. À direita: Miguel Atalia, diretor artístico do festival

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

As pessoas atravessam o largo de copos na mão, chapéus na cabeça, óculos de sol repousados sobre o nariz. De quando em vez, alguns voluntários borrifam os transeuntes com água — com consentimento. Ao final da primeira noite, mais de 8 mil pessoas tinham entrado no recinto do festival, avança a organização ao Observador. A lotação máxima para os quatro dias fixa-se nas 35 mil pessoas e “mais do que isso seria desvirtuar o conceito”, assevera Miguel Atalaia. Para assistir ao alinhamento completo, há um passe de quatro dias que custa 65€, o bilhete diário sai a 30€. Nenhum está esgotado.

[Já saiu o segundo episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro episódio. ]

As tabernas prolongam-se em esplanadas, nas ardósias lê-se “Temos: caracóis, moelas, bifanas e seitanas”. “Tentamos levar muito a sério este conceito de viver a aldeia, e para viver é preciso estar. Temos de contrariar a ideia de que vamos apenas assistir a um concerto. Sinto mesmo que as pessoas vêm para viver o sítio, para estar. Muitas não vão a nenhum concerto, querem simplesmente estar nas espancadas a curtir o ambiente”, descreve Miguel.

"As pessoas sentem-se mais confortáveis se não forem constantemente invadidas por marcas e letreiros a anunciar outras coisas além da música. Isto é um festival de música. Há festivais que são ativação de marca por si só. Está tudo bem com isso. Nós não queremos habitar esse lugar"
Miguel Atalaia, diretor artístico do festival Bons Sons

Ambiente que, no rescaldo dos muitos festivais de verão, se distingue pela ausência de brindes ou ruído visual de marcas patrocinadoras a condicionar a paisagem. Será uma questão de tempo? “É uma escolha nossa. As marcas estão presentes, mas queremos muito que a presença seja respeitadora do sítio, do lugar, do evento. Queremos que não haja uma contaminação gigante. As pessoas sentem-se mais confortáveis se não forem constantemente invadidas por marcas e letreiros a anunciar outras coisas além da música. Isto é um festival de música”, garante o diretor artístico do Bons Sons. “Há festivais que são ativação de marca por si só. Está tudo bem com isso. Nós não queremos habitar esse lugar.” Querem, sim, habituar um lugar em que a diversidade e inclusão são cabeças de cartaz, com estratégias como a disponibilização de “abafadores de som para pessoas com neurodivergência” ou a oferta de um bilhete a um acompanhante de pessoa com deficiência. Além disso, estão reservadas áreas prioritárias (e não exclusivas) perto dos palcos para pessoas com mobilidade reduzida. Há também algumas plataformas individualizadas em palcos com maior envergadura como o palco Lopes Graça e ou o palco António Variações. “Este ano tentámos alargar [essa oferta mais acessível]. Fazemos este caminho para que as pessoas saibam que os lugares são seguros”.

Um festival de música em que “há um foco direcionado para escutar”

Foi na frescura do interior da Igreja de S. Sebastião que o músico e guitarrista Manuel Dordio teve honras de abertura esta quinta-feira ao início da tarde. O intitulado palco Carlos Paredes é um dos dez palcos do festival e aquele em que a guitarra ganha protagonismo. Mas o ar fresco seria de pouca dura.

A artista Femme Falafel (Raquel Pimpão) teve honras de abertura do palco Giacometti - INATEL. Mesmo com as altas temperaturas e o sol em riste, o público não desistiu e entregou-se à dança

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Uma hora depois, o sol seria impiedoso para os muitos que assistiam a Femme Falafel, nome artístico de Raquel Pimpão, no palco Giacometti — INATEL. Surgiu de calções de ganga, kitten heels prateados, e uma t-shirt de Maradona. “Hoje aconteceu-me uma desgraça. Esqueci-me do meu vestido giro em casa”, justificou-se. Acompanhada por Francisco Santos na bateria, Tiago Martins no baixo, e Lana Gasparotti nas teclas, a pianista e compositora, integrante de projetos como Fumo Ninja, Super Baile ou Raging Dildos, conquistou a simpatia do público, em particular com o que descreve como a sua “única música de intervenção”, em que alude, numa única frase, curta e direta, à destruição da floresta da Amazónia. “Foi fixe, acho que as pessoas aderiram à cena. A malta estava lá a dar o seu carinho e atenção, acho que correu bem”, conta ao Observador, já de ténis nos pés, após o concerto. Recostada na cadeira de plástico encarnada, é interpelada sobre a inspiração que desembocou no nome artístico. Responde sem pudor que não é pelo consumo desmesurado de bolinhos de grão de bico fritos. “Mandei uma música chamada femme fatale a uma amiga minha e ela leu mal”, sorri.

Pimpão, que venceu a 27ª edição do Festival Termómetro, já esteve no Bons Sons na última edição, em 2022, e recorda os concertos de David Bruno, Pluto e Cassete Pirata. “Adorei, estou muito contente por cá estar agora a atuar”. “Não é para trashar, apesar de parecer que é para trashar”, avisa, entre risos, mas “há alguns festivais em que a malta vai pela experiência de ir a um festival e a música fica para um papel secundário. Não estou a dizer que não haja aí pessoas que venham só tchillar para Cem Soldos, e está tudo bem, mas a experiência que tive foi que as pessoas, independentemente de estar um sol abrasador ou de não me conhecerem, estavam ali genuinamente interessadas em descobrir coisas novas. Sinto que isso pode ser um bocadinho mais forte aqui do que noutros festivais. Há um foco direcionado para escutar.”

O concerto teatral "Quis Saber Quem Sous" reuniu grande parte do público na primeira noite em que o Bons Sons retornou à aldeia de Cem Soldos

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No palco Zeca Afonso, a noite chegou com uma escuta coletiva: Quis Saber Quem Sou, o concerto teatral de Pedro Penim, diretor do Teatro Nacional D. Maria. A produção, que desde abril já percorreu várias cidades portuguesas, mostrou-se sob o céu estrelado perante um público atento, sentado no declive pronunciado do anfiteatro natural com oliveiras. O cancioneiro popular português desfilou mediado por um texto provocatório que apelava à interação. O público foi gritando palavras de incentivo, reagindo com aplausos. A ascensão da extrema-direita em Portugal foi notada, com a estatística a ser esfregada nas nossas caras: “entre os treze em palco, dois são fachos”, escuta-se no palco. Tomarenses em março deram a vitória ao Partido Socialista, mas o Chega alcançou os 20,67%, com 4598 votos. A quem pregam?

O concerto teatral "Quis Saber Quem Sou" começou ao inicio da noite do primeiro dia de festival.

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Os concertos são o prato forte do festival Bons Sons, mas o cardápio inclui ainda projeção de filmes, oficinas, exposições, uma feira de artesanato, passeios, jogos tradicionais ou caminhadas com burros de Miranda.

O rapper Valete era um dos nomes sonantes do cartaz desta quinta-feira, o primeiro dia do festival Bons Sons

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Tudo formas de aproveitar os raios de sol até que, por fim, a música volte a dominar os caminhos. Os Ganso estrearam o palco António Variações, de onde Valete sairia como “anti-herói, que nunca se renderá”, “anti herói que o povo aclamará” (Anti-Herói, do álbum de 2006, Serviço Público). Admitindo estar no festival a “representar a cultura do hip hop”, o artista fez questão de elevar as mulheres pioneiras do rap em português e deixou um repto: “O hip hop está a precisar de novas narrativas, novos discursos. Precisamos de mais mulheres a repa”. E levantou “um cheirinho” sobre um projeto “jazzy hip hop que vem aí”.

A intervenção no Largo do Rossio, no centro de Cem Soldos, obrigou a que a edição do Bons Sons em 2023 fosse adiada

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Antes, no palco Lopes-Graça, Cláudia Pascoal lucrou com a enchente que saiu de Ganso — o facto de o festival não marcar concertos em simultâneo resulta em plateias mais compostas, para gáudio dos artistas que para elas se apresentam. A artista de São Pedro da Cova, Gondomar, arrancou com a doçura de Ter E Não Ter (2020), passou por Precaução (2023), tema que partilha com Manuela Azevedo, e recordou a sua autoria do jingle de um dos programas de rádio mais ouvidos do país, Extremamente Desagradável, que interpretou quase até à exaustão.

Mas a noite de concertos do primeiro dia de Bons Sons só acabaria com Sheri Vari no palco Aguardela. O festival continua até domingo com concertos de Vaiapraia, Gisela João, Expresso Transatlântico, Ana Lua Caiano ou The Legendary Tigerman.

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