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Von der Leyen, Ucrânia, Costa e as estreias patrióticas. Oito respostas sobre as primeiras decisões do novo Parlamento Europeu

Metsola tenta reeleição na 3ª feira e Von der Leyen na 5ª. Costa vai a Estrasburgo ajudar à campanha da alemã. Chega e IL vão estrear-se. Vêm aí as primeiras decisões do novo hemiciclo Europeu.

Vem aí uma super-semana política no Parlamento Europeu. Úrsula Von der Leyen intensificou a campanha para uma reeleição na Comissão Europeia que é provável, mas não é certa. Roberta Metsola tenta também uma reeleição no Parlamento Europeu, que lhe pode dar uma longevidade histórica no cargo. No meio, António Costa vai a Estrasburgo reunir-se com os eurodeputados socialistas para lhes pedir que não rompam o acordo que lhe deu a presidência do Conselho Europeu.

Em pouco mais de 72 horas, às votações para as presidências da Comissão e Conselho Europeu ainda se juntará o debate e votação de uma resolução de apoio à Ucrânia. Chega e IL são dois estreantes esta terça-feira na sessão inaugural do novo Parlamento Europeu, que terá o primeiro dia do resto de um mandato de cinco anos.

Von der Leyen pode não ser eleita?

Se há algo que o falhanço do acordo de Osaka em 2019 ensinou é que, na Europa, nada é certo até estar fechado. Ursula von der Leyen faz parte da família europeia mais votada (o PPE), foi a mais votada indiretamente pelos eleitores (mesmo que ninguém ligue à lead candidate ou, em geral ao processo de spitzenkandidat) e, mais importante do que isso, passou no Conselho Europeu e no acordo para os top jobs fechado entre três das maiores famílias políticas.

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Se a política fosse matemática, era fácil. Von der Leyen, cuja eleição vai decorrer na quinta-feira, 18 de julho, precisa de 361 votos. Ora, as três famílias que a escolheram – o PPE (188), os S&D (136) e o Renew (77) – têm, juntos, 401 deputados. Mas o voto é secreto e há muitos deputados nos três grupos que não morrem de amores por Von der Leyen, incluindo no próprio PPE. Durão Barroso, que enfrentou duas vezes os deputados, alertava para isso em declarações ao Politico: “Eles são realmente independentes quando o voto é secreto”.

Os portugueses são exemplos da resistência à antiga ministra da Defesa alemã. Marta Temido passou a campanha a criticar Von der Leyen (embora já tenha dito ao Expresso que não lhe “passa pela cabeça” furar o acordo) e João Cotrim Figueiredo disse na última quinta-feira no Parlamento Europeu que o voto dele, naquele momento, era não. E isso aconteceu depois de Ursula von der Leyen estar três horas reunida com os liberais. Aliás, a presidente da comissão tem tido essas reuniões com todos os grupos, mesmo naqueles em que  sabe sabe que não terá nenhum voto: ainda esta segunda-feira, por exemplo, reuniu com o The Left, a esquerda europeia, onde estão os portugueses Catarina Martins (BE) e João Oliveira (CDU).

A operação de charme de Von der Leyen inclui vários contactos pessoais e a presidente da Comissão abdicou mesmo de participar na cimeira da NATO, em Washington, para seetal no trapézio de três famílias, tenta criar uma rede que lhe permita sobreviver em caso de alguns deputados roerem a corda (a estatística diz que no passado, em média, há 13% que votam ao contrário do acordo com o definido): falar com os Verdes (sempre são mais 53 deputados) e até com o próprio ECR, utilizando a tal ligação a Georgia Meloni que ainda irrita socialistas e liberais.

O que acontece se Von der Leyen não for eleita?

Seria um grande embaraço (para não dizer humilhação) para a própria, para o PPE e para o statu quo europeu. A não-eleição iria, desde logo, enfraquecer o eixo europeísta que, embora se mantenha muito maioritário, é pressionado por grupos que congregam anti-europeístas, eurocéticos e o eurozangados (só os Patriotas pela Europa e os conservadores do ECR têm, juntos, 162 eurodeputados – o que os tornaria no segundo maior grupo).

Se Von der Leyen não conseguir os 361 votos necessários, a bola volta a estar do lado do Conselho Europeu, que tem um mês para apresentar um novo candidato. Mas esta não-eleição seria um autêntico terramoto político. Até porque, desta vez, não há um plano B. No PPE, os outros nomes falados foram o primeiro-ministro grego Kyriákos Mitsotákis e o primeiro-ministro croatq Andrej Plenković, mas também teriam uma vida difícil. Além disso, depois de um falhanço deste género, todos iam desconfiar de todos. Para já, apesar de haver algum risco, é preciso dizê-lo: o mais provável é Von der Leyen ser eleita.  O PPE mantém a confiança em alta.

Se há algo que o falhanço do acordo de Osaka em 2019 ensinou é que, na Europa, nada é certo até estar fechado. Ursula von der Leyen faz parte da família europeia mais votada (o PPE), foi a mais votada indiretamente pelos eleitores (mesmo que ninguém ligue à lead candidate ou, em geral ao processo de spitzenkandidat) e, mais importante do que isso, passou no Conselho Europeu e no acordo para os top jobs fechado entre três das maiores famílias políticas

O acordo dos top jobs, incluindo a eleição de Costa, pode ficar em risco?

Os cargos têm métodos diferentes e António Costa já foi formalmente eleito. No entanto, a solução Costa surgiu de uma negociação conjunta dos top jobs. Isto significa que, caso Von der Leyen não seja eleita – com um mais ou menos deliberado roer da corda dos socialistas –, é legítimo que os chefes de Estado e de Governo do PPE possam exigir que se volte atrás e colocar em causa o compromisso que levou à eleição de Costa. Não é automático que a não-eleição de Von der Leyen signifique o afastamento de Costa, mas coloca-o tremido.

O próprio Governo português tem feito avisos claros aos eurodeputados socialistas no Parlamento Europeu: Paulo Rangel no Parlamento e Luís Montenegro no Conselho Nacional do PSD avisaram que é bom que haja “reciprocidade” depois do empenho no apoio a Costa. Sabendo deste risco, o próprio António Costa anda em contactos para ajudar Ursula von der Leyen. Não é um acaso que o futuro e presidente-eleito do Conselho Europeu se vá deslocar a Estrasburgo esta terça-feira para ter uma reunião com os eurodeputados socialistas. Fará, naturalmente, um apelo a que se cumpra o acordo e a que os eurodeputados socialistas votem em Von der Leyen.

Metsola vai ser reeleita presidente do Parlamento Europeu?

Ao contrário do que aconteceu no passado, oficialmente, o Conselho Europeu deixou a presidência do Parlamento fora do acordo dos top jobs. E isso aconteceu por uma razão: respeitar, pelo menos de forma aparente, a autonomia e vontade do Parlamento Europeu. No entanto, como o PPE é o partido mais votado a distribuição só fica mais ajustada aos votos se a direita europeia tiver também a presidência do Parlamento Europeu.

Já no último ano de mandato de Metsola se falava da possibilidade desta continuar na presidência do Parlamento Europeu – o que se deve confirmar. A candidata do PPE será a maltesa, numa eleição que decorre na terça-feira e que se prevê que seja mais fácil do que a de Ursula von der Leyen. Desde logo porque Roberta Metsola não tem tantos anti-corpos como a alemã.

Podem sempre surgir outros candidatos, já que qualquer grupo pode apresentar um candidato, tal como um vigésimo dos membros do hemiciclo (38). Para ser eleita, Metsola pode nem precisar de 361 deputados. Isto porque para ser eleito o presidente do Parlamento precisa apenas da maioria absoluta dos votos expressos (50% mais um) e os votos brancos e nulos não são tidos em conta para a maioria necessária. Caso não seja eleita à primeira volta, Metsola pode ir de novo a votos num segundo e até num terceiro escrutínio. Se mesmo assim, não houver eleição, pode haver uma quarta volta em que se podem entrar, nesse caso, os dois mais votados.

O mandato de Metsola é será de dois anos e meio, mas tem havido a prática de presidência rotativa: metade do mandato para o PPE, outra metade para os socialistas europeus. Mas, desta vez, isso pode não acontecer. Para o PPE o permitir, os socialistas têm de abdicar do segundo mandato de Costa. Isto porque – caso os socialistas ficassem com a segunda parte do mandato do Parlamento Europeu – passariam a ter dois dos quatro top jobs. E isso o PPE não aceita.

O que vai acontecer é que, na altura, será feita nova avaliação – que pode ditar o sacrifício de Costa. Embora, o mais provável seja os socialistas preferirem manter a presidência do Conselho Europeu. Aliás, Antonio Tajani — que não só é ministro dos Negócios Estrangeiros de Meloni e vice-presidente do PPE —  já disse que “se António Costa quiser ficar até ao fim da legislatura, Roberta Metsola também tem de ficar”.

O Parlamento Europeu vai continuar pró-Ucrânia?

Tudo indica que sim. Para dar um sinal político forte, o Parlamento quer deixar claro que continua a apoiar a Ucrânia. Apesar do crescimento de alguns partidos com ligações ao regime de Putin, continua a existir uma larga maioria pró-Ucrânia no Parlamento Europeu.

Logo na quarta-feira os líderes dos grupos políticos vão protagonizar um debate de manhã sobre o assunto, votando depois à tarde uma resolução de apoio à Ucrânia, que está ainda a ser elaborada. Uma das curiosidades será ver como votam, por exemplo, o novo eurodeputado do PCP, João Oliveira, e também alguns dos partidos do grupo político do Chega, o “Patriotas pela Europa”, que tradicionalmente tiveram votos mais ‘amigos’ de Putin nas várias resoluções do Parlamento Europeu.

Quanto vale um “verdinho” como Cotrim no grupo dos liberais?

João Cotrim Figueiredo estreia-se como eurodeputado no Parlamento Europeu e leva consigo Ana Martins, vice-presidente da Iniciativa Liberal e a número dois da lista que, nas primeiras ambições comedidas da IL, nem seria eleita. O resultado liberal permitiu festejar e contrariar aquela que foi a tendência dos parceiros europeus da mesma família política, que diminuiu o número de representantes e perdeu força — muito à boleia do mau resultado de Emmanuel Macron em França —, acabando por cair do pódio dos maiores grupos com a constituição do grupo Patriotas da Europa e até atrás do ECR.

A quebra eleitoral dos liberais foi um dos argumentos que levou Cotrim Figueiredo a ser candidato à presidência do grupo parlamentar do Renovar Europa. Por pouco tempo. Percebeu que os apoios que lhe tinham sido demonstrados não eram assim tão seguros, admitiu em entrevista ao Observador que foi “verdinho” naquela que é uma estreia na lide europeia e acabou a vice-presidente do grupo. Não foi brilhante, ainda que configure mais uma vitória liberal na primeira viagem para Bruxelas.

Uma das primeiras decisões no Parlamento Europeu vai dar trabalho à comitiva encabeçada por Cotrim Figueiredo: o acordo para os top jobs que não agrada assim tanto. Primeiro foi António Costa, com os liberais portugueses a distanciaram da opinião da família política — que assinou um acordo com o PPE e os socialistas para os três principais cargos europeus — quando disseram ser contra António Costa na presidência do Conselho Europeu.

Além disso, o eurodeputado já admitiu também votar contra Ursula von de Leyen para presidente da Comissão Europeia. A justificação — já como vice-presidente do Renovar Europa e a falar pelo grupo — prende-se com a alegada aproximação de Von der Leyen à direita radical, com Cotrim a afirmar de viva voz que “não está a cumprir os acordos” e “está a ter conversações com o ECR”. Caso a postura não se altere, alertou, “não está garantido o apoio do grupo Renovar Europa à recandidatura de Ursula von der Leyen”.

O finca pé dos liberais, que estão com forças reduzidas, pode, no limite, colocar em causa a eleição de Kaja Kallas, primeira-ministra da Estónia, para Alto Representante para a Política Externa da UE. Como o cargo é o de comissário europeu, só depois da nova comissão Von der Leyen (ou a Comissão com outro presidente) tomar posse no outono é que Kallas inicia funções.

Os cargos têm métodos diferentes e António Costa já foi formalmente eleito. No entanto, a solução Costa surgiu de uma negociação conjunta dos top jobs. Isto significa que, caso Von der Leyen não seja eleita – com um mais ou menos deliberado roer da corda dos socialistas –, é legítimo que os chefes de Estado e de Governo do PPE possam exigir que se volte atrás e colocar em causa o compromisso que levou à eleição de Costa. Não é automático que a não-eleição de Von der Leyen signifique o afastamento de Costa, mas coloca-o tremido

Que força tem o Chega nos Patriotas pela Europa?

António Tânger Corrêa e Tiago Moreira de Sá são os rostos da estreia do Chega no Parlamento Europeu — uma entrada que Ventura acreditou que podia ser mais recheada, embalado pelo resultado das legislativas, e que acabou a refletir um resultado aquém das expectativas. Apanhados os cacos do choque eleitoral, o Chega empenhou-se naquele que é o novo grupo de direita radical europeia: o Patriotas pela Europa.

Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro que saiu do PPE e ficou sem família política, ainda ponderou a entrada no ECR, mas optou por levar a cabo uma espécie de operação de cosmética da direita radical. O novo grupo, de braços abertos aos partidos de direita radical um pouco por toda a Europa, culminou com a morte política do Identidade e Democracia (ID), muito conotado com uma postura mais extremista e pró-russa, longe de agradar a Ventura e ao Chega pró-Ucrânia.

Ainda que vários partidos tenham transitado diretamente de um para o outro, Viktor Orbán, que chegou a ameaçar bloquear pacotes de ajuda à Ucrânia, aproveitou o calendário e o início da presidência húngara da UE para viajar até Kiev e Moscovo para tentar apaziguar e mostrar que pretende contribuir para a paz.

Pelo caminho, passou a fazer frente ao ECR, depois de Meloni ter andado em conversas com Von der Leyen, o que não agradou a grande parte da direita radical — e o “Patriotas pela Europa” ultrapassou mesmo o ECR. Feitas as contas, pode ter conseguido o pleno: eliminou o ID e toda a carga extremista que carregava e não deixou que o ECR fosse a solução, já que a esmagadora maioria dos partidos de direita racical não se revia na aproximação ao PPE.

Quanto ao Chega — Tânger Corrêa bem que avisou na campanha para a possibilidade de ser construído um novo grupo — não só entrou no novo grupo como conseguiu negociar uma vice-presidência para o cabeça de lista às europeias e primeiro eurodeputado eleito. Com isto, não só pode começar a fazer política na Europa como está na terceira família política mais numerosa do Parlamento Europeu — um lugar que Ventura sempre quis, para ter a possibilidade de influenciar e fazer parte dos maiores líderes da direita radical europeia. Se já vinha a construir boas relações com alguns deles, fica no local perfeito para as alimentar.

Como será o novo hemiciclo do Parlamento Europeu?

A primeira alteração é no número de eurodeputados: passaram de 705 para 720. De resto, as contas são bem mais complexas, em particular com a criação de novos grupos, o desaparecimento de outro e a força que a direita radical e extrema-direita passam a ter.

O resultado das eleições ditou um PPE reforçado, que passou de 176 para 188 eurodeputadps, enquanto o S&D viu a bancada encolher de 144 para 136. À direita do PPE houve mudanças bastante notórias: o novíssimo Patriotas pela Europa passou a terceira força política com 84 eurodeputados, acima do ECR, de Meloni, que ficou com 78, e o Identidade e Democracia (ID), que desapareceu ao ser esvaziado.

Foi também criado o grupo Europa das Nações Soberanas, cujo principal rosto é a Alternativa para a Alemanha (AfD), que foi expulso do ID na passada legislatura. Atualmente, os Patriotas pela Europa e o ECR juntos têm mais eurodeputados do que os socialistas — 162 — e caso se juntassem ao Europa de Nações Soberanas em algumas circunstâncias ficariam com apenas menos um eurodeputado que o PPE.

No sentido inverso surgem os liberais, cuja bancada passou de 102 para 77, muito devido à queda do partido de Macron em França, o Renascença. Já no grupo da esquerda, em que PCP e Bloco de Esquerda têm assento, registou-se uma subida dos 38 para 46.

Os jornalistas do Observador viajaram a convite do Parlamento Europeu

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