Nas listas das palavras do ano, “séries” nunca aparece no topo. Mas há meia dúzia de anos que seguir e comentar séries de televisão se tornou prática obrigatória um pouco por todo o mundo. 2014 voltou a ser um ano forte – há mesmo quem o aponte como o mais forte de sempre. Longe dos tempos áureos, Hollywood está de olho e, ainda que a tendência não seja nova, os atores, realizadores e produtores do grande ecrã instalaram-se confortavelmente no pequeno ecrã. Com regressos como “Fargo” e “True Detective”, e novidades como “Better Call Saul” anunciados para 2015, a chamada “Idade de Ouro” da televisão parece estar assegurada.

“Não tenho a certeza de que 2014 tenha sido o melhor ano de sempre em termos de séries, mas não andou longe”, começou por dizer ao Observador Tim Goodman, o principal crítico de televisão da publicação norte-americana The Hollywood Reporter. “Não houve ‘Breaking Bad’ — uma das duas ou três melhores séries de sempre – mas houve tantas séries e minisséries boas a aparecer em sítios inesperados que fizeram deste um ano muito forte”.

Por “sítios inesperados” entenda-se alguns canais menos óbvios que apostaram na produção própria e original, a que se juntam os cada vez mais fortes serviços de streaming como a Netflix, a Amazon e a Hulu. Por “tantas séries e minisséries boas” entenda-se isso mesmo. Nunca a quantidade e a qualidade estiveram tão elevadas em simultâneo. Para Tim Goodman “o renascimento da TV continua tão forte com nunca, sete ou oito anos depois de ter começado”.

Recapitulemos. Em 2014 terminou “Foi assim que aconteceu”, uma das comédias mais amadas da nova vaga de séries. Com a personagem Barney Stinson, Neil Patrick Harris conquistou o público, as principais galas de prémios da televisão e este ano sucede a Ellen DeGeneres na apresentação dos Óscares (curiosamente, duas caras fortes do pequeno ecrã). Ainda em 2014, “House of Cards” estabeleceu-se como uma das melhores séries dramáticas, com destaque para uma interpretação brilhante de Kevin Spacey. Logo em janeiro estreou a minissérie “True Detective” e, em abril, chegou “Fargo”. Os bons exemplos são tantos que a lista parece interminável.

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Outrora o “parente pobre”, a televisão atrai agora os melhores do cinema. ©Andreia Reisinho Costa

Historicamente, a televisão sempre foi considerada o parente pobre do cinema, o “pequeno ecrã”, não só pelo tamanho do aparelho. Mas nos últimos anos as estrelas de Hollywood migraram em força para as séries – Kevin Spacey, Clive Owen, Claire Danes, John Travolta (que vai entrar na nova série “American Crime Story”) – também aqui a lista alonga-se – com direito a impulso nalgumas carreiras. Mas também realizadores. Oliver Stone, David Fincher, Steven Spielberg e mais recentemente Steven Soderbergh, que em 2014 lançou a série “The Knick“, são alguns exemplos.

A caixa voltou a ser mágica

Na conferência de imprensa do festival de cinema de Cannes, em 2013, Steven Soderbergh disse ao Guardian que “em termos de propriedade cultural, a televisão tomou mesmo conta da conversa que antes estava reservada para os filmes”. Para o realizador, vive-se uma espécie de “segunda ‘Idade de Ouro’ para a televisão”, o que é ótimo para os espectadores que gostam de histórias mais “profundas”. E de anti-heróis, de Tony Soprano a Dexter, passando por Walter White, que em “Breaking Bad” faz a transformação de professor de liceu frustrado para produtor de metanfetaminas.

Para além da visibilidade, a atração que a televisão e a internet exercem sobre os protagonistas da sétima arte reside na maior liberdade criativa que oferece e na menor censura (não há como verificar se o espectador tem mais de 16 ou 18 anos). No cinema, o problema já chegou ao financiamento e até gigantes como Steven Spielberg e George Lucas já se queixaram de dificuldades em arranjar financiamento para os seus filmes. Spielberg confidenciou que “Lincoln”, que em 2013 venceu dois Óscares, esteve para estrear na HBO, e não nos cinemas.

“O sistema está a bloquear os realizadores, que têm de conseguir enormes lucros nos fins de semana de abertura, ou os filmes são retirados das salas de cinema. Para conseguirem esses enormes fins de semana de abertura, os filmes não podem ser tão crus, complicados ou com nuances como podem as grandes séries”, explicou Tim Goodman. O resultado está à vista. “Atualmente, para ser notada, a maioria dos filmes parece basear-se nos livros de banda desenhada ou ter grandes explosões. Criativamente, a televisão é melhor opção para os contadores de histórias”, disse.

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A minissérie “Fargo” soma 5 nomeações aos Globos de Ouro. ©D.R.

 

Pirataria, preços elevados dos bilhetes de cinema, falta de criatividade ou uma mistura de vários fatores, o certo é que o cinema está a vender menos bilhetes. Em Portugal, o cinema sofreu em 2013 uma quebra de 9,2% no número de espectadores, teve menos 12,1% sessões e desceu 11,4% nas receitas de bilheteira, indicam os dados do Instituto Nacional de Estatística. Nos Estados Unidos, 2014 foi o pior ano de vendas de bilhetes desde 1995.

Mas as adaptações também estão a chegar em força ao universo das séries. No final de dezembro, a revista Time anunciou que 22 filmes iam ser transformados em séries, de “Relatório Minoritário” a “Shutter Island”. Se todas as adaptações seguirem o caminho do que foi feito com “Fargo”, série inspirada no filme com o mesmo nome que Joel e Ethan Coen realizaram em 1996, os fãs das séries podem sorrir.

Do streaming ao binge-watching

De intrusa a presença obrigatória. Em 2013, a Netflix fez história graças a “House of Cards”, a primeira série produzida exclusivamente para a Internet a ser nomeada para as principais categorias dos Emmys. Na sua estreia, obteve 14 nomeações. Em 2014, mais do que duplicaram, somando-se 31 ao todo. Em janeiro já tinha conseguido arrecadar o primeiro Globo de Ouro, para Melhor Atriz numa Série Dramática (Robin Wright, pois claro).

No próximo dia 11 de janeiro, o duelo entre os dois serviços de streaming Netflix e Amazon vai ser objeto de curiosidade, na 72.ª cerimónia dos Globos de Ouro, em Hollywood. A associação de correspondentes estrangeiros deu a primeira nomeação à Amazon, pela série “Transparent”. A história sobre os Pfeffermans, família de Los Angeles que descobre que o pai é transexual, estreou este ano e vai ter direito a segunda temporada. A Amazon regressa assim à passadeira vermelha, depois de no ano passado ter conseguido mesmo a primeira nomeação aos Óscares, com o filme “The Square”.

A grande corrida pela exibição de séries faz-se agora entre os serviços de streaming. Para além dos já referidos Netflix, Amazon e Hulu, há que ter em conta o Vimeo, a Yahoo e até a Microsoft. A 23 de dezembro, a Amazon estreou uma nova aposta, “Mozart in the Jungle”, com Gael García Bernal e Malcolm McDowell no elenco. Fê-lo num modelo que parece estar a ganhar cada vez mais popularidade, o binge-watching, que consiste em lançar de uma só vez todos os episódios na Internet e deixar que o público faça uma maratona de consumo da série. Aqueles que não conseguem esperar uma semana por um episódio agradecem.

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Gael García Bernal em “Mozart in the jungle”. ©D.R.

 

Já antes de isso se ter tornado prática recorrente, muitos preferiam esperar pelo final de uma série e só depois começar a vê-la, qual binge-watching antes do seu tempo. Há críticos que argumentam que ver 10 episódios de uma vez adultera a forma como se perceciona uma série, como Jamie Weinman, que na publicação canadiana Maclean’s defendeu que depois de 13 horas em frente ao ecrã de televisão ou de computador o espectador só se vai lembrar do enredo básico. O bom e o mau, ou a maneira como foi gerido o suspense, pode perder-se. Por outro lado, Jamie Weinman reconhece que uma das vantagens do binge-watching é a gestão da expectativa. “Assistir a um episódio por semana tende a inflacionar a importância de cada episódio, às vezes além do que um simples episódio de TV pode aguentar”, escreveu.

As promessas de 2015

2015 não vai ser um ano fácil para quem tem dificuldade em dizer adeus às suas séries favoritas, com sucessos de audiências e legiões de fãs a ficarem pelo caminho para dar espaço a novos enredos e novas personagens. Um dos finais mais antecipados (e temidos) é o de “Mad Men”, que retratou a América desde os finais dos anos 50 até aos anos 70, mas termina em 2015 com a segunda parte da sua 7.ª temporada. Adeus Don Draper, adeus Roger Sterling, adeus Peggy e adeus Joan. O mundo da publicidade não voltará a ser o mesmo.

Outra série de sucesso que chega ao fim este ano é “Parks and Recreation”. A última temporada estreia já em janeiro e deixa aos fãs um manancial de gargalhadas e uma das atrizes de comédia mais conceituadas da atualidade: Amy Poehler.

Mas, ano novo, séries novas e está na altura de renovar gostos e experimentar novas histórias do pequeno ecrã. Uma das séries mais aguardadas em 2015 é “Better Call Saul”, um spin off de “Breaking Bad”, “Rutura Total” em português. Retrata o dia-a-dia de Saul Goodman, advogado de mafiosos e criminosos de várias espécies, antes de conhecer os cozinheiros de metanfetaminas Walter White e Jesse Pinkman, que o catapultaram para o sucesso. A interpretação do ator Bob Odenkirk foi tão convincente que lhe deu uma série só dele já com duas temporadas encomendadas. Estreia em fevereiro nos EUA.

Outra série que vai estrear em 2015 é “Unbreakable Kimmy Schmidt”. Uma comédia sobre uma mulher que consegue fugir de um culto que previa o fim do mundo e onde viveu toda a vida, chegando a Nova Iorque disposta a experimentar tudo pela primeira vez. A série é da autoria de Tina Fey e estava destinada à cadeia de televisão norte-americana NBC, mas a Netflix prometeu duas temporadas aos autores e será o canal de streaming a passar a nova série já em março.

Outra estreia, especialmente para quem já está com saudades de Damian Lewis, ou o Brody de “Homeland”, é Wolf Hall, uma perspetiva mais política sobre o reinado de Henrique VIII e a sua relação com Cromwell – sim, Lewis é mesmo Henrique VIII. A série é da BBC e o primeiro episódio foi exibido logo no início do ano.

Mas há também muitos regressos aguardados em 2015. Um deles é “House of Cards” e os 13 episódios que compõem a terceira temporada vão ser todos disponibilizados de uma vez no Netflix, a 27 de fevereiro. Depois do final no mínimo presidencial da última temporada, o anúncio o regresso da série protagonizada por Kevin Spacey teve as dimensões de uma comunicação da própria Casa Branca:

“True Detective” é outra das séries que regressa em 2015, mas com muitas dúvidas sobre a história que vai seguir. Tanto Matthew McConaughey como Woody Harrelson abandonaram a trama depois da primeira temporada e os fãs não esperavam já o regresso da série, eis senão quando Colin Farrell, Vince Vaughn e Elisabeth Moss prometem um regresso aos EUA profundos, desta vez, à Califórnia, segundo alguns rumores. Para já não conhecidos detalhes da história e a continuação do argumento seguido na primeira temporada é difícil já que a história das duas personagens principais ficou fechada.

Por falar em minisséries, a segunda temporada de “Fargo” promete ser seguida com muita curiosidade. Da história original já pouco sobra. Sobre o novo enredo sabe-se que terá Kirsten Dunst e Jesse Plemons no elenco, para além dos irmãos Coen de volta à produção, Bemidji vai ser substituída por um lugarejo ainda mais pequeno e, de 2006, recuar-se-á até 1979. No entanto, vai ser preciso esperar até ao final de 2015 para pôr as mãos no primeiro dos 10 episódios prometidos.

A incontornável “Guerra dos Tronos” também regressa este ano à HBO para a quinta temporada, mas ainda sem data definida, para desespero dos muitos fãs da série mais pirateada de sempre. Recentemente soube-se que Nell Williams foi a escolhida para representar a jovem Cersei, o que significa que a série vai ter flashbacks. Outro dos regressos mais aguardados é “Homeland”. A rede norte-americana de canais por cabo Showtime já confirmou a quinta temporada, mas para conhecer os destinos de Carrie, Saul e Quinn será preciso esperar pelo segundo semestre de 2015. Nas comédias, destaque para “Orange is the new black”, mais um dos trunfos da Netflix e cuja terceira temporada deverá estrear no verão de 2015.