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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Um plano pouco planeado. O que falhou na noite em que os sportinguistas saíram às ruas (quase) sem regras?

O Sporting foi campeão 19 anos depois e os adeptos saíram à rua como se o país não estivesse em pandemia, muitos sem máscara e sem distanciamento físico. Mas quem são os culpados?

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“Quem deve prevenir não conseguiu prevenir e quem ali devia prevenir são as entidades responsáveis por isso, mas são todos os cidadãos.” A frase de Marcelo Rebelo de Sousa veio levantar mais questões do que as que já existiam depois de uma noite em que faltou de tudo nos festejos do Sporting: das máscaras ao distanciamento, da organização ao cumprimento de regras. António Costa preferiu “não atirar pedras” a ninguém, nem aos sportinguistas, nem ao clube, nem à polícia, mas no Parlamento revelou que o MAI já fez um despacho a solicitar à PSP informações sobre como foi feita a articulação entre as entidades envolvidas.

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Mas, afinal, o que foi feito para que o aglomerado de pessoas fosse menor ou, pelo menos, mais distanciado? Durante a manhã, o Observador contactou as várias entidades responsáveis pela organização da festa e pelas questões da saúde pública — Ministério da Administração Interna, PSP, Câmara Municipal de Lisboa, Sporting Clube de Portugal e Direção Geral da Saúde (DGS) — e, apesar de não haver qualquer resposta, até ao momento da publicação deste artigo, por parte do Governo ou da PSP  — que acabou apenas por emitir um comunicado com o balanço da noite — lembrou que o objetivo da volta do autocarro dos leões por Lisboa era exatamente que os adeptos não se concentrassem todos no Marquês de Pombal, mas sim pelos locais distintos da cidade. Pretendia-se uma “exasperação de adeptos”, uma “disseminação da população para evitar aglomerados”.

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No comunicado que foi enviado mais tarde pela Câmara Municipal de Lisboa, já depois da publicação desta notícia, a autarquia lamentou “os acontecimentos e imagens de violência” da noite dos festejos e decidiu alterar os moldes da receção da equipa campeã nacional nos Paços do Concelho (que se realizará no dia 20 de maio) que, ao contrário da tradição, passam assim a não ter a presença de adeptos.

Ainda antes do comunicado do gabinete de Medina, Carlos Moedas, o seu adversário (apoiado por PSD e CDS) como candidato à presidência da autarquia lisboeta, já lhe deixava críticas duras. “Desde a semana passada que a vitória do Sporting no campeonato era esperada e, consequentemente, a merecida festa dos adeptos. Não faltou, pois, tempo para que se garantissem todas as regras de segurança física e sanitária”, disse, sublinhando: “Fernando Medina falhou. Não soube dividir atempadamente e com variedade os espaços de festejo do Sporting”, “revelou uma vez mais a sua incapacidade e incompetência”

As reuniões com a PSP multiplicaram-se para definir a melhor estratégia, mas a maior preocupação direta dos leões estava no interior do estádio, já que o público está proibido devido à pandemia da Covid-19 e ainda assim o Sporting pretendia ter algumas pessoas presentes, nomeadamente a família dos jogadores.

Para que tudo corresse como previsto, e ainda antes de o autocarro ser preparado com os autocolantes de campeão, o Sporting e as autoridades promoveram mesmo um reconhecimento do percurso, em que o veículo andou pela cidade para perceber quais eram as melhores ruas e os melhores acessos para ir até ao Marquês de Pombal e regressar ao estádio José Alvalade. As reuniões com a PSP multiplicaram-se para definir a melhor estratégia, mas a maior preocupação direta dos leões estava no interior do estádio, já que o público está proibido devido à pandemia da Covid-19 e ainda assim o Sporting pretendia ter algumas pessoas presentes, nomeadamente a família dos jogadores.

As reuniões do Sporting com a DGS sobre a festa (mas dentro do estádio)

Foi aí que a Direção-Geral da Saúde entrou em campo. Fonte oficial do Sporting confirmou que houve várias reuniões com a DGS — em algumas delas a Liga também esteve presente, “com um papel muito solícito de dinamização” — para se perceber como era possível haver festejos no interior do estádio com segurança. Os leões apresentaram várias ideias e a DGS acabou por fazer uma espécie de guia com recomendações baseado nas propostas do clube de Alvalade, sendo que está em causa um universo de pessoas testado todas as semanas (as equipas da I Liga).

Para que houvesse ainda mais segurança, os leões optaram por testar também os operacionais de som, de vídeo e todos os trabalhadores que podiam ter de ir ao relvado, ainda que por precaução. A presença da Liga também funcionou como dínamo para algo que irá mesmo acontecer na época 2020/21: a última jornada vai ter público nos estádios (em princípio, 10% da lotação).

A Direção-Geral da Saúde (DGS) confirmou que esteve presente em reuniões com as várias partes envolvidas e, no dia do jogo, já perto das 18h e quando milhares de adeptos já se aglomeravam junto ao estádio, admitiu mesmo haver um “risco acrescido para a saúde pública” nas celebrações, tendo emitido um conjunto de recomendações para as autoridades locais e forças policiais. Mas sendo os festejos num local público, na rua, as responsabilidades estão da parte de quem fiscaliza.

E foi também quando já milhares de adeptos estavam na parte exterior do estádio José Alvalade a ultimar os festejos para a comemoração de um título que fugia há 19 anos que a PSP anunciava em conferência de imprensa um plano traçado em conjunto pela PSP, o Sporting Clube de Portugal e a Câmara Municipal de Lisboa que preparava a “festa” com o “dever acrescido” de não a tornar “num pesadelo”. A conferência da polícia esteve marcada para as 12h30, mas só aconteceu às 16h30.

A Câmara Municipal de Lisboa confirmou que recebeu a intenção da realização de uma manifestação, desde as 14h00 até às 22h30, "nas imediações do estádio de Alvalade, com a presença de um veículo onde vamos transmitir o jogo e com música durante este período", junto a sede da juventude leonina. Perante o cenário, sendo a manifestação um direito constitucional do cidadão, a CML apenas comunicou à PSP que alertou para a necessidade de distanciamento físico e uso de máscara.

Houve pedidos para uma noite “ordeira e pacífica” e avisos sobre o consumo de álcool. E foi tudo menos o que aconteceu. Algumas horas depois dos apelos e avisos os desacatos multiplicaram-se entre adeptos e a polícia, desde o estádio — ainda durante o jogo — até ao centro da cidade e os números finais ainda não são conhecidos, mas as autoridades falam em “vários feridos”.

Como um dia de festa para o Sporting acabou em noite de violência – e o que falhou no plano que estava preparado

A festa anunciada pela Juventude Leonina, com base no direito à manifestação

Mas tinha a Juve Leo autorização para juntar tal número de pessoas na “Casinha”, nome pela qual é conhecida a sede da claque leonina? No dia 10 de maio, nas redes sociais, a JL anunciou uma “fanzone” com “ecrã gigante, DJ’s, comida e muitas surpresas” a começar às 14h00 para o dia da grande decisão. Na publicação seguinte veio esclarecer que comunicou a intenção ao Gabinete de Apoio do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, à DGS, às forças de segurança.

A Câmara Municipal de Lisboa confirmou que recebeu a intenção da realização de uma manifestação, desde as 14h00 até às 22h30, “nas imediações do estádio de Alvalade, com a presença de um veículo onde [se iria] transmitir o jogo e com música durante este período”, junto à sede da juventude leonina. Perante o cenário, sendo a manifestação um direito constitucional do cidadão, a CML apenas comunicou à PSP que alertou para a necessidade de distanciamento físico e uso de máscara.

https://www.facebook.com/juventudeleonina1976/photos/a.657960230986989/3917001121749534/

“Atendendo aos incidentes registados ontem ao intervalo do jogo e perante a tentativa de nos atribuírem a responsabilidade pelo que aconteceu, a Juventude Leonina vem, por este meio, demarcar-se completamente dos incidentes ocorridos. A Juventude Leonina contactou as diversas entidades responsáveis, que aceitaram que o evento se realizasse, apenas pedindo que as regras sanitárias fossem cumpridas. Recomendações essas que fizemos questão de divulgar nas redes sociais e ao longo do decorrer do evento. Mesmo não tendo nós nada a ver com o sucedido, pois estavam ali milhares e milhares de pessoas, e muitas não pertenciam à claque, a Juventude Leonina apelou várias vezes através da instalação sonora do camião palco, e em articulação com o comissário da PSP presente no local, para que os ânimos acalmassem, pois desde a primeira hora era do nosso interesse que tudo decorresse em clima de festa e de união. Felizmente, depois do apelo que fizemos a partir do palco, a situação acalmou, e pudemos ver a segunda parte do jogo sem incidentes, em clima de festa”, destacou o Grupo Organizado de Adeptos dos leões esta quarta-feira em comunicado.

Certo é que a festa começou cedo. O ambiente dentro e fora do estádio era um brutal contraste. Lá dentro as bancadas vazias, apenas os protagonistas, alguns convidados e jornalistas; lá fora um enorme aglomerado de pessoas que não parava de crescer. Os primeiros confrontos aconteceram pouco depois do golo de Paulinho, aos 36 minutos, e houve várias réplicas nas horas que se seguiram, nomeadamente no Marquês de Pombal, cercado de grades, e onde os adeptos também começaram a aglomerar-se, sabendo que o autocarro com os jogadores passaria por lá no culminar da festa.

A origem do momento que rompeu com a tranquilidade que vinha marcando a presença dos adeptos no estádio ao longo da tarde esteve a necessidade de abrir caminho entre a multidão para permitir a passagem de duas ambulâncias. Os dois veículos de socorro chegavam ao estádio a partir da zona norte e encaminhavam-se para o local onde se concentravam as claques, tendo de passar pelo interior de um túnel onde estavam várias centenas de pessoas.

Mas antes já tinham existido situações de enorme contrassenso. Exemplo prático: às 18h30 já estavam milhares de pessoas em Alvalade, divididas entre um enorme ajuntamento junto ao Edifício Visconde de Alvalade à espera da chegada do autocarro da equipa, outro enorme grupo na sede da Juventude Leonina e inúmeros adeptos espalhados nas ruas próximas do recinto; só cerca de três horas antes, e num cenário bem mais tranquilo, alguns cafés e restaurantes foram obrigados a fechar a zona de esplanadas, onde ainda estavam a ser feitas refeições, sem que tivessem recebido qualquer aviso prévio de que tal poderia acontecer. Também não tinha existido a antecipação de que não poderia haver venda ambulante (cachecóis ou comida em roulotes).

Na primeira carga policial, que aconteceu no exterior do Estádio José Alvalade, a origem do momento que rompeu com a tranquilidade que vinha marcando a presença dos adeptos no estádio ao longo da tarde esteve na necessidade de abrir caminho entre a multidão para permitir a passagem de duas ambulâncias. Os dois veículos de socorro chegavam ao estádio a partir da zona norte e encaminhavam-se para o local onde se concentravam as claques, tendo de passar pelo interior de um túnel onde estavam várias centenas de pessoas. Quando os primeiros batedores da polícia tentaram abrir caminho por entre aquela via, que antes não tinha sido cortada, foram recebidos com o arremesso de objetos, incluindo garrafas. Esse primeiro confronto obrigou à chamada das equipas de intervenção, que carregaram sobre os adeptos para libertar a via e dispararam balas de borracha sobre quem ali ficara (atingindo, inclusivamente, um repórter da TVI, que não ficou ferido).

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A segunda carga policial, mais violenta e também com disparos de balas de borracha, já no Marquês de Pombal, teve a ver com o derrube das grades, contra a qual os adeptos estavam a ser comprimidos. Pelo meio ainda se registaram alguns incidentes, que obrigaram mesmo a alterar o percurso dos autocarros dos campeões. A PSP chegou mesmo a dizer a meio da primeira parte do jogo que ainda não sabia como esse percurso seria feito e admitir, depois dos primeiros problemas, suspender essa parte da festa.

Depois dos festejos e em plena pandemia, é caso para dizer que é preciso voltar a vestir de verde, agora pela esperança, até porque, tal como disse Marcelo Rebelo de Sousa, agora, é hora de esperar que este comportamento “não tenha custos para os lisboetas e que não tenha resultados menos positivos daqui por 15 dias ou uma semana”.

Ainda na madrugada de terça para quarta-feira, o gabinete do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que tutela as polícias, recusou comentar o caso ao Observador. “As questões operacionais são com a PSP”, assegurou um porta-voz do ministro, que acrescentou que o ministro nem sequer esteve durante esta terça-feira especialmente atento ao que se passava em Alvalade: teve um jantar com o ministro homólogo da Eslovénia. O porta-voz da PSP também tinha uma intervenção preparada para as 5h da manhã, segundo a RTP, para fazer um balanço dos acontecimentos da noite, mas a mesma acabou por não acontecer e só houve mesmo um comunicado ao final da manhã com o número de feridos e de “ocorrências”.

Já esta quarta-feira, novo passa-culpas dentro do Governo, com o secretário de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo, a recusar qualquer responsabilidade sobre o modo como decorreram os festejos e repetindo simplesmente aquilo que já dissera na semana passada. “Tinha conhecimento de que havia algumas autoridades, nomeadamente sanitárias, de segurança pública, e agentes desportivos a encontrarem-se para anteciparem e, de alguma forma, planearem um bocadinho em antecipação o que eram as inevitáveis manifestações de alegria, de regozijo daqueles adeptos, como ontem assistimos”, disse João Paulo Rebelo. “Referi-me ao conhecimento que tinha, conhecimento lateral, na medida em que eu não intervim diretamente, não se espera que o secretário do Desporto esteja envolvido em matérias que não têm nada que ver com o desporto.”

Em diversos momentos da curta intervenção, João Paulo Rebelo procurou descartar qualquer responsabilidade sobre o planeamento e acompanhamento dos festejos da noite de terça-feira, que acabaram por se transformar numa noite de violência. Se houvesse uma manifestação de professores que redundasse em violência também não seria responsabilidade do ministro da Educação comentar a atuação da polícia, exemplificou o secretário de Estado. “O que disse foi fazer um apelo muito direto a todos os adeptos para que pudéssemos ter um comportamento o mais ajustado possível às circunstâncias que vivemos”, continuou o governante.

“Todos percebemos, pelas imagens que se viram ontem, na capital, em Lisboa, mas um pouco por todo o país, em que pelo menos este apelo que eu fiz a uma responsabilidade dos adeptos, manifestamente acho que todos vimos que não foi atendido”, acrescentou João Paulo Rebelo, preferindo não tecer mais comentários sobre a responsabilidade política e lembrando que é o MAI que tutela as forças de segurança.

Pedro Pita Barros, um dos membros do Gabinete de Crise, afirmou na Rádio Observador que “o Sporting falhou, assim como as autoridades de saúde, por não terem apresentado um plano de prevenção”, e admitiu que com ajuntamentos, sem distanciamento físico e sem máscaras, podem vir a haver consequências negativas na evolução da pandemia, aumentando o número de contágios. O especialista reconheceu a “complexidade” que existe para controlar ajuntamentos deste tipo, mas defendeu que a proibição de ecrãs junto ao estádio e o encerramento antecipado de cafés e restaurantes poderiam ter evitado os festejos de ontem.

“Festejos do Sporting são preocupantes e vão aumentar os níveis de contágio”

Esta quarta-feira, na sequência do modo como decorreram os festejos da noite anterior, a Direção-Geral da Saúde veio divulgar um conjunto de recomendações para todos os que tenham feito parte da multidão. “Se esteve nestes festejos, esteja atento aos sintomas de Covid-19, nomeadamente febre, tosse (de novo, agravada ou associada a dores de cabeça ou dores generalizadas do corpo), dificuldade respiratória ou perda total ou parcial do olfato ou do paladar, de início súbito, e contacte o SNS24”, afirmou a DGS. “Procure reduzir os contactos nos próximos 14 dias e cumpra as medidas de prevenção da infeção, como o distanciamento físico, o uso de máscara, a ventilação dos espaços, a higiene das mãos e a etiqueta respiratória. Se houve momentos em que não respeitou as medidas de proteção da Covid-19, a DGS recomenda ainda a realização de um teste no 5.º e no 10.º dia após das celebrações.”

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