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Os cinco reclusos de Vale de Judeus conseguiram executar um plano com sucesso no passado sábado, capaz de fintar a segurança daquela cadeia, mas esta não foi a primeira vez que tentaram saltar os muros de uma prisão, nem a primeira vez que dois deles planearam, em conjunto, uma fuga com ajuda do exterior. Em 2018, no dia 21 de fevereiro, o português Fábio Loureiro e o argentino Rodolf Lohrmann executaram uma espécie de ensaio para aquilo que veio a concretizar-se seis anos mais tarde. Há seis anos, Loureiro e Lohrmann quase conseguiram escapar da prisão de Monsanto, a única em Portugal classificada como sendo de segurança especial — o nível mais elevado de controlo e vigilância.
O plano era muito semelhante ao que foi executado há praticamente uma semana, mas ainda com muitas pontas soltas e, possivelmente, com menos preparação. Enquanto a dupla punha o plano em ação dentro da prisão, eram dados sinais no exterior da cadeia que levaram os guardas do Grupo de Intervenção dos Serviços Prisionais (GISP) a desconfiar de um plano de fuga. Mas, aí, nem tiveram de agir para travar a fuga.
Um carro e dois homens a fazer perguntas às trabalhadoras da limpeza
O trânsito na estrada do Forte de Monsanto, em Lisboa — que dá acesso ao tribunal e à cadeia —, é proibido, exceto para transportes públicos, para os moradores, ou para carros que vão para o tribunal ou para a cadeia. Quanto menos circulação existir por ali, melhor, já que estão detidos na cadeia de Monsanto os reclusos considerados mais perigosos do país.
Mas a 21 de fevereiro circulou nesta estrada um carro que não estava incluído em nenhuma das exceções referidas. Era um Fiat cinzento, recordou ao Observador Frederico Morais, dirigente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, que nesse dia estava junto ao edifício do GISP. O guarda integrava essa força de choque que atua dentro das prisões. No carro estavam dois homens.
O Fiat dirigiu-se para o edifício do GISP — que fica atrás do tribunal e muito próximo da cadeia —, subiu a rampa e estacionou num dos dois lugares que existem ali e onde estão normalmente os carros de serviços. “Aquilo foi tudo muito estranho. Dava a sensação de que eles não sabiam onde estavam. O meu colega disse que não podiam estacionar ali e eles foram estacionar no bairro”, a umas dezenas de metros de distância, contou o dirigente sindical.
O bairro fica precisamente atrás do edifício do GISP e a estrada que lhe dá acesso não tem saída — termina com um caminho em terra batida. Terá sido nesse momento que os dois homens decidem parar o carro e perguntam a duas trabalhadoras da limpeza que estavam por ali se aquela estrada tinha saída. Com uma resposta negativa, e com a informação de que aquela estrada era só para o bairro prisional e de que a saída era no sentido contrário, o carro manteve-se por ali mais alguns minutos.
Foi precisamente nesse momento que Frederico Morais se cruzou com eles, quando se preparava para dar início a um treino de corrida. Apesar de ter percebido que aquele carro não era de nenhum dos elementos do GISP, nunca pensou que à sua frente poderia estar o apoio para a fase final de um plano de fuga de reclusos da mais restrita prisão do país — o forte de Monsanto. “Cinco minutos depois, toca a campainha do GISP, porque tinha havido uma tentativa de fuga”, acrescentou.
Corda feita com lençóis e uma torre de vigilância desativada
Enquanto o Fiat cinzento tentava encontrar uma orientação na zona do bairro prisional, dentro dos muros da cadeia de Monsanto eram dados os primeiros passos para a fuga. E aqui continuam as semelhanças com a fuga de Vale de Judeus. Além da ajuda externa, Fábio Loureiro, Rodolf Lohrmann e pelo menos outros quatro reclusos escolheram o período da manhã para iniciar a fuga — o alerta foi dado às 10h30. Estavam na zona de recreio e aproveitaram duas situações que se mantiveram no plano executado (desta vez, com sucesso) seis anos mais tarde, agora na prisão de Vale de Judeus: a torre de vigilância estava desativada e não existia vigilância presencial naquele momento.
A tentativa de fuga começou com o argentino Rodolf Lohrmann — que segundo avançou o Expresso esta sexta-feira é considerado o cérebro da fuga de Vale de Judeus — a escalar o muro do recreio que tem cerca de quatro metros. A escalada, segundo fonte dos serviços prisionais, terá acontecido com “a força de braços” dos restantes reclusos. O objetivo seria depois os restantes subirem com a ajuda de uma corda feita de lençóis, tal como aconteceu também em Vale de Judeus.
Foi nesse momento que a fuga falhou. Quando Rodolf Lohrmann chegou ao topo do muro, encontrou uma rede de arame laminado — que é repletos de pequenas lâminas extremamente afiadas. Quando entraram em contacto com as lâminas, os braços de Lohrmann ficaram imediamente cobertos de vários cortes. O fugitivo perdeu o equilíbrio. “E, em vez de cair para o lado de fora, caiu para o lado de dentro”, recorda a mesma fonte. A queda deu então o alerta e os guardas prisionais perceberam nesse momento que alguns presos estavam a tentar fugir. “O objetivo seria saltar os muros para a zona da Casa dos Cães”, a menos de 30 metros do limíte do perímetro da prisão, “e depois ir ter com o carro que estava à espera”.
Carro era roubado e argentino foi transportado para o hospital
Depois de ter sido detetada a tentativa de fuga, o GISP foi ativado. E a referência ao Fiat que andava por ali surgiu de imediato. “Quando fomos à procura do carro, já não havia carro para ninguém. Ligámos à PSP, ainda pusemos a PSP de Lisboa à procura deles, mas já não fomos a tempo de os apanhar”, recordou Frederico Morais, que foi um dos guardas que acompanhou o transporte de Rodolf Lohrmann para o hospital, uma vez que tinha vários ferimentos provocados pelo arame laminado.
Mais tarde, com a investigação aberta a propósito desta tentativa de fuga, foi possível encontrar o tal carro que, possivelmente, seria a ajuda externa neste plano. “Pertencia a uma mulher e tinha sido roubado. Depois, abandonaram o carro”, acrescentou o guarda prisional.
Nesta altura, terá sido aberto um inquérito interno, à semelhança daquilo que aconteceu agora com a fuga de Vale de Judeus, mas as conclusões não são conhecidas. O Observador pediu as conclusões deste inquérito à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, mas não foi dado nenhum esclarecimento, tendo esta entidade dito apenas que “se trata de matéria que está a ser objeto de averiguação interna por parte dos Serviços de Auditoria e Inspeção, coordenados por magistrado do Ministério Público, bem como pelos órgãos de polícia criminal competentes, pelo que esta Direção Geral não tem qualquer informação adicional às já prestadas publicamente”.
O único resultado conhecido desta tentativa de fuga é o castigo aplicado a Fábio Loureiro, e que consta nos registos consultados pelo Observador: foi punido com “internamento em cela disciplinar” durante 15 dias — um isolamento de duas semanas.
As relações em Monsanto e a tentativa de fuga do EPL
Fábio Loureiro e Rodolf Lohrmann não conseguiram fugir em 2018, mas esta tentativa de fuga poderá ter sido um ensaio para o que aconteceu a 9 de setembro. E a prisão de Monsanto poderá ter sido o início da fuga de Vale de Judeus, já que quatro dos fugitivos que continuam em parte incerta chegaram a cruzar-se nesta prisão de segurança especial.
Além de Fábio Loureiro e de Rodolf Lohrmann, também o português Fernando Ferreira e o inglês Mark Roscaleer passaram longos períodos em Monsanto. Só o georgiano Shergili Farjiani não esteve lá e é, aliás, considerado o elemento externo ao grupo que escapou de Vale de Judeus — Farjiani estava, aliás, numa ala diferente da dos restantes fugitivos.
De acordo com os registos prisionais consultados pelo Observador, Fernando Ferreira, detido pela primeira vez em 1980, esteve em Monsanto entre 7 de dezembro de 2016 e 15 de outubro de 2018, pelo que se cruzou (pelo menos, em termos temporais) com os dois presos que tentaram a fuga em fevereiro de 2018. Pelo meio, entre Monsanto e Vale de Judeus, passou ainda pelas cadeias de Coimbra e de Paços de Ferreira.
O inglês Mark Roscaleer chegou já depois da tentativa de fuga e foi o único que não se cruzou com Fernando Ferreira: esteve em Monsanto entre 20 de agosto de 2019 e 12 de agosto de 2020. Depois, foi para a cadeia de Vale de Judeus. Aliás, este recluso tem também no seu registo uma ocorrência relacionada com fuga, dois dias antes de ser transferido para Monsanto. A 18 de agosto de 2019, quando estava no Estabelecimento Prisional de Lisboa, tentou fugir, fugiu ou ajudou alguém a fugir, apontam os registos. O castigo — também um internamento em cela disciplinar, mas durante 8 dias — chegou já quando estava em Monsanto, no ano de 2020.
Argentino terá sido o cérebro da fuga de Vale de Judeus
Estes quatro presos cruzaram-se em Monsanto, dois deles tentaram fugir juntos, mas terá sido há cerca de seis meses que começou a ser planeada uma nova tentativa. Segundo o Expresso, a fuga começou a ser preparada graças à chegada do argentino Rodolf Lohrmann a Vale de Judeus, depois de o Tribunal de Execução de Penas ter autorizado a transferência deste recluso, que estava ainda em Monsanto. E o argentino terá sido o cérebro da fuga, o mesmo papel que terá tido na tentativa frustrada seis anos antes.
Aliás, a fuga de 2018 aconteceu precisamente 14 dias depois de o Tribunal da Relação de Lisboa ter dado luz verde ao pedido de extradição de Rodolf Lohrmann para a Argentina, assim que estivesse cumprida em Portugal a pena de 18 anos e 10 meses por crimes de associação criminosa, furto, roubo e branqueamento de capitais.