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São José Correia: "Já fui assediada e já assediei. Quando me incomoda vou embora, já perdi um trabalho assim"

Popular na TV, faz teatro há mais de 25 anos e entra na nova peça do Teatro Praga. Em entrevista fala da infância de “maria-rapaz”, da "violência" das novelas e das diferenças entre homens e mulheres.

Interessada em política? Tão pouco que nem tem cartão de eleitor. Feminista? Nem por isso. Assédio sexual? Já fez e já lhe fizeram. A voz sempre colocada, gestos efusivos, discurso tu cá, tu lá. É assim São José Correia, 44 anos.

Neste momento, participa na rodagem da nova ficção da TVI, “A Teia”, e no novo espetáculo do Teatro Praga, “Worst Of”, com estreia marcada para esta quinta-feira, dia 1, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. “Uma crítica a nós mesmos, uma brincadeira profunda sobre o teatro”, descreve. Ao lado dela, em palco: Márcia Breia, Rogério Samora, Vítor Silva Costa, Cláudia Jardim, Diogo Bento, Patrícia da Silva e Pedro Penim. Os ensaios têm decorrido na Tóbis Portuguesa, no Lumiar, e é aí que a atriz fala com o Observador.

“Confesso que não acompanho muito o trabalho dos Praga, mas se há grupo neste país que destrói padrões e se está a borrifar para as regras são os Praga e isso casa muito bem com a minha maneira de estar”, diz.

Também realizadora de cinema, pretende investir cada vez mais nesta área e adianta que a sua mais recente curta-metragem vai estar nos próximos dias em salas comerciais, a seguir à exibição de “Halloween”, de David Gordon Green. Chama-se “O Coração Revelador”, é o seu quinto filme atrás das câmaras. “As curtas são exercícios, um dia talvez faça uma longa. Estou a experimentar, adoro contar histórias.”

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Conjuga cinema, televisão e teatro. Corre de um lado para o outro, mas cada vez tem menos vontade disso.

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Aceita muitos convites de trabalho?
Sim, porque gosto de trabalhar, embora nos últimos anos tenha ficado mais preguiçosa. Acho que tem a ver com a idade. Não estou tão ansiosa por fazer coisas. Mas conjugo muitas vezes os espetáculos com as novelas, a não ser que esteja como protagonista numa novela. Nesse caso, não consigo fazer mais nada. Não consigo. Na “Santa Bárbara” [TVI, 2015] fui protagonista e teria sido impensável fazer outro trabalho em simultâneo. Gravava cinco dias por semana e as minhas folhas de serviço vinham sempre com 20 cenas por dia.

“Worst Of”: o pior do teatro como uma vantagem

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A nova peça em que São José Correia participa é uma celebração do teatro, mas ao contrário. Tira partido da velha ideia de que a história do teatro português é feita de textos maus e autores sofríveis, fracas figuras quando comparadas com nomes universais como Shakespeare ou Molière. A velha ideia de que o público português vai ao teatro sem entusiasmo e sai sempre insatisfeito com o que viu. Mas agora sob uma perspetiva irónica. “Poderíamos apresentar uma espécie de defesa do teatro perante as críticas e é isso que fazemos, mas não a dizer que o teatro é bom, a dizer, sim, que o teatro é mau e ainda bem que é mau”, explica José Maria Vieira Mendes, um dos autores de “Worst Of”, do colectivo Teatro Praga. “Do nosso ponto de vista, esta é a resposta mais operativa: lidar com a crítica e aceitá-la. Um espetáculo de celebração da merda pode ser tão positivo como o contrário”, sublinha Vieira Mendes.

Em cena sucede-se a representação de excertos de obras clássicas: “Monólogo do Vaqueiro” (1502), de Gil Vicente; “Frei Luís de Sousa” (1843), de Almeida Garrett; “A Maluquinha de Arroios” (1916), de André Brun; ou “Felizmente Há Luar” (1961), de Luís de Sttau Monteiro. Ao mesmo tempo, um grupo aparentemente fora de cena – Márcia Breia, Rogério Samora, São José Correia e Vítor Silva Costa (os três primeiros nunca tinham trabalhado com os Praga até hoje) – comenta ou insulta essas mesmas obras, geralmente apontadas como o cânone do teatro português.

“Estamos a apresentar o pior como uma vantagem. É como se reclamássemos este lixo, nós também somos o lixo”, resume Pedro Penim, outro dos autores. “Não é possível sair deste cânone do teatro português, ele existe, mas se aceitarmos todos estes textos como erros da dramaturgia, então, sim, podemos capitalizá-los para se tornarem uma coisa positiva”, acrescenta André e. Teodósio. “Não estamos a denunciar o facto de os textos serem anacrónicos, pirosos, foleiros, pouco operativos ou pouco representativos da sua própria época.”

Nova criação deste coletivo lisboeta fundado em 1995, “Worst Of” é uma ideia com mais de uma década e finalmente se concretiza. Tem assinatura de André e. Teodósio, Cláudia Jardim, José Maria Vieira Mendes e Pedro Penim. Pode ser visto na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, a partir de quinta-feira, 1 de Novembro, até ao dia 18 (quartas e sábados, 19h00; quintas e sextas, 21h00; e domingos; 16h00), com bilhetes a partir de 10 euros.

O que dá quantas horas por dia?
Então, vão-me buscar a casa às sete e meia da manhã, entro às oito no estúdio e saímos às sete e tal, depende de termos tido uma hora para almoço ou meia hora. São umas 12 horas por dia.

Isso significa que o papel principal numa novela não é o que mais quer neste momento?
Claro, não estou minimamente desejosa. Cada vez mais o ritmo está muito violento, cada vez mais os protagonistas devem ser jovens atores. Não é que me considere velha, mas os jovens em início de carreira têm outra ansiedade e vivacidade, ainda não fizeram muitas coisas e é bom aparecerem, é bom experimentarem um trabalho mais exigente. Nesta altura em que já sou conhecida do grande público e tenho a carreira de alguma forma consolidada, protagonista de novelas não faz muito sentido. É muito esgotante, intelectualmente e fisicamente. Às vezes, a meio da novela, és capaz de perder o sentido da coisa, o objetivo. “Porque é que estou a fazer este trabalho?”

Faz essa pergunta algumas vezes?
Sim, sim. Pergunto porque é que aceitei. Dou um exemplo. Agora estou na novela “A Teia” [TVI, a estrear em breve] e o meu papel não é de protagonista, mas estou num núcleo forte da história. Ao mesmo tempo, faço este espetáculo com os Praga. Na semana passada, fui gravar ao Porto, gravei na segunda e terça, na quarta vim para baixo e ainda fui gravar a estúdio. Depois, vim ter ensaio com os Praga. Confesso que a meio do caminho para Lisboa pensei assim: “Porque é que aceitei fazer isto outra vez, porque é que estou nesta vida outra vez?” Claro que sei a resposta. Gosto de trabalhar e apareceram-me convites muito interessantes. E depois, se não aceitas, é aquela história: não aceito para estar em casa a descansar? Tenho tempo para descansar um dia. Ficas sempre nesse dilema, mas o trabalho acaba por vencer, a não ser que haja projetos que não te interessam de todo.

O salário que se ganha não compensa?
Compensa, compensa. O que acaba por não compensar é o estímulo intelectual. Há fadiga intelectual e física. São muitas horas. Nem que use esta palavra: não compensa a nível espiritual. Quando fazes uma protagonista, ganhas bem. Se souberes negociar, ganhas bem, o que te permite passar os meses a seguir de forma tranquila. Fazes uma protagonista e não tens de entrar logo na novela a seguir. Ser protagonista, compensa, mas o problema é o processo, o cansaço desses seis meses. É muito violento, não encontro melhor palavra.

Ainda existe a ideia de que fazer novelas é desprestigiante para um ator?
Acho que existe.

Quando começou nas novelas pensava assim?
Não, não pensava. Nem via novelas, aliás, ainda hoje não vejo. Não sou espectadora assídua. Veja às vezes as minhas, para saber como estou, e espreito os primeiros episódios das outras novelas, para ver se são boas ou não. Sou curiosa.

Via telenovelas brasileiras quando era adolescente?
Não… Aliás, vi uma, a “Selva de Pedra” [1986], com a Christiane Torloni. Foi muito importante para mim, porque despertou inconscientemente o meu bichinho para a representação. Era completamente fascinada. Não me recordo da história, só fiquei com a imagem da Christiane Torloni.

"Fui para teatro porque queria ser advogada e era muito tímida. Achava que era uma coisa porreira para me descontrair e me colocar à vontade para falar frente a outras pessoas. Achava que seria necessário quando me tornasse advogada. Era muito influenciado pelos filmes e séries americanas. Nos filmes americanos, quando há cenas de tribunal, têm aquele discurso para a plateia, que são os jurados."

O que é que a atraía?
A força da personagem. Ela fazia papel de má e de louca, linda de morrer, com uns cabelos pretos longos.

Ou seja, foi através de uma novela que percebeu que queria ser atriz.
A nível inconsciente, sim. Era pequenota, início da adolescência. Isto só despertou com consciência quando, mais tarde, tive aulas de teatro na escola, com a Luísa Cruz. Aliás, fui para teatro porque queria ser advogada e era muito tímida. Às vezes, ia assistir a aulas da minha irmã, ela já tinha aulas de teatro na escola, tinha essa disciplina, e eu achava que era uma coisa porreira para me descontrair e me colocar à vontade para falar frente a outras pessoas. Achava que seria necessário quando me tornasse advogada. Mas, pensando bem, isto de querer ser advogada, na verdade, era muito influenciado pelos filmes e séries americanas. Nos filmes americanos, quando há cenas de tribunal, têm aquele discurso para a plateia, que são os jurados. Portanto, acho que na verdade nunca quis ser advogada, o que sempre quis foi ser atriz.

Hoje ninguém a imagina tímida.
Agora já não me considero tímida, o teatro fez-me muito bem, destruí essa timidez. Quando era miúda, na escola, era um suplício atravessar o pavilhão polivalente. Achava que toda a gente olhava para mim. O tímido é isso, é paranoico e acha que entra numa sala e tem os outros todos a olhar para si. “Não está ninguém a olhar, querida, tranquila, atravessa, ninguém está a olhar.” Só que eu achava que sim e isso dava-me medo. Atravessava o polivalente como se a guerra estivesse ali ao lado. Era ridículo. O teatro ajudou-me a ultrapassar isso e muitas outras inseguranças. Fez-me muito bem.

Fazer teatro pode ajudar no equilíbrio mental?
Tenho a consciência de que o teatro me fez bem, porque me ajudou a pensar os meus problemas e a enfrentá-los, como a falta de autoestima, de que na adolescência todos sofremos. Há uma altura na nossa vida em que todas as outras são mais bonitas que nós, todas são mais interessantes. Acho que os rapazes e as raparigas passam por isto, sobretudo na adolescência. O teatro ajudou-me, mas, atenção, não vejo o teatro como terapia, não pode ser terapêutico. Acaba por ser, mas é uma coisa natural. Não podes ir para o teatro à procura de fazer terapia. O ator tem de ser emocionalmente estável.

E se não for?
É muito perigoso. Imagina que tens uma cena de choro. Aliás, houve um espetáculo em que sofri um bocado por tentar resolver os problemas em palco. Estava no “Amor de Dom Perlimplim com Belisa em Seu Jardim” [Companhia de Teatro de Almada, 1998]. Ela tem imensos amantes e ele faz um truque que é escrever-lhe imensas cartas como se fosse um amante jovem e ela apaixona-se por esse amante, somente através das cartas, e pensa que ele é real. No fim, a vingança do Perlimplim é marcar um encontro no jardim e matar-se à frente dela. Ela fica louca de desespero e, afinal, o amante nem existe, é o marido. Aquilo é um choque tremendo. Normalmente, a peça, que é do Lorca, é feita como comédia, mas na altura o [encenador] Joaquim Benite optou, e a meu ver muito bem, por fazer em drama. Como eu tinha problemas com o meu namorado da altura, coisas de miúda, achava que podia exorcizar ali alguma coisa naquele papel.

"Há uma altura na nossa vida em que todas as outras são mais bonitas que nós, todas são mais interessantes. Acho que os rapazes e as raparigas passam por isto, sobretudo na adolescência. O teatro ajudou-me, mas, atenção, não vejo o teatro como terapia, não pode ser terapêutico."

E correu mal?
Sim, porque depois o espetáculo acabava, havia aplausos, e eu não conseguia parar de chorar, de tal forma estava envolvida com os meus próprios problemas. Não há nada mais feio do que um ator vir agradecer e ainda estar em personagem. É muito mau. Significa que não está estável. Um ator tem de entrar e sair da personagem num estalar de dedos, para seu bem e para bem do público. O público não tem de levar com os meus problemas, não tem de saber que sou sensível. Tenho de ser profissional.

Ainda sobre o desprestígio das novelas. É o público ou são os seus colegas quer acham isso?
Talvez mais alguns colegas. Há uns tempos ouvi um comentário, não vou dizer onde nem de quem. Comecei a realizar curtas-metragens e enviei a primeira [“Uma Noite na Praia”, 2014] para um festival de cinema bastante conhecido, não interessa dizer qual, para não criar conflitos. Alguém do festival diz isto. “Então, mas esta não faz novelas? E agora é realizadora?” Primeiro, disse “esta”, e não a São José. Depois, “faz novelas”, como se eu tivesse uma máquina de fazer novelas; sou atriz, trabalho para televisão, cinema, teatro, conforme há convites. E mesmo que seja “atriz de novelas”, faço teatro desde os 19 anos, estive uma década na Companhia de Teatro de Almada. Se aquela pessoa não sabe que faço teatro, não sabe grande coisa do meio. A questão é: não posso experimentar-me enquanto realizadora? Porquê, qual é o problema? É preconceito. Temos muitos preconceitos com as novelas.

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É a ideia da novela como um trabalho dramatúrgico menos exigente.
E é, mas tem outro grau de dificuldade. A novela é mais simples em alguns aspetos, não aprofunda tanto as grandes questões, muitas vezes nem tem grandes questões. Também não há tempo de ensaio. Sim, tudo isso é verdade. Mas depois há uma outra violência que o ator precisa de experimentar. O teu trabalho de casa tem de estar muito bem feito, porque não há tempo no “plateau” para grandes explicações, tens de saber muito bem o que fazer. O trabalho de casa é uma fase muito importante para um ator, seja no teatro, seja na televisão. Na televisão ganhas essa resistência de estudar um papel muito rapidamente e entender o objetivo da cena. Olhas para uma cena de duas, três ou quatro páginas e tens de apanhar rapidamente o objetivo, de saber porque é que a personagem está ali, o que é que ela quer dizer com aquilo.

Na novela, dirige-se mais a si mesma. Não tem a presença de um encenador.
Claro, mas o ator é sempre responsável por si mesmo, na televisão ou no teatro, porque quem lá está és tu, não é o encenador. O ator é responsável pelo seu trabalho, não pode dizer que faz mal por causa dos outros. Não, não. Tu és responsável pelo teu trabalho, não és um pau mandado, não és um papagaio. Um ator não é um papagaio. Por isso, não faz sentido pensar que qualquer pessoa faz novelas desde que tenha lata e consiga decorar textos. Não é verdade. Um ator tem de saber o que está a fazer.

Fale-nos um pouco da sua infância. Viveu em Almada e no Funchal?
Na Ponta do Sol. A minha mãe é da Ponta do Sol e o meu pai é da Serra de Água.

Mas nasceu em Lisboa?
Fui feita na Madeira, mas já nasci em Lisboa. Vivi lá quando tinha um sete, oito, nove anos. E depois voltei a Almada. Em Lisboa, cidade, só mais tarde, para aí à terceira novela.

"Era maria-rapaz. Cravava campainhas, andava de skate, jogava ao mata, mas também jogava ao elástico. E andava à porrada. Havia lá uma família de ciganos com quem nos dávamos, sobretudo um deles, da minha idade, o João. Tínhamos dias de ser muito amigos e outros de andarmos à porrada. Ele dava-me um pontapé, eu dava-lhe outro. No dia a seguir, éramos amigos outra vez. Como dizia a minha mãe, era a vida da canalha."

Em Almada brincava na rua?
Muito. Era maria-rapaz. Aliás, a nossa primeira casa em Almada era muito pequena e para brincarmos tinha mesmo de ser na rua. Adorava os dias de verão, porque brincávamos até à noite. Depois, mudámos de casa, já para uma vivenda com um belo quintal, mas sempre andei a brincar na rua. Mais até com os meninos. Cravava campainhas, andava de skate, jogava ao mata, mas também jogava ao elástico. E andava à porrada. Havia lá uma família de ciganos com quem nos dávamos, sobretudo um deles, da minha idade, o João. Tínhamos dias de ser muito amigos e outros de andarmos à porrada. Tão simples quanto isto: ele dava-me um pontapé, eu dava-lhe outro. Não passava disto, não havia socos nem chapadas, mas andávamos aos pontapés até nos cansarmos. No dia a seguir, éramos amigos outra vez. Como dizia a minha mãe, era a vida da canalha.

Como é que mais tarde, aos 19 anos, vai parar à Companhia de Teatro de Almada (CTA)?
Foi o Joaquim Benite [1943-2012] que me convidou para um espetáculo infantil. Tinha faltado uma atriz, já não me lembro quem. O Miguel Martins, que trabalha na companhia e era meu namorado na altura, veio ter comigo e diz-me, muito feliz, que o Joaquim quer falar comigo. Eu não queria ir, o Miguel é que me arrastou.“Tens de ir e mais nada, sabes quantas pessoas é que queriam que o Joaquim as chamasse?” E fui. Fiz o primeiro espetáculo, depois tive problemas em casa e tive de sair.

O seu pai não queria?
Sim, sim, sobretudo isso. Saí do espetáculo e uns tempos depois a CTA abriu um curso para formação de atores. Já nem me lembro como é que entrei nesse curso.

Com quem aprendeu mais em Almada?
Com a Teresa Gafeira. Com o Joaquim Benite, também, claro, era um belíssimo diretor, uma pessoa que sabia muito, que gostava de ensinar. Francisco Costa, Maria Frade, Luís Pais, o Miguel. Uma série de atores. Mas a Teresa Gafeira foi de facto a minha mestra.

Uma coisa essencial que ela lhe tenha ensinado.
Olha, foi ela que me ensinou o que é o subtexto, que tudo o que um ator diz tem de ser sustentado num pensamento. Nada do que dizemos aparece do ar, tudo o que dizemos é uma reação a uma informação ou uma emoção que existe na nossa cabeça, no nosso corpo.

Caso contrário, o púbico não vai atrás da personagem?
Exatamente, porque não vê raciocínio nenhum. Se o ator estiver a pensar, isso vê-se. Se não, é um papagaio a dizer texto.

Além da CTA, trabalhou com a Escola de Mulheres e o Teatro Aberto. Que espetáculos lhe ficaram na memória?
Os dois primeiros com a Escola de Mulheres [“Marcas de Sangue”, 2005, e “Dentadas”, 2007]. Foram duas encenações da Isabel Medina, com um elenco extraordinário: Leonor Seixas, Albano Jerónimo, José Wallenstein e Lucinda Loureiro. Foram dois espetáculos seguidos, uma experiência fantástica. Há uma coisa de que sinto muita falta. Estive dez anos na CTA, éramos uma família, passava mais tempo no teatro do que em casa. Era lá que me ria e que chorava, que comia, que me queixava da vida, fazia tudo. Praticamente, só ia a casa dormir. Sinto muita falta. Hoje, um grupo convida-nos para um espetáculo, estamos juntos por dois meses e depois nunca mais nos vemos. Não é uma família, é um encontro de dois meses.

Essa noção de família melhora o trabalho do ator?
Claro, se nos respeitarmos e estivermos todos juntos, não há ninguém a querer sobressair, estão todos a remar para o mesmo lado. O espetáculo é que conta, não és tu. Comparo muito o teatro ao futebol. A equipa converge toda para o mesmo objetivo. O golo é da equipa, não é do jogador.

"Acho que os homens e as mulheres são diferentes, não vale a pena acharmos o contrário. A beleza está nessa diferença. Iguais em direitos, sim, agora, a diferença é normal, não partilho nada esta nova febre em que as mulheres, de repente, são as coitadinhas, abusadas e assediadas constantemente."

Mas no futebol há jogadores que desejam esse protagonismo.
Claro, por isso é que às vezes aquilo não funciona. Por isso é que o Real Madrid, por muito que tenha jogadores caros, nem sempre funciona.

A CTA costuma ser conotada com um pensamento político de esquerda. Partilhava essa posição?
Não, porque sou apolítica. Só tenho dúvidas.

Uma apolítica interessada ou desinteressada?
Completamente desinteressada, acho tudo um folclore, vejo muitos demagogos, ninguém está pelo povo. Não tenho cartão de eleitor sequer, nunca votei.

Quando as coisas correm mal no país, fica com vontade de ter votado?
Não, porque não tenho alternativa, não acredito. Acredito que o único sistema possível é a democracia, mas ideologicamente seria anarquista. A anarquia não é possível, porque as regras teriam de estar na cabeça das pessoas e não haveria hierarquias. É utópico. Se sou alguma coisa a nível político, sou anarquista. Não sou de esquerda, nem de direita nem de centro.

Já alguma vez a convidaram para emprestar a imagem a uma campanha eleitoral?
Se convidaram, recusei, porque nem me lembro.

"Sou apolítica. Só tenho dúvidas. Completamente desinteressada, acho tudo um folclore, vejo muitos demagogos, ninguém está pelo povo. Não tenho cartão de eleitor sequer, nunca votei."

Como é que as novelas surgiram na sua vida?
Tinha feito um telefilme da SIC. O José Eduardo Moniz [então diretor-geral da TVI] viu o filme e convidou-me para protagonista de “O Último Beijo” [2002]. Foi a minha primeira novela.

Foi por aí porquê?
Havia um desejo experimentar. Tinham sido dez anos só na CTA, sem fazer outros trabalhos, só ali, e achava que estava na altura de experimentar.

Qual foi a sua melhor novela até hoje?
Tive algumas, sou felizarda. “O Último Beijo” deu-me um prazer enorme. “Santa Bárbara”, já em idade adulta, também. Pela primeira vez, tive de ler livros para uma personagem de novela. Fui ler “O Príncipe”, de Maquiavel, li “A Arte da Guerra”, fui ao Museu do Prado ver o Goya. Fui porque quis, claro, poderia não ter ido e faria a novela na mesma, mas o resultado não teria sido o mesmo, quero acreditar.

Há poucos anos fez parte do “Esquadrão do Amor”, no Canal Q, um “talk show” sobre sexualidade e relações. Teve dúvidas quando a convidaram?
Não muitas. Tenho imenso respeito pela Ana Markl. Se calhar, se fosse outra apresentadora, teria pensado duas vezes. É uma pessoa muito inteligente e bem-disposta, muito diferente das apresentadoras padrão. Fiquei logo curiosa. E também acho que se deve falar de sexo assim, abertamente.

[última participação de São José Correia no “Esquadrão do Amor”]

Quis marcar uma certa posição enquanto mulher?
Não. Não tenho essas lutas, vejo as coisas com mais naturalidade.

Está a falar de feminismos?
Sim. Não sou feminista. Acho que os homens e as mulheres são diferentes, não vale a pena acharmos o contrário. A beleza está nessa diferença. Iguais em direitos, sim, agora, a diferença é normal, não partilho nada esta nova febre em que as mulheres, de repente, são as coitadinhas, abusadas e assediadas constantemente. Acho que as mulheres são tão assediadas quanto assediam. Já fui muito assediada e já assediei muito. A vida é isso mesmo.

Nunca se sentiu agredida?
Quando me incomoda, vou embora. Já perdi um trabalho assim, não vou dizer qual, não interessa.

Por causa de assédio sexual?
Sim. Era importante para mim na altura e não acedi. Eu sabia: para ter acesso a este trabalho, tenho de fazer isto, mas não me apetece fazer isto. Portanto, vou perder o trabalho. Tudo bem. Depende daquilo que queres fazer. Tu é que decides, tu é que mandas na tua vida. Tu tens poder sobre a tua vida. As pessoas fazem de ti o que tu deixas que elas façam, ponto final. Homem ou mulher.

Como vive a dimensão de figura pública?
Não se pode ligar a coisas idiotas que dizem sobre nós nas revistas, coisas que não sabemos de onde vêm, conflitos que inventam. Não leio as revistas para não me chatear. De vez em quando, apanho uma ou então contam-me que saiu isto ou aquilo. Penso naquela frase popular: os cães ladram e a caravana passa. Tento não ligar.

Ser figura pública e controlar a visibilidade é um jogo difícil, não?
É um jogo que não sei jogar. Não tenho jeito. Olha, só tenho quatro mil seguidores no meu Instagram. Se me filmasse de manhã e publicasse fotos disto e daquilo, teria mais pessoas. Mas não me apetece.

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