A proposta que desbloqueou a luz verde da Comissão Europeia ao plano de ajuda à TAP foi feita pelo Governo português menos de 20 dias antes de Bruxelas anunciar a aprovação final do plano de reestruturação que já estava em análises pelos serviços da concorrência há cerca de um ano.
A 3 de dezembro, Portugal propôs um compromisso estrutural para ultrapassar as reservas da DG Comp ao apoio público que previa a entrega pela TAP de até 18 slots no aeroporto de Lisboa, uma infraestrutura que estava em saturação antes da pandemia. A decisão final da DG Comp, cuja versão não confidencial foi divulgada esta semana, revela alguns detalhes da longa negociação, liderada por Miguel Cruz, o secretário de Estado do Tesouro. Um deles é que em caso de empate entre propostas concorrentes aos slots que a transportadora vai ceder, a Comissão Europeia irá favorecer a proposta que a TAP indicar como favorita.
Depois de ter considerado insuficientes as primeiras respostas dadas pelas autoridades portuguesas em agosto, na sequência da abertura da investigação aprofundado (e tal como o Observador noticiou), Bruxelas pediu informação adicional sobre o plano de reestruturação a 29 de outubro de 2021, tendo Portugal respondido a 16 de novembro.
Durante este período foram realizadas várias reuniões por vídeoconferência e pedidos de informação sobre movimentos aeroportuários antes da proposta formal de cedência de slots que é apontada como o principal compromisso assumido por Portugal para segurar a ajuda de 2,5 mil milhões de euro à TAP. E na decisão final, os técnicos europeus sublinham que o compromisso de que a TAP vai transferir slots num aeroporto congestionado onde tem uma posição de mercado significativa, para permitir aos concorrentes instalarem-se ou expandirem a sua base, é a medida mais eficaz para minimizar distorções na concorrência”. Esta cedência implica “assim uma mudança estrutural na paisagem competitiva no aeroporto de Lisboa”.
Ainda assim, as autoridades portuguesas conseguiram negociar algumas salvaguardas — há limites para os slots que a empresa portuguesa tem de entregar antes das oito da manhã e antes das oito da noite. Mas também há condições para os concorrentes: não podem ter sido sujeitos a remédios de concorrência no caso de terem recebido apoios de mais de 250 milhões de euros e têm de se comprometer em operar um número mínimo de aviões baseados em Lisboa (ou seja manter uma base) até ao final do plano de reestruturação: 2025.
O processo de seleção da empresa que vai ficar com os slots da TAP será conduzido pela Comissão Europeia assessorada por um auditor de monitorização que foi anunciado esta sexta-feira, Alcis Advisers, uma consultora alemã. Neste concurso será dada a preferência aos candidatos que ofereçam maior capacidade de lugares nos aviões que utilizem os slots em causa e sirvam o maior número de destinos em voos diretos operados pela frota baseada em Lisboa. Se a Comissão Europeia der a mesma classificação a várias propostas, ou seja, em caso de empate, será dada preferência à proposta que obtenha a maior classificação por parte da TAP (que pode usar qualquer critério para fundamentar a sua escolha desde que seja transparente), acrescenta a decisão da DG Comp.
A entrega de slots será válida pelo período de reestruturação e em nenhuma circunstância pode ser realizado outro concurso depois desse período. O processo terá de avançar a tempo de os slots serem cedidos ao concorrente para a temporada 2022/2023 da IATA (associação internacional de companhias aéreas) que arranca em outubro.
Um slot é uma reserva de tempo no aeroporto para a partida e chegada de aviões que constitui por isso um dos mais importantes ativos de uma companhia aérea. Não é por acaso que os principais braços de ferro entre companhias e a Comissão Europeia, quando estão a ser analisados planos de ajuda pública, acontecem por causa de slots em aeroportos congestionados. E foi também essa uma das principais pressões feitas pela Ryanair no combate contra a ajuda do Estado à TAP. A Ryanair e a Easyjet, as duas empresas low-cost que mais cresceram na Portela nos últimos anos, são aliás apontadas como duas das mais fortes candidatas aos slots que a TAP vai ter de entregar de graça, mas com algumas condições para acautelar a estratégia de captação e distribuição de passageiros para voos intercontinentais e o modelo de negócio assente no hub de Lisboa.
A TAP não pode ser obrigada a ceder mais do que um slot antes das 8h00 por avião que o tomador tem baseado em Lisboa; mais de metade dos slots do total abrangido no compromisso antes das 12hoo; e mais slots depois das 20h00 do que o total dos slots a ceder, menos um por cada avião que o tomador tenha baseado em Lisboa para operar voos de curta distância. Há ainda medidas que dão à TAP flexibilidade para definir a altura exata em que os slots são cedidos desde que o ajustamento temporal não penalize as operações planeadas de quem ficar com as reservas.
A Comissão Europeia aceitou ainda o argumento de Portugal de que forçar a TAP a ceder mais do que 18 slots diários no aeroporto de Lisboa iria pôr em causa a viabilidade da empresa no final do período de reestruturação, nomeadamente no cenário mais adverso do plano. Na informação complementar enviada aos serviços europeus da concorrência, a transportadora atualizou ainda as projeções sobre a retoma procura e receita, inferior à inicialmente prevista, mas também demonstrou que a redução de custos estava a ser superior ao inicialmente estimado.
Se negociação de novo acordo falhar, TAP aplica Código do Trabalho
Outra das dúvidas que Portugal teve de esclarecer foi o contributo próprio da empresa para o esforço de reestruturação face à dimensão do apoio financeiro. Depois de alguma discussão, as autoridades nacionais deixaram cair a redução de custos laborais negociada com os sindicatos da TAP como contributo próprio. Os acordos negociados com as estruturas sindicais para suspender os acordos de empresa são válidos até 2025 para dar tempo à negociação de novos acordos. Mas no caso dessas negociações falharem, a TAP deverá desencadear o fim dos acordos originais e aplicar o Código de Trabalho que é considerado menos restritivo do que as convenções coletivas negociadas com cada uma das classes profissionais.
O Governo usou ainda o interesse manifestado por grupos privados na TAP como argumento para convencer a Comissão Europeia que, não obstante a ajuda ser essencialmente pública, a transportadora mantinha capacidade para atrair capital privado. Para esta argumentação contribuíram também as negociações e financiamentos adicionais contratados com empresas de leasing e outras entidades financeiras, bem como a suspensão ou adiamento de prazos de pagamento aceites por credores que aceitaram não ativar cláusulas de default (incumprimento).
A Comissão Europeia aceitou a justificação dada por Portugal para não envolver os obrigacionistas no esforço pedido a credores de que a TAP precisaria de evitar o “risco moral” e manter no futuro a capacidade de ir aos mercados financiar-se. O facto de Humberto Pedrosa deixar de ter participação no capital da TAP SA, a empresa de aviação, ficando apenas na TAP SGPS, foi igualmente considerado um esforço do acionista privado na medida em que este não terá ganhos com a TAP recuperada (por via de dividendos ou venda). Ainda que se mantenha na Portugália que está dentro da TAP SGPS e que faz parte da operação central do grupo que Bruxelas autorizou a receber ajuda.