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Getty Images/iStockphoto/eternalcreative

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Romance, ensaio, poesia ou banda-desenhada: 35 livros para ler este verão

Finamente tem tempo, quer ler um ou dois livros, mas não sabe quais? Para que não se perca, jornalistas, críticos e colaboradores do Observador escolheram 35 livros para estas férias de verão.

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O mundo está diferente, mas há coisas que permanecem — felizmente — iguais: com as férias de verão, chega uma vontade invariável de colocar a leitura em dia. Romance, ensaio, poesia ou banda-desenhada: tudo cabe nestes dias. Mas a oferta pode ser avassaladora, mesmo com a diminuição drástica do número de livros publicados em Portugal, consequência da pandemia.

Para que não se perca, jornalistas, críticos e colaboradores do Observador escolheram 35 livros para ler na praia, no campo ou na esplanada (se conseguir lugar). São sobretudo lançamentos de 2021, mas há alguns títulos anteriores que caem bem com o tempo quente. Escolha um ou dois (pelo menos), recoste-se e mergulhe no mundo destes livros, a maioria livres de Covid.

Alexandre Borges

O Livro dos Filósofos Mortos
Simon Critchley
(Edições 70)

O leitor sabe que pode sempre contar connosco para aquela sugestão leve de verão. Livros de autoajuda são uma canseira porque obrigam a fazer coisas — tomar decisões, resoluções, mudar; romances, pior, porque nos fazem sentir e lembrar, e o coração e a memória são partes de nós que consomem imensos líquidos. Desde Sócrates que sabemos que filosofar é aprender a morrer; aqui, Simon Critchley, professor de Filosofia e moderador do “The Stone”, no New York Times, compendia o que disseram sobre a morte 200 dos maiores filósofos, bem como a forma amiúde ridícula como morreram. Há lá coisa que vá melhor com um Aperol.

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A Pandemia que Abalou o Mundo
Slavoj Žižek
(Relógio d’Água)

Continuando no quadro docente da New School for Social Research e, ao mesmo tempo, passando para algo completamente diferente: Zizek (visualize, por favor, os circunflexos invertidos no topo de cada “z”, que o esloveno deste teclado não dá para mais). No tempo ainda mais absurdo do que o normal que vivemos, como recusar a ajuda de um dos mais vivos pensadores contemporâneos? Escrito sob o choque dos primeiros dias da pandemia, Zizek reflete sobre o isolamento, o toque e o que podemos aprender com o tempo em que a Terra parou.

World Travel — An Irreverent Guide
Anthony Bourdain (with Laurie Woolever)
(Bloomsbury Publishing)

Já lá vão três anos que Anthony Bourdain nos deixou e esse acontecimento insólito não ganhou mais sentido desde então. Em World Travel, Laurie Woolever recolhe, seleciona e organiza as palavras do formidável chef, escritor, apresentador e viajante num guia prático que atravessa 42 países e um território, então, ainda em regime de administração especial (Macau). Notas genéricas sobre cada, conselhos práticos sobre como chegar e as inevitáveis recomendações sobre o que comer ou evitar. Depois de ano e meio sem viajar, precisamos disto. De viajar ao menos na nossa cabeça, começar a planear itinerários para a retoma da vida.

Ana Bárbara Pedrosa

O País dos Outros
Leïla Slimani
(Alfaguara)

Slimani não se cinge a uma fórmula: cada romance toca num terreno que o anterior não tocou, explora os limites da experiência humana, traz uma sinceridade que não está sujeita a pudores ou medos. Neste novo livro, primeiro de uma trilogia, a autora enfrenta uma saga familiar em torno da figura de Mathilde, uma mulher francesa no limbo de duas culturas: por um lado, tem o apego à liberdade com que cresceu; por outro, tem a família que construiu com um homem árabe, com quem vive em Marrocos. A autora explora as implicações da colonização na casa desta mulher que, sendo francesa e branca, por ser casada com um árabe, não podia fazer parte do mundo colonial.

A Cadela
Pilar Quintana
(D. Quixote)

Neste romance, Pilar Quintana explora a canalização do amor maternal e a frustração de expectativas criadas. Damaris adota uma cadela, e daí nasce o pasmo perante a relação excessiva entre um humano e um animal, mostrando-se ainda o apego a transformar-se em dependência. A ideia de maternidade, por si só, parece ali bastar para resolver todos os problemas e carências, sendo assumida quase como cumprimento da condição biológica. Com isto, a autora dá-nos um romance magistral em que toca no luto do que não nasceu.

Instinto
Ashley Audrain
(Suma de Letras)

Audrain parte da premissa de uma expectativa não cumprida: será obrigatório amar-se os filhos? Partindo-se deste desconcerto, não há respostas claras, apesar de haver só uma versão. Instinto desmistifica a idealização — a romantização — da maternidade. O âmago que explora é denso e negro. Todas as dúvidas são doridas, as certezas são desconfortáveis. Pondo o leitor na cabeça de uma mulher que não quis ter uma filha, ao invés de termos uma resposta, ficamos com mil perguntas, e a grande magia do romance é a confusão que provoca. Não será possível lê-lo incólume nem confiar na narradora.

Eurico de Barros

À Direita da Revolução
Riccardo Marchi
(Objectiva)

Foi preciso esperarmos quase 50 anos após o 25 de Abril para aparecer, e pela mão de um investigador italiano, um estudo rigoroso, abrangente e limpo de esquematismos e diabolizações sobre aquela direita de vários matizes (nacional, monárquica, tradicionalista, etc.) que, após a revolução, foi impedida pelo MFA, pelo PCP e pela extrema-esquerda de se organizar em partidos, e se mobilizou para se opor à “descolonização exemplar” e impedir um totalitarismo de esquerda em Portugal.

Pela Terra Alheia
Ramalho Ortigão
(Quetzal)

Esta edição junta num só volume os escritos de viagem de Ramalho Ortigão, originalmente publicados em dois tomos e que posteriormente tinham sido editados de forma dispersa. Espanha, Argentina, França, Alemanha e Itália (com direito a visita ao Papa e tudo) são os países percorridos e apreciados pela “ramalhal figura”, fazendo brilhar o seu estilo, o seu sentido de humor, a sua capacidade descritiva de paisagens, monumentos, hábitos e gentes, e a sua cultura.

Tintin — Les Premiers Pas Sur La Lune
Hergé
Moulinsart

Os tintinófilos vão-se deliciar com esta edição da versão original das aventuras de Tintin e seus companheiros na Lua, tal como saiu originalmente na revista Tintin, entre 1950 e 1953, sob o título On a Marché sur la Lune, e que depois seria dividida em dois álbuns para publicação. O livro inclui sequências inéditas, uma introdução completíssima e muito bem ilustrada, e ainda um extratexto com imagens de duas pranchas originais que não constaram dos álbuns.

Joana Emídio Marques

Um Bárbaro na Ásia
Henri Michaux
(Maldoror)

As viagens do poeta surrealista Henri Michaux  (1899-1984) não se podem descrever como “escapadinhas”. O livro Um Bárbaro na Ásia, não é uma reportagem, um diário, um livro de memórias. Ao contrário daquilo que se tornou obrigatório nas nossas idas e vindas, aqui não há paisagens, não há uma perspetiva que lança o nosso olhar para longe. Só há ele, Henri, o poeta que “nasceu esburacado” e os outros, homens e mulheres, uma mancha humana sem fim. Como escreveu Margarida Vale de Gato, Michaux “perdeu os limites de si” e “o mundo circundante volta a ser, como na infância, um prolongamento do eu”, e esta é uma premissa fundamental para entrar no universo deste escritor. Assim esta Ásia não é a nossa, a dos que procuram paisagens exóticas para justificarem as suas viagens. Esta Ásia, que vai da China ao Japão, passando pelo Ceilão ou o Tibete, é uma espécie de armários com muitos frascos onde ele guarda amostras de seres fabulosos, que são os habitantes desses lugares e as pessoas com as quais se cruza. Cada homem é, para Henri Michaux, um animal imaginário, imaterial, absurdo, ridículo. Esta é a sua forma de falar do humano e de si mesmo, porque aqui o escritor não descreve paisagens porque aceita perder o seu Eu, a sua identidade. Sem se transformar no Outro, ele flutua num espaço caótico onde nunca saberemos onde são, ou se existem, fronteiras entre a realidade e a fantasia. Esta obra foi traduzida pelo poeta Ernesto Sampaio.

Quarto de Despejo — Diário de Uma Favelada
Carolina Maria de Jesus
(Edições VS)

O diário Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus (1914- 1977), uma mulher que andou na escola apenas dois anos e viveu parte da sua vida na favela do Canindé, São Paulo, é um dos acontecimentos literários de 2021. E mais uma vez devemo-lo a Vasco Santos, o psicanalista que criou a mítica editora Fenda e hoje tem a VS. Edita pouco, mas não há ali uma só obra que seja em vão. Carolina de Jesus, que catava papel para se sustentar, escreveu prosa, poesia e teatro. Quando este diário foi publicado no Brasil, no ano de 1958, teve o efeito de um abalo sísmico. Vendeu milhares de exemplares. Os direitos de autor serviram para tirar Carolina e os três filhos do bairro de lata, mas não da miséria. Porém, este livro mostra que a literatura e a escrita não pertencem apenas às classes privilegiadas, nem sequer às escolarizadas, muito menos àqueles de quem se diz que “escrevem bem”. Ser escritor não é escrever bem, é ter algo de essencial, algo inaudito para dizer ao mundo. É isso que Carolina faz neste diário, que é antes de mais um exercício de uma profunda e comovente dignidade humana. Carolina fez a sua própria casa, rejeitou ter marido, criou três filhos e quando o dinheiro sobrava ia ao cinema. Uma das ousadias deste diário é manter a escrita tal como ela chegou ao papel, ou seja, com erros ortográficos, sintaxe fora das normas ditadas pelas gramáticas e pelos vigilantes da ortografia. Ora esta desordem, ou aquilo que alguns chamarão de “falhas”, é aquilo que faz este livro cintilar e que adensa o seu carácter político: a favela como “heterotopia”, cheia de camadas de significado físico e mental. Cada palavra mal grafada remete-nos para a vida de Carolina. Para ela não há utopias, não há salvação. Há a fome, o trabalho e uma existência que escapa a todos os discursos sejam eles socialistas ou capitalistas. A vida de Carolina não permite fábulas e ela não escreve para se efabular, para se eternizar. Ela não celebra com arrogância a sua pobreza, nem chora a riqueza alheia. Ela celebra sim o poder da linguagem, das palavras, porque só elas salvam ainda que não consolem.

Virá a Morte e Terá os teus Olhos
Cesare Pavese
(Edições do Saguão)

A palavra é um fruto da terra. Um dos frutos sagrados. Os judeus sabiam-no e o poeta italiano, que não era judeu, não só o sabia, como não se cansou de escrever essa poesia onde cada palavra é um campo fértil. Cesare Pavese (1908-1950), um dos grandes poetas italianos do século XX, com uma vida breve e uma obra longa, teve os seus poemas editados em português pela editora independente, a Saguão, com tradução do poeta português Rui Caeiro. Este volume reúne as obras A Terra e a Morte e Virá a Morte e Terá os Teus Olhos. O primeiro com uma poesia mais objetiva e política; o segundo mais musical, feita de amor, abandono e memórias: “Virá a morte e terá os teus olhos — esta morte que nos acompanha de manhã até à noite, insone surda, como um remorso antigo ou um vicio absurdo. Os teus olhos serão uma palavra inútil, um grito reprimido, um silêncio (…)”. Na noite de 26 para 27 de agosto de 1950, Pavese suicidou-se, em Turim. Diz-se que foi por amor a uma mulher. Mas as razões são coisas que só são necessárias aos vivos. Porque antes dessa noite fatal ele tinha escrito a enigmática frase: “Ninguém se mata por amor a uma mulher, mas porque o amor — qualquer amor — nos revela a nossa nudez, a nossa miséria, a nossa vulnerabilidade, o nosso nada”.

Joana Stichini Vilela

O Desassossego da Noite
Marieke Lucas Rijneveld
(D. Quixote)

Como sobrevive uma família à morte de um filho? De um irmão? Neste romance de estreia, Marieke Lucas Rijneveld dá voz à pequena Cas, que, depois de rogar uma praga ao primogénito da família por não a levar com ele para a corrida de patinagem no lago, percebe que essa foi a última vez que o viu. Vencedor do International Booker Prize 2020, O Desassossego da Noite leva-nos pelos labirintos da dor, da culpa e da imaginação, numa pequena comunidade rural e ultrarreligiosa dos Países Baixos. Uma história baseada num episódio autobiográfico, que tanto nos agarra pela poesia e crueza do olhar, como pela tragédia da reflexão.

Desvio
Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho
(Planeta Tangerina)

Num verão em que os pais foram de férias, os amigos estão num festival, a namorada lhe pediu um tempo e ele tem de escolher um curso para depois do liceu, Miguel vê-se sozinho em Lisboa com os seus pensamentos. “O que vais fazer este verão?”, pergunta-lhe a tia, única e ocasional companhia neste desvio solitário pela angústia do final da adolescência. “Nada”, responde. Mais tarde, comentará, de si para si: “A sensação de que o tempo não passa. De que vão ser três da tarde para sempre. E, no entanto, este tempo está a chegar ao fim”. Uma novela gráfica para leitores dos 16 (ou menos) aos 66 (ou mais), que à boleia de um texto sintético e certeiro, longos silêncios e uma ágil plasticidade visual, nos transporta até um momento das nossas vidas tão familiar como difícil de traduzir.

Balada para Sophie
Filipe Melo e Juan Cavia
(Companhia das Letras)

Editada inicialmente pela Tinta-da-China, esta novela gráfica em tom clássico e cinematográfico mostra uma nova e mais ambiciosa faceta da dupla conhecida pela série As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy. Com uma rivalidade musical, a tragédia da Segunda Guerra Mundial e as intermitências da memória em fundo, Balada para Sophie conta-nos uma história de redenção. De vitória do amor sobre o ódio. Com o bónus final de passar da ficção para a realidade, com a composição homónima, criada e interpretada pelo também músico Filipe Melo e que se encontra em vários sítios da internet.

João Pedro Vala

Despertar os Leões
Ayelet Gundar-Goshen
(Elsinore)

O título permite trocadilhos pouco inspirados com a última época desportiva, a autora é israelita e tem um nome difícil de pronunciar e o livro inspirará em breve uma série da NBC. Dificilmente haverá melhor livro para se passear debaixo do braço na praia como desbloqueador de conversa. A isso acresce o mérito sempre simpático de se tratar de uma história bem construída e, acima de tudo, muito bem escrita.

Balada para Sophie
Filipe Melo e Juan Cavia
(Companhia das Letras)

Foi a grande transferência de verão. A novela gráfica da dupla Filipe Melo e Juan Cavia transferiu-se como quem não quer a coisa da Tinta-da-China para a Companhia das Letras, deixando o meio literário estupefacto e o resto do mundo impávido e sereno. Seja como for, é um dos melhores livros do último ano e veio apenas confirmar o extraordinário talento desta dupla multifacetada.

A Lição do Sonâmbulo
Frederico Pedreira
(Companhia das Ilhas)

O novo romance de Frederico Pedreira escapou aos holofotes da crítica aquando do seu lançamento, em abril de 2020, mas tem vindo a receber nos últimos meses parte da notoriedade que merece, devido à atribuição do Prémio da União Europeia para a Literatura. Os méritos de Frederico Pedreira são demasiado evidentes para estarem ainda ao alcance de tão poucos leitores.

Nuno Costa Santos

Intervenções
Michel Houellebecq
(Alfaguara)

Entre artigos e entrevistas, seguimos com um dos mais desagradáveis autores da atualidade — no sentido de não querer agradar o leitor com a doçura de aforismos felizes. De lhe lembrar que, no seu entendimento, o projeto da bondade foi abandonado em relação a outros consumos, digamos, menos bons. Em todo o caso, fica a sensação de que há neste livro um escritor menos pessimista do que aquele que lemos hoje, com as suas mais radicais distopias. Isso justificar-se-á pelo facto de o volume conter  textos antigos.

O Século da Solidão
Noreena Hertz
(Temas e Debates)

O Observer considera-a uma das principais pensadoras destes dias. Calculamos que não o será para o autor de Submissão. Porque Noreena, sabendo que a bondade é um gesto escasso, faz propostas para a mitigar e até fazer crescer na era pós-pandemia. Depois de enunciar a solidão contemporânea, sugere desligar mais vezes a internet a favor de um movimento em direção à comunidade, que passa pela pequena amabilidade e até, imagine-se, pela não demonização dos robôs, que hoje fazem companhia a muitos idosos japoneses.

Luto
Eduardo Halfon
(Dom Quixote)

Os livros não se medem aos palmos. O guatemalteco Eduardo Halfon sabe disso e construiu um pequeno edifício no qual exerce mais uma vez a sua vontade de se pesquisar e de partilhar com o leitor essa pesquisa — desta vez tendo como mote o desvendar da história de um tio com um histórico misterioso. O regresso a uma casa da infância solta-lhe a memória e recupera a história de uma família de origens várias e com um passado de exílio motivados pelos engulhos políticos no seu país.

Rita Cipriano

George Orwell. Ensaios
Jacinta Maria Matos (org.)
(Edições 70)

A entrada da obra de George Orwell no domínio público tem dado origem a inúmeras novas edições, sobretudo dos seus romances mais famosos, A Quinta dos Animais e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, mas também dos seus ensaios, que começam finalmente a ser mais amplamente divulgados em português. Foram várias as editoras que prepararam para este ano edições com uma seleção da vasta produção ensaística do inglês, dando aos leitores portugueses a possibilidade de mergulharem no género em que Orwell foi mais prolífico e provavelmente mais brilhante. Uma dessas coletâneas é a que saiu em janeiro pelas Edições 70, com organização, prefácio e tradução de Jacinta Maria Matos, especialista em George Orwell. Com uma seleção ampla e variada, a edição foi pensada para apresentar as diferentes facetas do Orwell ensaísta, sem ignorar textos mais importantes, como “Notas sobre o Nacionalismo” ou “O Leão e o Unicórnio”.

O avesso da pele
Jeferson Tenório
(Companhia das Letras)

Em O avesso da pele, o brasileiro Jeferson Tenório parte da dor de Pedro, que perde o pai durante uma abordagem policial violenta, para explorar temas como o racismo, o preconceito e a situação de precaridade em que muitos negros vivem no Brasil. Um relato poderoso, a estreia em Portugal de Jeferson Tenório é também um estudo belo e delicado da complexidade das relações familiares, sobretudo entre pais e filhos, e sobre como os “fantasmas” e os problemas de cada um podem interferir profundamente com essas mesmas relações e até destruí-las.

A Outra Metade
Brit Bennett
(Alfaguara)

Outro livro que aborda a complexidade das relações familiares é A Outra Metade. O segundo romance de Brit Bennett, nomeado para o Women’s Prize for Fiction, é uma saga familiar passada entre as décadas de 1940 e 1990, que tem como personagens principais duas irmãs gémeas negras, Desiree e Stella Vignes, que cresceram em Mallard, uma pequena localidade no estado do Louisiana onde os habitantes negros vivem obcecados com a cor da pele. Saturadas de um meio que as asfixia, decidem fugir e tentar a sorte numa grande cidade. Outrora inseparáveis, acabam por se afastar e seguir caminhos diferentes: Desiree assume a sua entidade e casa com um homem com a pele mais escura do que a sua; Stella nega-a, fazendo-se passar por branca para ter acesso àquilo que de outra maneira lhe estava vedado. Obra rica e envolvente, A Outra Metade foca-se em temas como o racismo e a identidade, mas convida à reflexão sobre muitas outras questões, como a importância do passado, da história familiar ou a liberdade individual.

Simão Lucas Pires

Caronte à Espera
Cláudia Andrade
(Elsinore)

A primeira novela de Cláudia Andrade, Caronte à Espera, foi uma das melhores surpresas do ano passado. O português comicamente rendilhado, as personagens intrigantes e um apurado sentido da estranheza de tudo isto, ajudar-nos-ão a abrir os olhos para aquele corriqueiro sessentão que se passeia na nossa praia de chinelos e bermudas — e que, bem vistas as coisas, pode esconder na sua aparência pouco chamativa toda a trágico-cómica trapalhice do ser humano. Uma novela um pouco cínica, talvez, mas bem-humorada, escrita de forma primorosa e com o “rasgo” que se espera da literatura.

A Armadilha
Emmanuel Bove
(Sistema Solar)

A Armadilha, publicado pela primeira vez em 1945 e traduzido agora por Aníbal Fernandes, é um romance de Emmanuel Bove que tem como cenário França sob domínio alemão e que não se interessa por heroísmos fáceis ou qualquer tipo de triunfalismo. Foca as desventuras de Bridet, um homem com o sonho de se juntar a De Gaulle em Inglaterra, que se vê perdido num pesadelo de papéis, corredores, gabinetes ministeriais, mal entendidos, incerteza quanto ao futuro. Numa escrita cruelmente clara, um livro sobre a confusão e a dificuldade de interpretar o que se passa. Uma boa descoberta para este verão.

Œuvres Complètes
Charles Baudelaire
(Ed. Robert Laffont)

Se o nome de Baudelaire vem muitas vezes colado às Flores do Mal, a verdade é que escreveu outros textos do mais alto gabarito. Os cadernos íntimos mostram a alma de um “paresseux nerveux” em estado cru; Os Paraísos Artificiais têm melhor antropologia numa página do que vários calhamaços de filosofia juntos; os textos sobre arte ensinam e também deleitam; o Spleen de Paris — bem, é o Spleen de Paris. O volume das Éditions Robert Laffont permite passar pelos variados registos deste espírito assombrado e assombroso, que em 2021 soprou duzentas velas.

Susana Romana

Os Sete Maridos de Evelyn Hugo
Taylor Jenkins Reid
(TopSeller)

Uma jornalista em início de carreira é chamada para um exclusivo: fazer uma entrevista de vida à octagenária Evelyn Hugo, uma actriz de enorme sucesso que nas últimas décadas de vida fugiu completamente das luzes da ribalta. Conhecida tanto pela vida amorosa como pelos seus filmes e prémios, a fio condutor são os seus sete casamentos — mas depressa percebemos que a sua verdadeira história é muito diferente do que aparenta. Os Sete Maridos de Evelyn Hugo é um autêntico fenómeno no booktok e no booktube (as comunidades de leitores presentes, respetivamente, no Tik Tok e no Youtube – sim, também servem para isso, não sejam preconceituosos), que chegou finalmente à edição portuguesa em abril deste ano. Reid é ótima a criar personagens texturadas, com um realismo que deixa o leitor quase na dúvida se aquelas pessoas não existiram mesmo em Hollywood. Junte-se o bom ritmo narrativo e alguns twists e está feito o livro de verão perfeito. Sem preconcebimentos.

Balada para Sophie
Filipe Melo e Juan Cavia
(Companhia das Letras)

Durante alguns meses, a busca por este livro assemelhou-se à do Santo Graal. A rutura entre os autores e a sua editora anterior fez com que a edição, rapidamente esgotada, não fosse reposta. O regresso às livrarias deu-se finalmente em junho, desta vez com a chancela da Companhia das Letras. Vencedor de vários prémios e detentor quase exclusivamente de críticas entusiastas, Balada Para Sophie não desilude nem por um segundo. Brilhantemente desenhado, com o tom certo e o balanço ideal entre a graça e a comoção. A história do pianista Julien Dubois é uma verdadeira obra-prima, além de um objeto de arte lindíssimo.

Se Deus Me Chamar Não Vou
Mariana Salomão Carrara
(Nós)

Se existisse prémio de Narrador Do Ano, estava aqui atribuído. Se Deus Me Chamar Não Vou é um pequeno livro contado na primeira pessoa por Maria Carmem, uma criança de 11 anos a entrar na pré-adolescência. Mas não se julgue que se vai encontrar infantilidade alguma nesta obra — antes pelo contrário. Maria Carmem traça um retrato sobre a solidão, a incerteza, as relações humanas e até sobre sexo com tanta crueza como graça. Porque, como a própria diz, “é possível que um lápis pareça estar novo, mas todo quebrado por dentro”. E é ainda mais possível que a brasileira Mariana Salomão Carrara seja uma das mais promissoras vozes da língua portuguesa. A edição é brasileira, mas possível de encontrar em livrarias especializadas nesse lado do oceano, como a https://aler.com.pt/ .

Vasco Rosa

«Diz-lhe que Estás Ocupado». Conversas com Alexandre O’Neill
Joana Meirim (org.)
(Tinta-da-China)

Lucidez e liberdade num feixe de 16 entrevistas pela primeira vez reunidas em livro, com o humor capista de Vera Tavares a balançar-se bem com a avidez com que as vamos ler. Um “toma lá do O’Neill” que não podia ser mais atual, desfazendo mitos e sacudindo dominações e dependências. Simplesmente maravilhoso.

Vercoquin e o Plâncton
Boris Vian
(E-Primatur)

Leitura mais certeira para um efetivo desconfinamento não pode haver. Ler para crer, pois é Boris Vian…

Diogo de Macedo e o Museu de Arte Contemporânea. Pioneirismo e herança na redefinição do museu de arte
Isabel Falcão
(Caleidoscópio e DGPC)

Figura muito injustamente ignorada e esquecida, o escultor, historiador de arte e diretor de museu Diogo de Macedo (1889-1959) tem neste livro uma boa tentativa de resgate, e que nos transporta subtilmente para a discussão das políticas culturais de hoje, em particular a autonomia que não é dada à chefia de museus nacionais de grande valor patrimonial, e à estima que uma direção museológica pode merecer à comunidade artística, um vínculo essencial que a tutela política não substitui — nem sequer deve negligenciar…

Narrativa Vertical. Almada Negreiros e o Romance da Modernidade
João Paulo Sousa
(Imprensa Nacional — Casa da Moeda)

A “simplicidade apenas aparente” e “a perplexidade causada pela sua leitura inicial” do romance Nome de Guerra, que Almada escreveu em 1925 e publicou em 1938, levou João Paulo Sousa a avaliá-lo como nunca antes feito, num plano alargado à literatura europeia. Que tenha recebido um prémio de ensaio é um convite adicional para que mereça a nossa atenção, e meio caminho andado para a nossa releitura mais qualificada deste fascinante livro de Almada Negreiros.

Integrado Marginal. Biografia de José Cardoso Pires
Bruno Vieira Amaral
(Contraponto)

Importantíssimo trabalho dum escritor sobre outro escritor, a partir do ponto de observação certo mas tão difícil de alcançar, sem ideias feitas, vénias a cumprir e contemplações: “Mesmo a milhares de quilómetros de casa, sozinho num país estranho, continuava a ser o aspirante a rufia da Almirante Reis”. Recensões e críticas já mostraram quanto a figura de José Cardoso Pires vai passar a ser vista a outra luz a partir daqui.

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