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Artigo em atualização ao longo do dia de campanha
Rui Rio está literalmente em casa. “O Porto é a minha casa, a minha terra, e esta freguesia onde estamos, a freguesia de Ildefonso, é a freguesia onde nasci”. A chuva ameaçava começar a cair na praça da Batalha, onde terminou a dolorosa descida da rua de Santa Catarina — dolorosa pelo aparato, encontrões e apertos de multidão — e onde Rui Rio se preparava para fazer o último comício da campanha (já que cancelou o comício de encerramento em Lisboa, em “respeito” pela morte de Freitas do Amaral). “Não estamos molhados, mas estamos abençoados”, ia dizendo Rui Rio enquanto empolgava o público que o ouvia, já com os capuzes dos casacos na cabeça.
O mote era um: enumerar as diferenças entre o PS e o PSD, porque só um deles vai governar o país a partir domingo. Mas enquanto o fazia, Rui Rio não resistiu a deixar também um recado para dentro do seu próprio partido: aqui, no PSD, não há familygates. “Ao contrário do PS, nós vamos para o poder, vamos gerir o Estado, vamos gerir a Administração Pública, mas não vamos para lá inundar a Administração Pública de militantes do PSD, muito menos de familiares nossos ou de familiares dos nossos amigos”, disse, recebendo um dos maiores aplausos da noite. O recado vinha a seguir: “Este é um compromisso que eu tenho com Portugal, mas é também um recado que deixo para dentro do meu próprio partido”. Todos têm telhados de vidro, e Rio quer desde já destruir os seus para cortar o mal pela raiz.
A chuva miudinha começa a aumentar e Rui Rio parte para o apelo ao voto mais dramático que fez nesta campanha. Se, em Viseu, tinha apelado ao voto ao centro, porque é no centro que está a virtude, a mudança e a moderação, no Porto, dramatizou a abstenção dizendo que não ir às urnas é um voto indireto para a “geringonça”. “Percebam que se não forem votar, e se não forem votar no PSD, na prática vão estar a reforçar o PS, o PCP e o BE. Tenham consciência de que, se não forem votar, estão indiretamente a votar na geringonça”, disse já com as palmas a inundar o barulho de fundo.
Rui Rio não só quer ser primeiro-ministro no próximo domingo, como quer dar ao Porto o troféu de ter o primeiro primeiro-ministro a seguir a Sá Carneiro. “O Porto nunca me enganou, e eu nunca enganei o Porto. Conto com o Porto, que é a minha terra e a terra de Francisco Sá Carneiro, porque temos a possibilidade de, no domingo, 40 anos depois de 1979, o Porto voltar a ter um primeiro-ministro daqui oriundo”, disse, apelando ainda mais aos gritos de “Vitória! Vitória!” que se seguiriam.
Jardim, a estrela da noite. Contou anedotas sobre Tancos, atirou ao fascismo comunista, foi a Sócrates e… esqueceu-se de referir Rui Rio
Para ajudar Rui Rio na descida de Santa Catarina, que já se previa que fosse a demonstração de força mais levada a sério pela comitiva laranja, Rio levou reforços: o ex-líder do governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, o ex-líder do PSD Luís Filipe Menezes e o eurodeputado Paulo Rangel. Jardim, contudo, é que foi a estrela da noite ao discursar 16 minutos na abertura do comício. Feitas as contas, a um dia de terminar a campanha, Jardim foi mesmo o único notável do partido a marcar presença na campanha com honras de palco. Eis Rui Rio a capitalizar o bastião laranja que resiste na Madeira, e que há duas semanas levou novo troféu para casa (mesmo sem maioria absoluta).
Por falar em troféus, Rui Rio está impressionado: “Como é que é possível que um homem tenha tido tantas vitórias eleitorais! Alberto João Jardim é o português que mais vitórias teve na história de Portugal”. Lá atrás, Jardim respondia em números: “foram 44”. 44? “Como é possível? Nem no tempo de D. Afonso Henriques”, ironizava Rui Rio quando agradecia a Alberto João Jardim ter ido ao continente “para esta campanha”.
No tempo de D. Afonso Henriques não havia eleições, é certo, mas o número impressionou Rui Rio. Talvez por isso, Alberto João Jardim tenha sido mesmo o único convidado de honra da campanha social-democrata, que foi fundamentalmente uma campanha isolada na figura de Rui Rio, sem notáveis nem nomes sonantes do partido a acompanhar. Nos comícios ou “tertúlias” da noite, só Rui Rio ou os dirigentes locais falavam: o passado ficou lá atrás.
Jardim subiu ao palco e, à boa maneira de Alberto João, atirou contra tudo e contra todos, ao mesmo tempo que protagonizava um momento de stand up comedy. “És grande, Alberto!”, ouviu-se a dada altura. “Por acaso não sou muito, 1,75m”, respondia para deleite das centenas de pessoas que ali se encontravam. “Alberto” foi a todas: atacou o “fascismo comunista do BE e do PCP”; atacou o PS que “não tem interesse em fortalecer a classe média, porque quando há pobreza as pessoas ficam dependentes do Estado, e votam nessa gente”; atacou Costa por ser o único primeiro-ministro da Europa “que levou para a área do poder partidos fascistas comunistas”; e até foi a Sócrates: “António Costa era um dos braços direitos de Sócrates e agora nem se conhecem”, disse.
E se Rui Rio já pareceu ter largado o caso Tancos, Jardim não deixou morrer, levando Tancos para o Porto em jeito de “anedota nacional”. Senão vejamos: “O barco encalhou, começou a meter água, começou a ir ao fundo, os marinheiros sabem que o barco está a afundar, o imediato sabe que o barco está a afundar, mas o comandante, coitadinho, não sabe de nada”, disse, sublinhando que o que aconteceu em Tancos é a “imagem do Portugal socialista”.
Problema: com tantos alvos, tantas anedotas, tantas analogias e tantos recados, não sobrou nem um elogio para Rui Rio. Está a guardar-se para domingo?
Comício de encerramento em Lisboa cancelado por “respeito” a Freitas
A notícia da morte do fundador do CDS Diogo Freitas do Amaral deu lugar a ajustamentos nas campanhas. E a do PSD é talvez a que maiores ajustamentos vai fazer ao cancelar o comício de encerramento, em Lisboa, na sexta-feira, e ao preparar-se para descer o Chiado com o menor barulho possível. No final dessa arruada que se tentará que seja discreta, Rio fará um discurso final, mas a organização quer tirar-lhe toda a carga festiva associada aos encerramentos de campanha. Uma imagem, no dia do funeral de Freitas, que vai contrastar com a imagem desta quinta-feira: a descida de Santa Catarina, no Porto, mantém-se nos moldes previstos, com todo o barulho a que tem direito, e culminará num comício. No Porto, Rio só abdica do momento musical que iria marcar o arranque do comício.
Depois de uma reação rápida à morte de Freitas do Amaral, com a notícia acabada de chegar aos telemóveis da campanha, Rui Rio voltou a falar aos jornalistas para aprimorar as palavras: “Freitas do Amaral foi muito importante para a democracia portuguesa, como fundador do CDS”, começou por dizer, enquadrando-o no leque de “quatro referências” do pós-25 de Abril.
Elogiando o contributo de Freitas para a Aliança Democrática, que fez com Francisco Sá Carneiro, Rui Rio disse ainda que teve a “honra” de ter sido deputado na Assembleia da República quando Freitas do Amaral lá estava, e ter podido ouvir dele “um dos melhores discursos que ouvi na Assembleia da República”. Era sobre a Europa e “marcou bastante” o atual líder do PSD.
Rio evita responder sobre se viabilizaria um governo de Costa
Assim sendo, a homenagem da campanha de Rui Rio ao falecimento do histórico fundador do CDS fica adiada para sexta-feira, último dia de campanha. No Porto, penúltimo dia, a agenda mantém-se. É o sprint final até às urnas e Rui Rio até já vai descortinando cenários pós-eleitorais.
Falando à margem de um almoço com empresários em Vila Nova de Gaia, Rui Rio disse que era preciso esperar para olhar para o xadrez todo. “Vamos ver o resultado eleitoral no próximo domingo e vamos ver o xadrez que dali sai”, disse quando questionado sobre o possível impasse em que pode cair a governação.
Uma coisa é certa, Rui Rio não tem dúvidas de que PS e BE só estão de costas voltadas agora, por motivos eleitorais, e que voltam logo a dar as mãos se for preciso. “Se o resultado eleitoral for de maneira a que o PS possa formar governo com apoio do PCP e do BE, a minha intuição é de que faz na mesma [uma geringonça]”, disse aos jornalistas, defendendo por isso “um voto no PSD” para impedir essa solução governativa que, como se viu em 2015, pode acontecer “mesmo que o PS perca as eleições”.
E quando questionado sobre a disponibilidade do PSD para viabilizar um eventual governo minoritário do PS, Rui Rio não disse que não, e virou a pergunta ao contrário: “Respondo a isso quando o doutor António Costa responder que está disponível para viabilizar o meu governo se eu ganhar as eleições”. Para Rio, só uma coisa é certa: com ele aos comandos, o PSD “está disponível para fazer as reformas que o país precisa e que só são possíveis de fazer com o PS e o PSD”.
Para fazer essas reformas, contudo, não é preciso viabilizar o governo do PS — muito menos fazer um Bloco Central. Essa opção, ao contrário da primeira, Rui Rio rejeita linearmente. “Um Bloco Central só faz sentido em situações limite”, disse, e as reformas estruturais não “implicam a viabilização do governo…”. Está tudo em aberto.