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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"Se houvesse agora eleições antecipadas, Bloco poderia ter um melhor resultado"

Em entrevista ao Observador, Marisa Matias denuncia a "degradação" da qualidade democrática, fala em "arrogância" socialista e antecipa que, num cenário de eleições antecipadas, o BE sairia mais forte

A terminar um ciclo de 15 anos no Parlamento Europeu, pronta para ajudar a liderar uma nova fase da vida interna do Bloco de Esquerda. A dias de se confirmar a passagem de testemunho entre Catarina Martins e Mariana Mortágua, Marisa Matias não tem dúvidas de que a futura liderança do partido, apesar de contar com a quase totalidade dos rostos do presente, será capaz de dar a volta aos resultados. “Volvido um ano e pouco dessas eleições, o próprio contexto nacional já é muito diferente”, antecipa.

Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, a eurodeputada não poupa críticas ao Executivo de António Costa. “Tem havido uma degradação muito grande da própria qualidade democrática em Portugal. Um ano e meio de uma maioria absoluta cheia de casos e casinhos, trapalhadas e, sobretudo, uma política que tem ajudado a colocar mais ainda numa posição de dificuldade os pilares essenciais de qualquer democracia”, denuncia.

A bloquista considera ainda que, se as eleições antecipadas acontecessem no curto-médio prazo, o partido estaria “mais preparado do que nas eleições de 2022” e teria, “infelizmente pelas piores razões”, um “melhor resultado” do que na última corrida às urnas. “O eleitorado é adulto. E parece-me que ao fim deste ano e pouco de governação já se percebeu que, pelo menos, a falácia da estabilidade governativa foi ao ar há muito tempo. Não está a haver resposta”, argumenta.

Para Catarina Martins, que se despede este fim de semana da coordenação do Bloco de Esquerda, Marisa Matias deixa um agradecimento especial. “É compreensível que, em qualquer partido, haja renovação dos ciclos. Tenho uma dívida tremenda, creio que todos os bloquistas têm, em relação à liderança de Catarina Martins”, faz questão de sublinhar.

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[Ouça aqui a Vichyssoise com Marisa Matias]

É Tutti-Frutti em Lisboa, è tutto segreto no Governo

“Tem havido uma degradação muito grande da qualidade democrática”

Subscreve a moção pela qual Mariana Mortágua se candidata, tal como a restante direção atual. Como é que a mesma direção, que teve resultados tão fracos nas eleições do ano passado, pode dar a volta à situação do Bloco?
A direção atual do BE, quer a Comissão Política, quer a Mesa Nacional, são órgãos que são compostos proporcionalmente pelas moções que se apresentam à Convenção. Não são apenas de uma moção.

Mas não se esperam grandes alterações de elenco.
Não, não. Não se esperam. Creio que o resultado das eleições dos delegados e delegadas traduzem isso, que haverá uma uma relação de uma maioria da Moção liderada pela Mariana Mortágua. Obviamente que os resultados dos partidos não se fazem apenas de bons e maus resultados. Há ciclos políticos e tivemos recentemente uns resultados eleitorais não tão positivos, com perda muito significativa de representação. Mas também me parece que, volvido um ano e pouco dessas eleições, o próprio contexto nacional já é muito diferente.

Um dos argumentos usados pelo BE é que parte do eleitorado que votou no PS estará agora arrependido. Admitindo que isso seja verdade, as sondagens não refletem esse efeito, esses arrependido não estão a voltar para o BE.
Não podemos saber bem quantos arrependidos há e para onde eles estão a ir enquanto não tivermos um ato eleitoral propriamente dito. Fazer os cálculos a partir das sondagens… obviamente que são um instrumento interessante, mas não mais do que isso. Tem havido uma degradação muito grande da própria qualidade democrática em Portugal. Um ano e meio de uma maioria absoluta cheio de casos e casinhos, trapalhadas e, sobretudo, uma política que tem ajudado a colocar mais ainda numa posição de dificuldade os que são pilares essenciais de qualquer democracia, nomeadamente os serviços públicos.

Portanto, o BE será um dos maiores beneficiados desse efeito?
Não sei se será. A única coisa que sei é que é, de facto, o partido à esquerda que se constitui como uma alternativa às políticas do Governo. É uma leitura minimamente objetiva. Parece-me muito evidente que o Bloco tem uma posição claramente de oposição ao Governo e de uma alternativa de governação à esquerda.

Outro dos argumentos é que parte desta maioria absoluta se deve ao discurso do medo e m relação ao Chega e uma eventual aliança à direita que se colocou como cenário hipotético a dada altura. A influência do Chega deve manter-se, tal como a possibilidade de uma aliança à direita. Como é que o BE contorna esta estratégia do PS?
A estratégia não é muito nova, no quadro da reconfiguração das forças às escala europeias. O que em Portugal ainda se mantém de forma diferente é uma resiliência das forças políticas mais tradicionais, PS e PSD. Mas vimos bem como, em outros países, tem sido usada a polarização com a extrema direita, que é claramente uma política de medo, como forma de desvalorização e acantonamento das forças políticas mais à esquerda. Em outros países, a dada altura, começou-se a pagar um preço elevado por essa estratégia. Espero não termos um exemplo semelhante ao francês, em breve, em Espanha. Nesses casos com o colapso dos partidos mais tradicionais, seja o PS francês, seja o Republicano.

"Tenho o plano de não ser candidata às europeias de 2024. É o mais fundamental neste momento. Ainda não sei o que vou fazer, se volto ao meu passado da investigação científica, pode ser uma hipótese. Ou outra coisa que não tenha nada a ver com isso"

“Falácia da estabilidade governativa já foi ao ar”

Como é que o BE evita ser esmagado como foi nas últimas eleições a esse apelo ou estratégia do PS?
As sociedades ou contextos políticos estão em permanente mudança. É verdade que existe essa polarização — e que se joga muito com a bandeira do medo como uma forma de reforço eleitoralista. Mas isso tem pouca consistência política. As pessoas estão a viver uma situação muito difícil em Portugal. Quer com a crise inflacionária, quer das questões relacionadas com os aumentos das taxas de juro.

O BE acredita que o eleitorado já percebeu que o que aconteceu nas últimas eleições foi fabricado pelo PS?
Não tenho nenhuma tendência para ter um comportamento maternalista em relação ao eleitorado que é adulto e que faz as suas escolhas em cada um dos momentos. Agora, é evidente que não podemos retirar da equação fatores que vão para além das escolhas individuais e que condicionam essas escolhas. E parece-me que ao fim deste ano e pouco de governação já se percebeu que, pelo menos, a falácia da estabilidade governativa foi ao ar há muito tempo. Não está a haver resposta. Houve uma promessa de um programa com preocupações e justiça social, recuperação de rendimentos, preservação e reforço dos serviços públicos e isso não está a acontecer. Isso as pessoas percebem. Não é preciso fazer um desenho. É a sua realidade, é a sua vida, que está a ser muito difícil.

Dizia em fevereiro que este ciclo político requer outra energia e que era preciso fazer uma oposição mais ativa ao Governo. Onde é que o Bloco deve intensificar essa oposição?
Creio que na apresentação de propostas que realmente respondam aos problemas concretos das pessoas. Se temos um problema de inflação gravíssimo, não é seguramente a dar bónus de IVA em bandeja às grandes distribuidoras e superfícies comerciais que se resolve esse problema. Há formas de responder a lacunas claríssimas da política social do Governo e há alternativas à esquerda. É compreensível que, em qualquer partido, haja renovação dos ciclos. Tenho uma dívida tremenda, creio que todos os bloquistas têm, em relação à liderança de Catarina Martins. Esse reconhecimento existe, como existe o reconhecimento que ela tem de deixar a liderança. Há mais alternativas e a Mariana é uma delas.

"Vimos bem como, em outros países, tem sido usada a polarização com a extrema direita, que é claramente uma política de medo, como forma de desvalorização e acantonamento das forças políticas mais à esquerda. Em outros países, a dada altura, começou-se a pagar um preço elevado por essa estratégia. Espero não termos um exemplo semelhante ao francês, em breve, em Espanha. Nesses casos com o colapso dos partidos mais tradicionais, seja o PS francês, seja o Republicano"

“Integrar um governo ou reeditar ‘geringonça’? Não faço definições do formato”

O Bloco estaria preparado agora para umas eleições antecipadas? Seria beneficiado, como diz Francisco Louçã?
O BE está mais preparado neste contexto do que no das eleições de 2022, onde houve uma pressão muito grande, responsabilidades e erros próprios, que assumo. Houve uma transferência da situação da crise política instalada, das eleições antecipadas, para o voto do Bloco no Orçamento. Criou-se uma situação de crise política voluntariamente. Não apenas pelo Governo, mas também com a ajuda do Presidente da República. Creio que as circunstâncias são agora diferentes. Neste momento, infelizmente pelas piores razões, sinto que o Bloco poderia ter um melhor resultado.

Francisco Louçã disse ao Público que o Bloco tem de mostrar uma capacidade governativa ainda maior do que nos tempos da geringonça. Este tem de ser um objetivo para o futuro? E em que condições? Com a ambição de integrar um Governo?
O Bloco deve apontar para caminhos que nos permitam ter soluções e levar o país a sério. Estar disponível para qualquer tipo de solução que possa existir que, de facto, se traduza no respeito pelas preocupações e necessidades das pessoas e se traduza numa transformação efetiva. Sabemos que a experiência da geringonça ficou muito aquém do que poderia ser. No entanto, foi claramente um período governativo onde houve a capacidade de ter mudanças concretas, seja na recuperação de rendimentos, seja no fim das políticas de austeridade.

Integrar um Governo podia ajudar a que estas mudanças fossem mais efetivas?
Não faço definições do formato. Isso depende muito da forma como as pessoas expressam as suas escolhas democráticas. O que é fundamental é perceber-se que há forças que têm disponibilidade para continuar. trabalhar para o que o país precisa.

Em fevereiro tinha dito que este não é o tempo de construção de pontes. Quando é que será? Mais perto de eleições?
Quando se está numa situação de Governo com maioria absoluta, em que há muros erguidos a qualquer proposta que venha à sua esquerda, não é preciso sermos nós a dizer se é tempo de sermos nós a construir pontes ou não.

E no futuro dependerá de quem for o líder do PS, por exemplo?
Depende sobretudo das relações de força que se constituem. quando um Governo tem maioria absoluta, o nível de arrogância também aumenta. Não tem de ser necessariamente proporcional à maioria absoluta, mas aumenta e desconsidera mais a pluralidade e a diversidade democráticas. Até mesmo de soluções que poderiam interessar ao Governo e às sua própria governação.

"Tem havido uma degradação muito grande da própria qualidade democrática em Portugal. Um ano e meio de uma maioria absoluta cheio de casos e casinhos, trapalhadas e, sobretudo, uma política que tem ajudado a colocar mais ainda numa posição de dificuldade os que são pilares essenciais de qualquer democracia, nomeadamente os serviços públicos"

“Catarina Martins terá condições para fazer o que entender fazer”

Acha que os últimos resultados eleitorais mancham o legado de Catarina Martins?
Creio que é muito injusto, sobretudo em partido como o BE que têm uma lógica de funcionamento coletivo, associar essas derrotas à liderança de Catarina Martins. Não creio que os resultados das legislativas, que foram maus, tenham alguma coisa a ver como o desempenho de Catarina Martins na liderança ou nas campanhas. Até contribuiu para termos resultado menos mau, porque o desempenho dela na liderança, nos debates, na confrontação, foi sempre excelente.

Já sabemos que Catarina Martins vai continuar na direção do Bloco se Mariana Mortágua ganhar, e portanto vai continuar politicamente ativa. O que é que gostava de a ver fazer a seguir? Seria uma boa sucessora como cabeça de lista ao Parlamento Europeu?
Acho que terá condições para fazer o que entender fazer num espírito sempre coletivo.

Essa resposta é poucochinha.
Mas não sei mesmo, não estou na cabeça dela.

Mas estou a perguntar a sua opinião. Seria uma boa sucessora para si? Tem esse perfil?
Terá o perfil para ser o que quiser no quadro da política e tem competências para isso.

Há vários momentos eleitorais nos próximos anos. Para Belém também tem a mesma resposta?
Não é isso, eu falei num partido que toma as decisões de forma coletiva. A minha opinião é que será excelente do que quiser fazer.

E a Marisa Matias? Qual o seu plano quando acabar este mandato, em 2024?
Tenho o plano de não ser candidata. É o mais fundamental neste momento. Ainda não sei o que vou fazer, se volto ao meu passado da investigação científica, pode ser uma hipótese. Ou outra coisa que não tenha nada a ver com isso.

Fora da vida política ativa?
Isso não sei. Farei política na mesma e se for eleita também integrarei os órgãos de direção do BE. Com muito empenho e gosto.

"Vimos bem como, em outros países, tem sido usada a polarização com a extrema direita, que é claramente uma política de medo, como forma de desvalorização e acantonamento das forças políticas mais à esquerda. Em outros países, a dada altura, começou-se a pagar um preço elevado por essa estratégia. Espero não termos um exemplo semelhante ao francês, em breve, em Espanha. Nesses casos com o colapso dos partidos mais tradicionais, seja o PS francês, seja o Republicano"

“Tenho dificuldade em perceber posição do PCP sobre guerra na Ucrânia”

A moção E, única alternativa à moção A nesta convenção, ataca a direção por não ter querido fazer mais debates públicos e agir como se a convenção fosse um pró-forma. A direção tomou esta espécie de sucessão como garantida?
Não, de nenhuma forma. Houve discussões, como há sempre. Não poderia ser de outra forma. É normal que se pensem em cenários de sucessão. Ainda não fizemos a votação, em qualquer coletivo estas coisas não vêm por vontade Divina ou por qualquer desastre natural. É normal que haja conversas. Não sei o que isso tem a ver com a falta de debate ou não.

Não houve falta de debate?
Acho que não. Eu própria, como tantos dirigentes do BE, fiz várias sessões de debate entre as diferentes moções, no interior do país, em castelo Branco, Vila Real, Viseu. Muitos dirigentes do Bloco mobilizaram-se, fizeram esse debate, das duas moções, onde devia ser feito, junto dos militantes de base.

Os órgãos de comunicação social não têm de se meter nisso, é isso.
Quando estamos a falar da eleição dos órgãos internos dos partidos, seria estranho que assim fosse. Imagine que estamos a falar de outro partido, com os órgãos de comunicação social a organizarem os debates…

É comum.
Quando estamos a falar de alguns partidos que acham que essa discussão…

O PS faz, o PSD faz, a IL fez, o PAN fez.
Então é uma lacuna minha, não sabia que tinham feito debates.

Outra crítica, feita por Mário Tomé, é que a Mariana Mortágua, ao sair da CPI da TAP, agiu como se estivesse já preparada para agarrar a direção, como se não houvesse oposição. Compreende essa crítica?
Não. Tenho muito estima pessoal pelo Mário Tomé, mas não percebo. É perfeitamente normal que quando estamos a preparar uma Convenção, sobretudo quem está a candidatar-se à liderança, tenha de ter mais tempo para preparar esse processo e participar nele plenamente e com total e profundo respeito pelos militantes.

Ainda Mário Tomé, disse que o BE tem uma posição “oportunista” face à Guerra na Ucrânia e pouco solidária com a posição da Rússia. O BE está a fugir às suas raízes?
Não conheço nenhum outro partido em Portugal que no seu documento fundador tenha feito referência clara ao imperialismo de Putin e à demarcação que era necessário fazer e à crítica desse regime autoritário. Dizer que é um desvio quando vem dos documentos fundadores provoca-me alguma confusão, sobretudo de alguém como Mário Tomé que conhece tão bem a história do partido.

Esta diferença substantiva em relação ao PCP, pode ser um trunfo eleitoral?
A diferença da política internacional do BE e do PCP não é de hoje. Não é apenas em relação à Rússia, mas à China, à Venezuela, à Coreia do Norte.

O PCP vai ser prejudica por esta posição?
Não sei, tenho dificuldade em perceber uma posição que tem dificuldade em condenar a agressão de carácter imperialista que houve, mas não sei se terá custos ou não.

"Sabemos que a experiência da geringonça ficou muito aquém do que poderia ser. No entanto, foi claramente um período governativo onde houve a capacidade de ter mudanças concretas, seja na recuperação de rendimentos, seja no fim das políticas de austeridade"

“Nuno Melo? Preferia um último jantar em Bruxelas com Rangel”

Passemos ao segmento Carne ou Peixe, em que tem de escolher uma de duas opções. A quem preferia dar dicas sobre como concorrer a Belém: Catarina Martins ou Luís Fazenda?
Já tive muitas conversas com ambos sobre Belém. Mas talvez Catarina Martins, é preciso mais espaço às mulheres nessas corridas.

Preferia convidar para um último jantar em Bruxelas Paulo Rangel ou Nuno Melo?
Paulo Rangel. Politicamente estou afastada dos dois, tenho respeito pessoal por ambos mas fazia mais sentido convidar o Paulo Rangel.

Quem preferia que fosse refiliada no Bloco: Ana Drago ou Joana Amaral Dias?
Ana Drago. É relativamente fácil porque somos amigas e trabalhámos muito em conjunto.

Que gostaria de ver regressar ao Parlamento: José Manuel Pureza ou Jorge Costa?
Os dois.

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