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A variante indiana — agora oficialmente designada por Delta, pela Organização Mundial de Saúde — foi detetada em outubro de 2020, mas demorou seis meses até os seus efeitos se tornarem visíveis. No final de abril, a Índia atingiu novos máximos mundiais de infeção: num só dia chegaram a ser contabilizados mais de 400 mil casos. O país entrou em estado de calamidade com os hospitais lotados e as mortes a subirem em flecha, havendo registo de mais de quatro mil óbitos em 24 horas.
Passados alguns meses, a variante que explica uma parte da tragédia indiana espalhou-se por todo o mundo. Primeiro a vizinhos ou parceiros estratégicos da Índia, como o Sri Lanka, o Camboja ou o Nepal, sendo, entretanto, detetada em países como a Austrália, a República Checa, Reino Unido, Uganda ou Brasil — e também em Portugal: os dados mais recentes da Direção-Geral da Saúde dão conta de 46 casos no país, tendo havido um crescimento exponencial no número de infeções.
A variante indiana mais do que quadruplicou e a linhagem que mais cresceu foi a mais preocupante
Com três linhagens, é uma delas, a B.1.617.2, a que tem trazido maiores preocupações aos cientistas. É mais contagiosa e parece conseguir escapar mais facilmente aos anticorpos que o sistema imunitário produz após a administração das vacinas. Na semana passada, esta linhagem representava 37 casos em Portugal, sendo a que mais tem crescido (eram apenas dois casos na semana anterior).
30.Abril | 7.Maio | 14.Maio | 21.Maio | 28.Maio | |
B.1.617.1 | 6 | 7 | 7 | 8 | 9 |
B.1.617.2 | 0 | 0 | 2 | 2 | 37 |
Total (B.1.617) | 6 | 7 | 9 | 10 | 46 |
Concelhos | — | 5 | 5 | 5 | 13 |
Estes números foram, aliás, uma das razões apresentadas pelo Reino Unido para tirar Portugal da lista verde de destinos — ainda que o governo britânico, em comunicado, fale já em 68 casos portugueses da B.1.617.2.
Segundo o relatório epidemiológico da OMS desta terça-feira, a Delta já está presente em 62 territórios em praticamente todos os continentes. E ainda é preciso ter em conta que esta variante exige uma identificação através de uma sequenciação difícil, dispendiosa e que só pode ser realizada em alguns laboratórios, pelo que pode haver mais países que possam ter transmissão da variante, mas que ainda não a detetaram.
Os 62 territórios onde já se detetou a variante Delta
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- Índia
- Sri Lanka
- China
- Japão
- Coreia do Sul
- Vietname
- Tailândia
- Indonésia
- Malásia
- Filipinas
- Camboja
- Bangladesh
- Singapura
- Nepal
- Maldivas
- Austrália
- Nova Zelândia
- Jordânia
- Qatar
- Bahrein
- Israel
- Turquia
- Rússia
- Polónia
- República Checa
- Grécia
- Suécia
- Noruega
- Dinamarca
- Finlândia
- Alemanha
- Bélgica
- Países Baixos
- Luxemburgo
- Suíça
- Áustria
- Itália
- Eslovénia
- França
- Espanha
- Portugal
- Reino Unido
- Irlanda
- Canadá
- Estados Unidos da América
- México
- Panamá
- Brasil
- Argentina
- Argélia
- Mauritânia
- Costa do Marfim
- República Democrática do Congo
- Uganda
- Quénia
- Nigéria
- África do Sul
- Zimbabué
- Botswana
- Gana
- Gâmbia
- Zâmbia
Organização Mundial da Saúde
Apesar de ter sido intitulada como variante indiana, a Delta não afetou apenas a Índia. Há mais relatos de países que estão a viver um forte aumento dos contágios — alguns dos quais tiveram mais casos num dia do que em nove meses. Sri Lanka, Maldivas, Nepal e Camboja tiveram um aumento exponencial de infeções e enfrentam, agora, os maiores desafios desta pandemia. Por outro lado, há países que tentam a todo o custo evitar a transmissão desta variante, respondendo rapidamente à ameaça que pode representar.
Sri Lanka: “De história de sucesso” a pesadelo
O Sri Lanka foi um dos países que melhor soube controlar a primeira vaga da pandemia. Até 31 de outubro de 2020, o pico de infeções no país de aproximadamente 21,9 milhões de habitantes foi de apenas 300 casos diários e houve apenas 20 mortes resultantes da Covid-19. A OMS chegou mesmo a publicar um vídeo que descrevia o caso como sendo um “sucesso”.
Um confinamento apertado, um sistema nacional de saúde robusto, a testagem em massa e o facto de o país ser uma ilha — o que permite controlar mais eficazmente as fronteiras — foram fatores que explicaram o sucesso inicial do Sri Lanka. Além disso, o país também investiu num sistema de rastreio para identificar rapidamente casos de Covid-19: “O Sri Lanka monitorizou a pandemia logo após o primeiro caso ter surgido na última semana de janeiro. Não houve mais nenhum caso até meio de março. Nesse intervalo, o governo assegurou que havia um sistema capaz de rastrear possíveis doenças respiratórias. Uma vez detetadas, procedia-se a um diagnóstico para identificar se era Covid-19″, explicou à DW Razia Pendse, representante da OMS no Sri Lanka.
No entanto, os casos começaram a aumentar no final do ano — em dezembro já aproximavam dos 800 diários, o que obrigou a decretar um confinamento mais agressivo. Entretanto, a situação epidemiológica melhorou, mas em meados de maio os casos voltaram a aumentar. E bastante. O Sri Lanka bateu todos os máximos no mês passado, chegando a superar as 3.500 infeções diárias. E as mortes também acompanharam a tendência de subida.
A variante indiana terá influenciado este aumento de casos. Ainda que a B.1.617 tenha sido identificada apenas a 8 de maio, de acordo com declarações à BBC de Ravi Rannan-Eliya, diretor executivo do Instituto de Saúde Pública do Sri Lanka, há uma “grande probabilidade — mais de 50% — de que a variante indiana esteja a circular na comunidade pelo menos desde abril”.
Para isto terá contribuído a “bolha de viagens” entre a Índia e o Sri Lanka, que só foi suspensa no início de maio. Além disso, no meio de abril, numa altura em que as medidas restritivas foram aliviadas, os cingaleses festejaram as tradicionais celebrações de ano novo — Sinhala e Tamil –, que consistem numa visita a casa de amigos e a família, entregando-lhes presentes. Estas celebrações aumentaram as deslocações no país e terão ajudado a motivar a subida de infeções.
Entretanto, o país entrou num confinamento nacional bastante restrito, sendo que, por exemplo, a rede de comboios e de autocarros foi interrompida a semana passada. Também as viagens para a Índia foram proibidas.
Os paraíso turístico das Maldivas que recebeu atores de Bollywood
Arquipélago no Oceano Índico, as Maldivas foram, no início da pandemia, um dos locais que mais cedo conseguiram controlar o aumento de casos, ainda que à custa dos elevados prejuízos económicos na área do turismo, a sua principal atividade, motivados pelas restrições das viagens internacionais em vigor desde março de 2020.
Com a abertura das fronteiras em julho do ano passado, as Maldivas tentaram dar um balão de oxigénio à economia, permitindo a entrada de turistas, numa altura em que o casos diários se situavam nos 80. O país conseguiu controlar a situação epidemiológica até abril de 2021 — mês no qual os casos dispararam. Há uma semana, o arquipélago de aproximadamente 530 mil habitantes chegou a registar mais de 1.400 casos em 24 horas, ao mesmo tempo que os internamentos triplicaram num espaço de dias.
Uma das razões apontadas para este aumento de casos foi a ida de vários atores de Bollywood e de celebridades indianas, que escolheram o arquipélago como destino de férias. No mês de março, de acordo com dados oficiais, chegaram às Maldivas 65.280 turistas oriundos da Índia, sendo que em abril o número subiu para 78.604 — numa altura em que também se relaxaram as medidas, o que aumentou a propagação da variante indiana.
Para fazer face ao aumento de caso, as autoridades locais chegaram a impedir a entrada de mais turistas indianos no país e o presidente do país, Ibrahim Mohamed Solih, afirmou, de acordo com a Reuters, que foi um “erro” ter relaxado as medidas em abril e não ter fechado as fronteiras mais cedo.
Nepal: o lugar “quase apocalíptico”
O Nepal faz fronteira com a Índia e também sofreu uma forte subida nas infeções recentemente. Com quase 29 milhões de habitantes, o país enfrenta um “cenário quase apocalíptico”, descreve a imprensa internacional, com o número de mortes a subir e com o caos nos hospitais devido ao aumento de internamentos.
Pouco afetado nos primeiros meses da pandemia, as infeções no país começaram a aumentar em outubro, atingindo quase os seis mil casos diários. Após um confinamento, os contágios baixaram, mas em meados de abril os números começaram a disparar — e, no mês passado, chegaram quase aos 10 mil diários.
Os números no Nepal mostram que o país está a ser um dos mais afetados com esta vaga da pandemia. De acordo com o ministro da Saúde e da População nepalês, 97% das amostras recolhidas em maio são da variante indiana, que está presente em 35 regiões administrativas no país — principalmente na capital Kathmandu e nas regiões junto à fronteira. A deslocação de trabalhadores transfronteiriços e o facto de as viagens entre os dois países terem apenas sido suspensas em maio (sendo que entretanto já foram restabelecidas) levou a que esta variante entrasse em circulação no Nepal.
Para além do número de contágios e de óbitos, o sistema de saúde nepalês, bastante precário e débil, não está a ser capaz de responder ao aumento de internamentos. A falta de camas, de ventiladores e de recursos humanos criou o caos no Nepal: “Estamos a tratar pacientes em todos os cantos do hospital. Nós até estamos a usar a garagem para admitir pacientes”, relata a enfermeira Beli Poudel à Al Jazeera.
A profissional de saúde conta que o hospital tem tentado não rejeitado “nenhum paciente”. “Tentamos acomodá-lo apesar da nossa capacidade limitada”, diz, sendo que este hospital — um dos maiores do país — apenas tem disponíveis 24 camas em unidades de cuidados intensivos (UCI), completamente lotadas.
Camboja: o país que registou a primeira morte em março de 2021, mas que está “em risco de uma tragédia nacional”
O Camboja era, tal como o Sri Lanka, um caso de sucesso na maneira como se adaptou à pandemia de Covid-19. Durante o ano de 2020, apenas registou 378 contágios e nenhuma morte, num dos países mais pobres na Ásia.
Os contágios aumentaram em fevereiro, chegando aos 179 diários no final de março, sendo que a situação epidemiológica parecia controlada. Mas os casos dispararam no final de abril e no início de maio — em 24 horas chegaram a ser de 938, três vezes mais do que as infeções identificadas em nove meses. A primeira morte também foi reportada a 11 de março e, até esta quarta-feira, já se totalizam 220 óbitos.
A variante indiana foi detetada as 12 de maio. Or Vandine, secretária de Estado da ministério da Saúde cambojano, indicou que foi trazida por um grupo de “estrangeiros que entraram no país a 20 de fevereiro”, numa altura em que também foi detetado o primeiro caso da variante britânica.
Apesar dos “esforços”, os hospitais do país estão “perto da rutura”, de acordo com Li Ailan, representante do Camboja na OMS. “Os casos novos aumentam todos os dias e nós estamos numa corrida contra o vírus. A não ser que se consiga travar a transmissão, o sistema de saúde está em risco de ficar sobrecarregado, o que teria consequências desastrosas”, disse. As declarações são de 11 de abril, mas os contágios, apesar de uma descida no meio do mês de maio, continuam altos e estão novamente a subir, superando novamente os 600 diários.
De modo a controlar a pandemia, as autoridades do Camboja decretaram, em março, um confinamento nacional bastante agressivo que foi alvo de várias críticas internacionais: quem não respeitasse as regras podia cumprir até três anos de prisão. O ministro da Saúde, Mam Bunheng, descreveu-a como sendo uma “base legal para o governo para proteger vidas e a saúde pública”. Mas organizações não governamentais, como a Human Rights Watch, denunciaram que tal podia ser uma maneira de prender dissidentes e ativistas políticos.
O Camboja é governado praticamente por um partido único que controla quase todas as instituições do Estado, com um primeiro-ministro que disse que aceitava “ser chamado um ditador” na sequência das medidas mais restritivas, mas preferia ser relembrado “por proteger o povo” contra a Covid-19.
A resposta rápida australiana e chinesa à variante indiana
Se alguns países demoram mais tempo a reagir, outros são bastantes rápidos a conter os primeiros casos da variante indiana.
A China, por exemplo, ordenou aos moradores de algumas ruas de Guangzhou (no bairro de Liwan) que se isolassem e cancelou centenas de voos naquilo que poderá ser o primeiro surto comunitário da variante indiana no país. Durante uma semana, houve apenas uma infeção, mas passou para 23 na segunda e 11 na terceira.
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O número de casos é baixo, tendo ainda em conta a dimensão da população da cidade (15 milhões de pessoas), mas as autoridades de saúde querem evitar cenários mais graves e também já implementaram um sistema de testagem em massa. “Nesta corrida contra o vírus, devemos correr um pouco à frente e mais rápido do que antes para bloquear a propagação do vírus e interromper a cadeia de infeção a tempo”, diz o diretor da comissão municipal de saúde de Guangzhou, citado pelo The Guardian.
Ouvido pela Agência Lusa, o português Alexandre Castro, treinador de futebol que vive num dos bairros da cidade, relatou que no sábado “ia a sair de um edifício”, mas já não conseguiu. “As ruas em torno do bairro foram cercadas, com cordão policial, e uma barreira foi colocada à porta do prédio”, acrescentando que não sabe se receberá mantimentos para sobreviver.
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Na Austrália, o estado de Victoria entrou num confinamento de sete dias, pelo aparecimento de casos da variante indiana. “A principal preocupação das nossas equipas de saúde pública é o quão rápido esta variante circula”, referiu James Merlino, responsável pelo controlo epidemiológico no estado.
Em declarações ao jornal ABC, a virologista Megan Steain considerou que, com este confinamento, “há uma boa chance de se conseguir colocar o surto sob controlo”, num dos países com regras mais apertadas para fazer face à pandemia.