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A farmacêutica Moderna está a preparar os pedidos de aprovação da vacina em várias agências reguladoras como nos Estados Unidos, Canadá e Europa

NurPhoto via Getty Images

A farmacêutica Moderna está a preparar os pedidos de aprovação da vacina em várias agências reguladoras como nos Estados Unidos, Canadá e Europa

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Vice-presidente da Moderna e o preço da vacina: "É óbvio que temos de ter uma margem. Não seria sustentável"

Vice-presidente lembra que a empresa investiu "milhares de milhões" nos últimos 10 anos "sem receber um dólar em troca". Em entrevista ao Observador garante também que a vacina será segura.

Cidadãos, líderes políticos e autoridades de saúde oscilam entre dois desejos aparentemente antagónicos. Por um lado, a vontade de ter uma vacina disponível para os grupos de risco o quanto antes. Por outro, a necessidade de não se saltarem passos para haver garantias quando à segurança e eficácia dos produtos. Dan Staner, vice-presidente da farmacêutica Moderna e diretor para a região da Europa, Médio Oriente e África, assegura que a farmacêutica está a seguir todos os passos e explica como é possível conciliar estas duas realidades.

As agências reguladoras reorganizaram-se para tornarem o processo de avaliação mais célere: têm equipas dedicadas a cada empresa candidata para poderem fazer a análise do processo em contínuo, à medida que a farmacêutica fornece os dados, em vez de esperar que todo o processo esteja concluído para dar início à avaliação. E isto permite ganhar tempo. No caso da Moderna, depois de anunciar os resultados preliminares de eficácia, a empresa prepara-se para pedir uma autorização de uso de emergência nos Estados Unidos e está também a submeter pedidos de autorização na Europa e no Canadá, por exemplo.

Dan Staner, baseado na Basileia (Suíça), só está na Moderna desde agosto — antes disso trabalhou cerca de 25 anos numa grande farmacêutica (Eli Lilly) — e reconhece as vantagens de se trabalhar numa empresa mais pequena: as equipas são mais ágeis, são precisos menos passos para se tomarem decisões. Entre elas, pegar numa área completamente nova, de um momento para o outro, e trabalhar noite e dia para conseguir uma vacina candidata contra a Covid-19.

O facto de estar há tão pouco tempo na empresa deu-lhe uma boa razão para não responder ao Observador sobre a polémica gerada depois dos primeiros resultados da Moderna terem sido divulgados num comunicado de imprensa, com poucos dados, mas o suficiente para fazer mexer as bolsas. Depois disso, a empresa optou por mostrar uma postura mais transparente, divulgando inclusivamente os protocolos da experiência — um segredo normalmente bem guardado, como refere o jornal The New York Times.

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Vacinas. Dos resultados promissores ao que ainda pode correr mal

A vacina da Moderna foi uma das primeiras a iniciar os ensaios clínicos. Como foi possível ter uma vacina candidata em tão pouco tempo?
Demorámos 42 dias, no início, a definir as primeiras cadeias de ARN mensageiro [mARN] que serviriam para desenvolver a vacina. A beleza desta tecnologia é que é extremamente adaptável e podemos avançar com muita rapidez. O que tivemos de fazer também este ano foi aumentar a capacidade de produção: uma coisa é levar 42 dias para desenvolver uma vacina, outra é montar toda a infraestrutura e a capacidade de fabricá-la. E não apenas fabricá-la para os ensaios clínicos, mas criar a capacidade para poder produzir milhares de milhões de vacinas. Isto é algo em que temos trabalhado intensamente. Por outro lado, gostaria de assegurar que respeitámos a ordem exata de todo o plano de desenvolvimento clínico, ou seja, o estudo de fase 2 não começou antes de termos os dados da fase 1, de os apresentarmos à FDA [Food and Drug Administration, regulador do medicamento norte-americano] e de esta nos aprovar o protocolo da fase 2. E o mesmo aconteceu com a fase 3, que iniciámos em julho deste ano, mas só depois de termos submetido aos órgãos reguladores os resultados da fase 2. Acho que o que torna este desenvolvimento único é não só a plataforma [a tecnologia usada] que é absolutamente fabulosa, mas também o envolvimento e a parceria excelente que temos com todas as agências reguladoras neste momento.

“Não acho que estejamos numa corrida. Acreditamos que os nossos dados é que nos vão diferenciar e não necessariamente a velocidade.”
Dan Staner, vice-presidente da farmacêutica Moderna e diretor para a região da Europa, Médio Oriente e África

O que quer dizer com parcerias?
Cada autoridade de saúde está a tentar ser o mais exigente possível em relação à qualidade, mas também o mais rápida possível. Isto não acontece normalmente. Agora, há equipas, em cada agência reguladora, claramente dedicadas a cada empresa no que diz respeito à Covid-19. Isto significa que, se eu tiver uma dúvida, há uma equipa totalmente dedicada ao tema e à empresa [para responder rapidamente]. Não costuma funcionar assim. Normalmente, enviamos uma carta e esperamos algumas semanas pela resposta.

Querem fazer este tipo de submissão contínua na Europa. O que é que isto significa?
Normalmente, submetemos o dossier quando temos tudo pronto — esperamos que os vários módulos estejam completos para depois enviar tudo à agência reguladora. Por causa da situação de emergência, acho que toda a gente percebeu que a sociedade tinha de fazer algo para ajudar. Uma vez assinado o compromisso com a agência reguladora [anunciado no dia 16 de novembro], começámos a apresentar os módulos, aos poucos, para o regulador poder começar a trabalhar neles, para poderem fazer perguntas. E, no final, apresenta-se os [últimos resultados] do ensaio clínico e com isto encurta-se significativamente o tempo. Porque quando tem de se esperar até ter todo o processo finalizado para enviar, leva meses para ser aprovado. Estamos a fazê-lo no Reino Unido, Canadá, Europa, Suíça e Estados Unidos, que tem uma abordagem ligeiramente diferente [autorização de uso de emergência].

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Os ensaios clínicos têm muitos voluntários — 30.000 —, mas apenas nos Estados Unidos. Planeiam fazer ensaios clínicos noutros locais? Ou têm de fazê-lo para entrarem com os pedidos nas agências reguladoras?
Não está previsto na regulamentação, desde que as orientações de boas práticas clínicas tenham sido seguidas e que haja boas equipas de DSMB [Data Safety and Monitoring Board, um grupo de investigadores independentes que avalia o ensaio clínico e os resultados] a analisar a segurança e tolerabilidade do produto. Tomámos a decisão de ter um grande ensaio clínico de 30.000 voluntários nos Estados Unidos — e isso é enorme. Destes 30.000 doentes, temos cerca de 25% com mais de 65 anos. E porquê? Estou convencido que em Portugal é exatamente a mesma coisa: são a população mais vulnerável. Depois, temos uns 40% que estão entre 45 e 64. E também temos 8.000 voluntários que têm condições crónicas, porque sabemos que há complicações em pessoas com obesidade, doenças cardíacas, doenças pulmonares, diabetes. Assim, podemos analisar a segurança, tolerabilidade e eficácia do nosso produto através dos resultados da fase 3.

São uma empresa relativamente pequena. É mais fácil ou mais difícil terem sucesso ou estarem nesta corrida quando comparados com as grandes farmacêuticas?
Essa é uma boa pergunta. Acho que é um bom desafio. Mas, se quer saber, não acho que estejamos numa corrida. Claro que há pressão dos governos, dos media, do público. Mas, no final, os dados falarão por si. Estamos cautelosamente otimistas com base em tudo o que vimos até agora, em particular com os dados da primeira fase que publicámos, e espero que continuemos a publicar com total transparência todos os nossos protocolos e todos os nossos dados. Acreditamos que os nossos dados é que nos vão diferenciar e não necessariamente a velocidade. Se o nosso produto se distinguir pela segurança e eficácia, as organizações de saúde vão dar-lhe prioridade e encontrar os grupos de doentes certos para o produto. Mas sim, existe um desafio. O desafio é que trabalhar numa empresa com mil ou duas mil pessoas não é o mesmo que trabalhar numa com 100 mil empregados, obviamente. Mas, ao mesmo tempo, somos mais ágeis, podemos mexer-nos mais rapidamente se houver menos processos, podemos tomar decisões com maior rapidez do que numa dessas empresas multinacionais, como aquela onde trabalhei durante 25 anos. Portanto, sim, também tem vantagens.

Falou em transparência. No início do processo, quando divulgaram os primeiros resultados num comunicado de imprensa, houve muitas críticas dos cientistas pela falta de dados. Mais tarde, num gesto pouco comum, tornam os protocolos das experiências disponíveis para todos. O que vos fez mudar de atitude?
Lamento, mas isso aconteceu antes de estar na empresa, portanto não posso comentar. Não tenho a capacidade de falar sobre coisas que aconteceram antes do meu tempo. O que posso dizer é que, desde que entrei, o compromisso com a transparência é total. Desde que cheguei, em agosto, partilhámos os resultados, a análise interina, os protocolos, e temos o compromisso de continuar a mostrar.

“Acho que estamos no caminho para alcançar o que muitas pessoas disseram que era uma missão impossível. Acreditamos que vamos estar prontos para começar a produzir no final do ano.”
Dan Staner, vice-presidente da farmacêutica Moderna e diretor para a região da Europa, Médio Oriente e África

Disse que precisavam de construir toda a capacidade de fabrico. Qual é o ponto da situação neste momento?
Por enquanto, tudo bem. Acho que estamos no caminho para alcançar o que muitas pessoas disseram que era uma missão impossível. Temos duas cadeias de distribuição, uma nos Estados Unidos e outra que estamos a construir na Suíça [no valor de cerca de quase 250 milhões de francos suíços], que vai abastecer todos os mercados internacionais, com exceção dos Estados Unidos. Estamos a trabalhar 24 horas por dia, com três equipas a fazerem turnos de oito horas. Acreditamos que vamos estar prontos para começar a produzir no final do ano. Entre as duas cadeias de distribuição, acho que vamos conseguir fabricar mais de 500 milhões de doses. É a nossa estimativa. Até agora estamos no caminho para alcançá-la.

Como é que vão fazer a distribuição pelo mundo? Vão ter em consideração tanto os países ricos como os de baixo rendimento?
Há aqui várias situações. Por exemplo, a União Europeia decidiu centralizar a compra de todas as vacinas num único concurso central. E, obviamente, trabalhamos lado a lado para chegar a um acordo. Por outro lado, há uma série de países que estão a contactar-nos, como países do Médio Oriente, para assegurar uma encomenda que lhes permita proteger a sua população. Numa terceira situação, a Moderna está a participar nas discussões com organismos multilaterais [financiados por vários governos] com o objetivo de resolver as necessidades de acesso e, esperamos, poder levar a proteção a uma população muito mais alargada, em quase todo o mundo. Até ao momento, ainda não chegámos a um acordo com a Covax [uma coligação para garantir o acesso equitativo às vacinas e tratamentos], mas vamos continuar as discussões até podermos encontrar um acordo no futuro. A Covax está a centralizar e a fazer acordos com os fabricantes com o objetivo de conceder o acesso a algumas destas vacinas e alguns destes tratamentos fora do mundo ocidental.

Uma das grandes questões é o custo das vacinas, especialmente quando implicam o desenvolvimento de tecnologias novas. Têm uma estimativa para o custo da vossa vacina?
Diria que, com a plataforma de mARN que a Moderna desenvolveu, vamos criar uma nova classe de medicamentos para combater doenças terríveis para as quais ainda não há ajuda ou há uma necessidade clínica completamente não atendida. Mas gostaria de dizer que a nossa primeira vacina, a primeira dose que vamos vender, vai custar-nos, provavelmente, algo entre cinco e 10 mil milhões de dólares. Porque este é o dinheiro que temos investido na plataforma nos últimos 10 anos sem termos, até ao momento, um único dólar de receita. Obviamente que o nosso diretor executivo deixou claro que, no âmbito da luta contra a Covid-19, esperamos ter uma vacina a um preço razoável, mas não poderemos fazer como outras empresas. Olhem para a AstraZeneca: as vacinas são uma gota no oceano, porque fazem 99% dos negócios fora da área das vacinas. Portanto, podem dizer que vão comercializar o produto com um lucro baixo ou sem qualquer lucro. Mas para uma empresa que investiu milhares de milhões de dólares nos últimos 10 anos sem nunca receber um único dólar em troca, é óbvio que temos de ter uma margem. Também digo que os lucros que fizermos com estas vacinas serão imediatamente reinvestidos em investigação. Temos 23 produtos em desenvolvimento, 14 dos quais nas áreas de oncologia, imunologia, doenças cardiovasculares, tudo doenças, cujas necessidades de tratamento estão completamente insatisfeitas. Ao reinvestir [o lucro] podemos avançar com estes 14 produtos que estão, hoje em dia, em ensaios clínicos. Mas não se pode esperar algo sem proveito financeiro de alguém que nunca vendeu nada e investiu 10 anos sem lucro — não seria sustentável. E ninguém nos emprestaria dinheiro no futuro.

A Moderna trabalha nesta plataforma há 10 anos e, até agora não há nenhum produto disponível, nem nenhuma outra empresa tem um fármaco com mARN. Qual é a dificuldade?
Levou-nos muito tempo, mas acho que estamos três ou quatro anos à frente [das outras empresas]. Demorou tempo porque não é fácil conseguir a sequência do ARN mensageiro, não é fácil definir o perfil lipídico certo [da cápsula que envolve o mARN para ser administrado pela vacina]. E demorámos muito tempo a conseguir fazer isso. [Em relação aos produtos das empresas concorrentes] há muitas nuances. Como se consegue a estabilidade certa? Como se consegue a temperatura certa? Como é que se obtém a dosagem correta para minimizar os efeitos secundários, mas manter um nível de anticorpos neutralizantes desejável. Acho que investimos todos estes anos na plataforma para desenvolver a capacidade de o fazer e agora estamos a colher os frutos. Diria que já tivemos duas revoluções farmacêuticas: a primeira com as moléculas pequenas, a segunda com os produtos biológicos. Temos a esperança de que a plataforma de mARN seja a terceira revolução e que nos permitirá atacar doenças terríveis de uma maneira muito rápida, eficaz e segura. O futuro nos dirá.

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Considerando que nenhuma vacina deste tipo alguma vez entrou no mercado ou sequer finalizou um ensaio clínico de fase 3, quais são os principais riscos que podemos esperar?
Nunca temos a certeza. Quando liderei a investigação clínica da Eli Lilly na área cardiovascular aprendi a ser humilde e aprendi que a mãe natureza pode ser muito cruel. Mesmo quando esperamos ter as maiores probabilidades de sucesso, podemos sempre falhar. De facto, existe a possibilidade de todas as vacinas e todos os tratamentos que estão aí fora falharem. Mas devo dizer que, até agora [com os dados obtidos], continuamos muito cautelosos, mas muito otimistas de que este produto venha a ser aprovado. E até agora não vimos nenhum sinal de alarme em termos de segurança. A prova virá assim que se tenham todos os dados e esperamos que isso aconteça nas próximas semanas.

Se as pessoas, incluindo os voluntários dos ensaios clínicos, estão a usar mais medidas preventivas, como máscaras ou lavar as mãos e assim por diante, preveem que seja mais difícil encontrar voluntários que tenham tido contacto com o vírus depois da vacinação?
É claro que a situação agora não é como a de março, toda a gente usa máscaras, lava as mãos, distancia-se socialmente. Posto isto, nunca tivemos tantos casos nos Estados Unidos e na Europa como agora. É extremamente triste. Mas, por outro lado, vai permitir recrutar os voluntários mais rapidamente e, esperamos, vai permitir desenvolver a vacina e recuperar a saúde mais rapidamente também.

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