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Ricardo Martins, capitão do Caracas FC, num jogo da Copa Sudamericana contra o Atletico Paranaense (Brasil)
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Ricardo Martins, capitão do Caracas FC, num jogo da Copa Sudamericana contra o Atletico Paranaense (Brasil)

HEULER ANDREY/AFP/Getty Images

Ricardo Martins, capitão do Caracas FC, num jogo da Copa Sudamericana contra o Atletico Paranaense (Brasil)

HEULER ANDREY/AFP/Getty Images

Venezuela. O capitão português que apoia Guaidó e lidera o único clube de futebol que não depende do Governo

Ricardo Martins lidera o Caracas FC enquanto o clube tenta jogar futebol em clima de guerra civil. Apoiante de Guaidó, tem de lidar com greves, assaltos e falta de comida.

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O capitão do Caracas FC, o clube mais titulado da Venezuela, cresceu no país, mas a mãe é de Aveiro e o pai de Vila do Conde. Além de ser o português que mais se destaca na instável liga venezuelana de futebol, Ricardo Martins é também um apoiante assumido de Juan Guaidó — que disputa (e divide) a presidência da Venezuela com Nicolás Maduro. “Tem de haver uma mudança que dê à Venezuela o que o país merece. Hoje, 80% ou 90% das pessoas estão com Guaidó”, diz Ricardo ao Observador. O estado atual, nas palavras do próprio, é “insustentável”. E é por isso toma partido sem receios: “Não temo assumir nada. Toda a gente quer mudança e toda a gente o assume“.

A maioria dos clubes venezuelanos recebe financiamento do Estado ou de políticos e empresários ligados ao regime. O Zamora Futebol Clube, por exemplo, o segundo clube com mais campeonatos nacionais (são cinco) e atual campeão em título, é liderado por Adelis Chávez, irmão do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. O próprio Ministro do Desporto, Pedro Infante, é vice-presidente da federação da Venezuela. E é através de ligações como estas que o futebol profissional se financia na Venezuela.

Ricardo Martins, a representar o Caracas FC, frente aos Melgar (Peru) na Copa Libertadores, em 2019

DIEGO RAMOS/AFP/Getty Images

O Caracas FC é exceção, sobrevivendo com financiamento próprio e privado eevitando dependências políticas. Ricardo Martins fala com agrado desta realidade única do seu clube: “O Caracas FC não tem ligações ao governo, enquanto todas as outras equipas dependem delas. É um dos poucos clubes privados do país“. A independência do clube garante-se combinando o sucesso desportivo com o apoio dos adeptos. As receitas de bilheteira são complementadas com os lucros dos direitos televisivos e os prémios pela participação regular em torneios como a Copa Libertadores ou a Copa Sudamericana. Tudo somado, de acordo com o jogador português, o clube não só “consegue sustentar-se, como manter os jogadores que ponderem sair”.

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Recorde de títulos conquistados por um clube venezuelano, detido pelo Caracas FC

Caracas FC

Ricardo Martins nasceu na Venezuela, cresceu em Portugal e escolheu voltar

Num país com 400 mil descendentes descendentes de portugueses, a influência nacional no futebol venezuelano é muita. O Club Deportivo Portugués — com a esfera armilar no símbolo — foi campeão por quatro vezes (1958, 1960, 1962 e 1967) e o Club Sport Marítimo — cujo logótipo é quase igual ao dos madeirenses do Marítimo — outras quatro (1986/87, 1987/88, 1989/90 e 1992/93). Já o Casa Portuguesa de Aragua Futbol Club joga na terceira divisão.

Temos sempre medo de que possa acontecer alguma coisa, mas quando se está aqui fica-se acostumado às dificuldades
Ricardo Martins, capitão do Caracas FC

Ricardo Martins entrou no futebol pela equipa da terra natal, o Deportivo Anzoátegui, aos 16 anos, mas “com família em Vila do Conde”, veio para Portugal  fazer a formação no Rio Ave. Passou a sénior com o Gondomar e jogou ainda no Aves, no Ribeirão e no Famalicão (num total de 84 jogos e 10 golos) sempre como médio. Representou também Portugal internacionalmente nos escalões jovens: fez 6 jogos pela seleção sub-21. O percurso, diz, ajudou-o “pessoal e profissionalmente”, influenciando o estilo de jogo, a ética de trabalho e o amor ao futebol.

Em 2013, com 23 anos, recebeu uma “proposta irrecusável” que o levaria de volta à Venezuela, para integrar a equipa principal do clube onde começou: o Deportivo Anzoátegui. Quando chegou, o clube jogava a Copa Libertadores e a Copa Sudamericana, provas em que Ricardo Martins “sonhava desde criança participar”.

Ricardo Martins em 2017, a representar o Deportivo Anzoategui frente ao Huracan na Copa Sudamericana 2017

AFP/Getty Images

Temos sempre medo de que possa acontecer alguma coisa, mas quando se está aqui fica-se acostumado às dificuldades“, diz o médio (conhecido como Kuki), explicando que já temia uma crise política quando voltou à Venezuela. Durante as cinco temporadas no clube (109 jogos e 20 golos marcados), a solução foi “estar atento, ter cuidados, mas preocupar-me realmente em jogar”.

Em 2017 chegaria ao Caracas FC, clube com quem tem contrato até maio de 2019. “Estou à espera de uma proposta de renovação ou de um contrato fora do país”, assume contudo Ricardo Martins, que procura “a melhor opção”, mas não vê necessidade de sair de imediato da Venezuela: “Pensamos sempre em sair, mas temos obrigações contratuais e desportivas e temos de as cumprir“.

O apoio a Guaidó do Caracas e os apoiados pelo Estado

Apesar de o clube não tomar uma posição oficial, nem responder aos contactos do Observador sobre a atual situação política, Ricardo Martins não é o único representante do Caracas FC a defender publicamente Juan Guaidó. O responsável de comunicação do clube, Johann Sánchez, partilha regularmente mensagens de apoio ao autoproclamado presidente, incluindo os comunicados oficiais de Guaidó.

O Caracas FC já conquistou a primeira liga Venezuelana por 11 vezes, mão não é campeão desde 2009. Também venceu a Taça da Venezuela em cinco ocasiões, mas a última foi em 2013. O clube joga ainda assim regularmente na Copa Libertadores, a mais importante prova da América do Sul, tendo chegado até aos quartos de final em 2009.

6 fotos

É precisamente a competição que o Caracas FC mais vezes conquistou, a liga venezuelana, que é a mais afetada pela situação no país. De jogos adiados a salários em atraso, a crise económica e social fragiliza também o desporto. A inflação é superior a 8000%. Cerca de 90% da população vive na pobreza. Faltam comida e medicamentos essenciais. Os protestos políticos são reprimidos. E, desde janeiro de 2019, o país tem dois presidentes. O líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, declarou-se presidente interino, considerando a reeleição de Nicolás Maduro, em 2016, fraudulenta.

Venezuela. Até quando pode Guaidó ser um Presidente que não manda em nada?

400 mil

Descendentes de portugueses a viver na Venezuela

El Nacional

Apoiado por grande parte da comunidade internacional, incluindo Portugal, Juan Guaidó está a tentar tomar controlo do país numa luta política que tem gerado vários confrontos. Sem admitir deixar o poder ou convocar eleições, Nicolás Maduro fechou as fronteiras e impediu a entrada de ajuda humanitária.

Caracas é dos poucos que paga a horas

No meio da crise, começa a duvidar-se da capacidade de manter o futebol activo no país. Históricos jogadores venezuelanos, como Evelio Hernández, atualmente no Zulia FC, falam em faltas condições. Mas o jornalista Pablo García, que passou pelos jornais Líder, Meridiano, e El Nacional, acha que não. No Twitter escreveu: “O ‘negócio’ vai continuar com o apoio de quem o dirige […] Mesmo quando não há segurança para as equipas viajarem, sequer“.

O Caracas FC é um clube muito sério, muito cumpridor. Sempre o foi porque continuou a ser privado, nunca dependeu do Estado.
Ricardo Martins, capitão do Caracas FC

Para Ricardo Martins o futebol é, ainda assim, “uma bolha”, já que os atletas “têm a capacidade [económica] para aceder a tudo, mesmo que os bens essenciais sejam super caros”. O que traz maior instabilidade à vida do jogador é a incerteza: “Um dia paga-se um preço por um sumo no dia seguinte já é quatro vezes mais caro“. Com toda a variação, “uma pessoa normal não tem qualquer hipótese”, enquanto o jogador “consegue ter acesso a tudo”.

Mas a “bolha” não cobre todos os jogadores, nem todo os clubes. O ex-treinador do Carabobo FC, o colombiano Wilson Gutierrez, explica que há “muitas coisas que não têm. Às vezes os jogadores nem chegavam a receber os salários“. Em entrevista ao El Espectador, continua: “Um jogador conhecido, com três ou quatro anos de carreira, ganha entre 250 e 350 euros por mês. Os outros recebem 70 a 90 euros. Alguns são pagos em bolívares [a moeda local, com menos valor para transações] e recebem tarde”.

O capitão português assume que o Caracas FC é uma exceção: “Deve ser o único clube no país a pagar os salários no dia“. “É um clube muito sério, que sempre trabalhou assim”, sublinha Ricardo Martins, que associa a estabilidade interna à distância mantida entre a equipa e o Estado, que permite cumprir com as obrigações financeiras mesmo em plena crise governativa.

Os clubes chegam a não ter comida ou medicamentos

Os outros grandes clubes lidam com a instabilidade em duas frentes: não sabem quando vão jogar e perdem quem os apoie quando jogam. Por questões logísticas e de segurança, são adiados jogos recorrentemente. Quando se joga poucas pessoas vão aos estádios. O dérbi entre o Caracas FC e o Desportivo Táchira, por exemplo, teve dez mil espetadores, um terço da lotação do campo. Costuma estar lotado.

Há talentos que parecem promissores aos 14 ou aos 15 anos e que têm de deixar o país para ir trabalhar numa loja
Alfredo Coronis, jornalista do Deportivo 1300AM

A equipa do Trujillanos chegou a ser assaltada a caminho de um jogo em setembro de 2016. Os jogadores perderam tudo: de sapatilhas a telemóveis, incluindo as camisolas do clube. O carro do preparador físico colombiano Gustavo Busto foi roubado por duas vezes enquanto se dirigia para o trabalho. O jornalista venezuelano Carlos Bustamante explicou ao Goal que “os jogadores vêm as famílias e amigos a ser afetados pela crise, perdem a concentração e entram numa espiral negativa muito difícil de contrariar”.

A segurança é uma preocupação constante“, desabafa Ricardo Martins, que diz ter de “tomar precauções”. Não pode ir a qualquer lugar e tem de “estar sempre atento” quando anda na rua. “É preciso ter muito cuidado”.

Primera División de la Liga Venezolana

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A primeira liga venezuelana foi fundada em 1921 e profissionalizada em 1957. Jogam 20 clubes na primeira divisão. 23 clubes diferentes já conquistaram a liga.

Federación Venezolana de Fútbol

Com os salários em atraso, os árbitros entram também sistematicamente em greve, impedindo a realização do campeonato. Os escalões de formação “são os mais afetados”, como escreve Alfredo Coronis no jornal venezuelano Deportivo 1300AM, por haver “falta de material de treino, de comida e de condições para impedir a emigração. Há talentos que parecem promissores aos 14 ou aos 15 anos e que têm de deixar o país para ir trabalhar numa loja. A crise afeta os transportes para os jogos, porque a aviação comercial fechou e não há peças sobresselentes para reparar autocarros ou outros veículos. Os clubes não se podem desenvolver”.

Era impossível ter um menu calórico apropriado [...] Pedíamos galinha e só nos davam massa.
Gustavo Bustos, preparador físico dos Trujillanos

Mesmo sem atingir a popularidade do basebol na Venezuela, ser futebolista é uma carreira que, se correr bem, oferece algo raro no país: a possibilidade de melhorar as condições de vida. “O desporto é uma ferramenta de mobilidade social há muito tempo. A quantidade de jovens que vêm de raízes pobres mas que agora conseguiram chegar à classe média é incrível”, assume o jornalista Carlos Bustamante.

Alejandro Marques (à direita) joga pelo Barcelona na vitória (3-0) frente ao Chelsea FC na final da UEFA Youth League 2018

Getty Images

Aos atletas não são dadas condições para jogarem a 100%. “Era impossível ter um menu calórico apropriado para responder aos gastos energéticos de um desportista. Não havia o que pedíamos”, explica Gustavo Bustos ao El Espectador, exemplificando: “Pedíamos galinha e só nos davam massa”. Também a recuperação é afetada (as máquinas de gelo, por exemplo, não funcionam). O treinador Diego Alonso Barragán conta à mesma publicação que tem jogadores semanas inteiras no hospital por não chegarem os medicamentos de que precisam.

A seleção falha, e as jovens promessas deixam o país

A seleção venezuelana não se qualificou para o Mundial de 2018. Em compensação, a equipa sub-20 do país chegou à final do mundial de 2017 (perdeu para a Inglaterra 1-0). As jovens promessas encontraram hipóteses para crescer fora de portas. Samuel Sosa, que joga pelos argentinos do Talleres aos 19 anos, explicou ao La Nueva Manaña, que teve “a sorte de deixar a Venezuela”. Insistindo que “nunca falaria mal” do seu país, conta que a família “sofre” e vive do dinheiro que lhes  consegue enviar mensalmente, enquanto não consegue encontrar forma de os tirar da Venezuela.

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Posição da seleção venezuelana no Ranking da FIFA

FIFA

Outro jovem talento, Alejandro Marques, que aos 18 anos representa as camadas jovens do Barcelona, em Espanha, deixou de comparecer nas convocatórias da seleção venezuelana. O pai terá impedido o seu regresso ao país devido à violência, e Alejandro poderá mesmo vir a representar a seleção espanhola, avança o El Informador.

Tive a sorte de deixar a Venezuela, mas nunca falaria mal do meu país
Samuel Sosa, futebolista do Talleres

Ricardo Martins não voltou ao futebol internacional, nem por Portugal nem pela Venezuela. Mas, a jogar no Caracas FC, mantém a ligação ao país dos pais. O último natal foi em Portugal, e a Páscoa “está marcada para Vila do Conde”. O regresso a Portugal profissionalmente não está excluído, mas não existem propostas oficiais nesse sentido. Por agora, o português que mais se destaca no futebol venezuelano continua a subir aos relvados em clima de guerra civil.

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