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Octavio Passos/Observador

Octavio Passos/Observador

Revoltados, pressionados e nostálgicos. Os últimos moradores do Bairro do Aleixo

Desmontaram-se os móveis, embalou-se a roupa e as paredes ficaram vazias. São os últimos inquilinos do bairro problemático do Porto, que a 8 de maio ficará desocupado. O futuro é ainda uma incógnita.

“Se os jornalistas viessem mais cedo, talvez não tivéssemos que sair daqui”, ouve-se à porta da torre 2, uma das três que restam no Bairro do Aleixo e que serão demolidas no início de maio. Graça Teixeira sai do prédio com um aspirador debaixo do braço. “É para limpar a minha casa nova, nesta vou deixar o lixo todo”, diz ao Observador. Leva-nos até ao 7º andar da primeira torre, onde vive desde os cinco anos de idade. “Os meus pais vieram da Ribeira para aqui, tenho muitas recordações. Agora vou para um bairro onde não conheço ninguém, não tenho ajuda para pegar num saco e é tudo a falar mal de nós.”

Tem 48 anos e vive num T4 com quatro menores, uma filha e três sobrinhos que ficaram à sua guarda, depois de a irmã ter ido presa numa rusga no início de fevereiro. “Viraram-me a casa ao contrário e eu até lhes abri a porta. Eram uns dez polícias e levaram-me o ouro todo, seis anéis e dois colares. Ficaram todos presos por causas das escutas, mas eu continuo a falar à vontade, não me calo a ninguém.”

O Bairro do Aleixo em números

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O bairro tem cerca de 30 mil metros quadrados e situa-se na União de Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos

Os primeiros habitantes vieram do centro histórico, especialmente da zona da Ribeira, e ocuparam o bairro a partir de dezembro de 1973

Era constituído por 320 fogos, distribuídos por 5 torres

Cada torre tem 13 pisos, cada um com 5 casas, à exceção do 13º andar que tem apenas 4

As tipologias das casas variam entre T2 e T4

A torre 5 foi demolida a 16 de dezembro de 2011 e a torre 4 a 13 de abril de 2013

 

Graça conta que, agora, entregaram-lhe um T3 num segundo andar no Bairro das Campinas, em Ramalde — . “A casa não é má, mas não tenho uma cozinha onde caiba a loiça toda para comermos. Aquilo é uma banca e um fogão, mais nada.” A distância da escola das crianças, em Lordelo do Ouro, também é um problema. “Já há muitos anos pedi uma casa aqui perto por causa da escola dos miúdos, até levei os papéis à câmara e tudo, mas eles não quiseram saber. Encostaram-me logo à parede: ou ia para as Campinas, ou para Francos, ou então ficava sem casa. Vão ter que acordar às 6h da manhã e apanhar dois autocarros todos os dias.”

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Deram-lhe “13 dias para esvaziar a casa”, teve de deixar de trabalhar nas limpezas para fazer as mudanças e queixa-se da falta de apoio para conseguir levar o tudo o que lhe pertence. “Paguei 50€ só para a carrinha, no domingo foram mais 75€ e somos nós que acartamos tudo. Eles podiam pôr uma grua para levar os eletrodomésticos aqui no meio das galerias, mas não querem saber.” A ajuda de braços vem dos filhos e dos genros, apenas disponíveis ao fim de semana, mas tudo se torna ainda mais complicado quando o elevador não funciona — o que acontece há mais de cinco anos. “Sou uma pessoa doente, já fui operada ao peito e já tive um enfarte, não sei como ainda não morri. Tive de ir para casa dos meus irmãos porque não conseguia subir as escadas cheia de agrafos e toda cosida. Tinha tudo aqui, só não tinha elevador.”

“Eles meteram as pessoas do Aleixo uma em cada canto de propósito. No início disseram que faziam um bairro só para nós, onde é que ele está?”
Graça Teixeira, moradora

Subimos as escadas e chegamos finalmente à casa de Graça, a única ainda a habitar naquele andar. À porta, são muitos os caixotes, as vassouras e os sacos pretos cheios de lixo espalhados. “As coisas boas vendemos no OLX, como a mobília do quarto ou o frigorífico de duas portas que não cabe nas Campinas. Custou-me 1600€ e tive que o vender por 200€. Também vou ter que levar o cilindro, porque a outra casa não tem nada.” No chão já não há tapetes, os cobertores, as toalhas e os lençóis estão empilhados num quarto vazio e nas paredes já são poucos os quadros e as fotografias penduradas. Numa moldura estão todos os cartões de sócio do Futebol Clube do Porto do pai, na outra um desenho da filha e numa outra a fotografia de um irmão que se suicidou. Por mais que varra, “o lixo vem de todos os cantos”, mas o pior é mesmo ter de dormir num colchão insuflável. “Eu acordo mais doente do que me deito, estou sempre cansada e cheia de dores nas costas. Todos os dias tenho de encher isto”.

De cigarro na boca, recorda as promessas do passado. “Eles meteram as pessoas do Aleixo uma em cada canto de propósito. No início, disseram que faziam um bairro só para nós. Onde é que ele está?” A discriminação é um dos motivos maiores da sua indignação. “Fomos sempre nós a fazer as obras em casa, a câmara só vinha se rebentasse um cano. Deixaram isto chegar ao cúmulo, sem elevador, sem vidros, sem nada. Não podem com as pessoas do Aleixo, por eles ficávamos todos sem casa. O que se vê nos outros bairros? Só miséria, não é só no Aleixo.”

É num colchão insuflavel que graça Teixeira dorme agora as últimas noites na sua casa. (Octavio Passos/Observador)

Octavio Passos/Observador

Fala na decisão de demolir o bairro — um dos mais problemáticos da cidade do Porto —, que começou a ser cumprida com a implosão da torre 5, em 2011, e da torre 4, em 2013, no último mandato Rui Rio como presidente da câmara municipal e depois de um acordo ter sido assinado com um fundo imobiliário, que fica com os terrenos para construção. Em contrapartida, o fundo tem de construir habitação social em vários locais da cidade. Rui Moreira, atual autarca, herdou o acordo e já o alterou, mas o objetivo continua o mesmo: até ao início do mês, os moradores que restam do bairro hão-de partir para outras casas que lhes foram entregues pela câmara — e as torres que restam, também elas, acabarão por ser demolidas. O que nascerá ali, no futuro? Ainda ninguém sabe.

As queixas de falta de apoio e os que até preferem sair

Graça Teixeira fala com saudade da união entre os vizinhos da torre 1, “quando faltava uma batata ou um quilo de arroz”. Agora, “sobra pouca gente” com quem “tomar um café ou uma cevada”, ainda assim resta-lhe a antiga cunhada no andar de cima. “A São mora na casa 85.” “São” é, afinal, Encarnação Oliveira. Encontramo-la atarefada a cobrir candeeiros com película aderente e a fechar caixotes de cartão com fita cola larga. “Querem um cafezinho?”, pergunta ao mesmo tempo que convida a entrar. Na sua entrada há vasos suspensos com plantas e uma caturra na gaiola, “consolada porque já bebeu e comeu hoje”.

Encarnação nasceu em Aveiro, tem família em França, Espanha, Canadá, Venezuela e Estados Unidos, mas é no Aleixo que vive há mais de quatro décadas. “Vim para o Porto pequenina, andava numa escola em Matosinhos, depois conheci o irmão da Graça, casei-me e tive dois filhos. Da Ribeira vim grávida para aqui. A minha filha já tem 44 anos, por isso veja lá.”

Encarnação Oliveira contratou ajuda para as mudanças, ainda que seja ela a fechar os caixotes e a embalar os objetos. (Octavio Passos/Observador)

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A rusga em que lhe forçaram a porta de casa, o polícia que não a queria deixar entrar no prédio ou a rapariga esfaqueada que salvou mesmo antes do INEM chegar são “memórias mais do que suficientes para poder escrever um livro”. “São” foi socorrista nos Bombeiros Voluntários Portuenses durante 20 anos e diz-se “conformada” com a mudança, apesar dos nervos e da pressão que tem sentido. “Não perguntam se a gente tem dinheiro para a mudança ou se precisa de ajuda. A câmara manda-nos para a junta e ninguém resolve nada. A minha filha não me pode ajudar porque está a trabalhar, sou eu com 65 anos que tenho de fazer isto. Já adiantei bastante, o sistema nervoso trabalha por mim.”

Durante o processo, já teve “cinco chaves na mão”. São Roque, Ramalde, Lagarteiro ou Campinas foram alguns dos bairros que recusou, sendo num T4 na Fonte da Moura que irá viver com a sua filha e os seus três netos. “Aquilo tem quatro quartos, mas não me cabe nada, este é um T2 e é bem maior.” A morada é, para já, provisória. “O advogado diz que, daqui a um ano, posso mudar para algo mais perto. Há 97 pessoas em lista de espera na Domus Social”, conta.

A falta de apoio na logística das mudanças de casa é um dos motivos maiores de queixa por parte dos últimos moradores. (Octavio Passos/Observador)

Octavio Passos/Observador

Dentro de portas, Encarnação diz ter tudo. “O meu fogão, a minha cama, a minha vida.” Nas paredes sobra um relógio atrasado, os colchões estão ao alto no corredor e há tesouras, fitas métricas e sacos XXL em cada canto de uma casa “estimada e bem conservada”. “O fogão não cabe lá, a mesa vou levar, o sofá vai para o meu sobrinho”, pensa em voz alta enquanto entrega sacos pesados ao rapaz que contratou por 50€/dia para a ajudar. “Esta já é a segunda carrinha que ele leva cheia.” Nas escadas sujas e degradadas do prédio são muitos os que consomem e vendem droga em plena luz do dia. “Quem está a vender lá em baixo não é ninguém que more aqui, mas depois nós é que levamos com a fama.” A antiga socorrista tem ordens para abandonar o Aleixo até ao dia 2 de maio, mas garante só sair “quando tiver tudo daqui para a fora”.

Os prédios estão degradados, nas galerias estende-se a roupa e no patamar são muitas as caixas e os sacos do lixo. (Octavio Passos/Observador)

Octavio Passos/Observador

“Boa tarde, Dona Lurdinhas”, diz o rapaz das mudanças mal vê Lurdes Costa parada nas escadas a recuperar o fôlego a caminho de sua casa. Tem 89 anos, sofreu uma paralisia à nascença e caiu em casa há mais de um ano, rasgando a perna e levando vários pontos. Caminha, agora, com a ajuda de uma muleta e é muito devagar e com algum esforço que consegue chegar ao 9º andar, onde vive num T2 com o filho, uma neta e dois bisnetos menores. “Às vezes demoro um quarto de hora a chegar cá acima”, explica.

Lurdes é de Famalicão e chegou ao Aleixo aos 70 anos — fazendo com que a considerem a avó da torre 1. “As pessoas têm respeito por mim e eu tenho respeito por elas, nunca tratei mal ninguém, sou educada e elas também são educadas comigo.” Só lamenta as noites em que não conseguiu dormir pelo barulho. “Às vezes estava na cama e assustava-me, pedia para me fecharem a porta do quarto e tudo. Agora a polícia já não anda muito por aqui e eles foram para outro lado.”

Ver tudo desarrumado e empacotado dá a Lurdes Costa “tristeza”. (Octavio Passos/Observador)

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O fim do bairro não foi uma surpresa e ainda se recorda, “como se fosse hoje”, de ver na televisão Rui Rio “a carregar no botão para deitar abaixo as torres 4 e 5”. “Nós sabíamos que um dia tínhamos que sair, mas nunca estamos à espera. Há coisa de uma semana, comecei a ver mais pessoas a irem embora, não iam assim muito contentes, foram criadas aqui, não é? O meu filho veio com 7 anos e já fez 50.” Caso o prédio voltasse a ter um elevador, Lurdes preferia continuar no Aleixo. “Se a câmara pusesse um elevador, antes queria ficar aqui. Assim custa-me muito subir as escadas todos os dias.”

A meio da conversa liga-lhe a neta a dizer que já conseguiu transporte para as mudanças. “Agora nem me apetece estar em casa, ver só sacos e caixotes dá-me uma tristeza.” Quando lhe perguntam para que bairro vai morar agora, Lurdes tira da carteira um papel escrito a esferográfica que diz: Bairro do Lagarteiro. “É neste”. “A minha neta meteu um advogado para conseguirmos um T4, a casa é jeitosa, tem uma despensa, uma varandinha e uma sala grande. Só é pena ser um bocadinho longe, fica em Campanhã.” Tal como outros moradores, afirma ter sentido pressão para sair. “Ainda ontem andou aí gente da câmara a pedir as chaves, mas nós não vamos entregar antes de tirarmos as nossas coisas daqui. Quando sairmos nem é preciso pedirem que nós vamos lá deixá-las.”

“Revoltei-me muito na primeira vez que fui à câmara buscar a chave, até chorei de nervos. Disseram-me que tinha que aceitar a casa na Pasteleira ou então punham-me os papéis de despejo à porta e nem tocavam à campainha para ver se eu estava.” 
Eduarda Lopes, moradora

Casas mais pequenas — e fora do sítio onde sempre viveram

Foi na terceira torre que vimos Eduarda Lopes a estender a roupa nas galerias do prédio. Nascida na freguesia de S. Nicolau há 64 anos, veio com 12 para o Aleixo, onde morou com os pais e as irmãs na torre 2 e, anos mais tarde, mudou-se para o edifício vizinho. O filho mais velho está em França com a mulher e a neta, Eduarda vive com o mais novo num T3 já praticamente vazio. “Fui empregada doméstica a vida toda, agora descanso. Tratar das mudanças já me dá muito que fazer.”

Vai mudar-se em breve para o Bairro de Miragaia, junto à Alfândega, mas esta não foi a primeira morada que lhe atribuíram. “Revoltei-me muito na primeira vez que fui à câmara buscar a chave, até chorei de nervos. Disseram-me que tinha de aceitar a casa na Pasteleira [a pouco mais de um quilómetro] ou então punham-me os papéis de despejo à porta e nem tocavam à campainha para ver se eu estava.” A primeira opção não agradou a Eduarda “pelo ambiente” e por se tratar de uma casa pequena, onde “nem cabia a máquina de lavar roupa”. Já a segunda alternativa parece ser mais do seu agrado, apesar da distância. “Tenho a minha mãe, com 96 anos, entrevada no Bairro Pinheiro Torres, todos os dias de manhã tenho que lá ir. Saiu da torre 2 há um mês, tem alzheimer e ficou logo na primeira casa que lhe deram por ser no rés do chão. Com a cadeira de rodas, não pode subir escadas e tem de ter um quarto só para ela por causa da cama articulada. Do Aleixo, estou lá em 10 minutos [a pé]. Agora tenho de apanhar autocarros. Vai ser mais complicado.

Sorridente e conformada, Eduarda estendeu as suas últimas peças de roupa no Aleixo. (Octavio Passos/Observador)

Octavio Passos/Observador

A sua nova morada é também provisória. “Vou ficar à espera que vague uma casa mais perto daqui, mas estou a gastar dinheiro numa casa nova para nada, é chato.” Tal como Lurdes, Eduarda recorda a demolição das torres 4 e 5, numa altura me que “as pessoas ficaram mais bem servidas”. “O Rui Rio deu casas boas às pessoas, agora estão a dar a porcaria toda. As cozinhas e os quartos são mais pequenos, não há corredores para pormos os móveis. O que vamos fazer aos móveis? Vamos deixar para a câmara?” Da nova vizinhança já sentiu “muita discriminação e desconfiança” e é agora, sozinha no 10º andar, que teme mais pela segurança. “Sempre tivemos um ambiente sossegado nesta torre, agora que está tudo mais vazio os ressacas vêm para aqui, encostam-se e ficam a dormir em qualquer lado. Sempre entrei e saí à hora que queria, agora não posso deixar a porta ou as janelas abertas.”

Estava Rosa Silva a embrulhar panelas em folhas de jornal e a coser umas miudezas na máquina de costura quando lhe batemos à porta. “Na outra casa não vou ter espaço para coser nada, tenho que aproveitar.” Nasceu em Miragaia, está há 40 anos no Aleixo e vive com a filha e os dois netos, agora num andar desabitado e repleto de móveis, brinquedos e sacos com objetos seus. “Quando cá cheguei, isto era impecável, ainda estavam com as máquinas de construção a pôr os vidros nas janelas. Muita coisa que fiz em casa foi à minha custa, do lavatório à porta principal. As melhores torres eles já deitaram abaixo. De fosse pela droga, a torre 1 era a primeira a ir.

“Estou num T2, mas o que tenho aqui não me cabe no T4 que me deram. A cozinha é minúscula, o frigorífico vai ter que ficar na sala e o resto vamos ter que comprar à medida. Aquilo que eu não puder levar eles que tirem, o que posso fazer?”
Rosa Silva, moradora

A cadela pinscher morreu há um mês e Rosa passa, agora, os dias com o neto mais novo, o irrequieto Salvador de três anos, que se entretém a brincar com paus de vassoura, cruzetas e uma bola de futebol. “Quando o Salvador nasceu, fui a câmara pedir outra casa porque ele tem bronquite devido a esta ser muito húmida. Depois chateei-me tanto que nunca mais lá meti os pés. Não me deram nada e agora querem tirar-nos daqui com esta pressa toda. Gostava de ir para o bairro da Mouteira ou para a Pasteleira, queria ficar nesta zona.

Tem até ao dia 30 de abril para se mudar para o Bairro de Francos. “Ainda recusei, mas tive que ir outra vez buscar as chaves à câmara porque eles encostam-nos à parede. Dizem que, se não aceitarmos, aquela não há mais. Nestes anos todos, já deviam ter feito casas para podermos sair daqui.” Para onde vai, Rosa diz não conseguir levar tudo o que é seu, além de ser um terceiro andar sem elevador e de lhe custar a subir as escadas. “Estou num T2, mas o que tenho aqui não me cabe no T4 que me deram. A cozinha é minúscula, o frigorífico vai ter que ficar na sala e o resto vamos ter que comprar à medida. Aquilo que eu não puder levar, eles que tirem. O que posso fazer?”

A mobília com que viveu durante 40 anos está agora à porta de casa. Rosa Silva vai contrariada para o Bairro de Francos. (Octavio Passos/Observador)

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O desejo de continuar no Aleixo mantém-se, mas admite que seriam necessárias melhores condições. “Se deixassem ficar esta torre e a restaurassem toda, eu queria ficar aqui. Podiam pintar, tratar da humidade, pôr vidros novos, tanta coisa.” Triste e desiludida, Rosa Silva conta que “muita gente nem chega a gozar das casas da câmara” porque “batem a bota”. “Este mês, morreram dois do coração. As pessoas já não têm idade para se enervarem e eles ainda põem as pessoas pior. Há casas com três ou quatro gerações, são muitos anos e muitas histórias.”

O que vai nascer no Aleixo? Ainda ninguém sabe

Nos anos 1980 e 1990, o tráfico de droga instalou-se no Bairro do Aleixo, tornando-o num dos mais problemáticos do Porto. O seu fim era há muito anunciado, mas o processo sofreu alguns avanços e recuos, sempre envolto em polémica, muitas dúvidas e alguma revolta. Se uns defendiam a recuperação do bairro, mantendo os moradores ali a viver há várias décadas, outros preferiam a sua demolição. No terceiro e último mandato de Rui Rio como presidente da Câmara Municipal do Porto, foi criado, a 15 de novembro de 2010, o Inversurb – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado. O objetivo era demolir as torres do Aleixo, sendo que, em contrapartida pela venda dos terrenos do bairro, o município receberia unidades de participação do fundo, bem como imóveis próprios construídos ou reabilitados e/ou entrega de casas prontas a habitar, todos com fins de habitação social.

As habitações na Travessa de Salgueiros “estarão concluídas no último trimestre deste ano”, na Rua das Eirinhas “no segundo semestre de 2020” e no Bairro do Leal “ainda não há uma data prevista”, uma vez que é aguardada “a disponibilização dos terrenos por parte da autarquia”.
Manuel Monteiro de Andrade, administrador da Fund Box

A situação era complexa e foi herdada pelo atual executivo, que, em 2014, pediu uma auditoria ao fundo. Um ano depois, Rui Moreira diz ter encontrado uma solução para o revitalizar, como pode ler-se no site da autarquia. “Depois de mais de dois anos de impasse, com o Fundo do Aleixo (Invesurb) em risco de liquidação e sem dinheiro para construir as casas que se comprometeu a dar à Câmara do Porto como contrapartida, está finalmente encontrada uma solução, com o grupo Mota Engil a tornar-se parceiro e a investir cerca de dois milhões de euros, em capital. O novo investidor ficará com uma participação semelhante à de António Oliveira e a Câmara do Porto, até agora com 30% do capital, passará para 22%, readquirindo terrenos com um elevado potencial de valorização.”

Inicialmente gerido pela Gesfimo – Espírito Santo, Irmãos, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, o fundo está, desde janeiro de 2019, a cargo da Fund Box. Em declarações ao Observador, Manuel Monteiro de Andrade, administrador da Fund Box, afirma que, nos termos do contrato celebrado com a Câmara Municipal do Porto, o fundo “tem obrigação de construir para a autarquia habitações distribuídas por diversas localizações na cidade”, referindo-se às 8 casas na Rua Mouzinho da Silveira, 15 na Rua das Musas, 29 na Travessa de Salgueiros, 36 na Rua das Eirinhas e 66 no Bairro do Leal. Até à data da entrada em funções da Fund Box, “estavam entregues à câmara 23 habitações”, correspondentes às ruas Mouzinho da Silveira e Musas. Ao Observador, Manuel Monteiro de Andrade garante que as habitações na Travessa de Salgueiros “estarão concluídas no último trimestre deste ano”, as da Rua das Eirinhas apenas “no segundo semestre de 2020” e no Bairro do Leal “ainda não há uma data prevista”, uma vez que é aguardada “a disponibilização dos terrenos por parte da autarquia”.

Vidros partidos, paredes riscadas e falta de limpeza são alguns sinais de desgaste e degradação das últimas três torres do Aleixo. (Octavio Passos/Observador)

Octavio Passos/Observador

O administrador explicou ainda que as três torres ainda existentes “serão demolidas pelo método tradicional”, uma operação da total responsabilidade do Invesurb, que “será iniciada logo após a sua desocupação e entrega ao fundo, o que se prevê que venha a ocorrer no início do próximo mês”. A Câmara Municipal do Porto revelou ao Observador que a autarquia entregará ao fundo as torres “no próximo dia 8 de maio”. Manuel Monteiro de Andrade, da Fund Box, acrescentou que “a duração dos trabalhos de demolição e remoção a vazadouro dos resíduos está estimada em seis meses”. A operação está a cargo da JMM – Demolições, S.A, custará “cerca de 700 mil euros (+IVA)” e “a torre 1 será a primeira a ser demolida”.

A autarquia garante ao Observador que os moradores do Aleixo “foram realojados em bairros municipais próximos, tendo-lhes sido dado sempre mais do que uma escolha” e que tanto as 23 habitações já concluídas, como as novas casas que serão entregues pelo fundo, “serão adicionadas ao stock de habitação social do município e geridas pela Domus Social de acordo com as regras e os seus critérios”.

Relativamente ao futuro dos terrenos do Aleixo, com cerca de 30 mil metros quadrados, a câmara do Porto afirma que não foi ainda apresentando “qualquer projeto” ao município. “O projeto que existia quando Rui Moreira tomou posse foi revogado no âmbito do novo contrato que permitiu defender o Município e reforçar os capitais do fundo, com a entrada da Mota Engil. Só após a entrega de toda a habitação social pelo fundo poderá ser apresentado pelo fundo novo projeto a aprovar pela Câmara. Tal projeto terá que ter menor volumetria do que o que estava previsto no contrato original. Cumprindo-se o contrato atual, o PDM atual será respeitado, o que não acontecia no contrato herdado do tempo do executivo de Rui Rio”, explica a autarquia em declarações ao Observador.

A intenção do projeto passava por “requalificar uma linha de água que nasce no Campo Alegre e desagua no rio Douro, denominada Mina de Ouro, e construir oito lotes, um destinado a um mercado de restauração e de frescos, dois lotes para comércio e serviços e os restantes para habitação, com quatro pisos e tipologias de T1 e T3”. 
José Barbosa, arquiteto

Também Manuel Monteiro de Andrade, administrador da Fund Box, afirmou ao Observador que o projeto aprovado pela anterior entidade gestora “foi caducado” e encontra-se “em arquivo”. O trabalho tinha a assinatura do gabinete de arquitetura Barbosa & Guimarães, sedeado em Matosinhos e em funções desde 1994. Em entrevista ao Observador, José Barbosa, um dos responsáveis, afirma que, em outubro de 2012, o coletivo “foi convidado pela Invesurb”, juntamente com outros gabinetes nacionais, a apresentar uma proposta para os terrenos do Aleixo. A intenção passava por “requalificar uma linha de água que nasce no Campo Alegre e desagua no rio Douro, denominada Mina de Ouro, e construir oito lotes, um destinado a um mercado de restauração e de frescos, dois lotes para comércio e serviços e os restantes para habitação com quatro pisos e tipologias de T1 e T3”. O projeto incluía ainda “percursos pedestres e uma zona verde que acompanhasse a linha de água”, fazendo desta zona “um pulmão verde” na cidade. A ideia de condomínio fechado não se aplicava, uma vez que o objetivo “é que o espaço fosse aberto a todas as pessoas”, com uma ligação “privilegiada” até à marginal do Douro.

Alguns moradores afirmam que as casas desocupadas foram preenchidas com tijolos e cimento para não serem invadidas por quem ali ainda consome ou vende droga. (Octavio Passos/Observador)

Octavio Passos/Observador

“Nunca nos foi dito que teríamos que trabalhar para a classe A ou B, mas pela sua localização, deduzimos que sejam apartamentos destinados à classe média alta”, sublinha o arquiteto, acrescentando que o coletivo “assinou um contrato de prestação de serviços sem termo com o Invesurb a 25 de janeiro de 2013”. Até “meados de 2014” o projeto “esteve em andamento”, ainda que numa fase embrionária, ficando depois na gaveta até hoje. José Barbosa foi sabendo pela comunicação social das mudanças financeiras e políticas do processo, mas, até ao momento, diz não ter recebido “qualquer informação formal ou oficial” sobre a suspensão do contrato celebrado e diz continuar a “aguardar desenvolvimentos” sobre o assunto.

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