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À primeira vista este castelo é Downton Abbey, mas na verdade chama-se Highclere. Não é apenas um cenário de uma série, mas uma casa de família. Uma joia do countryside inglês que tem vida própria, séculos de história e pode ser visitada pelo público. Os seus anfitriões são o Earl e a Condessa de Carnarvon, um casal de aristocratas do século XXI que mantém as tradições do passado à sua maneira. Entre um livro lançado em outubro passado e um novo filme de Downton Abbey com estreia prevista para abril é a altura perfeita para o Observador conhecer Lady Carnarvon. Encontramos uma condessa dos tempos modernos que não dispensa o seu chá, mas gosta de pôr mãos à obra, envolve-se em vários projetos, está nas redes sociais, tira selfies com os turistas e adora uma praia no Algarve. Ficamos ainda a saber que há dois mordomos portugueses no castelo e não faltaram sonoros risos a acompanhar algumas respostas.
Bem-vindos a Downton Abbey. Perdão, a Highclere!
Quando Lady Carnarvon se sentou à conversa com o Observador, depois do almoço, já o seu dia ia longo. “Até agora passeei os cães, apanhei flores, arranjei flores, fiz alguns vídeos para o Instagram, tive uma reunião, vou ter outra reunião depois. Tenho de trabalhar em alguns livros que estarão na loja e tomei uma caneca de sopa. É um dia normal no escritório, só que este escritório tem umas vistas muito agradáveis. Provavelmente irei passar mais tempo lá fora, que é uma ótima forma de passar o dia.” Estaria o tempo agradável? “Terrível! Está terrível de momento. Mas quando o tempo está bom, passamos tempo lá fora e temos as nossas reuniões lá fora.” E acrescentou mais algumas coisas aos seus afazeres do dia: “ainda tenho de supervisionar a decoração num dos quartos do castelo. Tenho aqui uma série de amostras [de tecido] e o meu próximo projeto será escolher o que fica melhor nas mesas onde as pessoas tomam chá”.
A atual Condessa de Carnarvon chama-se Fiona e é a segunda mulher de George Herbert, o atual Earl de Carnarvon. Casaram-se em 1999, ano em que também tiveram um filho, que se juntou aos dois filhos que o aristocrata tem do seu primeiro casamento. O 8º Lord Carnarvon assumiu o título quando o pai morreu, em setembro de 2001, e da sua herança fazia parte Highclere, um castelo com séculos de história, localizado em Hampshire, a cerca de 100 quilómetros de Londres, mas que “só” nos últimos 230 anos tem sido a casa da família.
Lord Carnarvon é afilhado da rainha Isabel II e o seu pai geria as corridas de cavalos da monarca. A história de Highclere relaciona o espaço e a família com eventos lendários e convidados ilustres. O 5º Earl de Carnarvon foi um dos descobridores do túmulo de Tutankamon, em 1992, com Howard Carter. O que explica o facto de o castelo ter a sua própria coleção de arte egípcia e uma exposição permanente que documenta o percurso das escavações e a paixão do Earl por esta arte. Casou-se em 1895 com Almina Wombwell, a filha ilegítima de Alfred Rothschild. Tinha riqueza própria e transformou Highclere num hospital durante a II Guerra Mundial.
Conta o Telegraph que os primeiros registos datam de 749 d.C., no século XIV, quando o Bispo de Winschester mandou construir um palácio medieval, e em 1679 o edifício foi reconstruído como Highclere Place House por Sir Robert Sawyer, que foi o procurador-geral dos reis Ingleses Charles II e James II. O castelo foi então passando para as gerações seguintes e Henry Herbert recebeu o título de Barão Porchester em 1780 e de Earl Carnarvon em 1793.
Recaiu sobre os atuais Lord e Lady Carnarvon trazer Highclere para o século XXI. A conta Highclere_castle no Instagram, que a condessa gere, tem 300 mil seguidores e apresenta-se como “a casa do Earl e da Condessa de Carnarvon” e o “cenário de Downton Abbey”. A aristocrata dedica-se também à escrita e o seu mais recente livro chama-se “Seasons at Highclere: Gardening, Growing, and Cooking Through the Year at the Real Downton Abbey” (editora Penguin) e convida a uma viagem visual e documentada pela propriedade, pela sua história e pelo seu estilo de vida. Highclere está aberto ao público e, antes da pandemia, recebia mais de mil visitantes por dia no verão. Atualmente, já reabriu. Nesta primavera, um bilhete de adulto para visitar o castelo, a exposição egípcia e os jardins custa 27,50 libras (cerca de 33 euros).
O castelo ficou, entretanto, conhecido por todo o mundo como a casa da família da série “Downton Abbey”. O criador da trama, Julian Fellowes era amigo do casal e frequentava Highclere. Conta-nos Lady Carnarvon que o autor escreveu o enredo já com o castelo em mente e desde então a magia da televisão apenas popularizou uma realidade já por si glamourosa. A série que retrata a vida da família aristocrata Crawley, liderada por Lord Grantham, na viragem do século XIX para o XX teve seis temporadas, entre 2010 e 2015, depois um filme, em 2019, e a segunda longa-metragem “Downton Abbey: Uma Nova Era” tem estreia marcada em Portugal para 28 de abril. Mas os segredos e histórias da vida real deste castelo superam a ficção.
Uma Lady do século XXI
O que fazia antes de ser a Lady de Highclere?
Fui para a universidade, aprendi a ser revisora oficial de contas, dividi-me entre direito e contabilidade e tornei-me contabilista. Comecei o meu negócio, tenho várias irmãs, sempre joguei ténis e fiz muito desporto. Monto a cavalo desde os cinco anos. Adoro o campo, o que é bom, porque vivo no campo! Enquanto auditora olhamos para outros negócios, tentamos compreendê-los, conhecemos as pessoas que lá trabalham, compreendemos as suas vidas, o que faz o negócio funcionar, onde estão os lucros, estamos sempre a examinar se o negócio avança e para onde vai, porque somos chamados perante os acionistas para apresentar um relatório. Desta forma foi uma boa experiência.
Como se tornou Lady Carnarvon?
Conheci um homem encantador num jantar e nunca esperei casar com ele. Obviamente, ao fim de alguns anos casámo-nos, mas foi só depois do meu sogro morrer, demasiado novo, que nos tornámos Lord e Lady Carnarvon e assumimos a responsabilidade de Highclere. Acho que não tinha noção do que estava para vir.
Quando é que chegou a Highclere?
Vim para aqui há… meu Deus, há 24 anos.
Tornou-se logo a sua casa?
Já vivíamos aqui [na propriedade] numa cottage. O meu sogro morreu em 2001 e só assumimos em 2003, resolvemos os assuntos e começámos a pensar que papel o castelo poderia ter no mundo de hoje. As pessoas querem cá vir, gostam de cá vir, como podemos trazer as pessoas para cá? Muitas destas questões.
Qual foi a sua primeira impressão quando visitou o castelo pela primeira vez?
Foi em janeiro, estava frio, nevoeiro, e provavelmente nem consegui vê-lo muito bem. Felizmente, estava a usar roupas quentes. Tive a sorte de ser convidada de outras casas senhoriais para almoçar, tomar chá ou jantar e não pensei que iria acabar por voltar aqui e casar com o Geordie. Nunca pensei nisso! [Risos] Não sabemos o que estes almoços significam até olharmos de novo para eles muitos anos mais tarde.
Vivem mesmo no castelo?
Vivemos grande parte do tempo no castelo. De momento temos pequenos grupos [a visitar o castelo] e não há problema. No verão chegamos a ter mil pessoas por dia. Nessa altura podemos passar lá a noite, ou então temos outra casa perto do castelo com um jardim privado e vedado, o que é apropriado para os cães. E é muito agradável porque posso tomar café em privado nas traseiras pela manhã, antes de começar o dia com os assuntos do castelo.
É muito ativa nas redes sociais, tem um blog e um podcast. Gosta realmente de interagir com o público ou é mais uma parte do seu trabalho?
Acho que se não se gostar torna-se uma cruz. Eu gosto. E, particularmente, acho que se não se gosta sinceramente de receber pessoas em casa está-se na profissão errada. Devemos estar felizes por fazê-lo ou então não o fazer de todo. Não devemos ter uma fachada falsa. Devemos ser honestos connosco. E estas casas devem ser partilhadas e não vividas por apenas uma pessoa. Sempre houve uma grande comunidade no passado e continua a haver agora. Encontrei no Instagram nos últimos dois anos uma forma de partilhar. Pessoas que estavam presas num apartamento enviaram-me mensagens a dizer “Obrigada, estou presa neste apartamento, mas com o seu Instagram ouvi os pássaros a cantar”. Tento ter muito cuidado porque realmente respeito o amor que as pessoas têm a Highclere. Sou uma pessoa ocupada!
Anda sempre com muitos cães à sua volta. São os guardiões de Highclere?
São. Todos os dias são dias bons e eles lembram-me disso.
Um espaço do passado no presente e para o futuro
Diria que o castelo é mais uma casa de família, um museu ou uma empresa?
Não é um museu, eu espero. Não é uma empresa, eu espero. É uma casa de família que já não é só partilhada em Inglaterra, depois de Downton Abbey é partilhada com o mundo de diferentes formas. Acho que isso é muito interessante, porque todos gostamos das nossas casas e temos curiosidades sobre as casas das outras pessoas. Às vezes, quando somos crianças, vamos aos museus porque os nossos pais nos dizem que tem de ser. Essa não é a maneira correta. Por isso acho que o facto de ter coisas bonitas torna mais interessante vê-las, do que nos dizerem que são simplesmente antigas e devemos olhar para elas. Acho que as pessoas gostam de ver as fotografias, as flores, a sensação de estar a entrar numa casa é muito mais interessante. As pessoas gostam de pessoas.
A comparação com o museu vem da relação deste espaço com a história britânica.
Tem belas peças de arte e mobílias, papel de parede em pele de Córdoba datado de 1661, há a exposição egípcia com obras de arte com cinco mil anos. De certa forma, tem peças que teriam lugar num museu, mas acho interessante que todos nós, indivíduos neste mundo, tornemos as obras de arte peças para serem apreciadas por outras pessoas e não estarem apenas impecáveis num armário em algum lado. Espero que dessa forma funcione muito bem.
Que mudanças fez que reflitam a sua personalidade e que, eventualmente, serão o seu legado?
Os meus sogros nunca viveram no castelo, era mais como um museu. Eles viviam noutra casa e quando herdaram [o castelo] eram um pouco mais velhos e não queriam viver numa casa que estava aberta ao público; para eles não fazia sentido, e eu compreendo. Enquanto que, para mim, não fazia sentido não viver aqui às vezes, receber amigos, usar a sala de jantar, comer bem, beber bem, rir, ter conversas. Tudo o que nós percebemos, ao longo dos últimos dois anos, está no centro do que é fazer parte da humanidade e foi isso que a Covid levou. É esse o foco do que estamos a fazer, o que tem sido lento — é um pouco como uma casa a acordar, com cortinas remendadas, camas, mobílias postas no sítio certo, a água quente a funcionar, há eletricidade em muitos quartos, há luzes, rádios, uma televisão. Há a sensação de ter sido limpo o pó, de que [o castelo] está vivo e é parte deste mundo, tem o seu próprio carácter. Fizemos muito trabalho nos jardins, que eram muito pequenos, adicionámos, provavelmente, 40 hectares. O livro “Seasons at Highclere” explora todos os jardins que descobrimos e restaurámos, por isso as pessoas podem passear e sentar-se debaixo das árvores. Fiz muita coisa, remendar cercas, plantar árvores, criar novos jardins, é infindável…
É uma grande tarefa trazer um sítio tão grande de volta à vida.
É mesmo. Não olho para todo o percurso que está à minha frente, vou fazendo um pouco de cada vez, de outra forma seria uma tarefa enorme. O castelo tem de 253 a 300 quartos, é muito grande. O tempo e a experiência ajudam a saber o que fazer.
A sua experiência profissional ajudou-a a gerir a propriedade?
O meu marido, Geordie, e eu somos uma equipa. Trabalhamos os dois lado a lado. Ele trata mais das finanças. Eu trato do marketing, dos recursos humanos, de quem trabalha para a equipa Highclere e dos visitantes, tento criar os eventos, trabalho com o online, o sistema de venda de bilhetes e as redes sociais. Assim como algumas das ideias brilhantes, ou não, como por exemplo fazer uma escultura. Nós tentamos dar às pessoas uma boa experiência e fazer as pessoas felizes. É mesmo um esforço conjunto.
E deve ser difícil manter uma casa destas.
Como todas as casas, quer estejamos em Portugal, Espanha, França ou Inglaterra. Elas exigem dinheiro a toda a toda a hora! [Risos].
Quantas pessoas trabalham consigo a tempo inteiro?
Não são muitas. Temos quatro chefes na cozinha, quatro a tratar de banquetes, quatro ou cinco [pessoas] num escritório e quatro ou cinco em outro escritório… temos uma quinta, há um responsável pela quinta, há a manutenção dos jardins. Serão cinquenta ou sessenta pessoas a tempo inteiro. Há também cinquenta guias em part-time. E mais trinta pessoas em part-time quando há banquetes. Varia muito, mas será entre 50 ou 60 e 150 pessoas.
É verdade que tem um mordomo português?
Temos sim, o Luís. Fantástico! Tenho dois: o Luís e o Jorge.
Porquê dois mordomos portugueses?
Não faço ideia! Eles são uma alegria. Lembro-me de quando o Luís chegou. Ele era muito jovem, e ainda tem um ar muito jovem, ele tem entusiasmo, é muito talentoso, é um mixologista fantástico, adora gin e os projetos, é um ótimo sommelier. Ele adora a vida. Vocês têm o brilho do sol na vida em Portugal e ele traz isso, de certa forma, para Highclere.
Um história recheada de histórias
Fale-nos do seu mais recente livro, “Seasons at Highclere: Gardening, Growing, and Cooking Through the Year at the Real Downton Abbey”.
Adorei escrevê-lo. Reúne histórias do passado, trata de deixar uma pegada leve neste planeta e neste mundo. É sobre como podemos cultivar bem, comer bem e cozinhar bem, como o fizemos no passado, porque só podemos aprender. Somos as mesmas pessoas que éramos antes, mas talvez fôssemos um pouco mais espertos sem os recursos no passado, em relação ao que estamos a ser hoje. Por isso olhamos para os nossos antepassados em busca de orientação e conhecimento, das suas receitas. Trata-se de viver e comer segundo as estações, comer o que se cultiva. Portugal tem ótimo peixe. Nós também temos bom peixe. Comer peixe das nossas águas não se trata de saquear as águas, mas tirar aquilo de que precisamos e não desperdiçar. [No livro] há muitas receitas vegetarianas, mas se se adora carne e peixe, há que criar um equilíbrio e não exagerar. Há histórias sobre os jardins, sobre partes da casa e salas que toda a gente conhece de Downton Abbey, os risos e as conversas. Há histórias sobre as árvores, as minhas preferidas são os carvalhos, ou os freixos, isto dá-nos o ar que respiramos. Trata-se de olhar através das estações e para trás no tempo para aproveitar o presente. Foi um livro muito ambicioso, mas gostei muito de o fazer e espero que as pessoas gostem.
Teve de “mergulhar” nos arquivos?
Sim. Eu escrevi histórias sobre uma família que viveu aqui há três mil anos. Quero que as pessoas se questionem de onde viemos. Vivemos num ciclo, nenhum de nós é imortal. Temos de viver neste mundo como os que viveram antes de nós e deixar um legado bonito para os nosso descendentes.
Como aristocratas, faz parte do vosso trabalho (seu e do seu marido) preservar o castelo, como parte da História?
É realmente parte da História, mas não creio que tenha a ver com o facto de sermos aristocratas. É porque temos o privilégio e a sorte de viver aqui e temos responsabilidade sobre a casa, a propriedade, as árvores, pela quinta, pelo ambiente… e foi por isso que quis escrever o livro “Seasons at Highclere”. Não se trata apenas da casa, ela está lá porque há boa água, boas árvores, boa comida. É por isso que se constrói, não se constrói em isolamento. E também queria partilhar o cenário.
Escreveu também um livro sobre Almina Wombwell. Ela tem um papel importante na história de Highclere. Porquê?
Foi o livro que encetei quando comecei a escrever e atirei-me de cabeça para ele. Normalmente, as pessoas escrevem sobre os homens a quem pertencem estas casas, os earls, os duques, os viscondes, os condes ou os reis. Por isso decidi começar com esta mulher extraordinária, porque eu queria partilhar o que ela fez na Primeira Guerra Mundial. Ela tornou esta casa num hospital, recebeu estranhos e cuidou deles. Gastou o dinheiro e o tempo dela, tratou deles e depois mandou-os de volta para as suas famílias. Não há maior dádiva. Estamos a enfrentar o mesmo hoje com o que se está a passar na Ucrânia e a generosidade do povo polaco diz “venham para minha casa”. É uma parte essencial da sociedade dizer “vocês são bem-vindos”. Acho que é uma história muito terapêutica e tenho umas cartas que queria partilhar. Escrevi sobre a exuberância da era Eduardiana, ela era uma senhora muito rica e o marido também. O que Almina fez com ele é que foi pouco usual, ela tinha tanto dinheiro que empregou 30 enfermeiras, médicos, operadores, radiologistas, e depois escrevi sobre o que aconteceu depois da primeira guerra.
Como é a vida de uma Lady do século XXI? Acredito que não será como vemos nas séries de televisão.
Acho que não. Na série de televisão o papel era mais definido e eu intercalo vários papéis de uma forma que seria pouco usual no passado, mas é assim que é hoje e há que andar para a frente. É preciso ser-se mais flexível e, talvez, mais imaginativa. No passado olhava-se para a hierarquia da casa e para a comunidade envolvente. Mas sabe uma coisa? Às vezes recebiam-se aqui 260 crianças locais e serviam-lhes um chá da tarde para as fazer felizes. Eles faziam coisas boas. Não acho que estejamos a reinventar a roda, mas a fazê-lo de uma forma diferente.
Deve ser fantástico para uma criança tomar chá neste castelo. O que é que as crianças de hoje lhe dizem quando a veem?
As crianças fazem as perguntas mais diretas! Perguntam-me quanto custa gerir o castelo. Vão diretas ao assunto. É muito divertido. Agora não temos crianças a tomar chá no castelo, mas recebemos crianças na exposição egípcia ou nas tours.
As festas e caçadas eram lendárias em Highclere e até com a realeza como convidados. Continua a seguir estas tradições?
Absolutamente! Essa é a parte divertida. Eu gostei muito da universidade e a maior parte do meu curso foi em festas. Estava, obviamente, a praticar para agora [gargalhada].
Uma casa que é cenário de cinema
Como é que Highclere se tornou Downton Abbey?
Através de boa comida e bom vinho. O Julian e a Emma Fellowes costumavam ficar comigo e ele disse que escreveu Downton Abbey a pensar em Highclere, por isso que sorte! Tenho a certeza de que houve bom vinho português servido pelo “Mr. Carson” português.
Houve seis temporadas e dois filmes, o que se traduz em muito tempo de filmagens na casa. O que mudou na sua vida durante esse tempo?
Tornou-se uma forma de vida. Os nossos quartos são na parte da frente do castelo, por isso ouviamo-los às seis da manhã. O meu marido é melhor a levantar-se cedo de manhã, eu sou melhor à noite. Então dividiamo-nos para estar por perto quando estivessem a filmar. Acabou por se tornar o ritmo natural. Sabemos o que vão filmar e onde vão filmar e vamos tentando antecipar.
Há regras estritas durante as filmagens?
Sim, mas tivemo-las desde o início. Não há comida e bebida dentro de casa; não tocar em nada, peçam-nos para mudarmos nós as coisas; normalmente há uma equipa de guias sempre por perto. Já fazemos isto há algum tempo. Temos uma lista longa, porque uma vez que se diz que sim já não se pode dizer que não. Por exemplo, não pode haver botas enlameadas, não tocar, não usar fita adesiva. No fim queremos que estejam felizes e consigam as melhores filmagens possíveis e que o castelo se mantenha intacto.
Um castelo viral e as mudanças que o vírus trouxe
Há dois anos apareceu a Covid-19 e o mundo fechou. O que mudou na sua vida?
Acho que foi catastrófico para toda a gente. Emocionalmente, financeiramente, mentalmente e fisicamente também. Foi uma situação muito desafiante com uma grande quantidade de medo no mundo. Para um negócio de hospitalidade e lazer foi um desastre. Não há dinheiro a entrar, é chocante. Porque é isso que traz dinheiro, não há nenhum pote de ouro, não há outra fonte. Do dinheiro que entra, nós pagamos às pessoas, elas pagam as suas contas e se não há dinheiro a entrar, não há dinheiro.
O castelo já reabriu ao público?
Durante o inverno tivemos muito poucas pessoas, porque é inverno, não há estacionamento e se chover temos de pôr as pessoas no castelo. Vamos reabrir outra vez na primavera, mas muitas das pessoas que teremos são transferências dos últimos dois anos , marcações que não aconteceram. Vamos demorar cinco anos a regressar ao que éramos em 2019.
O que é que um turista vê quando visita Highclere?
Há visitas guiadas em algumas alturas do ano. O bilhete geral inclui as salas, quartos, a exposição egípcia e os jardins. É uma boa parte de um dia fora. As pessoas podem chegar às 9h00 para um café e croissants, que são sempre bons, ou um chocolate quente ou capuccino e depois as portas abrem. Há o castelo, o jardim, há comida, uma loja, e o Luís ocupado a fazer cocktails de gin no nosso bar de jazz e cocktail. É um bom dia de passeio.
Tem eventos planeados para a primavera ou para o verão?
Temos sempre eventos a acontecer. Alguns serão remarcações que não aconteceram. Estamos ocupados.
Costumam ter turistas portugueses?
Temos sim, porque ouço-os falar, e também temos muitas pessoas do Brasil. Depende da altura do ano. Os portugueses não irão viajar para nos visitar no inverno. É uma alegria ver o Luís e o Jorge a falarem português.
Tem mais turistas desde que começou a série Downton Abbey?
Temos menos casamentos e mais turistas. Num sábado de manhã só consigo ter 60 pessoas no castelo, antes ou depois de Downton Abbey, não faz diferença. Só há uma porta da frente.
É possível um turista estar a visitar o castelo e, de repente, vê-la a si, a verdadeira Lady do castelo?
Sim, claro. Cumprimento-os com muita frequência e normalmente há muitas selfies. Particularmente neste momento, em que vivemos um tempo tão frágil, há que receber bem as pessoas. Estamos num mundo frágil e despedaçado, é importante dizer: “Olá, é muito bem-vindo. Que simpático da sua parte ter vindo”.
E em que projetos está a trabalhar agora?
Tenho um novo projeto chamado “Friends of Highclere”, é inovador, somos os primeiros a fazer isto, entre as casas senhoriais e vai incluir o Luís. Tenho o meu próximo livro para escrever. Tenho de promover o livro “Seasons at Highclere”. Por agora, acho que é muito difícil olhar para cima e para a frente porque temos estado a olhar para baixo e a tentar continuar.
Recebe mais visitas de britânicos ou estrangeiros?
Nos últimos dois anos, só britânicos. Costumávamos ter mais americanos e pessoas do continente, mas o Brexit foi um desastre para nós. Os nossos vizinhos deviam ser nossos amigos. Temos muito mais em comum, do que estes argumentos disparatados. Isto não ajudou a Grã-Bretanha, atrasou-nos. Temos uma história partilhada com Portugal. Já não podemos exportar bens para vocês e vendíamos muito online. Perdemos 30% do nosso volume de negócio por causa do Brexit.
Já esteve em Portugal?
Sim, muitas vezes. Os meus pais costumavam levar-nos. O meu pai jogava golf. Lembro-me de Albufeira. Eu e o Georgie também já aí estivemos muitas vezes. Adoro!