Um quilómetro e cinco minutos. Foi quanto bastou para que António Sousa Franco passasse de uma boa disposição aparente para a morte numa rua de Matosinhos. Fez esta segunda-feira dez anos do falecimento trágico do candidato do PS às eleições europeias de 2004, depois de uma ação de campanha, na Lota de Matosinhos. Mas grande parte do pensamento mantém-se atual.
A CRISE QUE DE LONGE VEM
Nunca se deu muito bem com os partidos, apesar de ter tido sempre uma vida política ativa. Sousa Franco escolheu o distanciamento e mesmo tendo militando no PSD, não o fez no PS. Quando morreu já tinha feito parte de governos socialistas, mas permanecia como independente. Esse distanciamento ajuda a que algum do seu pensamento se torne bem atual.
Uma crise que de longe vem - O Jornal 04-08-1978
Foi dito em 1978, mas muito do diagnóstico e das soluções apresentadas por Sousa Franco poderia ser lido à luz de 2014. Nas soluções aplicadas aos dias de hoje contam-se estes conselhos: “Os partidos, que são essenciais à democracia, vão inviabilizando a busca de quaisquer soluções governativas estáveis e coerentes, como de qualquer plataformas relativa aos grandes problemas nacionais”; “Manter os partidos e possibilitar um reajustamento da sua estrutura e funções – mas despartidarizar o pais: eis duas necessidades nacionais”. Foram fincando pelo caminho.
Mas se os partidos deviam manter-se, o professor defendia que se devia “rejeitar a bipolarização”, até porque as falhas no pós-revolução, vinham de todos os lados. “Se falhou a esquerda e falhou a direita – não será o momento de tirar a limpo para quem ficam os restos da revolução e do país? (…) Mesmo que não seja possível outra crise, direi claramente: não à bipolarização! Sim à clareza: não ao maniqueísmo. Um Governo representativo de 60% dos portugueses deve procurar a mais ampla base de apoio – e não ter sempre contra si cerca de metade dos portugueses, envolvidos numa guerra de sistemas ou modelos sociais. ‘Guerra a todos os Governos?’ Esse é o grito dos que querem tudo ainda pior, para ficar definitivamente pior”.
1978?
O dia do fim
Sousa Franco levantou-se às 05h30 para assinar uns documentos da Faculdade de Direito, tinha um longo dia de campanha pela frente que começava logo em terreno minado: em Matosinhos, as forças dividiam-se entre os apoiantes de Narciso Miranda e de Manuel Seabra. E as forças de Sousa Franco não foram suficientes para ultrapassar a agitação daquela manhã de Junho. Ainda não eram dez horas quando o carro que transportava Sousa Franco encostou na avenida da República, um quilómetro depois da Lota e cinco minutos depois de ter entrado no carro. O candidato ficou inanimado depois da agitação do mercado e teve de ser assistido pelo INEM. Morreria a caminho do hospital Pedro Hispano, vítima de um ataque cardíaco fulminante.
A morte do candidato, que já tinha sido (quase) tudo na vida política e académica portuguesa, indignou todos quantos viram as imagens no mercado naquela manhã. Sousa Franco entre gritos e puxões de apoiantes de duas facções.
Foram as últimas palavras que conseguiu dizer em público. A caminho do carro onde o coração lhe parou, ainda teve tempo de salientar “o entusiasmo e a força das gentes de Matosinhos”. Naquele dia, a força foi em demasia para um coração que já dava sinais de fraqueza aos 61 anos. Na lota ficou António Costa, agora presidente da Câmara de Lisboa e que à época era o número dois da lista. Costa ainda foi levantado em braços quando tentou acalmar os ânimos. Disse que “o PS é das pessoas” e que ninguém “se pode sentir ameaçado” pelas pessoas de Matosinhos. Não sabia. Ninguém na caravana sabia ainda que Sousa Franco tinha cedido a vida a uma dor no peito. As comemorações desse ano foram canceladas pelo luto, as eleições haviam de ser ganhas pelo PS, a memória de sousa Franco ficou.
António Costa
Pelo caminho deixava uma campanha a meio e uma vida dedicada à política e à Faculdade de Direito, que esta segunda-feira lhe prestou uma homenagem e que apresenta uma pequena exposição com os objetos pessoais do “professor Sousa Franco”, como ainda hoje lhe chamam nos corredores da Faculdade.
Visto pelos amigos
Os amigos descrevem-no como um amante de livros. Mas não um amante qualquer. Era alguém que os comprava onde quer que fosse e que os lia e anotava nos cadernos de nota: “Chegou a ter livros na banheira”, contou esta segunda-feira um professor da Faculdade de Direito, durante a homenagem.
Os livros e os artigos – mais de 1700 assinados ao longo da vida – variam entre os mais diversos assuntos de direito económico, desde a fiscalidade às finanças regionais, à necessidade de melhorar o ensino universitário ou ainda à reforma do Tribunal de Contas, que fez enquanto presidente daquela instituição (1986), agora presidida por Guilherme d’Oliveira Martins. O mesmo que foi aluno de Sousa Franco e que fez questão de lembrar as “qualidades humanas, intelectuais e científicas” do professor.
Nas qualidades que lhe apontam, estava sobretudo o rigor e a necessidade de enquadramento. Pedia sempre o contexto de todas as medidas que tomava. Fazia o mesmo aos alunos na faculdade. Foi também assim enquanto ministro das Finanças do primeiro Governo de António Guterres, recordou o adjunto Carlos Lobo.
Jorge Miranda, mais do que colega, era um amigo. Por isso emociona-se sempre que falou da morte do amigo. O professor da Faculdade de Direito preferiu dizer: “Era um dos meus maiores amigos”. Falhou-lhe a voz na altura de dizer que soube da notícia pela televisão e quando recordou as viagens e os passeio por Lisboa em longas conversas. Sousa Franco era “um homem bom, de caráter e com coragem”.
Vida pública
A ação em funções públicas começou logo no pós-25 de Abril, quando foi chamado para a secretaria de Estado das Finanças. E, por via do quase acaso, chegou mesmo a ser presidente interino do PSD. Mas por pouco tempo. Em 1979 abandonou o partido e deu início à Acção Social Democrata Independente (ASDI), com Magalhães Mota e Sérvulo Correia. Mas também não era aquele o caminho político do homem que todos dizem mais académico.
No mesmo ano em que registou a ASDI como partido, entrou no Governo de Maria de Lurdes Pintassilgo com a pasta das Finanças. Cargo que voltaria a ocupar pelas mãos do socialista António Guterres (1995-1999), onde esteve presente em cada passo do lançamento da moeda única. Pelo meio foi Presidente do Tribunal de Contas, onde levou a cabo a reforma da instituição.