Suzana Garcia não tem dúvidas: só ela será capaz de “erradicar o cancro que tem sido a governação de esquerda na Amadora”. Com a certeza de que será eleita nas próximas eleições, a jurista e antiga comentadora televisiva promete ir a votos mesmo num cenário em que o PSD mude de ideias sobre o apoio à sua candidatura independente. “Até ao fim”, promete.
Em entrevista ao Observador, a candidata do PSD à Amadora distancia-se do Chega (ainda que em alguns momentos confunda frases suas com as de André Ventura), ataca o Bloco de Esquerda e garante que voltaria a pedir o extermínio de ambos, mesmo depois de Rui Rio ter manifestado reservas em relação aos termos utilizados. “Se não utilizasse a palavra, não era eu”, diz.
Sem fugir aos temas que lhe têm valido mais polémicas, como as acusações de racismo e a defesa da castração química para pedófilos (“Quero resgatar estas pessoas”), Suzana Garcia explica o seu plano para fazer da cidade da Amadora “a mais segura do país”, apostando na habitação, educação e criação de emprego, sem esquecer uma das suas grandes apostas: a criação de uma super-esquadra.
Rui Rio, líder do PSD, disse recentemente que “é bom que não tenha uma linguagem parecida” com o Chega. Ainda há bem pouco tempo, tinha dito que se a sua “liberdade estivesse a ser coartada não entraria neste projeto”. Desta forma o líder do PSD não está a condicioná-la?
O senhor presidente do PSD disse que era bom que eu não tivesse uma linguagem parecida com o Chega ou que era bom que eu não tivesse uma linguagem como aquela que utilizava no meio televisivo?
Disse ambos.
Por acaso não ouvi a primeira, ouvi a segunda, que faz todo o sentido. Uma linguagem parecida ao Chega acho que não havia necessidade de o dizer porque eu nunca tive uma linguagem parecida com o Chega. Em relação à outra sua questão que era: porque é que eu, aparentemente, de um momento para o outro mudei aquela que era a minha posição relativamente à política? Porque o projeto que me foi apresentado e o convite que me foi feito não coartou a minha liberdade. Eu estou a concorrer à presidência da câmara da Amadora como independente, apoiada pelo PSD.
Quando dizíamos que coartou, é que porque dizia que ninguém lhe poderia impor balizas…
… e não me impuseram nenhuma.
O facto de alguém dizer que é bom que não tenha os excessos de linguagem que tinha na televisão não a condiciona?
Isso não é nenhuma imposição, decorre de critérios mínimos de sensatez. Quando estou a falar com pessoas que têm a quarta classe, adapto o meu discurso. O mesmo acontece com doutorandos ou crianças. Quando estou a falar num programa televisivo de informação, como fiz durante quatro anos e meio na TVI24, adapto-me a um discurso diferente daquele que está na secção do entretenimento. Portanto, decorre das regras do bom senso. Não me sinto nada coartada, isso é que é muito importante dizer. Sou uma candidata independente, apoiada pelo PSD, e em momento nenhum deste percurso, deste namoro, que não foi de agora, que já dura desde o ano passado, me senti limitada na minha liberdade, seja essa liberdade de que dimensão for.
Não vê essas declarações como uma ameaça de que, se pisar o risco, pode ser-lhe retirado o apoio?
Não vi. Compreendo que possa fazer essa interpretação. Acho-a muito simplista, mas compreendo.
Não acha estranho que as vozes que falaram sobre a sua candidatura, nomeadamente da direção do PSD — quer Rui Rio, quer José Silvano, que é secretário-geral do partido — tenham tido alguma dificuldade e até tenham dito que não é candidata a deputada mas à câmara da Amadora? Parece que há sempre aqui uma desvalorização da sua candidatura ou uma tentativa de justificá-la.
Não sinto que a minha candidatura esteja diminuída. Penso, com todo o respeito que os demais candidatos me merecem, que não há mais nenhuma candidatura que esteja a ser propalada como a minha.
Mas agora estava a falar sobre o PSD e as declarações de Rui Rio.
Em relação à direção, as declarações do senhor deputado José Silvano foram também muito descontextualizadas. Em bom português, aquilo que ele disse foi: se a senhora quisesse e ambicionasse entrar para o Parlamento teria de passar por um crivo muito mais apertado. E foram exatamente estas as expressões que ele usou. Ora, um crivo mais apertado, não é um crivo impossível. É só mais difícil. Mas difícil é aquilo para o qual eu fui talhada, por isso é que estou na Amadora.
“[Se PSD retirasse o apoio] levava candidatura até ao fim, como independente”
Neste momento, se o PSD lhe retirasse o apoio manteria a sua candidatura?
Até ao fim.
Como independente?
Até ao fim. Como aliás, estou [independente].
E existe esse risco?
Não. Tenho de ser mesmo muito honesta. Tive muito receio na primeira semana. Ainda não tinha saído o meu nome e confesso-vos que me senti profundamente injustiçada. Vou dar um paralelismo um pouco naïf, mas tive um homem que me cortejou durante meses e meses a fio, e este homem é o PSD, tive muitos outros pretendentes, mas muitos, todos da direita, menos um só partido — que nem sequer é de direita…
Que é qual? Já disse isso em várias entrevistas, mas não concretiza.
Vou abrir uma exceção. Não falei dos outros partidos todos e não falo a não ser quando algum der dois passos à frente. Falei do Chega porque o líder do Chega assumiu-o com a frontalidade que lhe é característica e, portanto, eu posso falar sobre isso. O estarmos a pôr cá para fora conversas e convites que foram feitos em privado é de uma deselegância inqualificável. Vou-lhe dizer isto porque tenho autorização desse mesmo partido para o dizer: fui contactada há muito tempo por um partido que nunca imaginei que pudesse ter interesse em mim. Era o partido do Marinho e Pinto, que neste momento tem à frente o meu ilustre colega Bruno Fialho. E, para ser franca, há múltiplas coisas relativamente às quais eu até me identifico em relação a esse partido e também à coragem dos dirigentes sucessivos que o mesmo foi tendo. E, portanto, é esse o partido que não é conotado ainda — não sei o que pode acontecer no futuro — com o espectro da direita. Mas indo ao que estava a dizer. Em determinado momento, cedo na petição de casamento que foi feita. E eis senão quando o mesmo vai falar com a mãe e a mãe se calhar diz-lhe que não é quem esperava.
Quem é a mãe nessa sua metáfora?
Não sei, não tem rosto.
Mas é público que houve alguma hesitação na direção do PSD em relação à sua candidatura.
É público que houve essa hesitação. Não sei é quem são essas pessoas que hesitaram e, portanto, seria injusto eu estar a partir do pressuposto de que sei quem são e entregar-lhe aqui os nomes. Não o faria jamais. Se já o soubesse, dir-lhe-ia com a mesma transparência que me caracteriza. E, portanto, nesse impasse que houve, eu senti-me injustiçada. Então tanto tempo que estive a ser cortejada pelos outros, escolho o único que podia ser aquele em que eu me revejo, e depois temos uma circunstância dessas. Mas depois apercebi-me de uma coisa: não era tanto a direção que estava a vacilar em relação a mim. E digo-lhe isto com frontalidade porque sei, porque depois fui contactada por diversas pessoas que me disseram: ‘Estamos aqui, estamos consigo’. Agora, isto tem um timing. Agora, o meu timing, o vosso timing, não é igual ao timing desta mesma direção. Gostava que fosse mais célere, mas tenho de aprender. Estou a entrar num jogo em que não sou eu que vou fazer as regras. E isso é algo que é muito importante as pessoas perceberem. Aceitei jogar este jogo e vou ganhá-lo com as regras desse jogo. Não as vou desvirtuar.
“Não acordei e pensei: ‘Opá, eu vou ser a panaceia para os problemas do PSD.'”
Disse que sempre teve uma grande afinidade com o PSD. Em 2019, numa entrevista no podcast de Rui Unas, disse: “PS e PSD sinceramente eram a mesma coisa: vira o disco e toca o mesmo”. Mudou de opinião?
Disse até mais. Disse que eram faces distintas da mesma moeda. E são-no. É minha convicção que o panorama político português está bipolarizado nestes dois grandes partidos: PS e PSD. E é quando há uma falência do discurso destes partidos para o eleitorado — e para estes efeitos, acontece em Portugal o que acontece nos outros países — que infelizmente nós vamos ouvindo as pessoas e nos vamos confrontando com essas realidades perigosas. Quando há uma falência do discurso para o eleitorado, há um divórcio deste em relação a estes partidos centrais, que existem em todos os países.
E na altura, pelas suas palavras, depreendo que estivesse divorciada do PSD.
Não, não. Nunca estive divorciada. Mas onde está o divórcio? Estou a reconhecer na altura o que estou a reconhecer agora: são faces distintas da mesma moeda. Atenção que a cara não é a mesma coisa que a coroa.
Mas também disse que “eram a mesma coisa, vira o disco e toca o mesmo”.
E são. São partidos que se encontram numa governação similar que nada tem que ver com os eixos polarizados que pululam agora por aí na nossa democracia. Aliás, um dos partidos em causa já pulula por aí há 20 anos. Estou a falar do Bloco de Esquerda. Esses partidos oportunistas, que encontraram nas brechas dos partidos do eixo da governação, um coio, onde pululam e onde graçam a unidade nacional são uma demonstração da falência do partido PSD e do partido PS.
Então a sua candidatura encara-a pelo menos como uma forma de inverter essa falência que diz que o PSD atravessa.
Sim. Mas atenção, não meta em mim esse mérito, porque a mim nunca me passou pela cabeça. Esse mérito cabe às pessoas do PSD, como a outras tantas de outros partidos que me contactaram: terem percebido que era necessário uma pedrada no charco. Ao terem percebido que, ou nós mudamos a nossa direção aqui e ali ou então estamos a abrir porta a uma maior representatividade de outros partidos extremistas que estão às portas da nossa democracia. E, portanto, e que está ligada à minha candidatura. Não fui eu que acordei um dia e pensei: ‘Opá, eu vou ser a solução, a panaceia para os problemas do PSD.’
Já teve, aliás, uma repercussão nacional. O primeiro-ministro referiu-se a si como a “senhora do Chega”. Sente que está a ter uma dimensão nacional?
Acha que se referiu a mim?
O que está a querer dizer é que era um ataque ao líder do PSD?
Não. A questão é que, quando diz que se referiu a mim, está a dizer muito bem. Toda a gente percebeu que era a mim, muito embora o senhor primeiro-ministro, numa forma esquiva, como lhe é característica, não tivesse tido a frontalidade e a verticalidade de dizer: ‘Aquela senhora, com aquele nome, que veio do Chega’. Que como sabe, aliás, é falso. É uma mentira escandalosa, mas também não é nada a que os portugueses não estejam habituados vindo do senhor primeiro-ministro António Costa, e já agora também do PS.
“Já vi frases do PAN que subscrevia sem pestanejar”
Vou ler-lhe esta frase: “Portugal não é um país racista, há episódios de racismo no país. Sabe quem disse isto?
Sei. Fui eu.
A frase é de André Ventura. A sua sobre o assunto é muito parecida: “Não somos um país racista, Portugal é um país com racistas”.
E sabe também quem é que diz estas frases? Todas as pessoas com o mínimo de discernimento e com um mínimo de honestidade intelectual. Se sair à rua e perguntar a cem portugueses indiscriminadamente na rua, eu dir-lhe-ia que pelo menos 50% irão dizer exatamente isso. Irão dizer que Portugal não é um país racista, é um país como tantas outras democracias que existem no mundo, que têm incidentes racistas e pessoas racistas. O racismo é um mal moral. E obviamente que nós não somos perfeitos. Nós temos defeitos e esses defeitos têm que ser combatidos. E o racismo é um daqueles que temos de começar a combater logo de tenra idade. O racismo vem da ignorância e, portanto, nós temos de começar a dar instrumentos às crianças desde muito cedo para perceberem que esse mal moral existe, é injusto, é pernicioso e não tem fundamental.
O próprio Chega chegou a fazer manifestações com esse mote: “Portugal não é um país racista”. E já repetiu isso várias vezes.
Eu por acaso não sabia que eles tinham feito manifestações. Confesso-lhe que não sigo muito o partido Chega. É uma falha minha. Penitencio-me profundamente.
Mas essa coincidência de opinião não a deixa desconfortável? Pensar o mesmo que o Chega?
Não. Aliás, eu disse numa entrevista que vejo propostas muito positivas em diversos partidos políticos. Diz-me que a frase é do Chega? Já vi frases do PAN que subscrevia sem pestanejar. Já ouvi frases do PCP que não hesitava em aplicar.
Consegue dar um exemplo?
Vou-lhe já dizer. Talvez seja por ter da parte do meu pai um tio que é comunista até à sétima casa. E, quando eu era pequenina, raptava-me para me pôr na cadeira dele, a única em que ele se podia sentar e eu a ouvir diversos discursos de estadistas comunistas. E uma das coisas que eu sou obrigada a reconhecer é que, no poder local, o Partido Comunista tem muito trabalho positivo feito e quem quer que contrarie isto é um cretino intelectual.
Menos na Amadora.
Menos na Amadora. Mas na Amadora não é só o PCP. A Amadora é uma tragédia. São quatro décadas, que é uma vida, de políticas de esquerda. Primeiro o PCP e depois 24 anos de Partido Socialista. Estamos a falar do concelho mais central da área metropolitana de Lisboa. Qual é o pior?
Teremos oportunidade de falar na Amadora. Só para encerrar este capítulo: escreveu num artigo que é geneticamente antirracista. Queríamos compreender o que quer dizer com isso.
Uma coisa que me suscitou particular curiosidade foi as pessoas, depois de lerem aquilo, e está em português, não perceberem. Podia tê-lo escrito em chinês também, mas acho que as pessoas continuariam a não perceber. Antes de ter essa expressão “geneticamente antirracista”, que está localizada precisamente na última linha desse parágrafo que são cinco linhas, qual é que era o meu legado genético. Portanto, quando digo que sou geneticamente antirracista é porque a minha mãe é mulata e a minha avó é preta. E as pessoas dizem-me assim: ‘Ela pode ser racista, porque o racismo…” Eu dei uma entrevista há pouco tempo ao Manuel Luís Goucha na TVI em que teci determinadas considerações e as pessoas disseram: ‘Mas como é que ela pode dizer que sabe o que é o racismo se quem sofreu o racismo foram os familiares? Você acha que eu posso estar numa fila e ver a minha mãe ser separada de mim na fila? Você acha que alguém decente pode achar que eu não sinto na minha carne aquilo que a minha mãe sentiu? São crápulas. Alguém acha que não sinto em mim aquilo que sentiram os meus? Os meus primos, a minha mãe, o meu irmão. Então, desculpe. São pessoas tão desonestas intelectualmente que recuso-me a discutir com elas. Aceito divergência de opiniões, não aceito desonestidade.
A questão era mais relacionada com o termo “geneticamente”. O que descreve é uma ligação familiar e afetiva, que lhe pode dar uma experiência, mas não é o código genético que define ou não se alguém é racista. Era essa a dúvida.
Acho que as pessoas perceberam o que quis dizer. Eu nasci em Moçambique e quero lembrar-vos Mia Couto, que é um dos maiores escritores da minha mátria. Nós temos a mania em Moçambique de inventarmos palavras, que vocês todos, nascidos na metrópole, compreendem. E, no fundo, a comunicação é isso. No meu processo de comunicação quero que você me compreenda, não quero exibir as minhas palavras, não quero esconder-me. E, portanto, usei a expressão que voltaria a usar e vou usar sempre: geneticamente antirracista. E toda a gente percebeu o que eu estava a dizer.
Castração química. “Quero resgatar estas pessoas [pedólifilos]. Isso distancia-me do Chega”
Vou-lhe ler uma ideia para perceber o que pensa sobre ela. “Entende-se por castração química a forma temporária de castração, suportada pela indução de medicamentos hormonais e medicamentos inibidores da líbido, aplicada em estabelecimento médico devidamente autorizado e credenciado para o efeito.” Concorda com esta ideia?
Na íntegra. Até sei onde foi buscá-la.
E onde é que fui buscá-la?
Está a citar o doutor Afonso de Albuquerque.
Por acaso estou a citar a proposta do Chega nessa passagem, na íntegra.
Ah, pronto.
Por isso é que lhe perguntava. O que é que a distingue, de facto, do Chega nesta matéria?
Já tentei explicar. Já disse a alguns colegas seus, que decidiram cortar essa parte da entrevista porque, enfim, não era importante. E o objetivo é continuarem a fazer uma colagem a um partido que eu já declinei tantas vezes, mas enfim… Não li o projeto do Chega, penitencio-me por isso, mas de facto não tenho tempo para tanto. Ouvi o que as pessoas foram dizendo e o que os jornalistas foram escrevendo, tomando por verdadeiro aquilo que escrevem os jornalistas. Uma ressalva: eu uso a expressão castração química tal como a comunidade científica usa, que é para o povo entender. Mais uma vez: a comunicação é para as pessoas entenderem. Porque a palavra castração não quer dizer o que na realidade o tratamento defende: uma terapia hormonal. De controlo da líbido. Portanto, é para isso que eu estou a usar a palavra castração e isso, apesar de ser usado mundialmente, de facto tem o estigma de as pessoas que não têm conhecimento científico pensarem que estou a falar de alguma ablação.
Em rigor, chegou a admitir a castração física como hipótese.
O que a mim não me repugna, na sua pergunta, não é a castração física. Não é isso. O que não me repugna é o respeito pela soberania do povo. É que eu de facto sou uma democrata. Há muitos que são democratas só quando o povo diz algo que eles defendem. Eu não. Se o povo, e foi isso que eu disse, num contexto constitucional distinto daquele em que nós nos encontramos, numa proposta referendária, viesse a determinar que queria a aplicação da castração física, desculpe: eu respeito o povo. Eu sou assim. Estou estruturada desta forma. Mesmo que eu não defenda a mesma possibilidade em diversas outras coisas. Espero que isso nunca venha a acontecer em Portugal, esse sim é um retrocesso civilizacional. Não a castração, que é usada na Dinamarca. Alguém honesto pode dizer que nós estamos civilizacionalmente acima da Dinamarca? Ou do Canadá? Com honestidade, estamos? Não estamos. Não somos mais do que a Alemanha ou do que a Nova Zelândia. Poderíamos dizer que somos mais do que a Coreia do Sul? Diria que sim. Poderíamos dizer que somos mais do que a Rússia?
Faz essa ressalva várias vezes, de dizer que a castração química é utilizada até em países mais avançados a nível civilizacional do que Portugal.
Não, desculpe. Nunca digo. Eu não gosto de pôr a minha pátria abaixo da pátria de ninguém. Tratamo-los como iguais. Nós não estamos acima deles, mas seguramente que eles não estão abaixo de nós. As pessoas quando falam na castração química pensam nela como uma pena, como um castigo, quase como uma visão judaico-cristã. Estão enganados. Não percebem que quem inventou isso foram médicos psiquiatras cientistas e o que está por detrás disso é o resgate do indivíduo. Para mim, meter um pedófilo na cadeia é profundamente injusto. Você está a meter uma pessoa na cadeia, não lhe está a dar mecanismos de ressocialização, nem instrumentos para voltar a reintegrar-se no seio social. Quero puni-lo pelo ato que ele fez porque eu sei que é muito difícil ele lutar contra esse impulso que tem. Ele não escolheu ter uma parafilia. Não escolheu ser um doente mental, mas escolheu aquele ato e tem de ser punido por aquele ato. Eu quero resgatá-lo para a sociedade. Os cientistas inventaram isto para conseguir que esta pessoa continuasse a florescer para a sociedade. Sabe quantos cientistas são pedófilos e se ofereceram para fazer este tratamento para não ter que lutar com este fantasma? É uma luta hercúlea, esta. Eu estou a dar uma forma de estas pessoas continuarem a ser úteis na sociedade. Como fazemos com os bipolares. Portanto, não há aqui uma visão judaico-cristã punitiva apenas. Há aqui um resgate. Eu quero que estas pessoas consigam controlar-se. Porque sei que no demais são muito úteis. E esta pedra de toque faz de mim mais humanista do que aqueles que acham que é só uma punição. E isso distancia-me, sim, do Chega.
“Repito: extermínio. Se não utilizasse a palavra, não era eu”
Ainda a propósito da sua frase sobre o “extermínio”. Na entrevista a Manuel Luís Goucha, primeiro disse que queria exterminar o Bloco e depois falou do Chega quando questionada…
Claro. O Bloco de Esquerda está no nosso cenário democrático há 20 anos, é aquele que já tem criado múltiplas metáteses na sociedade portuguesa. O Chega só agora chegou. Os efeitos nefastos do Chega são menores do que os efeitos nefastos do Bloco de Esquerda. Neste momento. Dêem-lhe espaço…
Com que propostas extremas do Chega não concorda?
Não sei se é verdade aquilo que fui lendo, propalado por alguns órgãos de comunicação social, que de vez em quando leio, e fiquei com a ideia de que havia propostas de pena de morte e prisão perpétua… Ouça: claro que não. Não preconizo a pena de morte. O sistema judicial, penal e civilizado é humanista. Quando aplicamos uma pena temos dois objetivos fundamentais: castigar e impedir que outros também o façam, mas nesse castigo queremos resgatá-lo. Se aplico a pena de morte, qual é a possibilidade que estou a dar ao indivíduo de interiorizar o desvalor da conduta que fez? Acredito que até ao último suspiro somos resgatáveis. E o mesmo para a prisão perpétua.
Mas se essa questão fosse referendada, teria de aceitar a vontade democrática.
Se o povo português soberanamente o determinasse, respeitaria a vontade do povo. Essa é a diferença que faz de mim uma democrata em relação àquele partido de que falou, a que eu não quero dar mais tempo de antena porque não merece, mas que é um partido extremista, de esquerda, e que é uma muleta vergonhosa do PS.
Se pudesse hoje não utilizar a palavra extermínio, não teria utilizado?
Não seria eu. Repito: ‘extermínio’.
Percebeu que Rui Rio ficou bastante incomodado em relação ao uso dessa palavra?
Percebi que muitas pessoas estão pouco habituadas a usar as palavras todas da língua portuguesa.
Incluindo Rui Rio.
Não, não. Rui Rio, coitado, foi confrontado com a pressão, a sair de um local…
Não, refiro-me à entrevista que Rui Rio deu à RTP3.
Sim, isso depois. O que tentou fazer, de uma forma muito didática, foi ensinar às pessoas lá em casa que a forma como usei a expressão só poderia ter um entendimento que era extermínio eleitoral. O Bloco de Esquerda não é uma pessoa. O Bloco de Esquerda é um partido político e, que eu saiba, os partidos políticos só se exterminam nas eleições.
“Com a minha candidatura acham mesmo que o Chega vai ter votos na Amadora?”
Admitiu fazer coligações pós-eleitorais com todos os partidos à exceção do Bloco. Porque é que o extremo do Chega é mais coligável do que o extremo do Bloco num executivo camarário?
Mas vocês acham mesmo que o Chega vai ter hipótese de ter votos na Amadora? Acha? Com a minha candidatura? Para quê? Porquê?
José Dias, presidente do Sindicato do Pessoal Técnico da PSP, alguém com conhecimento a nível da área das polícias, é candidato do Chega. Isso não seria razão suficiente para ter esses votos?
Vou ter os votos dele, claro que vou. O eleitorado português é um eleitorado muito inteligente. Portanto, eles fazem este raciocínio: ‘Se quero pôr termo a 40 anos de governação autárquica de esquerda, tenho que inteligentemente votar na única candidata que consegue erradicar por completo esse cancro que tem sido a governação de esquerda na Amadora. Não estou a querer parecer arrogante, mas a única hipótese sou eu.
A questão do bairro da Cova da Moura tem dominado esta pré-campanha eleitoral. Disse, recentemente, que “a Cova da Moura não precisa de ser toda erradicada — tem uma parte que precisa de ser erradicada”. Qual parte?
Vou já dizer-lhe: há lá moradias com piscinas. Muito melhores do que aquelas em que eu vivo em Cascais.
Portanto, essa parte, presumo, não vai erradicar.
Não. O problema da Cova da Moura é o mesmo problema de todos os outros bairros de lata, degradados, que existem na Amadora. A Amadora tem cerca de cinco a seis mil barracas. Acho vergonhoso que num Estado europeu, numa democracia como a portuguesa, que tem a presidência da União Europeia, existam pessoas que vivem nestas condições.
Qual é o seu plano?
Vamos requalificar aquelas habitações que já estão com parâmetros razoavelmente aceitáveis para um padrão mínimo de dignidade humana. E as outras erradicamos.
Já disse que não quer separar famílias, quer manter o tecido social…
Não, não pode! Quem acha que estes realojamentos que estão a ser feitos a conta-gotas na Amadora estão a ser bem feitos, não percebe nada das valências daquilo que é um melting pot. O capital mais importante da Amadora é o capital humano e é esse que tem sido mais desvirtualizado. Não quero deixar ninguém de fora. Não posso tirar pessoas de uma barraca para ir meter num bairrozinho social em que as pessoas quando passam por ali tentam não olhar.
Mas qual é o plano?
Vamos construir novas habitações.
Naquele mesmo espaço?
Algumas, poucas. Outras no tecido social onde eu vou viver.
E quanto é que custa?
Estamos à espera de uma orçamentação dos três grandes projetos que temos. Para a super-esquadra, já tínhamos uma orçamentação há cerca de duas semanas que teve de ser alterada, porque quero que existam também unidades residenciais para as nossas forças e serviços de segurança e locais onde eles possam fazer as suas refeições. Portanto, isto vai alterar o orçamento inicialmente previsto. Estou à espera da orçamentação para a construção de unidades habitacionais com padrões superiores àqueles que têm sido usados. E estou à espera da orçamentação de todos os centros de saúde que pretendo requalificar e construir. Há uma população flutuante que não aparece nos números. É aquilo a que chamamos de imigrantes ilegais. E que são seguramente mais de 10 mil em Sintra e mais do que 10 mil na Amadora.
Há um problema de imigração ilegal na Amadora? O que pretende fazer?
Infelizmente, nesta matéria, vou ter de articular políticas com o Governo central.
Mas tem instrumentos no plano autárquico.
Pois tenho, pois tenho. Mas tenho de passar por eles. Esse é o único impedimento que tenho. Se pretendo fazer da Amadora o concelho mais seguro do país tenho que dar instrumentos e esses instrumentos passam, por exemplo, pela construção de uma super-esquadra. No início, as pessoas disseram-me: “Mas quem tem essa responsabilidade é o Ministério da Administração Interna”. Como sabe, o Sócrates, numa das suas múltiplas bajulações populares, fez um protocolo com a Câmara da Amadora, em agosto de 2009, que vou denunciar, que vou denunciar e dar como letra morta. Já tiveram tempo suficiente para tratar desse assunto e disseram que eu tenho de esperar pelo ministro da Administração Interna. Qual ministro?! Este? Que se fosse de facto um ministro devia já ser cessante? Não, eu vou construir como fazem outros concelhos.
“Vou triplicar o número de polícias municipais”
Portanto, uma super-esquadra resolve os problemas de segurança na Amadora?
Não. O problema da segurança não pode passar só pela polícia. A polícia está no vértice. Passa por três questões fundamentais. Não há segurança sem uma educação conveniente desde muito cedo para a cidadania. Pela igualdade de oportunidades: é escandaloso termos pessoas que vivem em unidades habitacionais boas e outras que não sabem o que é ter habitação digna. Mas passa ainda por outra coisa: não há segurança onde não há pão. E há fome na Amadora. Portanto, tenho de criar emprego na Amadora. E vou conseguir isso através do meu cluster farmacêutico. O polícia está no vértice quando todas estas coisas de que eu aqui falei falharam. Mas não é só a polícia. Está também a Polícia Municipal. Sabe quantos polícias municipais existem na Amadora? Em 182 mil habitantes, há 13 polícias municipais. Estamos a brincar! Só pode ser. Vou triplicar, no mínimo. Um polícia não serve para estar a ver se o carro está bem ou mal estacionado. Nesta pandemia, verificámos que havia pessoas que não conseguiam descer as escadas para irem pôr o lixo à rua; verificámos que havia pessoas que faleciam e ninguém sabia.
E a Polícia Municipal pode também fazer isso?
A Polícia Municipal vai fazer isso desonerando assim de outras funções as nossas forças e serviços de segurança.
Já se referiu a alguns residentes da Cova da Moura como “marginais” e “parasitas da sociedade”, que “fazem reféns a maioria da população do bairro”. Também quer trazer estas pessoas de novo para a sociedade?
Na Cova da Moura, há uma maioria de habitantes corretos e profundamente trabalhadores. E sabe porque é que são profundamente trabalhadoras? Porque eu conheço-as bem. Porque eu vou com frequência à Cova da Moura, ao contrário desta elite de esquerda que fala sem saber do que está a falar e só conhecem ali uma associaçãozinha bonita, aquilo a que eles chamam as favelas democráticas, cheias de cor, frufus e confetis. Não vivem lá, vivem no Chiado. Essas pessoas ruidosas, que são uma minoria, devo dizer-lhe que a maioria não é mesmo residente na Cova da Moura, mas pessoas que vão para ali traficar e entregam as suas respetivas substâncias a crianças.
E qual é o plano que tem para travar esse fenómeno?
A requalificação, o aumento de patrulha naquelas zonas e a educação. Mais: tenho de puxar as crianças para o desporto. Não há equipamento desportivo na Amadora. Para cada habitante só há 9 metros quadrados de espaços verdes. Como é que é possível? 28% das crianças até 6 anos não têm pré-escolar. O salário médio mensal de uma pessoa na Amadora para o ano de 2018 era de 835 euros. Com 835 euros temos uma população profundamente ressentida, porque é trabalho não qualificado. Têm de trabalhar, mas não têm onde deixar os filhos. Porque é que acha que há tanta violência doméstica na Amadora também? O trabalho para as mulheres é uma forma de emancipação. A Amadora é também aquela que tem pessoas que trabalham até mais tarde possível nas suas vidas. Portanto, não há a alternativa de deixar as crianças junto dos avós e das avózinhas. Embora eu queira criar uma figura que se chama o “Avô Social” e a “Avó Social”, como acontece nos países nórdicos. Quero resgatar os seniores para terem mais e melhor na cidade da Amadora. Não tem que ser uma fatalidade que os cidadãos seniores na Amadora tenham apenas e só que esperar pela morte. Não tem de ser uma fatalidade que morram nos prédios sem elevadores e ninguém saiba que morreram. Não tem de ser uma fatalidade que não tenham o que comer.
Diz que quer a Amadora como Singapura. O que é que isto significa?
Até nisso fui atacada pela esquerda… Singapura, quando se tornou independente, era uma ilha que ninguém dava nada por aquilo. Não tinha recursos humanos, as pessoas não tinham casa… O primeiro primeiro-ministro fez a primeira grande política capitalista popular do mundo inteiro. Construir unidades habitacionais com dignidade e dá-las ao povo de Singapura. Segundo ponto: criação de emprego, passando por plataformas digitais, tecnológicas, e assim se construiu isso tudo. Outro aspeto. Num espaço tão pequeno, só tenho dois caminhos: ou continuo a construir desenfreadamente, como foi feito durante estas políticas de esquerda na Amadora, até um máximo de sete andares, ou então construo na vertical. Quero construir na vertical. 9 metros quadrados de espaço verde na Amadora é absolutamente insustentável. Vou alterar o Plano Diretor Municipal, que tem 30 anos. Vou construir uma Smart City na Amadora.
Lisboa tem 24 freguesias, a Amadora só tem seis. Já consegue saber quais são?
Inicialmente eram oito depois passaram a 11. E depois passaram a ser as atuais seis. A Sul, Alfragide. Depois temos a Encosta do Sol, que tem habitações onde um carro de bombeiros, se acontecer uma tragédia, nem consegue passar por lá. Depois tem umas Águas Livres, nome bonito, Mina de Água, depois Falagueira-Venda Nova e Venteira. Conheço a Amadora como a palma da minha mão.
A empresa municipal Amadora Inova já tem uma incubadora de empresas. Vai manter essa empresa?
Vou fazer algo diferente. Vou aproveitar as pessoas que já aí estão e o know-how existente. Não quero fazer uma rutura. Quero é regenerar.
Isaltino Morais é um “exemplo de presidência autárquica para qualquer pessoa”
Em 2017, um comentador televisivo candidatou-se a uma autarquia vizinha de Lisboa e acabou por tornar-se numa figura nacional…
Quem?
Acho que vai perceber. Acabou a formar um partido, ser deputado, candidato presidencial… Onde é que termina a sua ambição? Vê-se como deputada? Com um cargo executivo, como governante? Já nem lhe pergunto se se vê como presidente da Câmara da Amadora porque já percebi que sim.
Sim, isso é um dado adquirido.
Durante quanto tempo? Quatro, oito, 12 anos?
Quando comecei a reunir a papelada toda, quando comecei a ter reuniões com os concelhos limítrofes, com os presidentes das Câmaras que entendi que são os meus referenciais, sobretudo Isaltino…
É um exemplo para si?
O senhor presidente da Câmara Municipal de Oeiras é um exemplo de presidência autárquica para qualquer pessoa neste país.
Aparentemente só não é para o PSD, que não o apoiará.
Temos um candidato que é o Alexandre Poço, não é? Compreendo as dificuldades de gestão deste processo. Mas compreendo necessariamente a urgência de termos um candidato se não quisermos apoiar a candidatura de Isaltino. Se me pergunta se tive pena? Com certeza que tive. Estaria a ser hipócrita se dissesse o contrário.
Voltando à sua ambição…
Deixe-me só dizer uma coisa: tenho muita pena que André Ventura não tenha seguido o seu mandato [como vereador em Loures] até ao fim. As pessoas de Loures que votaram nele queriam mesmo que as coisas mudassem. Como o mandato não foi até ao fim ficaram suspensas. Quando assumimos uma coisa temos de a honrar até ao fim. Mas esta é a minha forma de estar na vida. Sobre a Assembleia da República, dispenso. E quando estava a fazer isto pensei: “Em quatro anos, ponho isto tudo a andar”. Não, já cheguei à conclusão que para o programa que tenho são precisos quatro anos. Mas depois vou precisar de mais quatro para concretizar melhor aquilo que fiz. Quero fazer aquilo que tenho de fazer, entregar as chaves e ir embora.
Faço-lhe a pergunta ao contrário. Se perder as eleições fica como vereadora?
Tenho de ficar. Não posso trair as expectativas dos que votaram em mim.