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Na mesa, duas Franziskaner — a cerveja alemã que Nuno Sebastião, presidente da Feedzai, escolheu para acompanhar a entrevista que deu no terraço do Observador, na estreia da nossa rubrica: Observador Summer Sessions. Com a habitual t-shirt preta, jeans e sapatilhas, o líder da empresa mais bem posicionada para ser o próximo unicórnio (com uma avaliação superior a mil milhões de euros) português chegou com a espontaneidade e informalidade que já fazem parte da sua marca: a sorrir e a tratar as pessoas por “tu”. O conimbricense que lidera aquela que é considerada uma das 50 melhores fintech mundiais para a Forbes, que emprega cerca de 300 pessoas e que conta com 66 milhões de euros em investimento, esteve no palco da Web Summit do ano passado para apresentar o vídeo com o qual Stephen Hawking emocionou as milhares de pessoas que estavam na Altice Arena.
Entre alguns goles de cerveja, o fundador da empresa portuguesa de inteligência artificial de combate à fraude eletrónica regressou aos tempos em que trabalhava na Agência Espacial Europeia, explicou que “casa é só um estado mental”, que quase todos os dias recusa investidores e que as boas empresas se podem dar ao luxo de escolherem quando e de quem querem investimento. No final do dia, contou, o que lhe interessa não é ser unicórnio, é executar bem — as avaliações são só consequência disso.
Sobre a Web Summit, acredita que foi um catalisador, mas que se a conferência sair de Lisboa, não há problema: “O ecossistema em Portugal mantém-se como está. Não foi por causa da Web Summit que houve mais investimentos ou menos”. E se achávamos que esta passagem por Lisboa significava férias, Nuno Sebastião esclareceu: “Nunca tiro férias. Fins de semana tenho, férias não”. Há 10 anos que é assim.
[Veja no vídeo o best of da entrevista a Nuno Sebastião no terraço do Observador]
Escala em Frankfurt: uma salsicha e uma Franziskaner
Nuno, bem-vindo ao terraço do Observador. Escolheste uma cerveja alemã porquê?
Por várias razões. Primeiro, porque adoro. Segundo, porque foram sete anos na Alemanha e acabas por ganhar certos hábitos. Este é um deles. Em segundo e terceiro, porque as minhas filhotas nasceram lá, portanto, sempre que posso volto um bocadinho ao sítio onde já fui feliz. Ainda no outro dia, quando regressei dos EUA — tipicamente faço escala em Frankfurt ou em Munique — e uma das coisas que faço sempre é: compro uma salsicha e bebo uma cerveja destas. Para de certa forma relembrar os tempos em que lá estive.
Tens saudades desse tempo?
Não, não sou muito saudosista. Gosto muito de relembrar, mas às vezes as pessoas até costumam dizer que parece que me esqueço do passado, porque olho é para a frente. Gostei muito de ter morado lá, vou lá com alguma frequência, inclusive no verão. Quando tenho mais tempo, até saio do aeroporto em Frankfurt e dá para ir almoçar com alguns dos meus amigos, mas não, foi um tempo fabuloso, foi uma década fantástica, já passou.
E porquê a Franziskaner?
Porque é uma cerveja que é muito forte, isto é quase alimento. Na Baviera, que é de onde esta cerveja vem, isto é considerado comida. Inclusive é taxado como se fosse comida e não como se fosse álcool. E há o mito urbano, que vale o que vale, em que dizem que, de manhã, a malta em vez de tomar o pequeno-almoço bebe uma coisa destas. Porque isto é um sustento e se reparares, é forte. Mas é bom, adoro.
Portanto, escala em Frankfurt: uma salsicha e uma cerveja destas.
Sempre, é sagrado.
Alguma vez te arrependes de teres deixado o teu emprego na Agência Espacial Europeia para teres lançado a Feedzai?
Não, por várias razões. A primeira, que é a mais importante, é que está a correr bem. Quanto muito, tenho alguma malta que até diz é o contrário: sabiam que eu tinha esta ambição de fazer mais e têm, de certa forma, uma certa admiração por ter conseguido deixar algo que era muito confortável e ter construído algo que é muito interessante. Mas são coisas diferentes. Tenho um colega meu português que hoje é responsável pela operação do rover que a agência espacial vai lançar em 2020. E ele é quem está na sala de controlo a dirigir o rover. Isto é muito interessante. Se me perguntas se gostava de ter feito isto também, gostava. Trocava pelo que faço hoje? Não, de forma nenhuma. Gosto muito daquilo que faço.
“Trato todas as pessoas por tu, não há exceções”
Rapidamente, explica-nos o que a Feedzai faz hoje.
Quando tens uma interação financeira, quando fazes um pagamento, garantimos que não existe risco ou que ele é minimizado. Se fores um consumidor, garantimos que és tu que estás a usar o teu cartão e não alguém que te tenha roubado ou que tenha as tuas credenciais. Já não é só uma questão de cartão de crédito, hoje é o teu token, a tua autenticação online. Se fores um banco, garantimos que quem está a interagir com o banco é quem diz que é, seja o comerciante seja a pessoa. Fazemos isso para os maiores bancos mundiais, para os maiores comerciantes mundiais e fazemos a uma escala que hoje já vai quase nos 7 mil milhões de dólares que passam todos os dias pelos nossos sistemas. Isto é o que a Feedzai faz.
O que eu faço é diferente. No início, era muito mais eu que estava no terreno, a fazer a venda, não era a fazer o código, mas a orientar isso. Hoje sou muito mais um dinamizador de pessoas, ou seja, tenho de conseguir contratar o melhor talento nas várias áreas. Ainda na semana passada, estava em Hong Kong a contratar pessoas. E quando estás a assinar um negócio com um banco grande, de cinco anos, eles precisam de te olhar nos olhos e de perceber “quem é esta gente? quem é esta malta a quem estou a confiar?” e o que faço, muitas das vezes, é quando estamos prestes a fechar um negócio destes, vou lá para dar confiança ao cliente e dizer “não, você esteja tranquilo, confie”. É esse o meu papel mais externamente.
Internamente é garantir que somos uma empresa bem distribuída, que as equipas estão alinhadas, garantir que há uma missão comum. É curioso, mas a quantidade de vezes que tens de repetir a missão, que tens de repetir quais são os teus valores e podemos perguntar porque é que a malta tem de fazer sempre isso. Bom, a verdade é que quando metade da empresa começou há 12 meses ou menos, eles nunca ouviram essa história. Têm de estar continuamente a ouvir aquilo que nos une enquanto grupo que é a Feedzai. Esse é o meu trabalho.
Tens um registo muito informal. Aliás, estou a tratar-te por tu porque tipicamente tratas toda a gente por tu.
Trato todas as pessoas por tu.
Utilizas este registo informal mesmo com toda a gente ou há exceções?
Não [há exceções] e vou dizer-te porquê. Há várias razões pelas quais isto acontece. A principal é o facto de ter saído do país há quase 20 anos e em inglês usas a sua segunda pessoa, é tratamento direto. Quando estou nesse registo, traduzir para português é-me difícil. Já tentei no passado e corre muito mal. Meto os pés pelas mãos. E então decidi assim. Não quer dizer que não trate as outras pessoas de forma diferenciadora, mas digo-lhes “olhe, vou tratá-lo por tu, não é por qualquer outra razão, mas é porque não consigo de outra forma”.
Já houve alguma situação caricata com alguém?
Não, curiosamente não. O que vejo, mesmo quando falo com pessoas com cargos políticos, é que até agradecem. Às vezes, o que me dizem é “ainda bem, isto é refrescante”. Muitas vezes, o que temos é malta a tratar-nos com tanta diferença que a conversa não flui, não vai ao sumo. Acho que quando se trata as pessoas com devido respeito, obviamente, mas num tom mais direto, mais objetivo, o diálogo se torna mais interessante.
Vives nos EUA, vives cá, passas muito tempo fora. Achas que ainda somos demasiado formais?
É horrível. Muito, muito, muito e desnecessariamente. Acho que a malta às vezes confunde o formal com o ter de ser educado e não tem nada a ver com isso. Vejo muita gente muito educada, mas que tem um tratamento direto. E isso é uma das coisas que para quem vem de fora, até é estranho.. Para quem vem de fora, para que é tanta diferença? Mas acho que é geracional. Há malta mais nova já não tem tanto isso, pelo menos na minha experiência.
Hong Kong, EUA, Lisboa. Quando vens a Portugal, estás em Lisboa, Coimbra. Sentes que ainda tens casa? Onde é a tua casa?
Tenho três casas. E tenho réplicas das coisas nas várias. As três casas que tenho é a de Lisboa, a dos Estados Unidos e é a que tenho na casa dos meus pais, em Coimbra. Chega ao ponto de ter ferramentas em triplicado, porque o tempo é tão pouco e gosto de fazer tantas coisas que tenho de arranjar forma de “preciso daquela chave e está em que casa? Já não sei”. Agora, casa… Casa, acho que é um estado mental. Honestamente, acho que é um estado mental. Não é um espaço físico. E quando viajas tanto, começas a conhecer muita gente que tem o mesmo tipo de perfil: malta que corre mundo e percebes que se tiver de estar aqui e meter-me num avião para estar do outro lado do mundo daqui a 12 ou 15 horas, não há stress.
Há rotinas ou rituais que cumpras escrupulosamente todos os dias, independentemente do sítio onde estás?
Há. Gosto muito de comida e há certos hábitos… Há uma coisa que já fazia na Alemanha e faço agora nos EUA: sou viciado em pastéis de nata e chego ao ponto de pedir aos meus colegas que vão daqui — temos sempre muita malta que anda de um lado para o outro — para levarem pastéis de nata. Vai daqui alguém e eu encomendo. Chegam a comprar tipo cinco daquelas caixas de seis, levam para lá, dão-me, eu congelo aquilo e depois como uma por dia.
De manhã, comes sempre um pastel de nata?
Um pastel de nata e um cafezinho Sical. Pá, tem de ser.
Independentemente do sítio onde estás.
Bom, nos EUA. Mas ainda na outra semana, estava em Hong Kong, fui a Macau e foi estranhíssimo, porque vi, em mandarim, um tipo a fazer publicidade a bifanas, a comer uma e a comer um pastel de nata. Por isso, já se comem pastéis de nata por todo o lado.
E com a roupa também tens rituais, não tens?
Tenho, por uma questão de simplicidade e de consistência. Até por uma questão de conforto e por estar sempre a viajar, tenho sempre a mala feita. E quando tens sempre a mala feita, o que dás por ti a fazer? A comprar sempre os mesmos jeans, as mesmas t-shirts, os mesmos ténis. E tens uma série deles que tens na mala já feita ou que tens em casa, chegas lá e não tenho que pensar se é a t-shirt amarela, se é a preta, se é a cinzenta. É sempre a mesma. São todas iguais.
Isso facilita-te a gestão dos dias?
É menos uma coisa em que tens de pensar. Mas mais do que isso, dá-te consistência. Todos os dias, há quem ache aborrecido, mas todos os dias és consistente contigo próprio. E pessoalmente gosto disso.
Sobre Stephen Hawking: “Como é possível alguém ter esta lucidez?”
Como foi trazer o Stephen Hawking à Web Summit? E aqui o “trazer” é relativo.
Foi uma loucura. Isto foi porque tínhamos feito um evento nos EUA, o Money 20/20, e o que queríamos trazer era malta que fosse autoridade sobre várias áreas na inteligência artificial e machine learning, que é a área que usamos para o nosso negócio. E levámos à Money 20/20 três perspetivas: a perspetiva técnica com o Ray Kurzweil, da Google, a perspetiva de consumidor com o Steve Wozniak, fundador da Apple, e a perspetiva mais de sociedade. O que nós queríamos perceber é: mas há uma série de questões éticas que têm de ser acauteladas, por exemplo, os bias [pensamento tendencioso, com base num preconceito] Já existem bias na sociedade, imagina em modelos de inteligência artificial. E isso é uma coisa que pessoalmente me preocupa muito. Porquê? Porque muito facilmente tens uma máquina a decidir coisas, máquina que o humano já não controla porque confia, e depois não percebem que estão a reforçar uma série de bias e que há pessoas que sofrem com aquilo.
Fomos ver quem eram as pessoas que estavam a alertar para este tipo de temas e o Stephen Hawking tinha feito uma talk há uns dois anos nesta área e dizia: cuidado com os aspetos éticos de machine learning e de inteligência artificial. E nós pensámos que este era o tipo, até pela sua persona, que mais exemplificava este tipo de preocupações. E não é um tipo que o faz de uma forma alarmista, mas de forma ponderada, como ele sempre foi, que é: tenham atenção a este tipo de coisas. E nós depois conseguimos uma apresentação à equipa dele e fizemos o pitch da ideia.
Mas este pitch foi ainda antes de saberes da Web Summit?
Sim, isto não tinha nada a ver com a Web Summit. Tinha a ver com o facto de nós conseguirmos tê-lo a falar sobre isto, independentemente do formato, do aqui ou do acolá. Houve uma série de complicações, ele na altura já estava doente. E depois perguntámos qual seria o melhor sítio para amplificar uma coisa destas. Aí, andávamos a falar com a malta da Web Summit sobre o que poderíamos fazer e dissemos-lhes que estávamos em conversações com a malta do Stephen Hawking. E eles acharam que era excelente.
Agora de um ponto de vista mais pessoal, repara: nunca pensei na vida fazer uma coisa destas. Genuinamente. E depois particularmente, o facto de ter sido a última grande aparição dele. Um dos grandes problemas que tivemos foi que produzir aquele vídeo — o vídeo não era para ter sido feito para a Web Summit sequer, foi feito na semana anterior, porque ele estava já doente –, aquele videozinho de quase 10 minutos demorou-lhe quase uma semana a produzir. Porque, repara, é ele que tem de compor o texto. É extremamente lento, escrever o texto foi-lhe extremamente difícil. E isto mostra também muito a preocupação que ele tinha com o tema.
Chegaste a falar diretamente com ele? Ou com a equipa dele?
Com a equipa, com ele só pessoalmente, só estando lá.
Mas se tivesses tido essa oportunidade, o que gostavas de lhe ter dito?
A pessoas como esta tu dizes “obrigada”. Honestamente, dizes: “Obrigada por ter vivido no mesmo sítio e no mesmo tempo que eu”. Acho que todos nós temos um bocado a definição da nossa mortalidade, somos todos finitos, mas quando vês pessoas como aquela que, não é só pelas dificuldades físicas que teve, mas por ter conseguido alargar o conhecimento humano, por ter tido a preocupação humana que ele tinha e depois, já numa situação física complicada, dar o seu contributo… Quem me dera a mim que houvesse mais gente na sociedade assim, que não seja egoísta.
Quando estávamos a trabalhar aquilo, vimos um primeiro rascunho e eu só perguntava: como é que é possível alguém ter esta lucidez? Eu não tenho e a maior parte das pessoas não tem esta lucidez, esta clareza sobre o mundo, sobre aquilo que nos rodeia, o que nos faz enquanto pessoas. E ele tinha isso. Do meu ponto de vista, vale o que vale, mas a história vai lembrar-se dele. E poderes ter tido um bocadinho de contacto…
“Não foi por causa da Web Summit que houve mais investimentos”
Em relação à Web Summit? Achas que fica, achas que vai?
Honestamente, não me interessa muito e digo isto porquê: Na nossa área, há não sei quantos eventos por esse mundo fora, uns maiores, outros menores, etc. Por exemplo, o Money 20/20, estava em Copenhaga e mudou-se este ano para Amesterdão. O Money 20/20 é o mesmo. Será que é por causa disso que Copenhaga vai deixar de ser um polo fintech ou Amesterdão vai ser um polo de mais fintech? Acho que não há qualquer correlação, não é por causa disso que Amesterdão vai ter mais startups ou que Copenhaga vai ter menos, nem é ao contrário. Repara, a MoneyConf, que é um evento que é dos donos da Web Summit, estava em Madrid e mudou-se agora para Dublin. Candidamente, se as pessoas estão à espera de serem esses eventos os catalizadores do desenvolvimento de determinada área de negócio… Nessa linha de raciocínio, Las Vegas era o maior centro de negócios do mundo e não é.
Aproveitámos bem a Web Summit?
Foi importante como um certo catalizador, num momento inicial. Acho que hoje não tem nada a ver. Se a Web Summit for para outro sítio qualquer, e isso é uma decisão que eles tomam de acordo com o negócio deles, acho que o ecossistema em Portugal mantém-se como está. Não foi por causa da Web Summit que houve mais investimentos ou menos. Honestamente, estou-me a borrifar se vai se não vai. Agora, acho que pode ter havido algum aproveitamento — e esse acho que não é necessariamente muito saudável — político à Web Summit. Não tem muito a ver, porque não vejo os políticos norte-americanos a irem à Money 20/20. Não faz sentido nenhum. É um evento daquela área. Tudo bem, as pessoas pagam para lá ir, os expositores pagam para lá ir e quem quer ir vai.
“As boas empresas dão-se ao luxo de escolher de quem e quando querem levantar dinheiro”
A Feedzai vai ser ou não o nosso próximo unicórnio [empresa que vale mil milhões de dólares]?
Disse no outro dia à equipa que há, claramente, na nossa área, espaço para uma empresa independente, que vai ser a nova empresa de gestão de risco mundial nesta área. Somos a que está mais bem posicionada, entre todas as empresas emergentes, de longe. Não fomos a primeira a começar, mas hoje o nosso concorrente direto tem um terço das nossa pessoas, nós estamos a executar muito melhor, estamos a abrir muito mais escritórios, temos muito mais negócios, portanto, acho que vamos ser nós. E eu nunca vi a equipa, sénior e mesmo júnior, com tanta vontade de executar como agora. Cada vez acreditam mais que é nossa oportunidade.
Quando crias isso, depois estás a gerar valor. Se o valor são honestamente três, quatro, cinco, 10 mil milhões, é-me irrelevante. Ou melhor, é o significado do trabalho. Mas honestamente, para o potencial que existe, há empresas em fintech que valem 10 mil milhões. De repente mil milhões até parece pouco. Portanto, agora se somos nós ou não, não faço ideia. Agora, estamos a executar bem, para sermos esta empresa independente. O valor que se gera a seguir é a consequência direta disso.
Se a Feedzai atingir uma avaliação de mil milhões seria a primeira verdadeiramente portuguesa. A Farfetch e a OutSystems têm a sede em Londres e nos EUA. Porque é que isto acontece? Há poucas empresas com a sede em Portugal.
Não percebo porquê, honestamente. A Farfetch começou em Londres, a OutSystems eram outros tempos, não conheço os detalhes. Da nossa experiência, estávamos em Portugal, conseguimos levantar capital norte-americano, europeu e possivelmente gostava — estamos agora com uma aposta muito grande na Ásia e Pacífico — e gostava de levantar capital nessa área e nunca vi ninguém a levantar problemas a pôr o capital em Portugal. E não é por Portugal, é porque estás num bloco europeu que é credível. Da nossa experiência, não afeta nada. Há algum tempo, alguém me perguntava se isso afetava a avaliação. Não afeta nada, tenho uma avaliação tão boa ou tão má como outra empresa no nosso estágio. Não tem nada a ver com isso.
Investimento, unicórnio, mil milhões. Isto interessa mesmo? No final do dia, o que é que te preocupa?
Olha, nada. Nada, porque até pode ser um número pequeno. Mil milhões é muito dinheiro, mas se tu gerares muito mais milhões do que isso, de repente se calhar não é assim tanto. Por isso, não acho que deva ser o objetivo. O objetivo é criar valor, tanto que o que a malta inteligente faz é não levantar logo capital e chega aos 3 mil milhões, 4 mil milhões e depois levanta a sério. Portanto, se é o objetivo, algo está mal. Na minha opinião, é uma consequência de estares a executar muito bem, porque depois o que acontece connosco e com as empresas boas, o que mais tens é investidores a bater-te à porta a quererem investir em ti e dizes: “Não, não preciso, estou a executar bem, não preciso”. Não tenho investidores a pressionar.
https://observador.pt/videos/o-meu-fracasso-antes-do-meu-sucesso/feedzai-andamos-um-ano-nos-eua-sem-vender-nada-bolinha/
Já recusaste investidores?
Já, já, bastantes. Agora é todos os dias quase. Isto é curioso: os investidores e eu próprio sou “advisor” num dos nossos investidores, eles são da malta mais avessa ao risco que se pode conhecer. E isso tem impacto no facto de as empresas valerem mais: eles correm todos um número de deals muito pequeno e vão todos atrás daqueles negócios, porque são bons negócios. Todos querem investir nos bons negócios. E depois qualquer bom empreendedor diz “olha, eu tenho aquele e tenho aquele”, quem é que dá mais?
As boas empresas dão-se ao luxo de escolher de quem e quando querem levantar dinheiro. Felizmente, temos essa possibilidade, até porque, embora tenhamos já levantado um montante bastante substancial, nós não consumimos dinheiro. Gerimos a empresa em break-even. Não é para gerar dinheiro já, porque isso seria sacrificar o crescimento, mas se conseguirmos crescer de acordo com os objetivos e tentar não perder dinheiro — isto pode parecer pouco normal no mundo das startups, no qual se ouve dizer que só gastam dinheiro, mas no nosso caso — como trabalhamos nos sistemas core dos bancos — o tipo de auditoria que nos fazem é muito grande, ou seja, quando estamos a fazer contratos de cinco, dez anos com um banco, eles querem ter alguma garantia que daqui a dez anos existimos e não fomos à falência. Consequência disso: são clientes que pagam bem, pagam à cabeça, assim que assinamos um contrato, o que nos permite ter dinheiro em caixa e depois seguir com isso.
Tens férias?
Não, nunca. Fins de semana tenho, férias não. Não porque não possa, mas honestamente, quando estás em determinado… Tendo esta possibilidade em casa, bastam-me três ou quatro dias, um fim de semana prolongado fora, não preciso de férias.
Há quanto tempo não tiras férias?
Não me lembro, para aí há 10 anos. Fins de semana tiro. Ainda agora, viemos para Portugal, trouxemos as miúdas, elas ficaram com os meus pais, eu fui a Hong Kong e a Lúcia foi comigo. Este tipo de coisas fazemos, mas porquê? Ela vai passear, eu vou trabalhar e depois à noite vamos jantar ou o que seja. E encontrámos uma onda que funciona para nós. Se calhar, não funciona para outras pessoas. Para nós, funciona, não preciso de mais, genuinamente.
Tens momentos em que te obrigas a desligar?
Não. Não porque não possa, mas genuinamente porque não quero. Ou seja, quando estás nesta fase e para nós isto aconteceu ali a partir de 2014, 2015, em que as coisas começaram a correr mesmo muito bem, ficas um bocadinho com a ideia de que gostas daquilo que fazes. De certa forma, não é para ti um esforço não estar desligado. Tens de equilibrar, tens de ter saúde física, saúde mental, e tem de haver um balanço, mas naquele sentido de desligar, não… Não, porque gosto mesmo disto.
Se agora pudesses tirar férias, para onde é que não irias de certeza absoluta?
Estados Unidos. Gosto muito, mas já tenho que chegue todo o ano.
E com quem não irias nem por nada?
Com o Trump. Com ele é que não iria de certeza.
Porquê?
Voltando à questão da sociedade e do Stephen Hawking, são pessoas iluminadas… Andamos aqui todos de alguma forma para tentarmos construir alguma coisa. E percebemos, quando passas duma semana em que estás na Europa, nos EUA, na Ásia, andas à volta e percebes que, no final do dia, todos temos as mesmas preocupações básicas, que é tomar conta dos que nos são próximos, tomar conta da nossa sociedade, da nossa vila. E depois aparece malta a pôr as barreiras todas e a ter este tipo de comportamento que tu não entendes… Às vezes, ponho-me a pensar: mas este homem quando vai dormir, pensa em quê? Não se percebe o comportamento. Será que eles são mesmo assim? Custa-me a acreditar, mas não sei. Não consigo entender este tipo de comportamento que ciclicamente aparece na história. E isso deixa-me doido. Deixa-me mesmo.