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Aos 72 anos, Rosa Alice Branco acumula vários papeis na vida: escritora, professora, investigadora e curadora (Fotografia: Igor Martins/Observador)
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Aos 72 anos, Rosa Alice Branco acumula vários papeis na vida: escritora, professora, investigadora e curadora (Fotografia: Igor Martins/Observador)

Aos 72 anos, Rosa Alice Branco acumula vários papeis na vida: escritora, professora, investigadora e curadora (Fotografia: Igor Martins/Observador)

Rosa Alice Branco: “Um poema só está pronto quando o ritmo da leitura se acerta com o ritmo do corpo”

Na literatura realiza-se, mas também ensina Teoria da Perceção. Tem um novo livro, sobre a influência das cores nos nossos dias, mas em entrevista fala de poesia, do poder do tempo e do perigo do ego.

“Quando tirarmos as fotografias tenho que ir colocar baton”, murmura Rosa Alice Branco a caminho de uma das salas de sua casa, aquela onde escreve ao computador numa secretária de madeira, recheada de livros de todas as cores, post its, molduras com fotografias da família e uma luz natural que entra através de uma grande janela. Senta-se confortavelmente numa cadeira marcada pelo tempo, que parece confortável, e começa por falar de Aveiro, a cidade onde nasceu, mas também da sua casa de família com direito a uma sala de cinema e muita conversa sobre política, cultura e arte. “Vivia uma vida de adultos, nunca de criança.” Começou a falar com um ano, a ler aos quatro e aos 12 já tinha escrito um livro de contos para oferecer ao pai. Estudou farmácia e filosofia, descobrindo um Porto granítico e tertuliano e uma Lisboa luminosa onde fez vários amigos.

Rebelde, inconformada, enérgica e intuitiva, Rosa Alice Branco publicou o seu primeiro livro com 38 anos, Animais da Terra (1988), depois de muitos textos deitados ao lixo. “Escrevia muito, tanto prosa como poesia, mas achava que nada daquilo era partilhável e por isso deitava ao lixo. Um livro só é partilhável quando já tem qualidade para os outros não perderem tempo com ele.” Todas as suas obras são temáticas e a poesia é o seu estilo de eleição, aquela onde o ritmo das palavras se confunde com o ritmo do seu corpo, e o humor negro ou ironia descrevem sofrimento e animalidade.

Reconhecida internacionalmente, a autora tem a sua poesia publicada em inúmeros países, tanto em livros como em revistas literárias. Participa regularmente em Festivais Internacionais de Poesia, tendo representado Portugal no Poetry Parnassus Festival, em Londres (2012). Venceu diversos prémios internacionais, entre eles o Prémio Espiral Maior de Poesia, em 2008, com Gado do Senhor, cuja versão em inglês foi considerada pela The Chicago Review of Books como um dos 12 melhores livros de Poesia dos Estados Unidos da América em 2016, o que lhe valeu uma digressão com leituras e debates em várias universidades daquele país em 2018.

O seu processo criativo é livre e sem sobressaltos, acontece quando menos espera e é encarado como um privilégio. “O que é escrever se não sairmos fora do espaço e do tempo? É nos dado o privilégio de sairmos das nossas coordenadas e isso é fabuloso. Claro que não é uma coisa consciente, aliás, sou uma inconsciente quando escrevo, escrever para mim é um vício, acontece quando menos espero, não sou nada militante nem funcionária pública.”

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Além da sua atividade literária, é também investigadora e professora de áreas como a neuropsicologia da perceção ou a estética, recentemente lançou o livro As Cores das Coisas – Viagem pela natureza e pelos objetos, um convite sedutor e sincero a explorar o poder da cor nos nossos dias, da publicidade aos alimentos, do vestuário ao mobiliário. “A cor é linguagem do olho, faz parte de tudo o que nos rodeia, apanha-nos à revelia e desencadeia em nós emoções.” Emoção é o que parece não faltar na escrita e na vida de Rosa Alice Branco.

"As Cores das Coisas - Viagem pela natureza e pelos objetos" foi lançado em outubro de 2022 (Fotografia: ESAD)

Nasceu em Aveiro, como foi a sua infância e adolescência? Como era a sua casa e a sua família?
A casa onde cresci em Aveiro foi desenhada pelo arquiteto Victor Palla e era absolutamente magnífica. O meu pai era um dos grandes cineastas de curtas-metragens naquela época e decidiu fazer uma sala de cinema em casa, um estúdio com cabine de projeção e um bar no rés do chão, que funcionava também como sede da oposição ao regime de Salazar. Ele era a minha enciclopédia, era também presidente do cineclube, organizava sessões culturais e políticas e vinham escritores e artistas do Porto, Coimbra e até de Lisboa. Nunca me levou ao liceu mesmo que estivesse a maior das tempestades, dizia que a maioria dos alunos ia a pé e eu também teria que o fazer, não queria que os outros se sentissem discriminados, era um democrata e também ceramista, tinha uma olaria em casa. A minha mãe era uma fonte de inspiração para tudo o que ele fazia, criticava e analisava muito o seu trabalho, conheceram-se durante o curso e tiveram três filhos, eu era a única menina.

Percebeu logo essa espécie de discriminação positiva?
Na verdade, acho que percebi antes. Os meus melhores amigos eram filhos de pescadores e ciganos, eram iguais a mim porque tinham histórias maravilhosas, apaixonei-me rapidamente por aquele universo e não percebia porque é que a minha mãe não me vestia também toda de preto e não me deixava por tranças.

Li numa descrição sua que cresceu a tentar fazer-se de invisível, porquê?
Em Aveiro fechava-me muito em casa, acho que sempre fui uma miúda invisível em vários sentidos, só me infantilizei quando vim para o Porto. Comecei a ler aos quatro anos por iniciativa própria, a minha mãe ensinava-me francês, não havia televisão e tinha aulas particulares. Aos 13 anos, o meu pai ganhou o Festival de Cannes e fomos convidados a lá ir, eu já sabia imenso sobre cinema e o presidente do júri achou que eu podia assistir à pré-seleção dos filmes. Vivia uma vida de adultos, nunca de criança.

Porque se fechava em casa?
Para resolver problemas de matemática, adorava, e lia, lia muito.

"O Porto era muito menos provinciano do que Paris ou outra cidade do mundo, era chuvoso, granítico e cheio de personagens, ia lá todos os fins de semana com a minha mãe, que me deixava na livraria Bertrand a ler livros franceses enquanto ia tratar das coisas dela. Era também a cidade dos cafés, das tertúlias e da partilha."

Lembra-se do primeiro livro que leu?
As Mil e Uma Noites. Quando fiz sete anos tive uma tuberculose, estive mesmo quase a morrer e ganhei um pavor por agulhas, isso obrigou-me a ficar isolada no quarto bastante tempo e a fazer o resto do ensino primário em casa. O meu levava-me sempre livros, aliás, aos quatro anos já juntava letras e números e dava-lhes sentido. Lembro-me de ficar no carro, enquanto o meu pai ia tratar de coisas, e olhava muito para os anúncios publicitários, absorvia tudo o que estava à minha volta.

Uma coisa é ler, outra é escrever. Quando é que percebeu o poder que a escrita tinha em si?
Comecei a escrever muito cedo e sempre tive o bom senso de deitar tudo ao lixo, exceto quando tinha 12 anos e ofereci ao meu pai no seu aniversário um livro de contos todo em manuscrito por mim.

O seu pai queria que estudasse farmácia e acabou por tirar dois cursos: farmácia e filosofia, porquê?
Era boa aluna, tirava nota 20 a matemática e o meu pai pediu-me para assegurar a farmácia que ele já tinha e para isso era necessário tirar o curso. Vim com 16 anos para o Porto estudar e adorei a parte de ciências, mas nunca pensei exercer farmácia, mais tarde fui para Lisboa estudar filosofia e por lá fiquei 15 anos.

Como era o Porto nessa altura?
Fui viver para um lar de freiras que era horrível, tínhamos hora para chegar e as freiras adiantavam o relógio propositadamente, mas de repente passava pela Rua de Cedofeita e estava no Café Piolho, foi uma descoberta. O Porto era muito menos provinciano do que Paris ou outra cidade do mundo, era chuvoso, granítico e cheio de personagens, ia lá todos os fins de semana com a minha mãe, que me deixava na livraria Bertrand a ler livros franceses enquanto ia tratar das coisas dela. Era também a cidade dos cafés, das tertúlias e da partilha, frequentava um na Rua da Torrinha onde paravam os estilistas todos, adoro moda ainda hoje. No lar juntávamo-nos para ir ao cinema de Costa Cabral ver os filmes do Bergman, como a “Flauta Mágica”, e a partir de maio deixavam-nos sair um bocado no fim de jantar porque ainda estava de dia e o perigo era sempre noturno.

"Não posso tomar café nem chá e chocolate só até às 16h. Tenho muito energia, mas também sou serena e preciso dessa calma." (Fotografia: Igor Martins/Observador)

Era muito rebelde?
Sim, sempre fui rebelde. Em Aveiro fugi duas vezes de casa em miúda para ir ter com a minha avó materna, que trabalhava no Grande Hotel do Luso, no Buçaco, uma vez fui apanhada para a camioneta e numa outra vez cheguei ao meu destino. Ela organizava fins de tarde culturais onde eu ouvia conversas que não eram para a minha idade. Aliás, eu nunca tive idade, sempre fui muito precoce. Podia ter sido muito coisa porque me apaixono por tudo.

Edita o seu primeiro livro, Animais da Terra, em 1988, com 38 anos. Acha que foi tarde?
Escrevia muito, tanto prosa como poesia, mas achava que nada daquilo era partilhável e por isso deitava ao lixo. Um livro só é partilhável quando já tem qualidade para os outros não perderem tempo com ele. Não gosto de fazer os outros perder tempo, dou muita importância ao meu tempo e ao dos outros. Todos os meus livros são temáticos, não gosto de fazer uma coleção de poemas, isso não me diz nada, normalmente partem sempre de uma epígrafe, de uma ideia e de um propósito. Depois dos 30 dei-me conta que o que tínhamos de melhor era a nossa animalidade. Aliás, quando dizemos nomes de animais normalmente associamos sempre a um insulto, mas é muito mais rico do que isso. Ainda há pouco tempo escreveram numa revista que só escrevo sobre animais, não é verdade.

Além de ensaios, escreveu 12 livros de poesia, diz que a poesia é o desobedecer a língua e o ritmo da poesia tem de ser sempre o ritmo do seu corpo. É este estilo que mais se identifica?
Sim. Para mim, um poema só está pronto quando o ritmo da leitura se acerta com o ritmo do corpo. Posso escrever um poema de jato, depois vou-me deitar toda contente porque o poema ficou bom, mas quando escrevo estou sempre muito feliz, é a chamada experiência do fluxo, qualquer coisa sai do espaço e do tempo, alguma coisa fermenta em mim e não sei quando ou onde vou parar.

Os seus livros têm sensibilidade e empatia, mas são ao mesmo tempo duros e sombrios, lidam com a fragilidade e com as minorias e aliam muitas vezes um certo humor negro. Como é o seu processo criativo?
Para alguns escritores o processo de escrita é doloroso, não percebo porquê. Temos sempre um cesto de papeis ao nosso lado e se não prestar vai para o lixo. O prazer da escrita é tão grande e isso ninguém me pode tirar, nem que eu escreva uma porcaria. O momento da escrita, se não for um momento de prazer, é o quê? O que é escrever se não sairmos do espaço e do tempo? É nos dado o privilégio de sairmos das nossas coordenadas e isso é fabuloso. Claro que não é uma coisa consciente, aliás, sou uma inconsciente quando escrevo, escrever para mim é um vício, acontece quando menos espero, não sou nada militante nem funcionária pública. Por vezes também tenho alguns poemas por encomenda, aí tenho um tempo a cumprir e lido muito bem com isso, mas quando vou escrever nunca sei o que vou fazer, tenho interiorizado em mim um ponto de partida, que já está tão interior e tão visceral, que depois desenvolvo e o que sair vai sair de acordo com aquele tema. Encontramos, de facto, muito humor negro nos meus livros, acho que a minha maneira de resolver o sofrimento é através do humor. Mesmo nos poemas, quando falo do sofrimento dos animais uso sempre a ironia, o humor e o humor negro.

"Para alguns escritores o processo de escrita é doloroso, não percebo porquê. Temos sempre um cesto de papeis ao nosso lado e se não prestar vai para o lixo."

Quando é que percebe que um livro está pronto?
É ele que me diz, não sou eu que escrevo, alguma coisa me escreve.

Como assim?
Nunca tenho a sensação que escrevo, tenho sempre a sensação que sou escrita, que alguma coisa em mim escreve porque não penso nem tenho qualquer tipo de policiamento. Acho que devíamos desenvolver mais os nossos instintos e a nossa intuição, perceber até onde é possível utilizar a razão quando já não podemos ir mais longe com o resto, estamos muito distraídos em relação aos sinais silenciosos que o nosso organismo nos envia, temos de ter sensibilidade para os perceber.

Aprende-se a ter intuição?
Sim, repare, hoje os meus alunos chegam à faculdade cheios de conceitos vazios e coisas abstratas, quando peço para preencherem com cores o Porto nas quatro estações do ano, quase todos associam o inverno ao cinzento, ao vermelho e verde porque lhes fazem lembrar o Natal ou ao branco da neve. Digo-lhes para usarem as cores e a energia da cidade, pensarem que tons provocam neles, é isso que quero que me mostrem. Não estão habituados a desenvolver o instinto e a intuição, ficam-se pelo conceito, pelo rótulo redutor, pela moldura ou pelo postal.

Quando é que começou a dar aulas?
Não me lembro bem, acho que com 22 anos. Já lecionei várias áreas, da Psicologia à Teoria da Perceção, agora estou a dar um módulo de interiores na Escola Superior de Artes e Design, em Matosinhos, onde falo das cores, dos espaços e até de hotéis. Dar aulas dá-me público, tenho uma paixão grande pelo ensino, nem que seja uma aula apenas com um aluno, adoro a comunicação, a troca e a partilha que se criam.

Os seus livros são muito diferentes, mas têm uma linguagem comum? Há um fio condutor entre eles ou não necessariamente?
Acho que sim, as pessoas conseguem perceber que o livro é meu, tenho um estilo próprio, ainda que fale de temas muito diferentes. É como se tivesse uma tatuagem, que dói a fazer, mas é uma coisa que está inscrita e não conseguimos tirar, faz parte de mim. Não quer dizer que todos os dias não tenhamos expressões diferentes e roupa diferente, cada livro é uma roupagem minha que desenvolve uma ramificação nova, é uma espécie de heterónimo. Os meus livros terminam quando eu acabo tudo o que tenho para dizer daquela forma sobre aquele assunto, de repente percebo que não tenho nada a acrescentar. Quando leio poemas meus continuo a identificar-me com eles, por vezes penso que não fui eu que os escrevi, mas percebo que são meus, ainda que ache muito estranho ter escrito aquilo pois são realmente muito diferentes. Um poema é uma coisa contínua, posso escrevê-lo hoje, vou deitar-me e no dia seguinte o ritmo não se acerta e é preciso voltar lá, é como estar a resolver um problema de matemática, gosto dessa resolução porque sei que vou chegar ao melhor.

É uma das autoras portuguesas que tem mais livros traduzidos no estrangeiro. Escreve e pensa numa língua, não há o risco de se perder alguma coisa na tradução?
Se for uma boa tradução, não. A pior coisa que se pode fazer ao traduzir é ser-se fiel ao poema, temos que encontrar equivalências. É por isso que gosto de ter uma relação de proximidade com os meus tradutores. Chegar a tanta gente e a tantas partes do mundo não muda nada no meu processo criativo, mas muda em mim. Fernando Pessoa dizia “tenho em mim todos os sonhos do mundo”, eu digo: tenho em mim todas as culturas do mundo.

Isso nunca a deslumbrou?
Não, não sou nada assim. Não tenho ego, o ego é a maior armadilha que podemos ter. Quero ser feliz e se tiver ego nunca serei feliz.

Mas a opinião e a crítica não mexem consigo?
A opinião que os outros têm de mim não me influencia, gosto de tocar as pessoas e escrever é isso. Se tocar uma pessoa já valeu a pena.

"A má literatura pode fazer com que a pessoa nunca mais leia na vida. Se não gostar de um livro, não perco tempo com ele porque é um tempo que poderia gastar a ler um livro bom. Um livro mau não surpreende na última página, por isso deito-o fora."

Este livro As Cores das Coisas – Viagem pela natureza e pelos objetos, como surge?
Ensino Teoria da Perceção e sou uma expert em cor, acredito que não há nada que influencie tanto a nossa vida em termos visuais do que a cor. Existem vários livros que já falam da cor na arte, mas acho que faltava alguém que falasse das cores do dia a dia, a cor ocasional e a cor determinante. A minha ideia era escrever um livro que toda a gente pudesse ler, numa linguagem muito fácil e que juntasse uma componente também académica. A cor é linguagem do olho, faz parte de tudo o que nos rodeia, apanha-nos à revelia e desencadeia em nós emoções. Toda a minha vida vivi num mundo visual, cheio de arte e cinema, sou muito sensível a isso e continuo a pesquisar muito sobre este tema. Interessa-me perceber como a cor nos manipula de forma positiva ou negativa, porque é que a loiça da casa de banho é tradicionalmente branca ou estudar casos de comunicação como a Benetton ou o papel higiénico colorido da Renova, tudo isto é cultural e faz parte da nossa vida.

Tem alguma cor favorita?
Não, sou alérgica ao verde garrafa e não sabia bem porquê, mas finalmente descobri a razão. O meu quarto de infância tinha essa cor nas paredes, passei lá tanto tempo que em miúda não entendi o quão mal isso me causou. Hoje tenho muito cuidado com os interiores da minha casa, a sala pode ter tons fortes, mas o quarto tem de ser mais zen, se me vestir toda de preto tenho de ter roupa interior colorida, tenho sempre de ter cor.

"Não tenho ego, o ego é a maior armadilha que podemos ter. Quero ser feliz e se tiver ego nunca serei feliz." (Fotografia: Igor Martins/Observador)

Em Portugal lê-se pouco. Isso entristece-a ou desmotiva-a de alguma forma?
Hoje é mais difícil estar disponível para ler, os pais já não vão deitar os filhos e contar uma história, como sempre fiz com o meu filho mesmo quando tinha visitas em casa, a leitura parte muito da educação. Nada substitui a leitura de um livro e olhe que tenho muita imaginação, fui uma privilegiada porque nasci num meio propício a isso. Quando em miúda lia um livro começava imediatamente a ver rostos, a imaginar situações, a construir personagens, o livro é uma obra aberta, o leitor tem abertura para o completar, é como se não tivessem lá todas as palavras. Fico sempre surpreendida com as estatísticas porque quando vou às livrarias vejo lá imensa gente a ler e a comprar.

Acha que existem mais livros maus?
A má literatura pode fazer com que a pessoa nunca mais leia na vida. Se não gostar de um livro, não perco tempo com ele porque é um tempo que poderia gastar a ler um livro bom. Um livro mau não surpreende na última página por isso deito-o fora.

Não se sente culpada?
Culpada? Não, substitui a culpa pela responsabilidade, a culpa é uma camada de peso, é uma arquitetura de peso, e eu quero ser leve e responsável pelos meus atos.

Tem tanto de impulsiva como de enérgica. Como consegue serenar?
Não posso tomar café nem chá e chocolate só até às 16h. Tenho muito energia, mas também sou serena e preciso dessa calma.

Onde vai buscar essa calma?
Nos passeios que dou à beira-mar com o meu marido, o mar é um órgão do meu corpo, não consigo imaginar a viver numa cidade sem mar. Depois gosto muito de dançar tudo e de ver cinema, exceto ficção científica, entrar sempre numa sala como se fosse a primeira vez.

Já está a pensar no próximo livro?
Tenho vários livros escritos que ainda não foram publicados, não sei qual será o próximo. Tenho um sobre a perceção que temos dos produtos e das neurociências, como a teoria do design se aproxima do objeto.

Falou sobre a importância do tempo, lida bem com a passagem do tempo?
Sim, quando se tem uma grande perda e morre alguém que amamos, o tempo não passa e aí lido mal com ele, é um punhal cada vez maior e temos que aprender a conviver com isso. De resto, não queria viver outra vez o que já vivi, não queria voltar a viver a minha vida. Na morte gostaria de não sofrer, detesto o sofrimento e não penso mesmo nele.

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