Praticamente desconhecido, sem passado político e com uma ligação muito recente ao Syriza, Stefanos Kasselakis é o novo líder do partido grego da esquerda radical. O empresário conseguiu a maioria dos votos (57%), derrotando Effie Achtsioglou, antiga ministra do Trabalho, que era vista como o potencial vencedora destas eleições internas do partido.
Stefanos Kasselakis, agora com 35 anos, foi viver para Massachusetts, nos Estados Unidos, quando era ainda adolescente e é do país onde viveu até há poucos meses que traz o modelo que quer para as mudanças no Syriza. Na declaração após a vitória disse que se o partido quer voltar a governar terá de copiar a fórmula americana e ser uma “grande tenda”, que alberga várias linhas ideológicas, à semelhança do Partido Democrático norte-americano.
Os afiliados do partido acorreram em massa às urnas este fim de semana, com uma participação de 70% dos 180 mil membros. A vitória de Kasselakis foi clara, mas as opiniões recolhidas pelos jornais The Guardian e El País mostram a ala mais à esquerda do partido muito descontente com a eleição do ex-banqueiro com tendências liberais que, segundo acusam, não apresentou nenhum programa palpável do que pretende fazer.
As derrotas de Tsipras catapultaram as eleições
As eleições legislativas gregas em maio de 2023 deram a vitória ao partido grego de centro-direita Nova Democracia, mas sem maioria e sem conseguir formar uma coligação para governação, novas eleições foram marcadas para junho. A Nova Democracia subiu e o Syriza saiu derrotado: conseguiu ainda menos votos na segunda votação e perdeu 24 lugares no parlamento em relação ao mandato anterior (2019-2023). Alexis Tsipras, líder do partido durante 15 anos e primeiro-ministro grego entre 2015 e 2019, reconheceu a derrota e deixou vago o lugar na liderança do Syriza.
Stefanos Kasselakis não apareceu na senda política só para tomar as rédeas do partido, mas quase. Fundador de empresas de transportes marítimos de mercadorias, Kasselakis era, além do mais, um grego da diáspora e um bom nome para colocar nas listas do partido às legislativas de maio e junho — a lei eleitoral grega obrigada a colocação nas listas eleitorais de gregos no estrangeiro. Stefanos Kasselakis estava em nono lugar, em primeiro lugar estava Othon Iliopoulos, oncologista clínico na Faculdade de Medicina de Harvard, e em décimo segundo lugar a investigadora da NASA Natasha Romanou, noticiou The Greek Herald.
De um potencial lugar de deputado para o qual não conseguiu ser eleito para a posição de líder da oposição foi um salto – um salto de gigante conseguido em apenas quatro meses. Na verdade, o empresário só anunciou a sua candidatura à liderança do partido no final agosto, mas foi o suficiente para ficar à frente logo na primeira volta das eleições internas (45%) contra os outros quatro candidatos com muito mais experiência política e ligação ao partido. Sem maioria, teve de disputar a segunda volta com Effie Achtsioglou e ganhou à mulher que tinha apoio de todos os setores do partido. Os resultados deixaram a ala mais à esquerda do partido em “estado de choque”.
“É o fim do partido de esquerda Syriza como o conhecemos”, vaticinou Stelios Kouloglou, deputado do Syriza. “O partido morreu esta noite”, disse ao jornal The Guardian na noite de domingo. “Kasselakis fará grandes mudanças e, no futuro, será um estudo de caso porque o que ele conseguiu é impressionante. Apareceu quase do nada e agora está ao comando. É uma loucura, um cenário em que ninguém acreditaria há alguns meses.”
A ascensão meteórica nas redes sociais — que os críticos chamam de populista —, a falta de experiência política e a ausência de um programa claro, alimentam as críticas àquele que conseguiu conquistar os apoiantes mais jovens e os mais descontentes do partido. “É como se a Netflix tivesse entrado, tomado conta da festa e agora a transformasse numa série”, criticou o escritor de esquerda Dimitris Psarras, citado pelo jornal El País. “As pessoas não têm ideia do que tratam as suas políticas ou se têm algum programa.”
Há quem considere que Kasselakis foi eleito precisamente porque as pessoas não sabem quem ele é ou o que pensa. O que saberão é que, entre todos os candidatos, este é aquele cujo perfil mais se aproxima do anterior líder, Alexis Tsipras, disse Petros Ioannidis, analista político e fundador da empresa About People, citado pelo Politico. “Nenhum dos outros candidatos entusiasmou ou convenceu os eleitores do Syriza, que foram estimulados pelo perfil de liderança de Alexis Tsipras e procuravam alguém que se parecesse com ele”, comentou. “Nenhum dos outros parecia ter estas características de liderança. Então, [os eleitores] depositaram as esperanças em alguém que não conheciam, na expectativa de que estivesse mais próximo de seu ‘ideal’.”
Alexis Tsipras, que tinha apoiado a candidatura de Effie Achtsioglou sem o chegar a fazer oficialmente, tentou manter-se neutro durante as eleições internas, mas há quem indique que apoiava a eleição de Stefanos Kasselakis. O apoio do irmão de Tsipras, o membro do parlamento Giorgos Tsipras, era mais claro, uma vez que também era o principal conselheiro político de Kasselakis, destacou o jornal El País.
De voluntário de Joe Biden a líder da oposição
“O meu nome é Stefanos e tenho uma coisa para te contar.” Foi assim que Kasselakis iniciou o anúncio da sua candidatura num vídeo divulgado nas redes sociais a 29 de agosto, onde se apresentou e contou a sua vida. Nasceu em Marusi, uma cidade-dormitário a nordeste da capital grega, filho de mãe dentista e de pai empresário. Cresceu em Ekali, um subúrbio no norte de Atenas, onde vivem muitas das poderosas famílias de negócios e navegação do país.
Num golpe judicial, os pais perderam tudo o que tinham e o jovem Stefanos, de 14 anos, foi viver para os Estados Unidos. “Não por luxo, mas por necessidade”, afirmou. Certo é que o prodígio da matemática, como o apresenta a Associated Press, recebeu uma bolsa de estudos da Phillips Academy, uma escola preparatória em Andover, Massachusetts. Depois, recebeu uma bolsa de estudos de Andreas Drakopoulos, presidente da Fundação Stavros Niarchos, para estudar na Escola Superior de Administração Wharton, na Universidade da Pensilvânia, onde se formou em Finanças e em Relações Internacionais.
Quando ainda se encontrava na universidade, Stefanos Kasselakis foi voluntário na campanha de Joe Biden às eleições presidenciais de 2008 — e, agora, defende o modelo do partido Democrático no Syriza. Em termos de política externa, colaborou com o grupo de reflexão de Washington DC “Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais”. Ao longo vários anos escreveu para o jornal da diáspora grega The National Herald e durante a crise económica na Grécia fundou a plataforma CVfromGreece para ajudar os jovens a criarem melhores currículos para se candidatarem a empregos ou bolsas de estudo.
O primeiro grande marco profissional conseguiu-o em 2009, em plena crise financeira e com apenas 21 anos: trabalhou no grupo financeiro internacional Goldman Sachs. “Vi, em primeira mão, o que é o capitalismo. Comprar o trabalho de outros por pouco dinheiro. Quanta arrogância traz o dinheiro.” Foi por isso, conta, que deixou este emprego, pediu um empréstimo e, ao fim de três anos, trabalhava no setor dos transportes marítimos de mercadorias.
“Estou ciente que não tenho experiência política. A minha experiência é o trabalho e a vida social”, disse. “A candidatura que agora lanço mostra outro caminho: da sociedade para a sociedade”, anunciou. “Está na hora de construir o sonho grego de que tanto precisamos.” Dias antes, Stefanos Kasselakis anunciou que se ia unir ao partido “que precisa urgentemente de encontrar a sua bússola para que possa ser verdadeiramente útil ao país”, deixou uma lista de propostas e apelou aos seguidores para lhe enviarem as suas ideias e comentários também.
Kasselakis quer uma justiça melhor e mais célere, uma separação clara entre a Igreja e o Estado, e “abolir o serviço militar obrigatório e substituí-lo por um ‘serviço social’ nacional de seis meses para jovens de ambos os sexos, que incluirá formação completa em questões de defesa nacional”. O atual líder do Syriza defende os direitos dos trabalhadores e “fortes incentivos para empresas e cooperativas que mudam a sua sede para fora de Atenas, bem como para empresas que distribuem ações aos seus empregados”.
O recém eleito quer ainda um aumento do salário dos médicos e profissionais de saúde e também dos professores, propõe o fim das nomeações de políticos para administrações hospitalares, pede alojamento gratuito para profissionais de saúde e professores que exercem em zonas remotas e quer “destruir os oligopólios da eletricidade com a criação de uma ‘avenida’ elétrica que ligará a Grécia à Europa Central”.
No discurso de vitória, Stefanos Kasselakis fez questão de se apresentar com o marido, o enfermeiro norte-americano Tyler Macbeth, com quem casou em 2019. O jornal The Greek Herald já o tinha apresentado como o primeiro candidato homossexual a procurar a liderança de um partido, mas Kasselakis deixou claro na sua apresentação: “Eu não tenho uma agenda gay. Eu tenho uma agenda humana”. Para o líder do Syriza, “o povo grego está preparado para ter um primeiro-ministro que é capaz, incorruptível, incólume e que, por acaso, é gay”.