O líder da esquerda radical grega já não assusta ninguém. Nem em Bruxelas, nem em Frankfurt, nem sequer em Berlim. Antes pelo contrário, até já recebe elogios do presidente do Banco Central Europeu. Longe vão os tempos em que os sinais de alarme soaram pela Europa após a vitória dos esquerdistas do Syriza.
Entretanto, muita coisa mudou. E Alexis Tsipras aproveita para manter cada vez mais encontros com outras formações da esquerda europeia, à procura de convergências, sobretudo contra as políticas de austeridade. Com a imagem “reabilitada” após aceitar o terceiro resgate, tornou-se até um líder cobiçado na capital belga. E com os socialistas e social-democratas a viverem as dúvidas de uma crise existencial, o grego aposta em fazer pontes entre as esquerdas.
Nos primeiros meses do ano, Alexis Tsipras e o Syriza prolongaram um braço de ferro, perdido de antemão, com as instituições da troika e os parceiros da zona euro. Esbarraram na Europa e os líderes europeus fizeram-lhes ver a realidade “obrigando-os” a aproximarem-se do centro. Será assim? Há dois factos: Tsipras está amarrado a um programa de reformas “neoliberais” e pelo caminho libertou-se da ala dos esquerdistas mais radicais do Syriza (que entretanto formaram o partido Unidade Popular).
“No passado, Tsipras disse que, devido à sua idade, tem uma chance de transformar a política grega. De forma a subsistir, ele deverá mover-se em direção ao centro”, afirma Daniel Gros, director do Centro de Estudos de Política Europeia, um dos principais think tanks na capital belga. Ao Observador explica que “o ponto de viragem” de Alexis Tsipras foi quando tomou a decisão de manter a Grécia no euro “a qualquer preço”.
A mesma opinião é partilhada por Dimitris Tsarouhas, investigador na Fundação de Estudos Progressistas Europeus (think tank próximo dos socialistas europeus). “Ao assinar o acordo [para o terceiro resgate], o Syriza aproximou-se do centro. O que as pessoas nem sempre sabem é que os que votaram Syriza são muito menos radicais do que as bases ou do que a liderança do partido. Tsipras parecer ter percebido isso. Muitos dos eleitores de centro-esquerda foram parar ao Syriza. Mas é incerto até que ponto o partido se vai transformar no sentido do centro-esquerda”.
Se isso fará de Tsipras um líder reformista de perfil social-democrata vai depender da forma como ele “se apropriar” das reformas que tem de aplicar, ao abrigo do programa de resgate, e da linguagem que utilizar em relação ao centro-esquerda na Grécia, sublinha este académico do FEPS.
PREC europeu? Ou convergências contra a austeridade?
Alexis Tsipras tem tentado cimentar laços com outras forças de esquerda na Europa. Nesse sentido tem multiplicado operações de charme junto de vários grupos políticos, emergindo como construtor de pontes. É raro que um chefe de governo mantenha contactos com outros partidos, para além dos da sua própria família política europeia.
O Parlamento Europeu (PE) está no centro dessa estratégia de aproximação. Veja-se, por exemplo, os encontros que manteve antes da última cimeira em Bruxelas: reuniu com o presidente do PE, o social-democrata alemão Martin Schulz, com Gabi Zimmer, a líder do grupo da Esquerda Unitária, com os líderes do grupo dos Verdes, e ainda com Catarina Martins e Marisa Matias.
O primeiro-ministro grego tem discutido com as bancadas parlamentares a necessidade de envolver o Parlamento Europeu no acompanhamento do programa de assistência à Grécia. Mas, sobretudo, Tsipras quer convergências em matéria de políticas contra a austeridade ou nas questões ambientais, e inverter a relação de forças.
Não são novidade os contactos frequentes com os membros do grupo da Esquerda Unitária, a “sua” bancada europeia a que pertencem os eurodeputados do Syriza e de outros partidos comunistas e esquerdistas como o PCP e o BE. Entretanto, o líder grego estabeleceu boas relações com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, com quem se encontra várias vezes. Nos momentos mais difíceis das negociações do resgate, o político alemão mostrou-se sempre disponível para lançar pontes entre Tsipras e os parceiros europeus.
Assim é também com Gianni Pittelli, o líder do grupo dos socialistas e democratas, o segundo maior do PE. Em Setembro, Tsipras reuniu com Pittella. Na ementa: a crise migratória, questões económicas e reestruturação da dívida. Mas também, de novo, a necessidade de fazer frente às políticas de austeridade.
Para muitos ecologistas, a convergência das esquerdas é óbvia. A alemã Ska Keller, uma das eurodeputadas mais ativas no estreitar de laços, defende a necessidade de os “partidos ditos progressistas trabalharem juntos em questões como os refugiados ou contra a austeridade”. Por isso, Keller considera que Tsipras é um líder importante “para começar a mexer as coisas na Europa, mas é apenas um governo em 28. Isso não muda a UE”.
Jan Bernas, porta-voz do líder socialista, reconhece que se “procura uma cooperação estreita para fazer face aos desafios comuns. Apesar de pertencermos a famílias políticas diferentes, é possível travar batalhas comuns”, dando o exemplo da oposição às políticas de austeridade, a luta contra a evasão fiscal ou a questão das migrações. “É bem-vindo para travar essa batalha”, afirma o porta-voz do líder da bancada socialista.
Nos contactos em Bruxelas, Tsipras faz questão de não esquecer o grupo dos Verdes. Os ecologistas no PE estiveram ao lado da Grécia durante as negociações entre Atenas e as instituições da troika. Os contactos entre os Verdes e o governo grego são sólidos e frequentes, até porque o atual secretário de Estado do Ambiente do executivo de Tsipras é do partido ecologista grego.
Para muitos ecologistas, a convergência das esquerdas é óbvia. A alemã Ska Keller, uma das eurodeputadas mais ativas no estreitar de laços, defende a necessidade de os “partidos ditos progressistas trabalharem juntos em questões como os refugiados ou contra a austeridade”. Por isso, Keller considera que Tsipras é um líder importante “para começar a mexer as coisas na Europa, mas é apenas um governo em 28. Isso não muda a UE”.
Na opinião do investigador Dimitris Tsarouhas, o líder grego desejaria muito uma coligação das esquerdas contra a austeridade. “Durante a crise, ele estabeleceu uma relação de confiança com vários líderes progressistas como o presidente Hollande, o chanceler austríaco Faymann ou o primeiro-ministro Renzi”.
Socialistas Europeus preferiam governo das esquerdas em Atenas
O cordão sanitário à volta de um governo da esquerda radical na UE deixou definitivamente de existir. Quando, a 20 de Setembro, Tsipras ganhou as eleições pela segunda vez, sem maioria, vozes socialistas pela Europa fora manifestaram o desejo de ver uma coligação entre o Syriza e o Pasok (e o To Potami) no governo em Atenas.
Gianni Pittella reagia ainda no dia 20 apelando a “Tsipras, líder do partido vencedor, para tomar as medidas necessárias, em cooperação com os nossos partidos irmãos – To Potami e Pasok – para formar um governo progressista forte para quatro anos”. Mas o primeiro-ministro grego não lhe deu ouvidos e voltou a juntar-se a um pequeno partido da direita nacionalista. Este facto frustrou as expectativas de muitos no centro-esquerda, como o líder do Partido dos Socialistas Europeus, Stergei Stanishev, que lamentou a exclusão do Pasok.
Outros partidos, como o PSOE, viam com bons olhos uma coligação à esquerda. O PS francês chegou mesmo a afirmar em comunicado que a vitória do Syriza e de Tsipras “é uma boa notícia” para a Grécia e para a Europa, porque barrou o caminho à direita. Já o PS de António Costa desta vez optou pelo low profile, ao contrário do que aconteceu em janeiro.
E aqui surge um ponto: enquanto Tsipras aparece empenhado em convergências e recolhe simpatia entre socialistas europeus, enquanto ele “vira” ao centro, obrigado a isso pelo programa de resgate, ao mesmo tempo várias forças de centro-esquerda com vocação de governo fazem o percurso inverso. É assim que, por força das circunstâncias, partidos socialistas e socais-democratas guinam à esquerda como acontece com o PS português ou o Labour de Jeremy Corbyn. Serão estas movimentações na Europa também consequência do efeito Tsipras/Syriza? Estarão uns e outros a evoluir, a aproximar-se?
“Há um paradoxo: enquanto o Podemos parecer estar a perder nas sondagens desde que o Syriza assinou o programa de resgate, o Labour no Reino Unido votou entusiasticamente em Jeremy Corbyn. Os partidos sociais-democratas encontram-se confusos: hesitam em seguir o caminho dos partidos à esquerda, por medo de perderem o centro, apesar de terem a consciência de que os seus eleitores tradicionais os estão a abandonar para votarem em pequenos partidos ou, nalguns países, na extrema-direita”, diz Dimitris Tsarouhas do laboratório de ideias dos socialistas europeus.
Um entre pares
Ao longo dos últimos meses, já depois das negociações de mais um programa de assistência à Grécia e sobretudo após a sua terceira vitória nas urnas em setembro, Tsipras tem sabido ganhar a confiança dos parceiros europeus.
Depois do longo psicodrama financeiro, que dominou as atenções da Europa no primeiro semestre, o primeiro-ministro deixou de ser visto como um reivindicador para se tornar num fator de garantia de que o programa de reformas seria cumprido. Pelo menos por agora, porque o grau de imprevisibilidade da política grega e do Syriza bate recordes.
Tsipras é o único chefe de governo oriundo da esquerda radical, mas a tormenta parece afastada. Hoje, o radical de esquerda senta-se nas reuniões do Conselho Europeu juntamente com 27 líderes conservadores, liberais e socialistas. É um entre pares, tirando o facto de que continua sem gravata. E nas cimeiras já não existe a desconfiança e a tensão que gerou nos primeiros meses do ano. Fontes comunitárias, que acompanham as reuniões do Conselho, garantem que o “ambiente é muito mais construtivo” e “melhor do que antes”. Tsipras? “Um líder como um outro”.
Prova de que o ambiente está normalizado é a declaração de há dias do presidente do Banco Central Europeu. Mario Draghi dissipou dúvidas sobre o atual momento e até elogiou Alexis Tsipras. “Muitas coisas assumiram um rumo melhor num curto período de tempo e isso deve-se ao primeiro-ministro grego, ao governo grego e ao povo grego”, afirmou Draghi numa entrevista ao jornal Kathimerini. O chefe do BCE mostrou-se até favorável a uma forma de alívio da dívida grega.
Mas apesar de agora colecionar simpatias, e de manter maior proximidade pessoal com alguns líderes, o facto é que Tsipras não tem um só aliado no Conselho Europeu ou na Comissão – onde realmente se decide -, que alinhe nas suas ideias anti-austeridade e de inversão de políticas económicas na Europa, como aliás ficou sobejamente claro nas negociações do resgate com os parceiros europeus.
Apesar da retórica “anti-austeritária” de alguns socialistas para consumo interno nos estados membros, a verdade é que ninguém está disponível para alterar as políticas económicas vigentes na UE.
Programa de Tsipras? Austeridade
O líder grego está mergulhado numa contradição insanável: defende políticas radicais de esquerda, vence várias eleições fazendo campanha contra a austeridade mas deverá aplicar um programa de reformas duríssimas. Pior: o programa de reformas que tem de executar está nos antípodas do que o líder da esquerda radical sempre defendeu: aumento de impostos, cortes nas despesas, privatizações, reforma do mercado de trabalho e do sistema de pensões, despolitização do setor público. É este o programa de governo do primeiro-ministro grego, sobrando-lhe quase nada como margem de manobra.
Por outro lado, não haverá cortes nominais da dívida, tal como o Syriza pretendia. Sem esquecer que o terceiro resgate atinge os 86 mil milhões de euros e implica a vigilância da Grécia por parte das instituições.
Curiosamente, a mesma Europa que rejeitou e derrotou Tsipras, e que depois o “obrigou” a mover-se em direção ao centro político, poderá ter contribuído para o manter por mais uns anos no poder em Atenas.
“Tsipras não tem outra opção senão a de executar o programa [do terceiro resgate]. As condições não são assim tão más. Por isso a questão é: vai conseguir desta vez? A resposta deverá ser: provavelmente sim”, diz Daniel Gros. O investigador acredita que, por comparação com os dois primeiros resgates, a situação é agora diferente. Apesar das dificuldades económicas e financeiras, há alguns indicadores que permitem algum otimismo: o programa de resgate tem amplo apoio no parlamento e deverá haver estabilidade política.
Tsipras perdeu o braço de ferro com as instituições da troika e com os parceiros europeus. À austeridade vai aplicar uma dose de mais austeridade. Mas isso está a levá-lo para o centro de espetro político. Curiosamente, a mesma Europa que rejeitou e derrotou Tsipras, e que depois o “obrigou” a mover-se em direção ao centro político, poderá ter contribuído para o manter por mais uns anos no poder em Atenas. E como governaria Tsipras sem os constrangimentos da austeridade, em tempos “normais”? Teria sequer sido eleito?