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© Hugo Amaral

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No Alentejo, na fronteira da servidão

Em Odemira, os empresários agrícolas queixam-se que os portugueses fazem demasiadas exigências e não querem trabalhar. A opção foi empregar tailandeses, que não se importam de viver em contentores.

Reportagem originalmente publicada a 17 de julho 2014

– “A tua casa lá na Tailândia é tão boa como esta?”
– “É melhor…”

A pergunta é de João Gonçalves, técnico agrícola de uma das maiores produtoras nacionais de tomate, e deixou inquieto Som Phong, 33 anos. “Casa, casa”, diz Som Phong, apressando-se para dentro do contentor metálico onde vive. O espaço total de 15 metros quadrados foi dividido para que o casal que também ali se encontra possa ter mais privacidade. Na parte que calhou a Som Phong há um beliche com duas camas colado a uma parede e um colchão encostado à parede oposta. É difícil imaginar três pessoas de pé ali dentro. Som Phong encontra um saco pequeno com três álbuns de fotografias.

“Casa, casa!”. Numa das imagens que Som Phong exibe com orgulho, a mãe e a irmã aparecem à frente de uma grande porta de madeira com um desenho em relevo. Noutra, veem-se dois andares de uma casa cujo piso térreo é de cimento e cujo piso superior está coberto por painéis de madeira. Som Phong vira o rosto para nós e fecha os olhos lentamente. “Não é muito diferente disto”, diz João Gonçalves.

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“Não gosto quando fazem muitas exigências salariais”

Sábado, 12 de julho de 2014. O presidente da Câmara Municipal de Odemira, José Alberto Candeias, visita as estufas da empresa de tomate na freguesia da Longueira/Almograve. Aparentemente tudo vai bem nesta sociedade agrícola, que exporta para Espanha e França 80% da produção, mas há um problema que incomoda o diretor: é muito difícil encontrar trabalhadores portugueses que queiram dedicar-se à agricultura.

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Desde maio entraram ao serviço 20 portugueses. Só cinco continuam até agora. “Alguns fizeram uma manhã e foram embora”, diz o diretor da empresa que emprega cerca de 170 trabalhadores, dos quais apenas 22 são portugueses e só oito trabalham nos campos. Os restantes são supervisores (três), técnicos (cinco), motoristas (dois) e administrativos (quatro). O relato feito pelo empresário soa familiar ao presidente da Câmara Municipal de Odemira, que diz ao Observador ser muito comum ouvir empresários locais queixarem-se da dificuldade de recrutar mão de obra portuguesa e do abandono do local de trabalho ao fim de pouco tempo.

À semelhança do que acontece em outras sociedades agrícolas da região, a solução, segundo Telmo Rodrigues, passa por dar emprego a imigrantes romenos, moldavos e tailandeses. Em breve, a empresa vai acolher um grupo de 20 nepaleses e mais 20 tailandeses, ainda que o diretor não saiba de que forma estes trabalhadores vão chegar a Portugal. “Se calhar são eles que pagam a viagem, não faço ideia”.

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Contrariamente aos imigrantes, os portugueses não têm motivação para trabalhar na agricultura, diz Telmo Rodrigues, que justifica esta situação com uma opinião: “Há pessoas que querem ganhar a vida sem trabalhar e isso acontece em Portugal, em Espanha e no mundo inteiro”. O diretor desta sociedade agrícola está convencido que é por isso que “90% dos trabalhadores agrícolas de todos os países são estrangeiros”.

José Alberto Candeias pensa que esta falta de motivação está relacionada com “o desprestígio do trabalho agrícola e com o aumento da qualificação dos trabalhadores”, mas diz que noutras épocas “a necessidade levaria as pessoas a permanecer na agricultura até encontrar outra atividade mais atrativa”. Telmo Rodrigues acha que muitas vezes os portugueses que trabalham nas suas quintas só o fazem “para não perder o subsídio”. Mesmo assim, o empresário diz que quer “dar trabalho a quem quer trabalhar” e colabora com o Centro de Emprego de Sines na tentativa de encontrar trabalhadores nacionais. Já entrevistou muitos portugueses e garante que é possível perceber se os entrevistados têm ou não perfil para a agricultura. “Não gosto quando começam a fazer muitas exigências salariais e de transporte. Quando acham que o salário é pouco…”

Telmo Rodrigues na estufa de Almograve

© Hugo Amaral

O empresário tem “consciência de que o salário mínimo é baixo”, mas diz que esse “é um problema político” e que não pode pagar valores mais elevados do que os 485 euros mensais porque na concorrência não existe nenhuma empresa que o faça. O concelho de Odemira, onde há duas quintas desta empresa, é o maior município português em extensão territorial, estando dividido em 13 freguesias. A boa qualidade da água, o clima temperado e a luz são algumas das características que tornam esta zona um lugar ideal para a prática da agricultura. Mas a região enfrenta alguns problemas relacionados com o acesso e os transportes, o que dificulta a distribuição dos produtos e a deslocação dos trabalhadores.

“Não se pode aceitar um emprego em que se pague pouco e se trabalhe para aquecer”, José Alberto Candeias, presidente da Câmara Municipal de Odemira

Telmo Rodrigues diz que não é fácil encontrar, nas aldeias mais próximas, pessoas suficientes para satisfazer a procura da empresa e admite não conseguir suportar os custos de transportar trabalhadores portugueses que vivem mais longe: “É complicado irmos buscar uma pessoa a 50 quilómetros de distância”. Ao Observador, José Alberto Candeias diz que a falta de mobilidade de alguns trabalhadores portugueses é um problema e compreende que nessas circunstâncias “não se pode aceitar um emprego em que se pague pouco e se trabalhe para aquecer”.

No caso dos imigrantes romenos e moldavos, que muitas vezes partilham casa em aldeias próximas, é mais fácil assegurar o transporte. Os tailandeses que vivem perto das estufas não precisam de se deslocar. Telmo Rodrigues diz ao Observador que, ao contrário dos outros trabalhadores da sua empresa, os tailandeses escolhem viver perto da quinta, dentro dos contentores. “Preferem viver mais apertadinhos. Estão habituados a viver em comunidade”.

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A poucos metros das estufas são instalados complexos com quatro contentores: dois dormitórios com três beliches de duas camas, uma cozinha e uma casa-de-banho com três chuveiros e três sanitários. Segundo Telmo Rodrigues, todos os contentores têm as mesmas dimensões – dois metros e meio por seis – e isolamento térmico.

O empresário assegura que os trabalhadores não pagam renda, nem contas. A água canalizada que chega a estes contentores é a mesma que se utiliza na quinta de forma gratuita. Telmo Rodrigues diz que em breve serão instalados contadores de eletricidade para impedir que os trabalhadores ultrapassem um determinado nível de consumo e para prevenir situações de desperdício. “Às vezes estão aí com os radiadores ligados e as janelas abertas…”

Telmo Rodrigues diz ao Observador que tenta não interferir na vida dos tailandeses, ainda que não lhe agrade muito as modificações que estes por vezes fazem, como os telheiros feitos de lona verde que muitas vezes cobrem os contentores ou funcionam como garagens improvisadas para os automóveis. Nas áreas de contentores acumulam-se centenas de garrafões de água e estende-se a roupa para secar. Também há hortas que os tailandeses plantaram e de onde colhem pepinos, ervas aromáticas e piri-piri.

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“Quando entram as condições são umas. Quando saem…”, lamenta Telmo Rodrigues ao mostrar alguns contentores vazios que em breve vão servir de casa a novos trabalhadores tailandeses. Na quinta da empresa na Zambujeira do Mar, João Gonçalves hesita em mostrar-nos os contentores porque, diz, “os tailandeses são porcos por natureza”.

“Os estrangeiros são carne para canhão e os portugueses não se sujeitam a isso”, Manuela Leal, trabalhadora agrícola

Palmira Encarnação Cruz, 49 anos, trabalhou 13 dias na empresa de Telmo Rodrigues. Como vive a cerca de 40 quilómetros das estufas de Almograve, o empresário forneceu-lhe uma carrinha para que conduzisse uma equipa de portugueses até à quinta. Alguns dos colegas de Palmira Encarnação Cruz desistiram passado pouco tempo. “Eram dez horas todos os dias e queriam que trabalhássemos aos sábados. Dentro da estufa faz muito calor. Alguns fartaram-se daquilo”, diz ao Observador. A antiga trabalhadora agrícola diz que o ordenado era baixo para “uma escravidão de tantas horas” e queixa-se que a pausa de 20 minutos durante a manhã “era paga com mais trabalho” porque saíam todos os dias às 19h20.

Um dia, Palmira Encarnação Cruz teve de ir a uma consulta. O médico disse-lhe que tinha três hérnias discais e que não podia continuar a trabalhar no campo. Palmira Encarnação Cruz diz que informou Telmo Rodrigues, que lhe disse: “É melhor a gente ficar por aqui… Fica em casa, vai-se tratar e fica assim. Uma vez que possas vir, tens a porta aberta”. Ao Observador, Palmira Cruz admite que preferiu ficar desempregada. “Para voltar para lá tinha de levar o carro sozinha e eram pelo menos 80 quilómetros todos os dias. Assim não ganhava para o gasóleo. Preferi ficar com o subsídio”.

Nas estufas de Almograve

© Hugo Amaral

Manuela Leal, 33 anos, foi entrevistada para trabalhar na empresa de Telmo Rodrigues, mas não chegou a ser contratada. “O senhor disse que entrava em contacto comigo. À partida sabia que ele não metia pessoas portuguesas, mas não sei porque é que não fui chamada”. Acabou por conseguir emprego noutra empresa da região, mas, como conta ao Observador, um dia, levantou-se para endireitar as costas e foi denunciada por não estar na posição correta. “Não se pode estar de joelhos nem de pé. É um sistema um bocado fascista”, diz.

Manuela Leal não gostou e foi embora. Atualmente trabalha nas estufas de framboesa e está satisfeita com as condições. Ao salário mínimo acrescem as horas extra que em parte são pagas ao mês, sendo que o restante vai para um banco de horas e é pago depois de três meses. Para esta trabalhadora agrícola, há poucos portugueses nos campos porque o “salário é baixo”, mas também porque têm menos tolerância para “certo tipo de tratamento”. Há muito tempo que Manuela Leal ouve comentar, nos cafés e na comunidade, que “os estrangeiros são carne para canhão”, trabalhando “dia e noite” e que os portugueses “não se sujeitam a isso”.

Ângela Mestre, 37 anos, trabalhou durante maio de 2014 na empresa de Telmo Rodrigues e diz que só saiu porque o antigo patrão a chamou de volta para trabalhar num estabelecimento de turismo rural local. Sobre a curta experiência agrícola, Ângela Mestre diz que “é um trabalho que se consegue fazer” e acrescenta que “há trabalhos mais duros”. O pior, diz, “é o calor na estufa”.

“Às vezes vão embora, mas depois aparecem outra vez. Já se habituaram ao nível de cá”, Telmo Rodrigues

Não é calor que se sente aqui. É uma sensação artificial de sufoco. Como se o espaço disponível para respirar não fosse suficiente. Por cima, aberturas no plástico caiado revelam faixas de um azul claro e luminoso que aliviam momentaneamente.

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Telmo Rodrigues admite que em alguns dias de calor excessivo trabalhar nas estufas pode ser “massacrante” e “duro”. Nesses dias, “até as flores murcham” e o empresário sabe que “se as pessoas não aguentam, também não é bom para a planta”. Mas, para além do calor, Telmo Rodrigues não entende as queixas de que o trabalho é árduo. Começa a limpar as plantas e a tirar-lhe as folhas. Depois, prende a rama a um cordão com uma mola. “É assim tão difícil?”

Segundo o diretor desta empresa, o horário de trabalho começa às 8h e termina às 17h20, existindo dias em que é necessário fazer nove horas. Por vezes é preciso trabalhar durante os fins de semana. Isabela Rusu, 26 anos, diz que o dia de trabalho dura até às 19h20, mas “fácil”. A romena trabalha com a irmã, Adriana Ivascu, 25 anos, que pensa que o que recebem não é suficiente para aquilo que fazem. “Mas nós na Roménia não conseguimos encontrar trabalho”, diz. Para além disso, a mãe, empregada de limpeza, trabalha toda a semana e tem um salário de 100 euros. Segundo Adriana Ivascu, o ordenado que recebe em Portugal dá “para a renda, para comida e para enviar um pouco à mãe”. Quanto aos colegas portugueses que desistiram, Adriana Ivascu é taxativa: “Os portugueses não gostam de trabalhar… Trabalhamos nós”. “Diziam que estava muito calor… Não estão habituados!”, continua a romena.

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“Consigo perceber o que os portugueses têm na cabeça”. Grigore Diaconu, 31 anos, é encarregado geral nas estufas de Almograve e diz que mais de metade dos portugueses que ali chegam o fazem apenas para “não dizerem que não têm trabalho”.

Grigore Diaconu chegou há dez anos da Moldávia e diz que apesar de a adaptação ao trabalho agrícola não ter sido “fácil”, ninguém trabalha tanto tempo nos campos “se não gostar daquilo que faz”.

“O trabalho fácil não é. O calor é um problema. Mas dizer que é muito duro também não…”. Grigore Diaconu tem duas filhas nascidas em Portugal e não sabe se algum dia vai regressar à Moldávia. “Nunca se sabe para onde a vida vai”. Mas diz que não se arrepende dos dez anos que passou aqui. “Não penso que perdi tempo. As coisas que consegui comprar na minha terra…”

Telmo Rodrigues diz que Grigore Diaconu “está bem”, recebendo cerca de 50% mais do que os restantes trabalhadores agrícolas. Um exemplo de que “é possível fazer carreira”, como defende o empresário. “Os supervisores de hoje fizeram trabalho de colheita, plantações…”

O diretor da empresa de tomate diz que alguns dos trabalhadores que saíram das suas estufas para procurar melhores condições noutros locais “só não regressam por uma questão de orgulho”. Telmo Rodrigues sabe que há tailandeses que são maltratados nas empresas onde trabalham e diz que paga todas as horas extra aos seus empregados. “Não temos cá essa coisa do banco de horas”.

“Isto para eles é uma maravilha”, diz Telmo Rodrigues, que sabe que alguns dos trabalhadores que tentaram voltar para os países de origem não conseguiram ficar, regressando à empresa. “Às vezes vão embora, mas depois aparecem outra vez. Já se habituaram ao nível de cá”.

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