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O programa eleitoral do PSD já é conhecido desde o passado dia 30 de julho, mas o seu nascimento foi ofuscado pelo longo e doloroso processo de elaboração das listas de candidatos a deputados. Na altura, quando Rui Rio reuniu o Conselho Nacional do partido em Guimarães para aprovar as listas de deputados e as linhas gerais do programa eleitoral, ouviram-se críticas de que os conselheiros tiveram de validar as mais de 100 páginas de propostas sem conseguirem ir para lá do índice. Para evitar fugas de informação, o programa, coordenado por David Justino, tinha estado fechado a sete chaves, tendo apenas saído à rua no dia em que seria aprovado. E foi: acabaria por ser aprovado pelos conselheiros, com 17 abstenções. É esta sexta-feira, contudo, que a versão final — finalíssima — do programa com que o PSD se vai apresentar nas eleições de 6 de outubro é apresentada aos militantes e ao país, numa cerimónia na Alfândega do Porto, com Rui Rio, David Justino e Joaquim Sarmento a comandar as operações.
Da reforma da Justiça à reforma do sistema político, da descentralização e desconcentração de serviços para fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto à revisão das carreiras especiais da administração pública, incluindo a contagem integral do tempo de serviço congelado na carreira dos professores; da reforma da Segurança Social, passando por mais apoios à maternidade para combater a crise demográfica e culminando nas finanças públicas que obedecem à fórmula ‘menos impostos, mais investimento e mais despesa corrente’, são 117 páginas de propostas onde Rui Rio se compromete a “não prometer o que não pode cumprir” e a “não dar o que não tem”.
“O que prometemos é possível cumprir se os portugueses confiarem em nós para formar o próximo governo constitucional. Mas há um outro compromisso que queremos assumir perante os portugueses: não os iludiremos com meias verdades, nem nos desculparemos ao longo dos quatro anos da legislatura com o governo anterior. Ao fim de um ano de governo deixaremos de invocar os governos anteriores como os responsáveis por algo que não tenha sido feito ou que tenha corrido mal”, lê-se no preâmbulo, onde o PSD também se propõe a “crescer mais” do que o que o país tem crescido nos últimos anos, através de um modelo assente no aumento do investimento e nas exportações, que deve ser conseguido através de uma redução da carga fiscal para empresas e famílias, e de uma aposta na formação profissional.
Sob o chapéu de cinco grandes reformas “inadiáveis”, onde se incluem as reformas do sistema político, da justiça, da segurança social, da descentralização e da promoção da natalidade, o PSD, à semelhança do que fez Rui Rio esta terça-feira em entrevista à TVI, mantém-se convicto de que a chave está no diálogo e na capacidade de estabelecer compromissos inter-partidários, não obstante as diferenças entre eles. “Quando colocamos o interesse nacional em primeiro lugar temos de estar disponíveis para sacrificar parcialmente as nossas propostas em prol de um interesse superior. (…) Por esta razão o PSD reafirma a sua abertura para com as restantes forças políticas no sentido de encontrar os entendimentos indispensáveis à implementação das reformas inadiáveis para fazer de Portugal um país mais desenvolvido e uma sociedade mais coesa e solidária”, lê-se no programa.
Esta terça-feira, em entrevista à TVI, Rui Rio já tinha sido claro em relação ao que pode vir a fazer caso, como apontam as sondagens, o PSD não vença as eleições, e o PS vença mas sem maioria: está disponível para viabilizar um governo minoritário desde haja um acordo expresso no sentido de os dois partidos fazerem as tais “reformas inadiáveis”. Resta saber se, 1), António Costa se apoia no PSD para isso, e, 2), se o PSD, que tem congresso interno poucos meses depois das eleições, aguenta um líder que pretende aliar-se ao PS para reformar o país. Para já, é tempo de apresentar e defender as propostas juntos dos eleitores. Selecionámos sete medidas que servem de traves-mestras ao programa eleitoral do PSD.
Rio rejeita bloco central mas admite viabilizar governo desde que seja para reformas estruturais
Professores: 6 anos para reconhecer todo o tempo congelado
(com critérios equitativos para todas as carreiras especiais)
Foi o ponto de ebulição da mais recente crise política do Governo. Estávamos em maio, vésperas das eleições europeias, quando António Costa ameaçou demitir-se se a proposta que estava a ser trabalhada na Assembleia da República sobre a progressão das carreiras dos professores fosse aprovada. Na altura, PSD e CDS foram muito criticados por terem aparecido na fotografia ao lado do BE e PCP para atender às exigências dos professores, que queriam reaver os mais de nove anos de tempo de carreira que tinha sido congelado. A “dramatização” de Costa, como apelida Rui Rio, e a forma como a crise foi gerida à direita terá sido uma das causas para o desaire eleitoral da direita nas europeias. Agora, enquanto o CDS não ousa tocar no assunto no seu programa eleitoral, o PSD insiste na ideia, mas deixa bem claras as condições para o tempo de carreira ser integralmente contabilizado.
O PSD compromete-se assim em “dignificar a profissão docente” nomeadamente através do “reconhecimento do tempo total de serviço prestado até 2018”. O modo de consagrar essa reconhecimento será decidido em função de uma “negociação com as organizações sindicais” e sempre em função de um conjunto de condições, que o PSD já defendia em maio, mas que pareceu deixar cair a meio do processo legislativo para que os partidos aprovassem, numa primeira fase, o mínimo denominador comum.
Que condições são essas? Primeiro, o reconhecimento do tempo integral só pode acontecer se houver “disponibilidade financeira de forma a não afetar a sustentabilidade das contas públicas” e, depois, desde que se consagre “o princípio da igualdade de tratamento das diferentes carreiras especiais da administração pública”. Ao Observador, David Justino, coordenador do programa e especialista em matérias de Educação, explica que o problema do Governo foi ter tratado as várias carreiras de forma diferente, tendo começado a descongelar as carreiras gerais da função pública e depois ter procurado atender às exigências de cada carreira especial, de forma isolada. Para o PSD, a “carreiras diferentes devem corresponder critérios idênticos”. Ou seja, “tem de haver uma abordagem equitativa, com critérios equivalentes” para atender às reivindicações das várias carreiras especiais da administração pública, dos professores às forças de segurança.
Outra das condições é que o reconhecimento do tempo de carreira não tenha de ser feito apenas em salários, mas através de uma conjugação de fatores, que passam pela redução de horário ou de uma transição mais suave e sem penalizações dos professores para a reforma: “Repartição do tempo apurado entre progressão, redução da componente letiva e despenalização da reforma antecipada a partir dos 63 anos”, lê-se no programa, onde se acrescenta que a “redução da componente letiva libertará os docentes para funções de supervisão e formação”. “Há situações de professores em trânsito, pelo que a progressão na carreira deve ser feita através de uma análise caso a caso”, afirma Justino.
O calendário proposto pelo PSD é preciso: a recuperação deve ser feita no máximo em seis anos, desde que tenha em conta as condições acima referidas.
Sistema político. Menos deputados, limitação de mandatos e valorização dos votos brancos
É uma das reformas inadiáveis de Rui Rio. “O atual governo não promoveu uma única reforma estrutural digna desse nome. Não tendo uma visão integrada, o governo gere os problemas com medidas avulsas a que raramente falta o aparato comunicacional. Com essa opção prefere os paliativos – autênticos e enganadores placebos políticos – às soluções eficazes, ainda que, por vezes, impopulares”, escreve o PSD, antes de passar para as grandes reformas que considera urgentes. Uma delas é a reforma do sistema político, de forma a que aproxime os eleitos dos eleitores sem pôr em causa a proporcionalidade do sistema e de forma a que garanta “a governabilidade e a estabilidade governativa”.
É aí que o PSD assume o compromisso de reduzir o número de deputados no Parlamento. Atualmente, são eleitos um total de 230 deputados à Assembleia da República e os sociais-democratas dizem querer recupera “o património político do PSD” para defender a ideia da redução, mas sem especificar números, e sem esclarecer se é preciso uma revisão constitucional para isso. O que o PSD diz é que essa redução deve ser feita dentro do princípio do respeito pela proporcionalidade do sistema, e deve ser acompanhada de “medidas de maior dignificação do exercício do mandato parlamentar”.
Outra das propostas do PSD é a limitação dos mandatos dos deputados, tal como já acontece nas autarquias e na Presidência da República. Rui Rio tem dito que não fechou um número porque está aberto à discussão, mas poderia ser uma limitação de três mandatos ou, por exemplo, um prolongamento da duração de cada mandato (que passaria de quatro para cinco anos) e, nessa lógica, a limitação seria de dois mandatos (10 anos), tal como acontece com o Presidente da República. Esta ideia, aliás, também está expressa no programa: uniformizar os mandatos todos, desde o PR aos autarcas, passando pelos deputados do Parlamento Europeu e parlamento nacional, para que tenham todos a mesma duração.
Os sociais-democratas querem ainda combater a abstenção com a “possibilidade de valorização dos votos brancos”, não explicando exatamente como. Rui Rio, de resto, tem procurado explicar esta ideia através da analogia das cadeiras vazias, defendendo que os círculo eleitorais devem ser mais pequenos do que são atualmente e devem oscilar entre um número mínimo e um número máximo em função da percentagem de votos brancos obtidos em cada círculo. Ou seja, os votos em branco, se forem em número significativo, funcionariam como uma espécie de penalização para cada círculo.
Justiça. Administradores nos tribunais e uma maioria de não magistrados nos conselhos superiores
O objetivo é “recuperar a confiança no sistema de justiça” e pôr o “cidadão no centro da reforma”. Para isso, admitindo que é das reformas mais complexas mas também a mais urgente, o PSD insiste numa bandeira de Rui Rio que este ano já foi chumbada no Parlamento: reconfigurar o Conselho Superior do Ministério Público de forma a que passe a ser composto por uma maioria de não magistrados, desde que se assegure a diversidade dos seus perfis e desde que obedeçam ao critério de não terem exercido qualquer função política nos anos imediatamente anteriores (mas o PSD não especifica qual deve ser a duração desse período de nojo).
Por outro lado, para otimizar a gestão dos tribunais, o PSD propõe a criação da figura de administrador de tribunal, que deve ser um gestor com formação financeira ou contabilística e não com uma carreira judicial, bem como propõe a “descentralização de funções de gestão e o reforço das competências dos conselhos de gestão de comarca”. Para garantir “justiça acessível a todos”, o PSD propõe a revisão do regulamento das custas judiciais, de forma a introduzir uma componente social na fixação das taxas de justiça, ligando o pagamento de custas à média de rendimentos efetivamente auferidos (para que não seja definida apenas em função do valor da causa, como hoje sucede).
Descentralização. A “guerra” que Rio quer comprar (e porta aberta para um novo referendo à regionalização)
Disse-o no discurso da rentrée, na festa do Pontal: “Esta é uma guerra boa, daquelas que quero mesmo comprar”. E repetiu no discurso de encerramento da universidade de verão do PSD: “Uma guerra contra os interesses instalados”. Rui Rio quer lutar contra o centralismo e assume essa como uma reforma inadiável que quer travar doa a quem doer. Sem esquecer, porém, que foi sobre a descentralização (a par dos fundos comunitários) que assentou o primeiro acordo que fez com António Costa assim que chegou à liderança do PSD, Rui Rio deixa críticas ao cumprimento do acordo: “Apesar do acordo sobre esta matéria a que foi possível chegar com o PS, o que se tem visto é que o atual governo tem chegado a soluções insuficientes e incapazes, que têm emperrado o processo em vez de o fazerem avançar”, lê-se no programa eleitoral.
É neste sentido que o PSD se compromete a “deslocalizar progressivamente alguns serviços públicos relevantes para fora das maiores áreas metropolitanas, com respeito pelos direitos de pessoas e famílias e recorrendo a instrumentos de compensação sempre que isso se revele necessário” — mas não diz quais. Essa deslocalização terá de ser “suportada por um regime financeiro adequado”, acrescenta.
Sem fazer qualquer referência à ideia da regionalização, mas lembrando que o acordo estabelecido entre o PSD e o PS nesta matéria levou à criação de uma Comissão Independente para a Descentralização, que esteve este ano a trabalhar no âmbito da AR e cujas conclusões apontaram para a ideia de se fazer um novo referendo à regionalização, o programa de Rui Rio é claro a respeito da ideia de voltar a referendar o tema — mas não diz a palavra tabu. “O PSD compromete-se a abrir à sociedade portuguesa esta discussão sobre a reorganização territorial do Estado (sobre os patamares político-administrativos, sua autonomia e financiamento) e a implementar as medidas que, neste âmbito, contribuam para corrigir as disparidades territoriais, desde que correspondam à vontade maioritária dos portugueses”, lê-se.
Mais um passo para a regionalização. Comissão defende novo referendo e criação de nova Lei-quadro
Maior licença para o pai, creches para todos e uma transição suave para a reforma
Aumentar a natalidade e proteger e retirar crianças da condição de pobreza é um dos “desígnios nacionais” que não deve ser ignorado, segundo o PSD. Daí que o partido proponha “reformular o abono de família pré-natal, alargando a base de beneficiários do atual limiar de rendimento familiar de 9.150,06 €/ano para 18.300€, permitindo que um casal em que ambos os cônjuges ganhem o salário mínimo nacional possam beneficiar do abono pré-natal“, ou proponha a “majoração do abono de família pré-natal em 50% para o segundo filho e 100% para o terceiro filho e seguintes”, acrescidos ainda em 50% para as famílias que vivem no interior. Outra das propostas para a promoção da natalidade é o alargamento da licença parental de 20 para 26 semanas a partir do segundo filho, com obrigatoriedade da segunda metade do período de licença parental (13 semanas) ser partilhada em, pelo menos, 50% do tempo com o pai.
Em relação às creches e jardins de infância, o PSD defende a “universalização da creche e jardim de infância, dos 6 meses aos 5 anos, nas redes social e pública, através da criação de uma rede nacional de creches e jardins de infância tendencialmente gratuitos”. Para isso destaca o papel das IPSS, que “devem estar preparadas para assinar protocolos de cooperação os quais serão objeto de escrutínio e monitorização por parte do Estado”.
Quanto à Saúde, o PSD defende que as políticas públicas se centrem na prevenção da doença e na promoção da saúde, e não tanto no tratamento da doença. Inicialmente, Rui Rio chegou a falar na ideia de, simbolicamente, vir a mudar o nome do Ministério da Saúde, para Ministério da Promoção da Saúde, mas essa ideia não aparece consagrada no programa eleitoral. Com uma visão orientada para o caráter público do SNS, o PSD não exclui no entanto o recurso às parecerias-público-privadas na Saúde “sempre que as condições e necessidades de prestação de serviços o aconselhem, sob a condição de mais qualidade da prestação e custos mais baixos”. Mais: o PSD propõe mesmo um sistema de incentivos financeiros aos profissionais de saúde em função dos resultados obtidos e propõe que, para cada português tenha acesso a um médico de família, possa haver uma contratualização do SNS com médicos disponíveis no setor privado.
Para combater os desafios do envelhecimento da população, Rui Rio defende ainda uma proposta arrojada: que se encontre em sede de concertação social uma forma mais suave de transição da idade ativa para a reforma, “criando incentivos para soluções de trabalho em tempo parcial e prolongamento da atividade para além da idade de reforma”, com os descontos para a Segurança Social adequados e proporcionais. O objetivo é que as pessoas não mudem abruptamente de estilo de vida no dia em que deixam de trabalhar e, ao mesmo tempo, tornar o sistema de Segurança Social mais sustentável.
Regra número 1: Redução da carga fiscal
“O atual nível de carga fiscal é insuportável”, lê-se no programa eleitoral. Reduzir a carga fiscal é, por isso, a regra número um do programa do PSD. E como é que isso se faz? “Privilegiando o alívio da carga fiscal para as famílias da classe média, focado no aumento da poupança, e o aumento da competitividade da economia e das empresas sediadas em Portugal, reforçando o investimento (nacional e estrangeiro), através da redução de IRC e de benefícios fiscais ao investimento e à criação de emprego“. É nesse sentido que o PSD propõe uma redução da taxa nominal de IRC e o alargamento da taxa reduzida de 17% a lucros até 100 mil euros (em vez dos atuais 15 mil).
Mas a política fiscal do PSD centra-se também na ideia de reduzir o IRS para famílias de classe média através da “redução das taxas aplicáveis ao rendimento das pequenas e médias poupanças” e no aumento de deduções à coleta com despesas de educação e saúde. O PSD propõe ainda a eliminação do imposto adicional do IMI (o chamado “imposto Mortágua”) e recupera a proposta de reduzir a taxa do IVA na eletricidade de 23% para 6%.
PSD propõe redução do IVA no gás e na eletricidade para 6% e reduz escalões do IRS
Aeroporto no Montijo? Não, PSD quer reapreciar solução Alcochete
O PSD não está convencido de que o novo aeroporto de Lisboa se deva localizar na Base Aérea do Montijo e considera prematuro abandonar a solução do Campo de Tiro de Alcochete. “O caso do Novo Aeroporto de Lisboa é paradigmático da falta de visão e de capacidade de planeamento do atual governo. O acordo celebrado entre o Governo e o concessionário garantiu o aumento da capacidade do atual Aeroporto Humberto Delgado e elegeu a Base Aérea do Montijo para a instalação de um aeroporto civil. Sem se conhecer os estudos de impacto ambiental, abandonou-se o cenário do Campo de Tiro de Alcochete, e reconheceu-se injustificadamente que a solução acordada seria suficiente para suprir as necessidades até ao fim da concessão (2062). (…) A posição do PSD relativamente a este problema é a de que é prematuro afastar cenários e de que as opções a fazer não dispensam um estudo aprofundado das diferentes soluções”, lê-se.
Veredito final: O PSD defende a “reapreciação da solução Alcochete”, mesmo que tal obrigue a uma renegociação das condições contratuais da concessão.