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Salvar ou deixar morrer? As empresas inviáveis estão na corda bamba (e não são prioridade para o Governo)

A pressão aumenta para que as empresas "zombie" conheçam um veredicto. Deve o Governo salvá-las? É das próximas dores de cabeça da economia portuguesa, mas não está nas prioridades do executivo.

A discussão é sensível e o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece que é um tema “difícil”. Até que ponto, mesmo numa situação como a que vivemos, se devem manter “ligadas à máquina” dos apoios públicos as empresas que são inviáveis (e que já antes da crise tinham dificuldades em cumprir com os compromissos)?

No último World Economic Outlook, o FMI avisou que “os governos de muitos países têm uma escolha nada invejável entre aceitar o aumento das falências de empresas a curto prazo ou apoiar empresas ‘zombies’, improdutivas, a longo prazo”. Algures entre este ano e o próximo, com o fim dos subsídios e das moratórias, o Governo português deverá ter também de fazer essa escolha.

Depois de um ano em que até houve menos insolvências do que no ano anterior — muito por culpa dos apoios do Estado — os primeiros sinais de fissura no tecido empresarial já começaram a ser visíveis. Ao longo dos primeiros três meses do ano, o número de insolvências disparou 33,1% (para 1.579) face ao mesmo período do ano passado, de acordo com a consultora Iberinform. E se o mês de março for isolado, está em causa um aumento de 67% face ao mesmo mês do ano anterior. Em relação ao número de novas constituições, depois de já ter afundado em 2020, cai agora mais 17,8% (para 9.930 empresas) no primeiro trimestre.

E o pior não terá ainda chegado, tendo em conta que as moratórias não vão durar para sempre.

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Este é o pano de fundo para o que aí vem. Quando o Governo começar a retirar subsídios e as moratórias acabarem, que empresas continuarão a ter algum tipo de ajuda? As soluções que forem encontradas devem ou não excluir as empresas inviáveis? Os sinais que o executivo dá não trazem boas notícias para as empresas que já tinham problemas antes da pandemia (já lá vamos).

Apoios mantêm vivas empresas que “teriam falido mesmo sem a crise”

Empresas “zombies”. A expressão até pode levar a pensar que são escritórios abandonados, sem trabalhadores, entregues ao pó e ao esquecimento, só que, na verdade, até há pouco tempo, quase 80 mil pessoas trabalhavam nessas empresas que, no papel, se definem como sendo negócios em que os lucros não chegam para fazer face ao juros da dívida. Por outras palavras, se nada acontecer de diferente no futuro, vão continuar a ter sérias dificuldades em cumprir os compromissos que assumiram.

São estas empresas que preocupam o FMI, porque os apoios que os estados têm dado durante a pandemia — apesar de terem mantido “muitas empresas viáveis ​​à tona” e de terem sido “necessários para mitigar o sofrimento” nos piores momentos desta fase — estão também “a manter vivas empresas ineficientes que teriam falido mesmo sem a crise”.

O problema, diz o fundo monetário, é que “persistir [com esses apoios] indefinidamente impedirá o crescimento necessário para sustentar a recuperação”, porque “as políticas que sustentam as empresas em falência acabam a impedir novos empreendimentos e a realocação agregada de capital e de trabalho”.

Por outro lado, o FMI reconhece que “a retirada antecipada do apoio dos setores mais afetados apresenta o risco de uma recuperação desigual e de cicatrizes específicas” nesses setores.

Vista geral da Avenida da Liberdade, em Lisboa, 26 de abril de 2020. O terceiro estado de emergência, devido à pandemia de Covid-19, irá prolongar-se até dia 02 de maio, continuando limitada a circulação de pessoas e o confinamento obrigatório. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Em Portugal, como noutros países, o número de insolvências em 2020 diminuiu à conta de apoios públicos, como lay-off e moratórias, de que beneficiaram, em grande medida, pequenas e médias empresas. Mas com o fim da pandemia ao fundo do túnel e a potencial retirada dos apoios, esta questão entra ainda mais no radar de quem monitoriza o andamento da economia ou das contas do Estado.

É o caso da presidente do Conselho das Finanças Públicas, que reconheceu recentemente que a crise pode ter “apressado a sinalização das chamadas empresas zombie”. Empresas que, na opinião de Nazaré Costa Cabral, “até poderiam, com dificuldade, ser viáveis, que se aguentavam”, mas que, com a crise, “definitivamente entram numa situação de insolvência”, disse em entrevista ao Jornal Económico.

Nazaré Costa Cabral considera, por isso, que se for “uma consequência inelutável”, as autoridades terão uma “preocupação acrescida” com “a destruição de empresas, destruição de capacidade produtiva”. Ainda mais quando haverá possivelmente uma “alteração de padrões de consumo, da preferência dos consumidores”, que podem deixar um maior número de empresas em apuros.

Já antes, Mário Centeno tinha avisado, em outubro, que “uma extensão das medidas de apoio daria lugar a uma indesejável manutenção do emprego e da afetação de crédito a empresas inviáveis“. O governador do Banco de Portugal avisou então que isso pesaria “nas perspetivas de crescimento futuras, sempre dependentes da realocação de recursos escassos”.

“Empresas inviáveis não devem receber apoios”, diz Mário Centeno

Quanto mais rápido, melhor? Sim, mas não desta vez

Se hoje muitas empresas “não têm capacidade para honrar as suas dívidas”, estão nessa situação “devido a políticas públicas”, considera João Borges de Assunção, economista da Universidade Católica, em conversa com o Observador. “Elas não estão nessa situação devido à pandemia, mas porque as políticas públicas as condenaram a não poderem ter atividade e, por essa via, ficaram inviáveis”.

Não são os confinamentos que estão em causa, mas a sua extensão no tempo. “O que leva as empresas à falência não é o encerramento de 15 dias. A decisão [do confinamento] é justificada — não o prolongamento, como fizemos quer o ano passado quer agora”. Borges de Assunção acredita que “há muitas empresas que podem estar já insolventes por resultado da decisão pública”.

E este é um aspeto que, para o economista, faz toda a diferença. Os apoios que têm sido dados — layoff, moratórias, entre outros — são “instrumentos importantes para impedir o colapso de empresas e instituições”, que não devem ser encarados como “apoios sociais”, mas como “indemnizações compensatórias”. E uma vez que “foram expropriadas” [devido ao confinamento obrigatório decidido pelas autoridades], na opinião de Borges Assunção, essas empresas devem ter “direito a uma indemnização compensatória significativa”.

“Quanto mais rápido houver um processo de insolvência, mais depressa todos os fatores produtivos são afetos a outras atividades”, mas “neste caso, não penso que se possa aplicar a regra geral, porque estas empresas, ou a maior parte, podem estar a tornar-se inviáveis por causa das políticas sanitárias de combate à pandemia”
João Borges de Assunção, economista da Universidade Católica

O problema, diz, está também “na eficiência da decisão” tomada. “Se o Estado assumisse os custos todos associados às suas decisões talvez não tivesse confinado e talvez não volte a confinar. É importante que o Estado assuma os custos todos para que não tome decisões irresponsáveis. Porque se o Estado conseguir tomar decisões e passar os custos para outros, como faz com o salário mínimo ou com o confinamento, a decisão não é eficiente porque o Estado não paga o custo da decisão”, considera Borges de Assunção.

“Um país com menos dívida criava um instrumento público de capital e entrava no capital das empresas”, nota o economista. “Mas se o Estado não tem dinheiro para fazer isso também devia perceber que não tem dinheiro para confinar”.

É neste contexto que, para Borges de Assunção, as “regras” habituais não são para aqui chamadas. O ideal, nas insolvências, é “quanto mais rápido, melhor” — em dias normais, “quanto mais rápido houver um processo de insolvência, mais depressa todos os fatores produtivos são afetos a outras atividades”, considera o professor da Universidade Católica. Mas não desta vez, porque estes não são dias normais: “Neste caso, não penso que se possa aplicar a regra geral, porque estas empresas, ou a maior parte, podem estar a tornar-se inviáveis por causa das políticas sanitárias de combate à pandemia”.

Bruxelas avisa Governo e banca que têm de estar preparados para possível aumento de insolvências

Parte do problema é que “os mercados não estão a funcionar” — nem o mercado de trabalho nem o mercado de produtos. Portanto, “neste momento em que está tudo congelado, não é o momento certo” para eliminar as empresas inviáveis, defende Borges de Assunção. “Mais tarde, o mercado fará a triagem, mas não agora”.

“O nosso sistema de insolvências já devia ter eliminado as empresas zombies”, mas, uma vez que não foram eliminadas, agora, no contexto da pandemia, “eliminar apenas essas seria injusto e não é necessariamente eficiente, porque o sistema funcionava com essas empresas dessa maneira”.

“Tentar adiar o que é inevitável nunca deu bom resultado”

Empurrar o problema não é, no entanto, uma ideia consensual. Bagão Félix acredita que a pandemia pode ter “destruído empresas de determinados setores de atividade”, que podem estar a ser substituídas “por outras de maior valor acrescentado, de maior incorporação tecnológica”. E isso é, para o antigo ministro das Finanças, melhor do que esperar para ver o que acontece.

“Historicamente, tentar muitas vezes adiar a certidão de óbito de uma empresa é apenas um modo de atrasar a resolução do problema (...) Tentar adiar o que é inevitável nunca deu bom resultado”
Bagão Félix, antigo ministro das Finanças

Vista à lupa, em termos microeconómicos, “a destruição da empresa é sempre má para as pessoas que nela trabalham e investiram”, só que, “globalmente, faz parte da lógica de uma economia”. Para Bagão Félix, o setor empresarial “tem uma demografia”, tal como a população, e a sobrevivência da empresa “não é um fim” em si mesmo.

Até porque, “historicamente, tentar muitas vezes adiar a certidão de óbito de uma empresa é apenas um modo de atrasar a resolução do problema”, que voltará mais tarde. “Tentar adiar o que é inevitável nunca deu bom resultado”, atira o antigo ministro dos governos PSD/CDS.

O que é desejável, por um lado, é que as empresas que morrem naturalmente “sejam compensadas por empresas mais dinâmicas no mercado global, com maior produtividade, com maior capacidade para absorver e criar valor com índices tecnológicos próprios do século XXI”. Uma situação de crise “é sempre uma oportunidade de discernimento”, entende o antigo ministro.

Siza Vieira diz estar “extremamente preocupado” com desemprego e reconhece que precários são mais afetados

Para Bagão Félix, “sendo uma questão demográfica e tendo em conta as raízes desta crise”, importa perceber se “a morte de uma empresa num determinado setor de atividade, eventualmente mais ligada às exportações, está numa situação difícil, mas não num estado de coma nem moribundo”. Se a dificuldade for momentânea, a empresa “deve ser apoiada” pelo Estado.

Caso contrário, a preocupação é com as pessoas que ficam “numa situação socialmente delicada pela morte da empresa”. Ou seja, “dramático seria empresas desaparecerem e não haver apoio para as vítimas dessa situação”.

Se [as empresas] forem inviáveis, não nos iludamos — é melhor o enfoque ser nas consequências sociais de essas unidades desaparecerem do que propriamente em procrastinar o problema e daqui a uns tempos ficar pior”.

Portugal's Capital As Europe Seeks to Salvage Summer Tourism

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Pode o cobrador de fraque aparecer a 1 de outubro?

Um dos mecanismos considerados mais importantes no combate a esta crise são as moratórias de crédito, que possibilitaram a milhares de empresas adiar o problema para mais tarde. Até setembro, na sua maioria, empresas e famílias contam com a extensão de prazos dos empréstimos.

No total, 54 mil empresas tiveram essa ajuda, segundo os dados do Banco de Portugal, mais de metade das quais no alojamento e na restauração, dois dos setores em que a pandemia e as restrições bateram mais fundo. Um terço de todo o crédito concedido a empresas estava sob moratória em janeiro, num total de 24 mil milhões de euros.

O Banco de Portugal considera não haver demasiados riscos para a estabilidade financeira, porque acredita que empresas e famílias terão pedido o alargamento dos prazos mais por precaução do que por necessidade. Mas o aumento nas insolvências no início deste ano deixa a dúvida do que poderá significar o fim dessas moratórias.

Banco de Portugal pouco preocupado com moratórias (que são, de longe, as mais elevadas da Europa)

Esta é, para Bagão Félix, uma questão “decisiva”. Por um lado, o Governo “terá de ponderar a continuação do prazo das moratórias, pelo menos seletivamente, embora isso tenha consequências nos credores”, ou seja, a banca e o próprio Estado, por via das garantias.

Só que a transição para a normalidade “tem de se fazer com conta, peso e medida”, defende o antigo ministro, porque as moratórias “têm uma magnitude muito grande”. O fim destas medidas “deve ser compaginado com o reinício aproximado da atividade económica e de negócio de cada empresa tal como era na situação pré-pandémica”. A análise “terá de ser fina”, mas “é necessária”.

Para já, o Governo aponta no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para uma injeção total de 5 mil milhões de euros nas empresas, dos quais 1.550 milhões de euros para capitalização.

Mas essa será uma solução que, provavelmente, deixará de parte as empresas que estão em maior dificuldade, com capitais próprios negativos.

É, pelo menos, o sinal transmitido pelo Governo. Questionado sobre este dossier, o Ministério da Economia responde ao Observador que continuará “a disponibilizar apoios para mitigar o impacto da pandemia” e que esta orientação se mantém “também nos apoios futuros”. Mas quando se refere especificamente “ao termo das moratórias bancárias e de recapitalização”, manifesta a vontade de continuar “a proteger as empresas viáveis” para evitar “que se tornem nas comummente designadas ’empresas zombie'”.

O ministério sublinha também que, até aqui, a prioridade do Governo tem sido apoiar as empresas e que “os apoios lançados para esse efeito, com exceção das medidas de manutenção do emprego, dirigem-se às empresas com uma situação saudável antes da pandemia“. Lembra, nomeadamente, que entre os critérios para aceder a apoios públicos estão não só “a regularização de dívidas junto da Autoridade Tributária, Segurança Social ou sistema de garantia mútua”, mas também “a verificação de capitais próprios positivos“.

É uma ideia que vai ganhando corpo. Poucos dias antes desta resposta, Ricardo Mourinho Félix, o ex-secretário de Estado de Mário Centeno que hoje é vice-presidente do Banco Europeu de Investimento, fez questão de referir que o conjunto de instrumentos de capital que será desenhado para o pós-pandemia “só vale a pena fazer com empresas viáveis”. Caso contrário, “estaremos a destruir recursos que não são inesgotáveis”, disse à TSF e ao Dinheiro Vivo.

Ou seja, as empresas “zombies”, que viram os problemas acumulados na pandemia, dificilmente terão acesso a capital fresco, ficando absolutamente dependentes da extensão das moratórias e de um volte-face na economia e nas circustâncias que as rodeiam.

“O meu maior temor é que o Estado faça uma escolha, entre os amigos e os restantes. Estou bastante preocupado com isso, que as empresas próximas do poder sejam para salvar e as que estão distantes do poder não. Acho que é isso que vai acontecer, é a nossa tradição”
João Borges de Assunção, economista da Universidade Católica

Mas será que podemos vir a assistir a cenários mais graves? João Borges de Assunção defende que “se o Estado passar de uma situação de salvar tudo para não salvar nada de um dia para o outro, esses cenários vão colocar-se em cima da mesa”.

E diz estar cético em relação aos próximos tempos. “O meu maior temor é que o Estado faça uma escolha, entre os amigos e os restantes. Estou bastante preocupado com isso, que as empresas próximas do poder sejam para salvar e as que estão distantes do poder não. Acho que é isso que vai acontecer, é a nossa tradição”, diz o economista da Universidade Católica. “As empresas que sejam viáveis, mesmo com a crise, vão continuar”, mas, “entre as que se tornaram zombies ou inviáveis, as que são próximas do poder vai-se conseguir argumentar que são viáveis e vão ser salvas”, enquanto “as restantes, amanhem-se”, atira Borges Assunção. “Acho que isso vai acontecer”.

O economista entende que “só o mercado tem condições de avaliar quem é viável” e “os bancos talvez tenham mais capacidade do que as autoridades”, mas tudo terá de ficar para mais tarde: “Tem de se retomar a vida normal e após algum tempo — que tem de ser medido em anos, não em semanas”, diz Borges de Assunção. “As moratórias não podem acabar em setembro e o cobrador de fraque aparecer a 1 de outubro, não pode ser assim, embora eu ache que isso vai acontecer”.

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