“Isto está tudo ligado”. A economia precisa de dinheiro mais cedo, porque as famílias precisam de dinheiro mais cedo, porque os trabalhadores precisam de trabalho mais cedo, porque precisam de salários mais cedo. É uma “corrida em contrarrelógio” e a banca “tem de entrar na corrida em contrarrelógio”. Foi assim que o Presidente da República explicou aos jornalistas, no sábado, durante uma visita a uma exploração agrícola, o porquê de se preparar para reunir, esta segunda-feira através de videoconferência, com os presidentes dos cinco maiores bancos portugueses.
A banca, defende, tem de estar na linha da frente no apoio rápido e eficaz às empresas e às famílias que estão em dificuldades devido à paralisação da economia motivada pelo surto da Covid-19, sobretudo depois de os contribuintes terem sido chamados a apoiar o sistema financeiro durante os anos da crise. E “um dia mais tarde é pior do que um dia mais cedo”. É preciso agir já.
O alerta mediático já tinha sido lançado na última quinta-feira, em pleno debate parlamentar para a renovação do estado de emergência. Rui Rio subiu ao púlpito e, num discurso que muitos estranharam vir daquela bancada, endureceu a voz contra a “tentação” da banca vir a lucrar com o sufoco das famílias e das empresas. Nessa altura, Rui Rio desafiou a banca a “não querer ganhar dinheiro com a crise” e avisou que, “se apresentar lucros avultados em 2020 e 2021, será uma vergonha e uma ingratidão para com os portugueses”. A banca, claro, não gostou, até porque já vários bancos tinham vindo dizer que não iriam distribuir dividendos pelos acionistas para poderem, dessa forma, contribuir para uma menor falência da economia. Além de que, nas atuais circunstâncias, falar em lucros para a banca em 2020 pode ser manifestamente exagerado.
O ponto é que estava disparado o alarme contra o “bicho papão” da banca. O Bloco de Esquerda, nesse mesmo debate, não deixaria o PSD ficar isolado com as palavras de alerta e assumiu o seu expectável papel: Catarina Martins praticamente fez suas as palavras de Rui Rio e não perdeu tempo. Para marcar território, logo no dia seguinte, o Bloco de Esquerda pôs a deputada Mariana Mortágua numa videoconferência de imprensa a anunciar um pacote robusto de medidas para o sistema financeiro — com a proibição de lucros através da distribuição de dividendos e com a proibição do pagamento de bónus à cabeça. E a pressionar Rui Rio: já que está de acordo e quer assim tanto chamar a banca à responsabilidade, então que aprove os projetos de lei do BE.
Rui Rio, que não tem apresentado quaisquer iniciativas legislativas por estar numa postura de “colaboração” com o Governo e nem sequer se tem pronunciado sobre iniciativas legislativas de outros partidos, foi questionado sobre isso esta segunda-feira, mas nada disse alegando não conhecer o projeto do Bloco de Esquerda em pormenor. Preferiu antes, aliás, acusar o BE, tal como o PCP e o PAN, de estarem a participar num “folclore parlamentar” a ver quem entrega mais projetos de lei na Assembleia da República. Esta quarta-feira vão ser votados mais de uma centena. “Não é assim que se ajuda o país”, alegou Rui Rio.
Então é como? No que à banca diz respeito, Rui Rio quer que seja dado um “abanão”, uma espécie de ‘abre olhos’, para que não caia na tentação de aproveitar a situação de sufoco financeiro em que vivem as empresas e as famílias. Depois de as suas declarações iniciais terem sido entendidas como muito duras para o sistema financeiro, que não deve ser visto como o mau da fita, Rio ainda tentou emendar a mão esta segunda-feira ao admitir que “não quer pôr em causa a banca” nem somar a esta crise uma “crise bancária”. Ou seja, a banca até pode estar sensibilizada para o problema e até pode estar de boa fé, mas é preciso garantir que essa boa fé tem efeitos no terreno. Coube a Marcelo Rebelo de Sousa dar esse abanão, na reunião desta segunda-feira por videoconferência com os líderes dos cinco maiores bancos, e terá surtido efeito. “Saio desta reunião com o estado de espírito motivado”, disse o Presidente da República ao final desta tarde em Belém, dando a entender que os bancos poderão vir a divulgar um comunicado conjunto a garantir que não vão lucrar com a crise.
Missão cumprida? Há partidos que querem mais e esta quarta-feira vão a debate, e votação, no Parlamento, várias iniciativas nesse sentido.
O que querem os partidos da banca
PSD quer “colaboração” dos bancos no esforço das empresas
O PSD quer “colaboração” e “equilíbrio”. Equilíbrio entre o que as empresas e as famílias podem pagar e o que o sistema financeiro pode aguentar, sendo que, diz Rio, neste momento está a financiar-se a taxas de juro negativas. Foi nesse sentido que os sociais-democratas apresentaram, esta segunda-feira, um conjunto de medidas imediatas de apoio às empresas, aos trabalhadores e às famílias, que vão pôr à consideração do Governo, e que passam nomeadamente por chamar a banca a contribuir mais neste esforço que é de todos.
Rio lança 18 medidas para atenuar efeitos da crise. Mas quer consensualizá-las primeiro com Costa
“Não queremos pôr em causa a banca, evidentemente, não queremos somar a isto uma crise bancaria, mas é preciso disciplina e equilíbrio. As taxas de juro não podem ir para lá do que as empresas conseguem pagar. É a este equilíbrio, esta unidade nacional, que nos temos de recorrer. Entre spreads, garantia mútua, imposto de selo e comissões, não pode o custo ultrapassar 1,5% para as empresas” relativamente aos empréstimos que venham a contrair no acesso às linhas de crédito que o governo está a disponibilizar, afirmou Rui Rio esta segunda-feira numa conferência de imprensa a partir do Porto.
Foi nesse sentido que o presidente do PSD defendeu, por um lado, um reforço e aumento das linhas de crédito no valor de 10 mil milhões de euros, e, por outro, um contributo dos bancos para amenizar o esforço que as pequenas empresas vão fazer para contrair estes empréstimos. Aqui inclui-se, por exemplo, isenção do pagamento do imposto de selo ou a isenção do pagamento de comissões de gestão e de acompanhamento, pelo menos para as microempresas. Mas acima de tudo, o PSD defendeu que a TAEG (o custo global que as empresas pagam pelos créditos) não exceda 1,5% no bolo total, sendo que atualmente esse valor fixa-se em mais de 3%.
“O papel da banca deve ser de responsabilidade, de defesa do seu equilíbrio financeiro mas ao mesmo tempo de colaboração”, disse Rui Rio, destacando que importa que a banca não tire partido da crise. Em todo o caso, num aparente recuo face ao tom que tinha usado no debate parlamentar, Rui Rio sublinhou que “o pior que podia acontecer era a banca ficar numa situação difícil como esteve no passado”. O líder do PSD não chegou a responder se aprovaria ou não o projeto de lei bloquista para impedir a distribuição de dividendos, mas sublinhou que, apesar de estar relacionado, isso é só uma parte “mais suave” do esforço global que o PSD quer da banca.
BE quer proibir distribuição de dividendos e pagamento de bónus (na banca e noutras empresas)
Não tinha passado nem um dia do debate no Parlamento onde Rui Rio se chegou à frente sobre o pedido de responsabilidade à banca, quando o Bloco de Esquerda apresentou um conjunto de propostas para chamar os bancos à razão. As declarações da véspera de Rui Rio não foram esquecidas, e serviram para o Bloco de Esquerda pôr o dedo na ferida e fazer pressão, instando os sociais-democratas a aprovar as propostas do Bloco.
Em causa estão dois projetos de lei e uma apreciação parlamentar: um dos projetos de lei proíbe durante o ano de 2020 a distribuição de dividendos dos bancos aos seus acionistas, proibindo também o pagamento de bónus aos administradores, e alargando a suspensão da distribuição de lucros em 2020 a todas as empresas, sejam do setor bancário ou não. Aqui o Bloco quer incluir sobretudo as grandes empresas como a EDP e as empresas de telecomunicações.
Além disso, o BE vai também chamar ao plenário na próxima quarta-feira a apreciação parlamentar do decreto-lei do Governo relativo às moratórias de créditos, uma vez que considera ser preciso fazer algumas alterações como “clarificar que todos os cidadãos têm acesso à moratória de crédito”, alterar “as regras da forma como são contabilizados os juros da suspensão destas prestações”, para evitar duplicação no pagamento dos juros, e “obrigar os bancos” a informar os clientes sobre a existência deste mecanismo de suspensão do crédito e não devem, pelo contrário, “impingir” créditos às pessoas e empresas que tenham direito às moratórias.
BE quer proibir distribuição de dividendos e pagamento de bónus na banca e noutras empresas
Nessa conferência de imprensa, Mariana Mortágua defendeu mesmo que a banca deve ajudar a financiar a economia e não abusar das dificuldades das famílias e das empresas. “Não podemos permitir que a banca venha vampirizar a economia quando é mais necessário do que nunca ter os bancos ao serviço da economia e a financiar a economia”, disse. Ou seja, aqui sim, a banca é a má da fita. Também Catarina Martins viria depois a reforçar que a banca tem de ter regras rígidas para não lucrar com a crise, afirmando que toda a folga financeira que os bancos tiverem deve ser canalizada para solidariedade. “Os bancos não podem cobrar comissões e os spreads têm de ser baixos porque não correm riscos e o Banco Central Europeu já lhes está a pagar para emprestarem dinheiro”, afirmou, num vídeo enviado à agência Lusa este sábado, sublinhando que o BCE já está a pagar aos bancos para estes emprestarem dinheiro. Logo, os bancos têm de facilitar.
PCP quer mais. “Banca tem de estar ao serviço do país em vez de ficar dependente da vontade dos banqueiros”
Depois de já ter defendido a exigência de moratórias, melhores condições de acesso a linhas de crédito, nomeadamente a não exclusão de quem tem dívidas ao fisco, e a não distribuição de dividendos da banca aos acionistas, o PCP voltou esta segunda-feira a manifestar-se sobre o comportamento da banca e a “resposta que o país precisa”.
Numa declaração distribuída aos jornalistas e assinada por Vasco Cardoso, do Comité Central, os comunistas deixaram claro que não acompanham a avaliação feita pelo Presidente da República no final da reunião com os principais banqueiros do país e querem mais. “Depois de anos e anos em que foram mobilizados mais de 20 mil milhões de euros de recursos públicos para tapar os buracos provocados pela especulação, pela gestão danosa e fraudulenta na banca, e que o povo português pagou e continua a pagar, impõe-se interromper a política de favorecimento deste sector monopolista e colocar a banca verdadeiramente ao serviço do país em vez de ficar à espera e dependente da vontade dos banqueiros”, lê-se na posição assumida pelo PCP.
Para os comunistas, não é com spreads e taxas de juro “de 3% e 4% como as que estão a ser propostas”, nem com comissões bancárias “que continuam a multiplicar-se e a reinventar-se”, nem sequer com “os limites e processos burocráticos na concessão de crédito que excluem milhares de micro, pequenas e médias empresas” que a banca ajuda a economia. Nem sequer basta que se impeça a distribuição de dividendos à banca ou aos grandes grupos económicos, é preciso mais.
Além de defender o controlo público da banca, o PCP defende sobretudo que a banca “cumpra o seu papel no desenvolvimento da atividade económica” — “sem ganhos por via da intermediação dos apoios públicos, com rapidez e prontidão, priorizando as micro, pequenas e médias empresas e não os grupos económicos”.
PAN quer acabar com comissões sobre MB Way e impedir duplicação de juros nas moratórias
O PAN também se juntou à discussão e, este sábado, desafiou o PS e o PSD a aprovarem um pacote de propostas para impedir que os bancos cobrem juros e comissões sobre transações online durante o estado de emergência e distribuam dividendos até 2021. Trata-se, sobretudo, de eliminar temporariamente as taxas cobradas pelas transações em aplicações como o MB Way, que permitem pagamentos sem sair de casa.
Num comunicado enviado à comunicação social, André Silva afirmou mesmo que esta era “uma segunda oportunidade de PS e PSD mostrarem que querem mesmo evitar que a banca lucre à conta da Covid-19”, depois de terem travado o debate de propostas de vários partidos na última quinta-feira. André Silva adiantava ainda que o PAN irá “levar a votação na próxima quarta-feira um pacote de propostas”, desde logo, para impedir “os bancos de cobrarem juros às pessoas e empresas que peçam uma moratória dos seus empréstimos e às empresas que se financiem por via das linhas crédito garantidas pelo Estado”.
A debate na quarta-feira vai também outra proposta do PAN no sentido de suspender “a cobrança de todas as comissões sobre as transações efetuadas online e através de plataformas de intermediação, como a MB Way, durante o estado de emergência” e proibir os bancos “de distribuírem dividendos e pagarem bónus aos gestores durante este ano e o próximo”.
André Silva referia ainda no comunicado que o primeiro-ministro, António Costa, “tem vindo a dizer que, face aos impactos económicos da crise causada pela Covid-19, era tempo de a banca retribuir a ajuda que os contribuintes lhe deram ao longo dos últimos anos” e que o presidente do PSD, Rui Rio, entretanto “veio juntar-se ao coro de críticas à banca, dizendo que seria imoral que a banca tivesse lucros em 2020 e 2021”. Ou seja, agora é altura de PS e PSD provarem que querem mesmo que isso aconteça, ao aprovarem os projetos de lei que vão estar em cima da mesa esta quarta-feira, no Parlamento.
Também o PEV tem iniciativas legislativas em debate no sentido de impedir as instituições bancárias de cobrar quaisquer comissões pelas operações realizadas através de aplicações digitais ou plataformas online, enquanto se determinar ou solicitar isolamento social, decorrente da Covid-19.
Marcelo ‘abanou’ e pôs banca e Governo a trabalharem lado a lado
Como estava anunciado, Marcelo Rebelo de Sousa ouviu esta segunda-feira à tarde os líderes dos cinco maiores bancos portugueses — CGD, BCP, Novo Banco, Santander e BPI —, e saiu “motivado”. Era o “abanão” que Rui Rio queria que se desse à banca, numa altura em que a opinião instalada reclama que é altura de inverter os papéis e pôr a banca a ajudar os contribuintes, depois de os contribuintes terem ajudado a banca. Mas sem o discurso de ‘os bons contra os maus’. Marcelo, de resto, já tinha saudado a iniciativa de alguns bancos de não distribuir dividendos pelos acionistas, mesmo sem haver uma lei do governo que os obrigue a tal. Depois, saiu da reunião com os banqueiros mais descansado ainda.
Segundo disse aos jornalistas no final da reunião, os bancos estão “mobilizados” no sentido de aplicar as medidas tomadas pelo Governo, mas também empenhados em tomar “iniciativa” própria para adotarem outras medidas complementares. Assim, o esforço seria feito com Governo e bancos lado a lado, a caminharem para o mesmo: o reforço da economia num período difícil. “Estão todos com o mesmo objetivo”, disse Marcelo, sublinhando que o estado de espírito foi “unânime”.
Questionado sobre se os bancos pediram mais medidas ao Governo, Marcelo deu a entender que as sugestões dos banqueiros já tinham sido encaminhadas para o Governo, estando os dois a trabalhar na complementaridade das medidas. “Foi muito útil a conversa porque foi muito concreta: há sugestões concretas que já foram tomadas por iniciativa das instituições bancárias e outras que dependem do diálogo que mantêm com o Governo”, disse. O Presidente da República não quis especificar que contributos concretos foram pedidos à banca, se passam pela redução de juros, de spreads ou pela não distribuição de lucros este ano, mas deu a entender que será divulgado um comunicado conjunto dos bancos portugueses a dar garantias aos contribuintes.
Em todo o caso, Marcelo saiu descansado: “A situação da banca neste momento é uma situação que pode merecer a confiança dos portugueses”, disse. Sobretudo devido ao “empenho” que a banca está a mostrar nesta fase difícil. No discurso de Marcelo não houve ‘bons contra os maus’.