Texto originalmente publicado a 24 de julho de 2014
No jantar dos 40 anos do CDS, na LX Factory, em Lisboa, Paulo Portas atribuiu características a todos os antigos líderes do partido – embora nenhum estivesse presente – dando assim a certeza que os centristas assumem a sua história. Diogo Freitas do Amaral representa a “fundação”, Lucas Pires a “inovação”, Adriano Moreira a “visão nacional”, Manuel Monteiro a “proximidade” e Ribeiro e Castro a “perseverança”. Quando chegou a altura de falar sobre si próprio, disse que ainda era cedo para um cognome pois o mandato “ainda não acabou”, mas nas mesas dos militantes à sua volta – descontentes com a má organização do jantar em que muita gente teve de ficar de pé ou ser sentada no andar de cima da sala – surgiu instantaneamente uma palavra para o caracterizar: “irrevogável”.
Em 2013, a decisão inesperada de Paulo Portas em abandonar o Governo tornou-se revogável ao aceitar não só voltar ao Executivo, como aceitar a nova ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, cuja nomeação criticara, num cenário de mini-remodelação que pareceu apaziguar durante algum tempo a convivência interna da coligação. Começava a sua sétima vida política.
“Se a remodelação fosse perdida, perdia-se mais do que isso. O que tem de ser teve muita força. A verdade é que a crise foi superada e a meu ver o Governo está mais forte”, disse Paulo Portas, depois de ter tomado posse como vice-primeiro-ministro a 24 de julho de 2013.
A explicação chegou no XXV Congresso do CDS-PP, adiado oito meses devido à crise no Governo. “O que tem de ser teve muita força”, disse, em Oliveira do Bairro. Mas não era a primeira nem a segunda vez que tinha de explicar aos seus militantes como é que após uma decisão definitiva tinha acabado por voltar atrás.
Portas é o líder político há mais tempo em funções em Portugal – quase 16 anos com algumas interrupções pelo meio – e uma parte da sua história é feita de avanços e recuos políticos – apanágio, talvez, de quem gere um pequeno partido e tenta ao mesmo tempo sobreviver.
Para atestar isso, estão as suas seis vidas anteriores: de jornalista e diretor d’ O Independente até 1995; uma primeira passagem relâmpago pela Assembleia da República como deputado; a ascensão à liderança no congresso do CDS de Braga em 1998; a coligação com Barroso em 2002 – mantida com Santana até 2004; a saída da liderança centrista e, por fim, o seu regresso à liderança e a mais um Governo com o PSD. Muitas delas, também tiveram o seu momento irrevogável.
Na vida de Paulo Portas é difícil distinguir o homem do político, já que entrou para a JSD com apenas 12 anos e o seu percurso no partido fundado por Sá Carneiro – cuja admiração, segundo já admitiu, levou a esta sua primeira filiação partidária – terminou cedo (pelo meio houve um processo de difamação instaurado por Ramalho Eanes, sim, Paulo Portas foi processado pelo Presidente da República aos 15 anos).
Saiu pouco depois da morte do primeiro-ministro por desgosto e desavenças políticas. Foi a primeira travessia do deserto (antes mesmo de completar 20 anos).
A curiosidade pelo poder e o desejo de participar na política nunca o deixaram, mas em vez da intervenção direta, preferiu o jornalismo. “O Paulo nunca quis ir diretamente para a política , considerando que seria mais eficaz ficar de fora e assim exercer maior influência”, escreveu Miguel Esteves Cardoso sobre Paulo Portas em 1995 n’ O Independente, jornal que fundaram e dirigiram os dois desde 1988 até esse ano.
A “influência” d’O Independente traduziu-se na única oposição constante (e cerrada) aos anos do cavaquismo, personificando no primeiro-ministro os males da direita portuguesa. Nas suas crónicas semanais, e ao mesmo tempo que ia ajudando Manuel Monteiro a chegar à liderança do CDS – transformado-o no PP -, Paulo Portas cometeu uma das primeiras irrevogabilidades. Escreveu que não tinha a “menor intenção” de se submeter a votos um ano antes e se candidatar como deputado à Assembleia da República.
Veja o que Paulo Portas pensava sobre o seu futuro político nas suas próprias palavras.
Convenceu também outras pessoas. “Uma das coisas que Paulo Portas fez sempre questão de evidenciar ao longo dos anos foi que não queria fazer política… Deu entrevistas a dizer que jamais iria para o poder. Eu fui avisado várias vezes dentro do CDS de que isso não seria assim, mas nunca acreditei”, disse Manuel Monteiro em entrevista à Sábado, em 2012.
1995 foi um ano de realizações para Paulo Portas. Cavaco Silva não se recandidatou e o PSD de Fernando Nogueira perdeu as eleições. Ao mesmo tempo, o CDS duplicou a votação de 1991, obtendo 9,05% dos votos e 15 deputados, consolidando assim a liderança dos jovens liderados por Monteiro e orientados por Portas.
Mas passado um ano, Portas quis mais. Como deputado, embrenhou-se na revisão constitucional e na alteração do Estatuto dos Deputados, pertencendo a quatro comissões. Feitos suficientes, pensou, para se candidatar à liderança da bancada parlamentar com a saída de Jorge Ferreira.
“Até o Rato Mickey ganhava ao Paulo Portas”, disse Maria José Nogueira Pinto em 1996.
Enganou-se. Teve sete votos a favor e sete votos em branco. E bateu com a porta. A propósito desta eleição, Maria José Nogueira Pinto, então deputada centrista, disse mesmo: “Até o Rato Mickey ganhava ao Paulo Portas”. Suspendeu o mandato como deputado, afastou-se ainda mais de Monteiro e começou a recolher verdadeiramente o apoio que vinha a reunir entreos mais descontentes com a liderança do partido.
Quando Monteiro, derrotado nas autárquicas, fustigado pelos ataques e com receio da desagregação do partido, renunciou à liderança e marcou congresso para março de 1998, Portas disse em conferência de imprensa: “O PP não tem emenda”. Uma frase que sugeria a descrença no partido, mas que o CDS sabia interpretar como a formalização da sua candidatura à liderança.
A confirmação veio minutos após o discurso de Monteiro, em pleno congresso. Portas, que esperava no carro pela capitulação final do líder demissionário – “Ninguém me mandou sair, saio porque quero!” -, irrompeu pelo pavilhão, sendo recebido de forma efusiva e enquanto Monteiro terminava os cumprimentos em palco, saltou também ele para o púlpito e forçou o aperto de mão da reconciliação pública. “Avançar nesse congresso fez parte da dinâmica própria dos partidos. Uma parte do partido queria que ele fosse o presidente pelo carisma. A motivação era claríssima”, disse Nuno Melo, eurodeputado do CDS, ao Observador. As pazes foram fogo de vista, na sala alguns chamaram-lhe “hipócrita”, segundo relata o Público de 22 de março. Foi assim que Portas chegou à liderança do CDS.
Maria José Nogueira Pinto, que concorreu contra ele em 1998, ainda teve oportunidade de denunciar perante os militantes os pequenos almoços de Portas com Marcelo Rebelo de Sousa no Sheraton nos dias que antecederam a sua eleição. Portas e Marcelo preparavam em conjunto a Alternativa Democrática, uma coligação pré-eleitoral para as eleições de 1999. Meteu-se o caso Moderna e as resistências no PSD que inviabilizaram a sua concretização.
A AD desfez-se, mas Portas manteve-se no comando do partido. Rejeitado em 1999 por Durão Barroso, que entretanto substituíra Marcelo na liderança do PSD, foi o parceiro possível para a direita chegar ao poder em 2002, nas legislativas antecipadas que se seguiram à demissão de António Guterres. O líder do CDS conseguiu então três ministérios – para si, a pasta da Defesa – e seis secretarias de Estado.
A chegada ao Governo fê-lo mais ciente das suas responsabilidades e mudou-o. Conhecido anteriormente por não possuir pontualidade britânica, Portas quis dar o exemplo e obrigou os centristas no Executivo a alinharem. Nuno Magalhães, atual líder da bancada parlamentar e na altura secretário de Estado da Administração contou ao Observador que certa noite, Portas lhe enviou uma sms às 3h30 da manhã a perguntar se estava acordado. “Estava a chover torrencialmente e eu, ironicamente, disse que não porque estava numa discoteca. Ele respondeu logo ‘agora não podes ir para esses sítios porque és secretário de Estado'”, revelou ao Observador.
Manteve-se assim com Santana Lopes, dizendo que a decisão de avançar ou não para eleições antecipadas caberia sempre ao Presidente da República e que o CDS não tinha medo de eleições – “Quem tem medo compra um cão” – e trocou a pasta da Justiça pela mais importante Finanças. Por seis meses. A queda de Santana arrastou o CDS e fez com que o partido descesse nas eleições de 2005. Foi demais para Paulo Portas, que pela segunda vez, bateu com a porta no partido.
“Não há nenhum país civilizado no mundo onde a diferença entre trotskistas e democratas-cristãos seja de apenas um ponto. Mas em Portugal aconteceu”, disse Paulo Portas.
“Pedi sempre a Deus que me fizesse ver o tempo em que deveria sair. O tempo em que um ciclo termina. E que não ficasse nem mais um segundo para além desse tempo. Eu acho que terminou o ciclo político em que eu presidi ao CDS ao longo de sete anos”, disse quando se demitiu. Foi o mea culpa pelos maus resultados eleitorais e um adeus ao partido que em dois meses passou a ser liderado por Ribeiro e Castro.
Esteve fora quase um ano e meio. Terá vivido nos Estados Unidos sem nunca abandonar o contato com a vida política portuguesa. Ressurgiu numa altura de agitação social para o o país, com o referendo sobre o aborto no horizonte, e conturbado politicamente para o ex-parceiro de coligação. No CDS, com uma bancada parlamentar e direção escolhidas por Portas, Ribeiro e Castro não tinha a vida facilitada.
“O CDS sentia sinceramente falta da sua forma determinada de fazer política e da sua alegria”, disse Nuno Melo.
O regresso aconteceu gradualmente, embora os seus fiéis clamassem a sua intervenção imediata. Nuno Melo, então líder da bancada parlamentar, disse mesmo que o partido sentia “a falta” da liderança de Portas, e que esperava que 2007 trouxesse “ano novo, vida nova” ao partido. E trouxe. Paulo Portas candidatou-se formalmente à liderança do CDS em março e disputou as eleições com Ribeiro e Castro em abril, vencendo com 75% dos votos.
“O dr. Paulo Portas trouxe para dentro do partido o pior da memória do PREC”, disse Maria José Nogueira Pinto.
Contra o seu regresso ficaram muito centristas, incomodados pela liderança “em segunda mão” de Paulo Portas. Estes foram tempos de alguns dos mais negros incidentes dentro do partido, com Maria José Nogueira Pinto a deixar o CDS. “Se se confirmar que este partido é um território onde alguns assaltam o poder, aqui não sou nada nem ninguém”, disse antes de Portas assegurar novamente a liderança.
Paulo Portas prometeu então fazer “oposição determinada a Sócrates”. E fê-lo até 2011, altura em que voltou a governar com o PSD e entrou na coligação com Pedro Passos Coelho.
Apesar das peripécias do passado, foi o irrevogável que colou. Depois de ter deixado perplexos militantes e eleitores, ter feito subir as taxas de juro do país e pôr em causa a capacidade das autoridades portuguesas cumprirem o memorando assinado com a troika, Paulo Portas voltou atrás e aceitou há exatamente um ano voltar ao Governo – de onde nunca chegou a sair verdadeiramente – com as suas funções majoradas e conquistando a ansiada pasta da Economia.
Apesar de lhe reconhecer “inteligência”, um ex-dirigente do CDS disse ao Observador – não há muitos opositores ou ex-amigos tornados opositores que aceitem falar sobre Paulo Portas – que o presidente do partido fez com que os portugueses perdessem a confiança nele e nos centristas. “Foi um calculismo político aberto em praça pública. Mostrou mais uma vez que não se importa de abandonar toda a gente”, sublinhou, dizendo ainda que o partido é muito “dependente” da sua própria figura e isso vai acabar por prejudicar o CDS.
Diogo Feio, ex-eurodeputado, defende que o partido está “confortável” com a demissão e a reintegração do seu presidente no Governo. Feio, que dirige atualmente as comemorações do 40º aniversário do partido, diz mesmo que o Governo saiu “reforçado” do episódio e que a crise política apenas demonstrou o empenho do líder centrista em afirmar “as ideias próprias do CDS” no seio da coligação.
Mas outros não parecem concordar. Filipe Anacoreta Correia, líder do movimento de oposição interna a Portas, Alternativa e Responsabilidade, considera que um ano depois, “o CDS está mais refém do que nunca porque teve de concordar com medidas que criticava”. “Este é um momento difícil para ele e para o partido”, refere Anacoreta Correia, enumerando o que o CDS deixou para trás um maior diálogo com a troika, a diminuição da despesa e a Reforma do Estado. Cedências que se refletem no atual estado da coligação, segundo comentou em meados de julho Marques Mendes, que denota as crispações crescentes entre PSD e CDS no Governo. “Está a viver-se novamente um clima de divergências e divisões entre o PSD e CDS”, denunciou Marques Mendes, assegurando que no Conselho de Ministros há “Governo e oposição”.
“Este é um momento difícil para ele e para o partido”, refere Filipe Anacoreta Correia.
Mas os seus apoiantes continuam confiantes. “É talvez o único político português que nunca teve medo de ir a votos e em circunstâncias difíceis com o CDS a ter nas sondagens 3 e 4%”, lembrou Nuno Magalhães que vaticina, apesar do afastamento previsto já em 2015, “[Ser vice-primeiro-ministro] não será a última coisa que fará e acredito que cumprirá o mandato”. “Ainda vai haver muita gente que queria ver o ciclo de Paulo Portas acabar, acabar o seu próprio ciclo muito antes de Paulo Portas”, garante Nuno Melo.
O próprio Anacoreta Correia diz que o presidente do partido é um “peso político” e que o vice-primeiro-ministro “não está no fim dos seus dias” na política portuguesa. O que se seguirá para Paulo Portas?