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A demissão do Governo acelerou as negociações de um conjunto de matérias que vão afetar salários e progressões de muitos funcionários públicos ao produzir efeitos em 2024 e 2025 ou até depois. Além dos aumentos salariais decididos em sede de Orçamento do Estado, uma das mais significativas é a revisão do sistema de avaliação que afeta a maioria dos funcionários públicos (excluindo, por exemplo, os professores, que têm outras regras) e que vai acelerar as progressões para mais pessoas.
A escala de avaliação é reformulada, mais pessoas podem ter notas mais altas (mas as quotas não acabam, ao contrário do que pediam os sindicatos) e dar o “salto” mais cedo do que até aqui, evitando-se que tenham de esperar 120 anos (sim, 120) para chegar ao topo. Dentro das carreiras gerais, além desta alteração, os técnicos superiores veem a carreira completamente reformulada, com o caminho até ao topo a ser encurtado.
Nem tudo é para 2024. Algumas destas alterações têm efeito já em janeiro, mas muitas outras ficam para 2025 ou mesmo depois, à medida que os funcionários forem acumulando na avaliação os pontos necessários para progredirem.
A quem se aplicam as alterações no sistema de avaliação?
Nem todos os funcionários progridem com as mesmas regras. O sistema de avaliação que sofreu alterações foi o chamado SIADAP, que abrange 65% dos cerca de 740 mil trabalhadores do Estado. Fora deste sistema estão, por exemplo, os professores, os militares, os magistrados e oficiais de justiça, que têm regras de progressão diferentes.
Vai ser mais rápido progredir para quem é abrangido pelo SIADAP?
Sim. A lentidão da forma como os funcionários públicos progridem tem sido criticada pelos sindicatos e foi reconhecida pelo governo ainda era Alexandra Leitão ministra com a pasta da função pública. Já com Mariana Vieira da Silva como ministra o tema passa a ser considerado uma das prioridades e a intenção de rever o SIADAP integrou o acordo de valorização da função pública assinado há um ano.
Esta revisão, agora concretizada, pressupõe diversas alterações. Por um lado, para progredirem — isto, é para transitarem para a posição remuneratória seguinte — os trabalhadores passam a ter de juntar oito pontos em vez dos dez atualmente exigidos.
Além disso, aumenta o número de trabalhadores que podem progredir com mais do que um ponto por ano, de 25% para 60%. É que os trabalhadores avaliados segundo o SIADAP enfrentam quotas de avaliação que limitam o número de funcionários que podem ter “excelente” ou “muito bom”. Até aqui, os ciclos de avaliação eram de dois em dois anos e havia quatro notas de avaliação:
- inadequado: vale um ponto negativo por ano
- adequado: vale um ponto por ano
- relevante: dois pontos por ano e tem uma quota de 20% (ou seja, só 20% podem ter “relevante”)
- excelente: três por ano e 5%
Esta escala foi revista. É introduzida uma nova nota, de “bom”, e é alargada a quota de “muito bom” e “excelente”. Além disso, o ciclo de avaliação passará a ser anual a partir de 2025 (em 2023 e 2024 ainda se aplica a lógica anterior em que a progressão só se efetiva ao fim de dois anos de avaliação). A escala passará a ter esta configuração:
- inadequado: zero pontos
- regular: um ponto por ano
- bom: 1,5 pontos por ano e quota de 30%
- muito bom: dois pontos por ano e 20%
- excelente: três pontos por ano e 10%
O Governo diz que esta alteração faz duplicar as quotas “com potencial de progressão mais rápida”, de 25% para 60%: 30% podem ter dois ou três pontos e outros 30% podem ter 1,5 pontos. Além disso, “garante a perspetiva de poder ser feito um percurso profissional que permite atingir as últimas posições da carreira”, lê-se no novo acordo assinado no final de novembro.
Segundo o Governo, a percentagem de assistentes operacionais que podem atingir o topo da carreira sobe de 5% para 60%; no caso dos assistentes técnicos passa de 5% para 31%.
Estas regras aplicam-se já em 2024?
Sim, mas só se efetivam em 2025. Isto porque os ciclos de avaliação só serão anuais a partir de 2025. Em 2024, ainda está a decorrer o ciclo avaliativo de 2023 e 2024 e só no final de cada ciclo é que a progressão se pode efetivar.
Isto quer dizer que a nova escala se aplica já na avaliação de 2023 e de 2024, mas o trabalhador só pode efetivamente progredir em 2025. Há, porém, uma exceção: um “acelerador” de progressões, que nada tem a ver com a revisão do SIADAP, pode — sublinhe-se o pode — fazê-lo progredir em 2024. Mas isso é resposta para o ponto 6.
A revisão do SIADAP começou a ser negociada e estudada no início deste ano, com reuniões técnicas entre as partes. A ideia era que produzisse efeitos apenas em 2026, após o ciclo de avaliação de 2025. Mas depois do anúncio da demissão, o Governo decidiu antecipar esse calendário para a generalidade das medidas.
Se em 2025 tiver acumulado 10 pontos mas só preciso dos 8 para progredir, o que acontece aos restantes dois?
Usa os oito e mantém os outros dois pontos, que serão usados para a progressão seguinte. Essa é a regra: os “pontos sobrantes” são sempre mantidos, não os perde.
Então o que se aplica já em 2024?
Há várias forças em andamento que podem conjugar-se para garantir aumentos salariais.
- A atualização salarial, que dará aumentos de 52 euros, num mínimo de 3%, paga a partir de janeiro. Este aumento aplica-se a todos os funcionários públicos.
- O chamado “acelerador” de progressões, que se aplica apenas aos trabalhadores que tiveram a carreira congelada entre 2005 e 2007 e 2011 e 2017, dando-lhes direito a uma única progressão com regras mais vantajosas: dão o salto para a posição remuneratória seguinte quando reúnam seis pontos na avaliação (em vez dos 10 aplicados até aqui). Estas regras aplicam-se apenas numa progressão, sendo que nas seguintes o trabalhador volta a ter de reunir os pontos necessários (que a partir de 2025 são os tais oito pontos).
- A revisão da carreira de técnico superior, que será explicada de seguida.
Estas alterações já foram aprovadas em Conselho de Ministros. No primeiro caso, a atualização salarial já foi promulgada por Marcelo Rebelo de Sousa (e já foi publicada em Diário da República). As outras duas ainda aguardam luz verde.
Como funciona esse “acelerador”?
O acelerador só se aplica a quem teve a carreira congelada nos tais dois períodos de congelamento, ou seja, aos funcionários públicos que o são desde 2005 ou antes. Se teve a carreira congelada e em janeiro tem seis pontos ou mais progride já em 2024. Se tiver oito pontos, usa os seis e acumula os restantes dois. Se tem menos de seis pontos, só pode usufruir do acelerador no ano em que os obtiver.
O Governo estima que a medida abranja 72 mil trabalhadores em 2024.
E para os dirigentes, há novidades?
Sim, a nível de prémios. O Governo criou prémios para os dirigentes que tenham as melhores avaliações. Os dirigentes de topo (por exemplo, diretor-geral ou secretário-geral) que sejam considerados excelentes vão ter um prémio de 4.000 euros (direção superior de 1.º grau); que baixa para 3.400 euros nos cargos de direção superior de 2.º grau. A avaliação do desempenho destes dirigentes corresponde à avaliação final dos serviços, sendo que apenas 20% dos serviços podem ser excelentes em cada governativa.
Também os dirigentes intermédios serão premiados: segundo a proposta de diploma que foi enviada aos sindicatos, os que tenham “excelente” (só 5% podem ter esta nota) têm um prémio entre 2.400 e 3.200 euros, consoante o grau; os que têm “muito bom” (só 10% podem ter) terão um prémio entre 1.800 e 2.400. Já os que são “bom” (15%) serão premiados entre 1.200 e 1.600 euros.
Há mudanças específicas para a carreira de técnico superior? Quais?
São várias. O Governo tem argumentado que é preciso reforçar a qualificação e atrair técnicos superiores e, por isso, também acelerou a revisão desta carreira após o anúncio da demissão. A carreira de técnico superior era uma das que era mais difícil para chegar ao topo. Várias vezes os sindicatos apontaram que seriam necessários 120 anos para a generalidade dos trabalhadores (se a avaliação fosse de um ponto por ano) atingirem o máximo da carreira.
O que ficou estabelecido, inclusive no novo acordo para a função pública assinado pelo Governo antes de entrar em gestão com o STE e a Fesap (a Frente Comum, da CGTP, voltou a ficar de fora), é que o caminho até ao topo da carreira será encurtado, o que significa que o número de posições remuneratórias da carreira diminui de 14 para 11.
A tabela é praticamente toda remodelada. A primeira posição remuneratória, atualmente de 1.122,84 euros, e que abrange hoje apenas os trabalhadores em mobilidade (por exemplo, assistentes técnicos que tiraram uma licenciatura) deixa de existir. Em janeiro, os trabalhadores passam diretamente para a nova primeira posição remuneratória, antiga segunda posição, que é hoje de 1.333,35 euros. Mas perdem os pontos de avaliação que já tinham acumulado — isto para não prejudicar quem já estava nessa segunda (nova primeira) posição.
A transição para a nova tabela vai ser feita com “neutralidade orçamental”. Ou seja, a maioria dos trabalhadores não transita automaticamente para a nova tabela — lá está, só os que estavam na primeira posição. Em vez disso, ficam com os salários atuais, em posições intermédias, até terem os pontos suficientes para progredir para a nova carreira.
O Governo diz que, com esta nova estrutura, um técnico superior que tenha uma avaliação de desempenho excelente pode atingir o topo da carreira em 27 anos de serviço, em vez dos atuais 40 anos.
Esta lógica de revisão da carreira aplica-se, com as devidas adaptações, às carreiras especiais de técnico superior especialista de estatística e de técnico superior especialista de Orçamento e Finanças, nas quais se reduz de 14 posições para 12.
O que é que estas mexidas significam no salário?
Depende do nível em que está. Como referido, apenas os trabalhadores que estão na primeira posição remuneratória da carreira de técnico superior (cerca de 1.250 pessoas) têm um salto automático em 2024, que será de 210,51 euros (de 1.122,84 para 1.333,35 euros), por via da revisão da carreira.
Os restantes vão progredir consoante forem reunindo os pontos necessários — seis ao abrigo do acelerador de progressões que só se aplica uma vez a quem trabalha há 18 anos ou mais anos; ou oito na progressão ‘normal’. O Governo estima que cerca de oito mil técnicos superiores estejam em condições de progredir em 2024 por via do acelerador.
Significa isto que, por exemplo, um trabalhador que está hoje na segunda posição (1.333,35 euros, que na nova tabela é a primeira) passará na próxima progressão (que pode não ser já em 2024, dependendo dos pontos reunidos) a receber mais 263,17 euros para 1.596,52 euros, o valor da nova segunda posição remuneratória. Este salto é superior em cerca de 52 euros face ao que seria com a tabela antiga.
Outro exemplo: quem está na atual terceira posição, de 1.543,88 euros, quando reunir os pontos necessários para progredir, vai ter um salto de 315,79 euros, para 1.859,67. São mais 105 euros do que na tabela em vigor até aqui.
Mais um exemplo: um trabalhador que esteja hoje na oitava posição (2.596,53 euros) vai com a próxima progressão passar para a receber 2.755,84 euros, mais 159,31 euros. Neste caso, é exatamente o mesmo do que na carreira atual. Isso mesmo acontece com quem está hoje na 8.ª, 9.ª, 12.ª, 13.ª e 14.ª posições. O ganho na próxima progressão face ao que está hoje em vigor pode ir, então, de 0 euros até 107,38 euros (para quem está hoje na 11.ª posição).
De notar que a estes aumentos acrescem as atualizações salariais já referidas, de 52 euros num mínimo de 3%.
Assim ficará a nova tabela (em comparação com a antiga):
Mas não eram 40 mil os técnicos superiores a progredir?
A proposta inicial do Governo era que 40 mil técnicos superiores (de um total de 68 mil) passassem automaticamente para a nova tabela em 2025 (não em 2024). Mas tinha um “senão”, que não agradou aos sindicatos. É que para evitar injustiças (ultrapassagens, por exemplo) entre os trabalhadores nas várias posições remuneratórias, esta proposta pressupunha a perda proporcional de pontos na avaliação.
Os sindicatos contestaram e na nova versão da proposta do Governo — que foi a que valeu — houve duas alterações importantes: para a esmagadora maioria a transição para a nova tabela não será automática e só acontece quando reúnem os pontos necessários; em compensação, não há perda de pontos. O Negócios noticiou que, no comunicado divulgado pelo Governo no dia em que o acordo ficou fechado, o Executivo dizia que 40 mil pessoas teriam “aumentos salariais diretos” e “já em 2024”. O Ministério viria a corrigir a informação.
Ou seja, entre os técnicos superiores com acelerador em 2024 (cerca de oito mil, confirmou o Governo ao Observador) e com a progressão automática (1.250), cerca de nove mil técnicos superiores progridem em 2024.
Sem recuperarem tempo de serviço, o que muda para os professores?
Tal como todos os funcionários públicos, os professores vão ter uma atualização salarial em janeiro de 52 euros, num mínimo de 3%. Alguns professores também terão direito, ao longo do ano, ao “acelerador” de progressões, que os isenta de vagas para acederem ao escalão seguinte. Este foi o precursor do “acelerador” que se aplicou depois às carreiras gerais, com as devidas alterações dado que toda a lógica de progressão é diferente. E tal como nas carreiras gerais, só se aplica aos professores que começaram a trabalhar em 2005 ou antes e que, portanto, foram abrangidos pelos dois períodos de congelamento.
Sem este acelerador — que só se aplica uma vez — os professores teriam de aguardar vaga. De acordo com o Ministério da Educação, a passagem do 4.º para o 5. escalão corresponde a um aumento salarial de 156,45 euros por mês e de 248,49 euros para quem passa para o 7.º escalão, com efeitos retroativos a 1 de janeiro.
Além da isenção de vaga, segundo a Lusa, está prevista a recuperação do tempo em que ficaram a aguardar vaga nos 4.º e 6.º escalões a partir do ano de descongelamento (2018) e a redução de um ano na duração do escalão para aqueles que também ficaram à espera de vaga, mas já estão acima do 6.º escalão.
“Acelerador das carreiras” garante progressão de 4.500 professores, anuncia ministro da Educação
Além disso, os professores terão um apoio à renda para subsidiar quem for colocado nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve e estiver a mais de 70 quilómetros da área de residência, sempre que o valor dos encargos com alojamento ultrapasse a taxa de esforço de 35%. Este apoio está previsto no Orçamento do Estado.
E para os médicos?
No mesmo dia em que António Costa assinou com os sindicatos da função pública (sem Frente Comum) o acordo para as carreiras gerais, Governo e Sindicato Independente dos Médicos chegaram a acordo para o aumento dos salários em janeiro do próximo ano até 14,6%, mas este valor já inclui os 52 euros (num mínimo de 3%) prometidos para toda a função pública.
Segundo o comunicado do Governo, o acordo para a revisão da grelha salarial prevê aumentos totais de 14,6% no caso dos assistentes hospitalares com horário de 40 horas, de 12,9% para assistentes graduados e de 10,9% para os assistentes graduados seniores.
Já para os internos de quarto ano e seguintes, o aumento é de 15,7%; de 7,9% para médicos que estão a frequentar o primeiro, segundo e terceiro anos de especialidade; de 6,1% para internos do ano comum.
Mas milhares de médicos que não são filiados no SIM arriscam ficar de fora. Como o Observador escreveu, o Ministério está ainda a ponderar a publicação de uma portaria de extensão que permitiria abranger todos os médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Além disso, haverá “incentivos” nas unidades de saúde familiar e centros de responsabilidade integrados, segundo os quais cerca de 2.000 médicos especialistas em medicina geral e familiar que transitam para as unidades de saúde familiar modelo B, no início de 2024, terão um aumento de cerca de 60% na remuneração. Já os médicos dos cuidados de saúde primário e dos hospitais que queiram aderir ao regime de dedicação plena terão um aumento salarial superior a 43%, em janeiro.