Índice
Índice
Constrangimentos nas urgências gerais, encerramentos de urgências obstétricas e pediátricas. As dificuldades no Serviço Nacional de Saúde (SNS) mantêm-se em junho num patamar semelhante ao mês de maio, apesar de a informação acerca dos serviços condicionados nos hospitais já não estar a ser disponibilizada online, desde o início do mês, por indicação do Ministério da Saúde — que pede, agora, que os doentes contactem a Linha SNS 24. Os médicos criticam a opção do Governo e admitem que um acesso condicionado à informação possa colocar “vidas em risco”, mas a ministra da Saúde garante que as escalas de encerramento de urgências vão voltar a ser publicadas.
Esta quarta-feira, numa audição na Assembleia da República, a ministra da Saúde reiterou o argumento de que a publicação dos mapas não é útil para os utentes, uma vez que esses dados estão “permanentemente desatualizados”. Ana Paula Martins garante que a informação sobre as urgências encerradas volta a estar pública a partir desta quinta-feira, mas insiste: o mais eficaz é ligar para a Saúde24 antes de as grávidas recorrerem aos serviços hospitalares.
Maioria das grávidas encaminhadas pela Linha SNS 24 necessita de “apoio complexo”
“Vamos colocar os tais mapas, que já eram feitos. Vão estar online para informação. Contudo, por favor, liguem primeiro para a Linha SNS Grávida. Eu admito que haja uma ou outra situação menos rápida no encaminhamento, mas não é tanto na linha para as grávidas, é mais na linha geral”, sublinhou Ana Paula Martins, depois de uma interpelação da deputada Mariana Vieira da Silva (PS) que defendeu que a garantia de que esta informação é pública é “uma questão de transparência”.
[Já saiu o quinto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio]
Ainda não é claro se a ministra da Saúde vai limitar-se a dar indicações para que, a partir desta quinta-feira, os mapas de encerramento sejam tornados públicos ou se, ao mesmo tempo, procurará estancar os muitos encerramentos que as várias unidades de saúde já estão a prever para este mês de junho.
Mas, na véspera do regresso à divulgação destes dados, o Observador contactou 17 Unidades Locais de Saúde (as mais afetadas pela falta de médicos e que tiveram constrangimentos nas urgências nos últimos meses) e mais de metade reporta constrangimentos nos serviços de urgência.
Começando pela região de Lisboa e Vale do Tejo — onde tradicionalmente se verifica uma maior dificuldade para preencher as escalas –, o Hospital Amadora-Sintra continua com a urgência de Ginecologia/Obstetrícia condicionada. No período noturno dos dias úteis, isto é, das 20h às 8h, a urgência só receberá doentes referenciados ou pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes ou pela Linha SNS 24. O mesmo acontece aos fins de semana, quer no período diurno quer no noturno, esclarece a ULS Amadora/Sintra.
No caso da Urgência de Pediatria, os constrangimentos são semelhantes — durante a noite, só são admitidas crianças referenciadas.
Região de Lisboa e Vale do Tejo continua condicionada
Já no caso do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, mantêm-se os encerramentos alternados da Urgência de Ginecologia/Obstetrícia, aos fins de semana, com o Hospital de Vila Franca de Xira, confirma fonte oficial da ULS de Loures/Odivelas (que integra o Beatriz Ângelo). No último fim de semana, Loures encerrou o serviço de urgência obstétrica, sendo que no próximo (a 15 e 16 de junho) será a vez de o Hospital de Vila Franca de Xira fechar o serviço, adianta fonte oficial da ULS do Estuário do Tejo.
Na península de Setúbal — onde a falta de obstetras já levou ao encerramento não programado de alguns serviços de urgência nos últimos meses –, os três hospitais que têm urgência de Ginecologia/Obstetrícia vão manter o funcionamento alternado dos serviços. É o próprio Hospital Garcia de Orta que anuncia, na sua página oficial (e contra as indicações do Ministério da Saúde) que vai ter a urgência encerrada durante duas semanas: entre as 8 horas do dia 14 de junho e as 8 horas do dia 28, aquele serviço estará de portas fechadas. Nesse período, a resposta às grávidas será prestada pelos Hospitais do Barreiro e de Setúbal.
“Durante o mês de junho, os três Serviços de Urgência Obstétrica e Ginecológica da Península de Setúbal estarão a funcionar num esquema rotativo, estando garantida resposta em pleno sempre por uma das três ULS “, pode ler-se. No entanto, não se sabe de que forma será distribuída a resposta no período em que a urgência do Garcia de Orta estiver encerrada. O Hospital de Setúbal não respondeu ao Observador, enquanto fonte oficial da ULS do Arco Ribeirinho (que integra o Hospital do Barreiro) optou pelo silêncio, passando a bola à tutela. “Questões relacionadas com os encerramentos das urgências hospitalares deverão ser colocadas ao Ministério da Saúde”, salientou o hospital.
Em Santarém, não está, para já, previsto o encerramento de nenhuma urgência. Mas o próprio hospital reconhece as dificuldades no preenchimento das escalas durante esta semana. “No decorrer desta semana, é estimada a existência de alguns constrangimentos no Serviço de Urgência Geral, nomeadamente nas equipas de Medicina, Cirurgia Geral, Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) e Ortopedia, devido à escassez de recursos humanos”, diz a ULS da Lezíria, admitindo limitações nas equipas de Medicina e Cirurgia Geral no dia 15 de junho, na equipa de Ortopedia nos dias 14 e 15 de junho e na equipa da UCI nos dias 13 e 14 de junho.
Mais a norte, a ULS do Médio Tejo reconhece que a urgência de Ginecologia/Obstetrícia (no Hospital de Abrantes) tem ainda as escalas incompletas em alguns dias do mês de junho, mas fonte oficial da ULS (que agrega os hospitais de Abrantes, Torres Novas e Tomar) garante que “estão a ser envidados todos os esforços para ultrapassar esta questão, nomeadamente através da prestação de serviços externa e atuação em rede com as ULS limítrofes”. Certo é a manutenção do encerramento da Urgência de Pediatria de Torres Novas, que vai continuar a encerrar aos fins de semana, de duas em duas semanas.
Dificuldades na Pediatria que também se estendem ao Hospital de Viseu. A urgência noturna está encerrada ao exterior no período noturno, entre as 20h e as 8h, e assim vai continuar, por falta de especialistas. Um cenário semelhante, e que também não se alterou, no Hospital de Chaves, que continua sem resposta pediátrica de urgência à noite, confirmou ao Observador fonte oficial da ULS de Trás-os-Montes. A solução para os pais é dirigirem-se a Coimbra e a Vila Real — a várias dezenas de quilómetros de distância.
Há, contudo, algumas unidades que não têm previstos encerramentos. No caso da ULS de Lisboa Ocidental — que ainda no último fim de semana encerrou a urgência de Obstetrícia –, fonte oficial explica que, neste momento, não há constrangimentos nas urgências e sublinha que está garantida a articulação “com os hospitais da Área Metropolitana de Lisboa, garantindo resposta às utentes grávidas” e que “apenas em situações pontuais e temporárias se pode verificar um condicionamento de admissões externas no serviço de urgência”.
Na zona Oeste, o equilíbrio é frágil. “Não temos qualquer encerramento previsto, mas, de um momento para o outro, pode haver dificuldades nas escalas”, admite ao Observador a presidente do Conselho de Administração da ULS do Oeste, Elsa Baião. Na zona norte, as ULS da Póvoa do Varzim/Vila do Conde, da Guarda e do Tâmega e Sousa (que integra o hospital de Penafiel) não prevêem constrangimentos nas urgências.
O Observador contactou também as ULS de Leiria e do Algarve, mas não obteve respostas às questões colocadas.
Grupo de trabalho do Governo garante que houve planeamento, mas avisa que responsabilidade é dos hospitais
Apesar dos constrangimentos no terreno, o Ministério da Saúde desdramatiza e garante que o Plano de Verão está a ser executado conforme planeado. “O funcionamento dos serviços de urgência ocorreu de acordo com o planeado, nomeadamente na zona de Lisboa e Vale do Tejo, estando o Ministério da Saúde em permanente articulação com os conselhos de administração”, diz fonte oficial da tutela, sublinhando que a operacionalização do Plano de Verão “está a ser seguida por uma Comissão de Acompanhamento, que monitoriza as medidas, ajusta as ações e propõe soluções em caso de necessidade imperiosa e inadiável”.
Ao Observador, um dos elementos do grupo de trabalho que trabalhou no Plano de Emergência para a Saúde e no Plano de Verão garante que “houve planeamento” e que os hospitais são agora responsáveis por gerir as próprias capacidades de resposta. “Há um mês, foi feito um levantamento da capacidade de resposta dos hospitais, se tinham dificuldades, de que tipo, em que dias, para termos um diagnóstico da situação até final de setembro. Depois disto, reunimos com todos os conselhos de administração”, diz o pediatra Alberto Caldas Afonso, acrescentando que os “conselhos de administração são agora responsáveis”. Ainda assim, admite que “podem surgir imponderáveis”, ou seja, dificuldades de última hora que podem resultar no fecho de serviços de urgência.
Comum às respostas que os vários hospitais enviaram ao Observador foi uma mensagem em particular, que a própria ministra da Saúde reiterou esta quarta-feira na audição parlamentar: a necessidade de os utentes, em particular as grávidas, contactarem a linha SNS24 (que tem agora uma resposta dirigida a esta população) antes se deslocarem às urgências. Foi o próprio Ministério da Saúde a pedir aos hospitais, no final de maio, que reforçassem a ideia junto dos utentes. Ao mesmo tempo, a tutela sugeriu também aos hospitais que não divulgassem as urgências temporariamente encerradas — algo que as unidades de saúde se habituaram a fazer nos últimos anos, nomeadamente através das redes sociais.
“Toda a informação que deverá ser partilhada com os utentes tem de ser relativa a estas linhas [SNS24 e SNS Grávida]. Não vemos qualquer interesse para os utentes anunciar que a urgência X vai estar encerrada. Temos, sim, de garantir a todos os utentes que, em caso de urgência, vão ser reencaminhados para a urgência mais próxima”, escreveu, a 6 de junho, um elemento do gabinete de assessoria de Ana Paula Martins, num email dirigido às 39 ULS do continente e a que o Observador teve acesso.
Tutela pediu aos hospitais que não divulgassem encerramentos. Médicos avisam: “É uma irresponsabilidade”
No mesmo email, o Ministério da Saúde deu uma instrução ainda mais detalhada. “Alertamos ainda para, em caso de constrangimento, não colar à porta da urgência nenhum cartaz a dizer ‘Encerrado’, mas sim colocar informação relativa às linhas SNS Grávida e SNS 24. E instruir as pessoas que estão à porta, seguranças e funcionários do hospital, para avisarem quem ali se desloca para ligarem para o 808 24 24 24”.
Neste momento, sem os mapas dos serviços de urgência que estão encerrados (documentos que deixaram de ser divulgados pela Direção Executiva do SNS, mas que o ministério garante que voltarão a ser públicos) e com os hospitais impedidos de divulgar aos utentes essa informação, a única opção que resta à população é mesmo ligar para a linha Saúde 24. Uma opção que os médicos arrasam. “É uma irresponsabilidade e pode colocar vidas em risco”, diz a médica internista Helena Terleira, do movimento Médicos em Luta.
Já o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) sublinha que o novo método de divulgar a informação é menos transparente, critica a incapacidade do Governo para colocar online a informação sobre os serviços em tempo real e até apresenta uma sugestão técnica. “Este procedimento diminui a transparência. Devia ser possível, com as tecnologias já disponíveis, a existência de um site atualizado constantemente com os serviços abertos e encerrados”, diz ao Observador Nuno Rodrigues, reforçando que o mais sensato era continuar “com a consulta online, sem necessidade de ocupar a linha Saúde 24, que, no caso das grávidas, não constitui uma vantagem”. O responsável sindical lembra que a linha já tinha “um algoritmo próprio para as grávidas”.
Ainda antes de saber que o Ministério da Saúde decidiu voltar a tornar públicos os mapas de urgências encerradas, a presidente da FNAM acusava o governo de ter adotado uma nova estratégia: a de “esconder informação”. “Não basta estarmos a encerrar serviços, [quando, além disso] a população ainda fica dependente de uma linha telefónica. Isto não é uma solução”, realça Joana Bordalo e Sá, que defende que é fundamental contratar mais médicos para o SNS, para robustecer os serviços.
Acusações que o pediatra Caldas Afonso, membro do grupo de trabalho nomeado pelo governo, rejeita. “Quem tem de divulgar a informação, tem a informação. Não há opacidade. Não acha que [ligar para a Saúde 24] é o mais correto? Desta forma, a informação está atualizada ao minuto“, diz o médico, que é também diretor do Centro Materno Infantil do Norte.
Caldas Afonso aproveita ainda para criticar o modelo anterior, da Direção Executiva do SNS. “O que acontecia é que se pediam as escalas, os hospitais enviavam e depois aconteciam imprevistos e a informação já não era a correta. Fazer um Power Point com as previsões não tem nada que saber”, diz o especialista, reforçando que o objetivo do grupo de trabalho nomeado pelo atual governo foi não permitir que “as pessoas andem para trás e para a frente com base em informação desatualizada”.