Rodrigo nasceu no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, a 7 de outubro. Ficou conhecido como o bebé sem rosto, porque a sua cara não tem olhos e nariz. O seu caso tornou-se público porque as malformações não foram detetadas nas ecografias feitas durante a gravidez — acabando por revelar uma série de casos semelhantes relacionados com o mesmo médico obstetra, Artur de Carvalho. Mas aquilo que conseguimos ou não ver no exterior não conta toda a história da criança porque, mesmo sem nariz, Rodrigo já consegue respirar e mamar sozinho, falta saber aquilo que será capaz de fazer no futuro.
A evolução do bebé, e a avaliação desta evolução, terá de ser feita quase dia a dia porque é difícil prever de que forma a falta de uma parte do crânio e o facto de ter partes do cérebro que não estão completamente desenvolvidas podem afetar o desenvolvimento cognitivo da criança.
Por enquanto, os receios iniciais parecem estar descartados. Nas primeiras horas receava-se que Rodrigo tivesse alterações no tronco cerebral — a parte do cérebro que controla funções básicas como o bater do coração ou a respiração — e que o bebé não sobreviveria mais do que umas horas. Não será esse o caso e Rodrigo está quase a completar três semanas de vida, mas ainda é muito cedo para se conhecerem as consequências a médio e longo prazo.
O Observador tentou perceber junto dos especialistas em neonatologia — os pediatras que se ocupam dos bebés até aos 28 dias —, quais são as expectativas e o que se pode fazer em casos como este. Mas as pediatras ouvidas são unânimes: sem conhecerem o caso não podem fazer mais do que comentários genéricos. O que todas garantem é que o tipo de malformações que apresenta Rodrigo podiam ter sido detetadas nas ecografias feitas durante a gravidez.
“Muito importante é a noção de que estas são anomalias suscetíveis de terem diagnóstico pré-natal”, afirma Maria Teresa Neto, especialista em Neonatologia e professora na Universidade Nova de Lisboa. Mas ressalva que, ainda que fosse possível fazer uma interrupção da gravidez, “aceitar ou não, é uma opção dos pais”.
A falta de nariz
Rodrigo nasceu com uma atrofia na pirâmide nasal (a estrutura visível e saliente a que chamamos nariz) e na boca — ou seja, nem a boca nem o nariz estavam completamente desenvolvidos —, mas, tanto quanto o Observador conseguiu apurar, terá as vias respiratórias funcionais, o que quer dizer que o ar entra pelas narinas e chega aos pulmões, cumprindo a sua função. É certo que a falta de nariz tem um impacto estético e a “função de proteção das vias aéreas” também está comprometida, mas o nariz “não é fundamental para a parte respiratória”, diz Joana Saldanha, presidente da Sociedade Portuguesa de Neonatologia.
O facto de o recém-nascido já conseguir mamar sozinho mostrou isso mesmo: que consegue respirar e consegue fazê-lo pela estrutura que tem no local do nariz. Poderia respirar mesmo que só conseguisse fazê-lo pela boca, mas seria uma limitação, “porque a boca serve para comer”, lembra Maria Teresa Neto. Se só fosse possível respirar pela boca, não poderia mamar e respirar ou mesmo tempo, tendo dificuldade em fazer as duas coisas. “Podiam, contudo, arranjar-se vias alternativas para comer ou vias alternativas para respirar”, diz a médica.
Quanto à falta de nariz, a reconstrução pela cirurgia estética pode ser uma opção a equacionar no futuro, mas não para já.
A falta de olhos
Rodrigo tem sido falado como o bebé que nasceu sem olhos, mas o Observador conseguiu apurar que a realidade é mais complexa: os olhos estão lá, mas não se terão desenvolvido completamente e não estão na posição correta.
Perceber se os olhos têm malformações ou se são funcionais é o primeiro passo, diz Ângela Carneiro, oftalmologista no Hospital de São João, no Porto. Depois, se os olhos fossem normais e se o desvio lateral não fosse muito grande, poderia tentar-se fazer uma cirurgia para colocá-los numa posição mais normal, explica a médica. Não se sabe, no entanto, se os olhos do Rodrigo se encontram em condições de fazer uma cirurgia deste tipo.
Na ausência de olhos ou numa situação em que não estejam funcionais, não há, neste momento, uma solução médica para o problema. Ainda não é possível fazer transplantes de olhos. “Uma criança fica sem visão para o resto da vida, porque não existe, neste momento, nem em Portugal nem em lugar nenhum do mundo, maneira de resolver a situação”, diz a professora da Faculdade Medicina da Universidade do Porto.
A falta de parte do crânio
A falta de olhos funcionais não significa, só por si, uma vida com mais limitações do que as que têm os invisuais. Mas, no caso do Rodrigo, pode significar também malformações a nível cerebral. Como os olhos e o cérebro se formam mais ou menos ao mesmo tempo, durante o desenvolvimento embrionário, “se a criança nascer sem olhos, a primeira preocupação é ver como é que está o cérebro”, diz a médica Joana Saldanha.
E isso pode fazer-se de forma simples, à cabeceira da cama, com um ecografia através da moleirinha (fontanela). “Dá uma boa ideia da morfologia cerebral [estrutura do cérebro]”, diz a pediatra. Depois é possível fazer uma TAC (tomografia axial computorizada) que mostra as alterações em pormenor e, se necessário, uma ressonância magnética.
Pelo que o Observador conseguiu apurar, Rodrigo tem partes do cérebro que não se desenvolveram corretamente, embora ainda não tenham sido divulgadas que partes são essas e que funções deveriam controlar. Só este conhecimento permitirá perceber até que ponto o desenvolvimento da criança será comprometido e quais as expectativas de futuro.
Em relação à parte do crânio em falta e falando exclusivamente da parte óssea, a recuperação é possível, com placas de titânio, por exemplo, mas pode não ser necessária. É mais uma intervenção que precisará de uma avaliação médica ponderada.
Qual a esperança de vida?
Esta é a pergunta a que nenhuma das médicas arriscou responder, pelo menos antes de a síndrome (os sintomas que definem a doença) seja identificada e divulgada. Aí, por comparação com o que terá acontecido com outras crianças com o mesmo problema, pode estabelecer-se um prognóstico — aquilo que se pode fazer em termos terapêuticos e o que se pode esperar na evolução da criança, diz Maria Teresa Neto.
Graça Oliveira, que trabalha no serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria (Lisboa), reforça que os diagnósticos feitos durante a gravidez são fundamentais e podem contar com equipas multidisciplinares de obstetras, neonatologistas, cardiologistas pediátricos e geneticistas. A partir daí, os médicos e a família são preparados para o que esperar depois do nascimento, caso os pais decidam levar a gravidez até ao fim — e para preparar todo o apoio psicológico e espiritual que os pais e a família venham a precisar.
Claro que também acontecem casos de malformações que não foram detetados durante a gravidez, mas, mais uma vez, é reunida uma equipa multidisciplinar com especialistas em genética, metabolismo e neurologia para avaliarem o recém-nascido e definirem um diagnóstico, assim como para tentarem perceber qual foi a causa (se genética, infeções ou drogas, por exemplo). Isso contribui não só para a situação que têm pela frente, mas para fazerem aconselhamento aos pais numa futura gravidez.
Atualizado com a possibilidade de cirurgia nos casos de olhos normais