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MANUEL FERNANDO ARAÚJO/LUSA

MANUEL FERNANDO ARAÚJO/LUSA

Saúde. Bloco à espera do PS para decidir futuro da Lei de Bases

O Bloco reconhece a "evolução" do PS, depois de Maria de Belém levantar o véu do trabalho do grupo que coordena e que vai rever a Lei de Bases da Saúde. Mas não abdica de apresentar a sua proposta já.

Vai ser até à última. Provavelmente, “só durante o debate” potestativo desta sexta-feira sobre o projeto de Lei de Bases da Saúde que o Bloco de Esquerda apresentou na Assembleia da República é que o partido define se o diploma baixa à especialidade sem votação, diz o deputado Moisés Ferreira ao Observador. A posição oficial do partido é a de esperar para ver o que acontece no plenário, mas também ninguém rejeita que a discussão possa avançar sem uma primeira prova de fogo. Mesmo não sendo esta a argumentação do partido, a verdade é que se o diploma for já a votos, corre o sério risco de chumbar. O CDS está contra, tal como o PSD, que fala de um diploma “materialmente impossível”, e o PS já deu indicações de que também não está disponível para votar favoravelmente (mesmo que não vote contra). Nesse caso, o projeto chumbaria mesmo e não chegaria sequer a baixar à comissão de saúde para discussão na especialidade.

“Está tudo em aberto”, insiste o deputado Moisés Ferreira. O Bloco — que, diz Catarina Martins, espera resultados até ao final da legislatura — diz querer esperar para ver a posição de cada um dos partidos no debate desta sexta-feira antes de anunciar se dá carta branca para que o trabalho siga para a especialidade, como o PS, de resto, deseja. Mas Moisés Ferreira também nota que, precisamente do lado dos socialistas, houve “evoluções”. Concretamente quando, esta semana, Maria de Belém tornou público um documento com 40 páginas, uma espécie de “ante-proposta” do trabalho da comissão nomeada pelo primeiro-ministro para estudar a revisão da lei e que deixa já evidentes as linhas orientadoras daquilo que será o resultado final do grupo de trabalho liderado pela ex-presidente do PS. “Foi positivo não procrastinar para setembro e apresentar já em junho” este documento, assinala Moisés Ferreira.

Tudo parece alinhar-se no campo das sensibilidades partidárias — pelo menos na forma. É uma mudança significativa, quando se pensa na troca de argumentos entre António Costa e Catarina Martins, no debate quinzenal de meados de junho. Nesse encontro, a coordenadora do Bloco de Esquerda tentou obter do primeiro-ministro um compromisso para que a Lei de Bases da Saúde fosse revista durante esta legislatura e recebeu em troca uma espécie de “veremos”. Novas conversas sobre o tema, contemporizou Costa, só depois de setembro, quando a comissão de Maria de Belém apresentar as suas conclusões e num momento em que a discussão sobre o próximo Orçamento do Estado já vai estar adiantada.

Entretanto, surgiu o esboço da comissão Belém. E se, no campo da forma, tudo apontava para uma sintonia, a verdade é que, na discussão concreta sobre aquilo que deverá ser o futuro da Saúde em Portugal, o posicionamento dos dois partidos (os únicos com trabalho escrito e apresentado sobre esta matéria) deixa claro que há pontos de discórdia significativos. E intransponíveis?

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“Uma nova Lei de Bases tem de fazer uma divisão clara” entre serviço público e serviço privado na Saúde, tem de clarificar como se organizam as “carreiras” dos profissionais do setor, afirmando a sua “dedicação exclusiva” às instituições públicas, tem de “remover as barreiras de acesso” (entenda-se, taxas moderadoras) e do “transporte de utentes”, resume Moisés Ferreira, o deputado do Bloco que tem protagonizado as discussões sobre o tema. Face a estes pontos, como é que um e outro partido se posicionam? O deputado assinala que “estes eixos não estão presentes na proposta do grupo” de Maria de Belém.

PPP: público e privado, lado a lado?

No campo dedicado à “Política de Saúde”, a proposta de revisão da Lei de Bases que o Bloco de Esquerda apresentou consagra a ideia de que “o setor privado da saúde sem ou com fins lucrativos e os profissionais em regime liberal desenvolvem a sua atividade em complementaridade com o setor público”, remetendo os privados para “áreas de cuidados de saúde não asseguradas total ou parcialmente pelo Estado”. A proposta da comissão Belém tem uma visão diferente.

PS e Bloco estão em lados diferentes no debate sobre o lugar dos privados na Saúde. A comissão liderada por Maria de Belém defende uma "articulação" entre os dois setores, mas o Bloco atira os privados para uma posição de recurso. "É preciso fechar a porta do negócio", diz a proposta de revisão da Lei de Bases do Bloco de Esquerda.

O princípio do Bloco, e que resulta em grande medida do contributo de António Arnaut e de João Semedo, é o seguinte: há disponibilidade para que o serviço privado de saúde receba apoios públicos mas apenas nos casos em que o Serviço Nacional de Saúde não tenha capacidade de resposta para os seus utentes. “Os contratos de convenção” que o Estado venha a assinar com prestadores privados de serviços de saúde “apenas podem ter lugar quando e enquanto o SNS não tiver comprovadamente capacidade para prestar um determinado cuidado de saúde em tempo útil, sendo a atividade do convencionado meramente supletiva”. O termo “supletiva” é central neste ponto. “É preciso fechar a porta do negócio, para que o único interesse seja o interesse dos utentes”, refere o documento na sua exposição de motivos.

O documento coordenado por Maria de Belém recorre a outro termo: o de “articulação” entre os serviços. Referindo-se aos Sistema de Saúde que enquadra o setor, o documento da comissão nomeada por António Costa refere que “a articulação entre os setores público, de economia social e privado é determinada” pelas “necessidades” pela “garantia de acesso e dos demais direitos das pessoas em contexto de saúde, a qualidade das prestações de saúde, a demonstração de eficiência e os ganhos em saúde”.

Rui Rio quer discutir o futuro do SNS com o Governo. PSD prepara documento com propostas

Ainda que o mesmo esboço refira que “a responsabilidade do Estado pela realização do direito à proteção da saúde” se efetiva “primeiramente através do Serviço Nacional de Saúde”, isso não basta, para o Bloco. Não existe aqui um setor dominante (público) e um setor de apoio, ou secundário (o privado) — e essa concepção é “profundamente errada”, defende Moisés Ferreira.

Taxas moderadoras: pagar ou não? E quanto?

A Lei de Bases da Saúde em vigor, uma versão com 28 anos aprovada por PSD e CDS no Governo de Cavaco Silva, admite que possam ser cobradas taxas moderadoras aos utentes do SNS, numa fórmula encontrada para “completar as medidas reguladoras do uso dos serviços de saúde”, ficando excluídos os “grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos”. Também aqui há novidades e também aqui há duas posições distintas entre socialistas e Bloco.

Tanto o esboço da comissão Belém como a proposta legislativa do Bloco de Esquerda consagram a cobrança de taxas moderadoras. A diferença está no universo de serviços ou de utentes a que essas taxas se aplicam.

O grupo coordenado pela ex-ministra da Saúde defende que as taxas moderadoras devem ter um teto máximo. O Bloco considera que esse modelo é demasiado permissivo e exclui a cobrança a "todos os cuidados prestados no domínio dos cuidados de saúde primários" e aos "serviços de urgência e emergência". Transporte de doentes também não paga.

O documento apresentado esta semana pela ex-ministra da Saúde de António Guterres refere que devem ser fixados “limites ao montante total de taxas moderadoras a pagar por prestação e por ano”, e justifica esse teto máximo com a necessidade de “proteger” os beneficiários de um “pagamento excessivo por prestações públicas de saúde”. Mas remete para uma lei posterior a concretização do conceito de “pagamento excessivo”.

Ora, é essa formulação que deixa o Bloco na defensiva. “Isto pode levar a que um outro Governo possa mudar o teto anual a partir do qual os utentes não têm de pagar pelos serviços de saúde”, argumenta o deputado bloquista. Na prática, o teto poderia ser colocado num patamar de tal forma elevado que todos os utentes ficariam obrigados a pagar pelo acesso aos serviços de saúde.

Isso não significa que, para o Bloco, não possam ser cobradas taxas moderadoras. Podem, mas com limitações mais definidas. Por exemplo, “nas prestações de saúde realizadas em unidades do SNS ou por este convencionadas que não tenham sido prescritas ou requisitadas por médico ou outro profissional de saúde competente para o efeito”.

Nova Lei de Bases da Saúde prevê limites ao montante total das taxas moderadoras

Ficam excluídos de cobrança “todos os cuidados prestados no domínio dos cuidados de saúde primários e nos serviços de urgência e emergência, incluindo o transporte do doente” — também esta uma nuance face à posição inicial do Governo. O Bloco deixa isentos de pagamento “as crianças, os adolescentes, as grávidas, os idosos, os cidadãos com deficiência, os consumidores de drogas ilícitas, os portadores de doença crónica, os trabalhadores cuja profissão o justifique, os imigrantes, os cidadãos com baixos rendimentos e os socialmente excluídos”.

Investir no SNS. Bloco quer uma “mudança de paradigma”

Ainda no capítulo dos tetos máximos, há outra linha que separa Governo e Bloco e que pode ameaçar consensos na aprovação conjunta da revisão da Lei de Bases da Saúde. A pergunta base é esta: deve haver limite ao financiamento do Serviço Nacional de Saúde?

A este respeito, a comissão coordenada por Maria de Belém optou por uma formulação que refere que “o Estado promove e garante o acesso de todas as pessoas às prestações de saúde, nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis”, tendo em conta os princípios da “autonomia, da vulnerabilidade, da beneficência, da não-maleficência e da justiça”.

Bloco recusa que investimento na Saúde fique dependente da “vontade política de um Governo e dos ciclos económicos”.

A primeira parte da frase parece tirada a papel químico da Lei de Bases em vigor. E o ponto central da discórdia é este: são referidos “limites” para a prestação dos cuidados de Saúde parte do Estado. É a terceira divergência entre os dois partidos. Esta conceção, sublinha Moisés Ferreira, “subordina a política de saúde à vontade política de um Governo e dos ciclos económicos”.

Aqui chegado, o partido de Catarina Martins diz-se apostado numa “mudança de paradigma”. As políticas de saúde devem estar na promoção de estilos de vida saudáveis, é certo, mas o Estado não pode, diz o Bloco, impor um limite financeiro ao setor da Saúde. “Não deve haver um patamar” a partir do qual se diga que não há mais dinheiro, “muito menos na Lei de Bases” do setor, defende Moisés Ferreira. “Enquanto não interviermos na promoção da saúde, vamos atuar no plano curativo e, aí, temos de dar toda a resposta a pessoas que estão hoje doentes, ao mesmo tempo que começamos a inverter o enfoque”, defende o deputado.

Carreiras. Médicos e enfermeiros leais ao público

Há um quarto ponto de discórdia. A comissão Belém diz: “A lei pode criar incentivos que promovam a dedicação exclusiva dos profissionais ao SNS.” O Bloco diz: “O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize o tempo completo e a dedicação exclusiva como regime de trabalho dos profissionais do SNS.” Notou a diferença?

É uma subtil questão de semântica: aquilo que o grupo de trabalho liderado pela ex-ministra consagra no primeiro esboço que apresentou para a reforma da Lei de Bases é a mera defesa de uma possibilidade. Médicos, enfermeiros e outros profissionais “podem” ser incentivados a trabalhar em exclusivo para o Estado, não acumulando com funções no privado. Coisa diferente é defender que o Estado “deve” promover as condições para a existência universal desse regime exclusivo, como faz o Bloco.

PCP também fez o trabalho de casa

O debate sobre a revisão da fundamental da Saúde não se esgota no diálogo entre PS e Bloco de Esquerda. Em abril, os comunistas juntaram-se num encontro nacional, precisamente para debater o Estado do setor. Logo aí, ficaram plasmadas num extenso documento os princípios que o PCP defende para a Saúde. As ideias não passaram a proposta de revisão da lei, mas isso justifica-se com a ideia, para os comunistas, de que os “grandes problemas estruturais que existem no SNS não decorrem da desatualização da Lei de Bases, mas das opções políticas dos sucessivos governos”, como Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central, disse ao Público nessa altura.

Jerónimo Sousa acusa Governo do PS de estar do lado dos que estão contra o SNS

Relativamente às barreiras no acesso aos cuidados, a resolução política da reunião defende a “eliminação das taxas moderadoras”, uma medida que resulta de uma “pressão” sobre os gestores hospitalares, que recorreram a modelos de “gestão partidarizada e obsessivamente preocupada com o lucro” para apresentar números positivos e colmatar “velhas deficiências” no financiamento do setor. Também defende que o transporte não urgente de doentes deve ser isento de pagamento, mas (e aqui afasta-se do Bloco) apenas nos casos em que “a situação clínica o justifique ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados”.

O documento divulgado em abril abordava também o regime em que os profissionais de saúde devem estar ligados às instituições. À imagem do Bloco, o PCP defende que “garantir os melhores profissionais em regime de exclusividade é essencial garantindo uma carreira efetiva, salário digno, condições dignas de trabalho, de investigação e de prestígio dos serviços”.

Sublinhava ainda que público e privado são coisas distintas. Os comunistas defendem que as Parcerias Público Privadas na área da Saúde devem caminhar para o fim e que os hospitais que funcionam neste regime devem ser reintegrados na esfera da gestão exclusivamente pública.

Saúde à esquerda. Muito mais é o que os separa?

O debate volta à agenda esta sexta-feira, à boleia de um agendamento potestativo (de discussão obrigatória, portanto) do Bloco de Esquerda. Houve “evoluções” do PS e o Bloco reconhece-as. Mas Catarina Martins não abdica de manter o tema na agenda mediática, argumentando que a atual legislatura é a janela de oportunidade ideal para rever os princípios orientadores da Saúde em Portugal. A líder do Bloco liga até uma eventual aprovação de uma nova Lei de Bases a uma homenagem à memória do socialista António Arnaut, o “pai do SNS”, que morreu há um mês.

Lei de Bases da Saúde. Bloco “estranha” que PS não use proposta de Semedo e Arnaut, mas “respeita decisão”

Pelo meio da dialética política, há “estranheza” pelo distanciamento do PS face à proposta que os bloquistas apresentaram na Assembleia da República e que pode ser votada já esta sexta-feira. “O trabalho de António Arnaut e João Semedo, quando foi apresentado, contou com a presença de várias pessoas do PS , inclusive de António Costa e do ministro da Saúde, que manifestaram apoio relativamente à proposta”, recorda Moisés Ferreira.

Ainda assim, e mesmo que o modelo proposto vá beber muito daquilo que foi idealizado por Arnaut e Semedo, o Bloco admite “toda a abertura para diálogo que possa gerar consensos” à esquerda que garantam a rescisão da lei até ao final da legislatura. “Temos um ano, e durante este tempo acho que é possível fazer conversações e alcançar aproximações”, mas aquilo que for o resultado desse diálogo “não pode ser uma maquilhagem, tem de intervir sobre os principais problemas do SNS, separar claramente o público do privado, considerar a Saúde como atum direito e não como um negócio, acabar com as taxas moderadoras e reforçar o investimento”, resume o deputado.

À direita, não é surpresa que o CDS se afaste do projeto do Bloco. Já o PSD, formalizou esse distanciamento com declarações do próprio líder do partido: “O Bloco de Esquerda tem uma posição de que deve ser tudo público”, e isso é uma proposta “materialmente inviável”, disse esta semana aos jornalistas o presidente dos sociais-democratas. Pelo contrário, Rio elogiou o trabalho de Maria de Belém, salientou as afinidades com aquilo que o partido defende – um Sistema Nacional de Saúde com serviço público, setor privado e economia social – e sinalizou a disponibilidade do PSD para um acordo na área da saúde.

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