Artigo publicado às 21h30 de terça-feira, 14 de abril, e editado às 12h00 de 15 de abril para atualizar as referências temporais.

António Costa não quis revelar com detalhe como será o regresso gradual à vida normal, mas assumiu na terça-feira que vai seguir recomendações da estratégia comum de saída das restrições definida pela Comissão Europeia. Em entrevista ao Observador, o primeiro-ministro disse que o “método” que consta desse documento corresponde “exatamente” àquilo que Portugal definiu. E se Úrsula Von der Leyen só apresentou o documento na quarta-feira de manhã, fontes europeias contactadas pelo Observador revelaram na véspera partes do documento que davam pistas sobre como será Portugal após o fim das medidas de restrição. Promover o uso de uma aplicação para monitorizar infetados (embora menos invasiva do que na China), manter os grupos de risco, em particular idosos, em casa, e fazer uma testagem massiva são algumas das recomendações da Comissão Europeia.

Paralelamente, no mesmo documento citado por fontes europeias ao Observador, estava prevista a reabertura de lojas de roupa com os mesmos cuidados dos supermercados, restaurantes reabertos com menos lotação e horários mais curtos e turmas com menos alunos. É também recomendado o uso de máscaras não cirúrgicas pela população. Há duas certezas no documento, que Costa também registou esta terça-feira na entrevista ao Observador: regresso será “gradual” e assim que se levantarem as medidas é inevitável que as infeções aumentem. Por muitos cuidados que se tenham, na rua as pessoas estão sempre mais expostas do que em casa.

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A comissão Von der Leyen, segundo explicou ao Observador uma fonte que acompanhou o processo, queria ter “um papel de coordenação de regresso à normalidade”, de forma a delinear uma resposta comum e começar a retomar a liberdade de circulação de pessoas e bens. Mas os Estados-membros recusaram. Os países não abdicam de serem eles a definir quando recomeçam, seja na Saúde ou na Educação. Apesar disso, a Comissão decidiu promover um “papel” em que define normas para esse regresso à normalidade no espaço europeu. É daí que surge este conjunto de recomendações que António Costa antecipou esta terça-feira de manhã que seriam em breve conhecidas.

No documento, a Comissão avisa que “embora o caminho de volta à normalidade seja muito longo, também está claro que as medidas extraordinárias de confinamento não podem durar indefinidamente”. É considerado “indispensável” planear a fase em que acontece o regresso para não pôr em causa a saúde dos cidadãos nem sobrecarregar os sistemas de saúde. Isto, no entender da Comissão, só se faz com uma resposta “bem coordenada” dos Estados-membros.

Os três critérios europeus para o regresso à normalidade

Ao longo de vários momentos, no documento, é defendida abertura “gradual”, mas também que esta abertura vai sempre implicar um aumento das infeções. Apesar desta realidade, há condições mais aconselhadas do que outras para promover o regresso pós confinamento. A Comissão Europeia irá definir, no documento que será apresentado quarta-feira, três grandes critérios que devem ter sidos em conta para os Estados-membros perceberem se estão na fase de começar a “aliviar” o confinamento: epidemológico, capacidade do sistema de saúde e monitorização.

No critério epidemológico, cada país deve ter em conta a sua “curva” e perceber se tem o crescimento de casos estabilizado, tendo de ser tido em conta o número de infeções, bem como a taxa de letalidade. Portugal registou esta terça-feira um crescimento de casos de 3% e é dos países do espaço europeu com a situação, aparentemente, mais controlada.

O segundo critério incide na capacidade dos serviços médicos do país. Se estiverem “lotados”, então não devem começar a abrir as medidas de restrição. Por exemplo, um país que só tem os hospitais lotados a 50 por cento está mais preparado para arriscar algumas medidas de abertura. Neste critério, exemplifica a Comissão, deve ser tida em conta a taxa de ocupação dos cuidados intensivos, o número de camas disponíveis (tanto no público como no privado), o stock de medicamentos (antibióticos, relaxantes musculares), bem como o material de proteção (máscaras) e ventilação disponível. A comissão alerta ainda para intervenções médicas que foram adiadas durante o período crítico da Covid que podem pressionar os hospitais. Neste parâmetro, Portugal tinha vindo a estabilizar e até a decrescer o número de pessoas internadas, mas subiu esta terça-feira, incluindo nas UCI (Unidades de Cuidados Intensivos).

O terceiro critério está relacionado com a capacidade de monitorização. Como se sabe que o número de casos irá aumentar, a Comissão Europeia quer que seja garantida “a capacidade de avaliar dia a dia como evolui situação”. Isto porque é preciso dar um passo atrás e reverter o levantamento de uma medida de restrição se os casos aumentarem muito.

Aplicação para seguir infetados e testagem em massa

A partir do momento em que se começam a reabrir medidas é preciso aumentar o controlo para limitar o risco de as infeções dispararem. Segundo o que as fontes europeias descreveram ao Observador, precisamente para permitir a monitorização, a Comissão Europeia admite que se recorra a aplicações móveis para controlar os movimentos dos infetados. “No fundo é recomendar o que os franceses querem aplicar e que levou a que Macron fosse muito criticado. Claro que nunca podia ser uma aplicação como fizeram na China, pois isto colocaria nos Estados-membros questões de proteção de dados”, explica fonte europeia ao Observador.

No fundo, o Comissão diz que uma aplicação móvel que respeite a privacidade, mas que avise um cidadão que está a aumentar o risco por estar perto de um infetado pode “ser uma ferramenta eficaz na estratégia de saída”. De acordo com a Comissão Europeia estas aplicações podem ajudar a “interromper cadeias de infeção com mais rapidez e eficiência” do que as próprias “medidas gerais de contenção”.

Por uma questão de proteção de dados, os infetados devem permanecer no anonimato e os dados completamente eliminados após o fim da pandemia. A Comissão adotou a 8 de abril de 2020 uma recomendação para o desenvolvimento de uma abordagem europeia comum (designada de Tool Box) para “o uso de meios digitais que capacitam os cidadãos a tomar medidas eficazes e direcionadas de distanciamento social” como contributo para uma saída dos chamados “lockdowns”.

Além disso, a Comissão Europeia recomenda uma “extensão enorme” na capacidade de testar, fazendo referência quer aos “testes ao Covid”, quer aos testes serológicos, que permitem ver o nível de imunidade. Além disso, desde que cientificamente validada, a Comissão pede que seja considerada a implantação de “kits de auto-teste” de forma a reduzir a pressão sobre o sistema de saúde. Na Coreia do Sul os testes foram fundamentais para conter o vírus.

A Comissão sugere ainda que os Estados-membros continuem a aumentar a capacidade de resposta nos sistemas de saúde, não devendo perder o foco neste momento. Já quanto à procura da vacina, esse esforço continuará a ser coordenado a nível europeu e a Comissão Europeia informa que a Agência Europeia do Medicamento prevê que a vacina demore um ano até estar disponível no mercado.

Grupos de risco confinados e lockdowns regionais

A Comissão Europeia propõe ainda que as medidas de confinamento deixem de ser gerais e passem a ser “direcionadas”. Diz ainda que as medidas devem distar uma das outras para que se possam avaliar e dá como exemplo um espaço de um mês entre as medidas.

Com esta política de abertura a recomendação é para que exista um “confinamento rigoroso dos grupos de risco”. Aí inclui-se a população sénior, numa medida que a própria presidente da Comissão Europeia já tinha antecipado e que o primeiro-ministro português admitiu vir a pôr em prática na manhã desta terça-feira: “É evidente que vamos ter de manter essas restrições e serão tanto mais exigentes para quem tem um maior risco.” Bruxelas também aconselha reaberturas com disparidade geográfica: se há uma zona do país com menos casos pode reabrir e com menos risco de infeção, deve reabrir, mesmo que na outra parte continue o isolamento social mais intensivo. Também neste caso, António Costa já admitiu um país a “múltiplas velocidades

Lojas, restaurantes reabrem a meio-gás e regime misto nas empresas

A Comissão Europeia não impõe medidas, mas dá no documento exemplos concretos de como se deve proceder a reabertura da economia. No documento, a Comissão diz que não há razão para que as lojas de retalho (as lojas de roupa, calçado, etc.) continuem fechadas. A recomendação é para que reabram, embora com os mesmo cuidados que se têm no supermercado: lotação controlada e as pessoas a manterem a distância de pelo menos 1,5 metros.

Os restaurantes e cafés, exemplifica a Comissão, também devem reabrir gradualmente, mas com “uma lotação reduzida” e com “horários reduzidos”, o que permite diminuir o risco de infeção. Ainda na área da alimentação as cantinas em espaços fabris, escolas e universidades devem ser frequentadas por turnos de forma a haver o mínimo de concentração possível. Esta é uma medida, aliás, que já consta de vários planos de contingência das empresas que continuaram abertas.

Nas empresas, é aconselhado que as pessoas não vão todas para o local de trabalho, continuando a ser incentivado  teletrabalho e também a implementação de esquemas de turnos. O trabalho pode ser intervalado, com os grupos a não se cruzarem, tendo a vantagem de limitar os riscos ao mesmo tempo que passam a ser assumidos por todos os trabalhadores, não criando uma situação de desigualdade.

Relativamente aos transportes públicos, estes devem circular com menos gente (logo, com mais frequência) e com uma desinfeção permanente. Um dos conselhos da comissão passa, aliás, por os Estados-membros terem uma “política contínua de desinfeção dos espaços públicos, reforçando as equipas de desinfeção”. A Comissão Europeia faz também um parêntese para dizer que o uso do automóveis privados deve ser permitido, pois reduz o risco de infeção.

Quanto às escolas — onde, tal como nas outras situações, os Estados-membros têm toda a autonomia para fazer diferente — a Comissão Europeia aconselha que as escolas reabram com mais cuidados de limpeza, turmas mais pequenas, de forma a que permita distanciamento e que professores e alunos comecem a regressar progressivamente às escolas.

Entretanto, já esta terça-feira foram tornadas públicas novas regras de Bruxelas sobre como dever ser feita a recolha do lixo de doentes.

Bruxelas recomenda regras apertadas para tratamento de lixo de doentes

Sobre bares, discotecas e mesmo festivais de verão a Comissão avisa que esse contacto ficará para um “estádio final”. Não será para o momento da reabertura, embora avise que um dia se terá que voltar novamente ao contacto social.

A Comissão diz ainda, embora não haja uma ação comum, que “os Estados-Membros devem notificar-se mutuamente e à própria Comissão antes de tomarem medidas [de abertura]”. Neste caso, Bruxelas sugere que os países tenham um pessoa específica a quem contactar (“ponto de contacto único”), uma espécie de telefone vermelho para a Covid-19. As fronteiras entre os Estados-membros também devem ser reabertas de forma gradual. Já as fronteiras externas (para fora da UE), só devem ser consideradas numa segunda fase. A Comissão promete ainda dar mais conselhos em breve sobre a forma como Estados devem aconselhar os cidadãos relativamente a férias de verão.

A Comissão enaltece ainda a solidariedade entre Estados-membros e admite que países venham, se tiverem capacidade, a promover o tratamento de cidadãos de outros países da UE, como já aconteceu com italianos que foram recebidos na Alemanha e outros casos similares.

O documento da Comissão foi apresentado esta quarta-feira de manhã, pelas 11h00, sendo que na véspera já tinham sido apresentadas as guide lines aos Estados-membros. Os países têm, no entanto, margem para fazer as coisas à sua maneira. Ao longo do documento, a comissão Von der Leyen destaca que o “critério essencial é sempre o da saúde”, mas avisa que tem de ter uma “base científica”. Daí os tais três critérios. A presidente da comissão europeia apresentou o documento esta quarta-feira, 15, às 10h00 (11h00 em Bruxelas). No documento já dado a conhecer aos Estados-membros é dito que este “Protocolo de Orientação” não é “um documento estático” e vai sendo atualizado e revisto ao longo do tempo.