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Taqbir, ou o “punk islâmico” com gritos de guerra de origem marroquina
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Taqbir, ou o “punk islâmico” com gritos de guerra de origem marroquina

PAULO PACHECO

Taqbir, ou o “punk islâmico” com gritos de guerra de origem marroquina

PAULO PACHECO

Westway Lab 2022: um festival de "oportunidades" em "tempos de transição"

O Observador esteve na nona edição do festival de música pensado para profissionais da área. Além dos concertos, falou-se de exportar para Espanha, de gravar na Islândia e de legendas no YouTube.

Rui Reininho enchia o Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF) e uma espectadora comentava que “isto é tudo muito dark”. Pesado talvez, memorável também. Em cima do palco a performance surrealista de sempre agora em versão world music futurista com queda para o orientalismo. É assim o segundo álbum a solo de Rui Reininho, 20.000 Éguas Submarinas, e assim também o espetáculo que o sustenta, um dos mais concorridos na nona edição do Westway Lab — festival de música que não é só música, organizado pela Câmara de Guimarães através da cooperativa A Oficina, que gere a programação cultural na cidade.

O vocalista dos GNR, sem GNR, perguntou ao público por diversas vezes “o que é que querem que a gente faça esta noite?”, ele e a banda que o acompanhava. Até que ouviu da plateia: “Faz topless”. Esboçou um sorriso. Mastigou a folha de papel onde tinha a letra de uma canção, carregou no refrão “animais errantes, animais doentes, animais indecentes”, cantou muito e referiu-se ao presidente da Ucrânia para rematar sem ironia: “Não sou propriamente pela paz, sou pelo amor, o que é diferente.” Sexta à noite, dia 8 de abril.

Para lá do veterano do rock português, o Westway Lab ofereceu nomes novos e novíssimos. Veja-se o português Tiago Sampaio com a holandesa Eliën no café-concerto do CCVF, parceiros improváveis de teclas e misturas eletrónicas. Cruzaram-se nas residências artísticas promovidas pelo festival — todos os anos criadores de diversas geografias juntam-se no Centro de Criação de Candoso, perto de Guimarães, oito a 10 dias antes do início do Westway Lab e engendram novos sons para apresentarem ao vivo, o que desejavelmente deve continuar para lá daquele momento.

"Faz topless", ouviu Reininho da plateia

PAULO PACHECO

Veja-se Fumo Ninja, novo projeto de Norberto Lobo, Leonor Arnaut, Raquel Pimpão e Ricardo Martins, cujo disco Olhos de Cetim chegou agora às lojas, com pop radiofónica em português — também no café-concerto do CCVF. E cite-se enfim a compositora, cantora e baixista polaca Misia Furtak, que passou pelo bar Tribuna, no espaço do histórico Cinema São Mamede. Em polaco, com bateria, piano e baixo, deixou mensagens sobre a vida política do país de origem e contra as restrições da pandemia da covid-19 (diz quem leu a tradução das letras).

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“Processo, pensamento e produto”

Este ano os organizadores procuraram divulgar o cartaz musical com maior vigor, para que o público da cidade não se sentisse distanciado do festival, cuidando que ele só existe para profissionais da música, o que é parcialmente verdade — por isso é que o Westway Lab é festival showcase. No programa em papel não constavam as conferências, apenas a música ao vivo. “Tentativa de melhor traduzir o que é o festival”, resumiu-nos Rui Torrinha, um dos mentores e responsáveis da iniciativa.

“Sentimos a determinada altura que o público em geral não estava a agarrar bem esta estrutura, que pensava que o festival era fechado em torno dos profissionais. Este ano tentámos passar a ideia de que há momentos de debate do setor, sim, mas também uma parte que agrega todas as pessoas”, prosseguiu Rui Torrinha “Quando criámos o Westway, em 2014, quisemos fazer uma conjugação inovadora de três vertentes: processo, pensamento e produto. Isto é, o processo de criação através das residências artísticas em Candoso. O pensamento por via das conferências com profissionais da indústria da música. E depois os concertos, exemplo consagrado de toda esta cadeia.”

Mas quanto aos concertos, já estamos conversados. Se houve mais música este ano? Houve muita coisa em quatro dias de festival, três dos quais com o Observador nas plateias. Maika Makivski, “maiorquina de sangue macedónio e andaluz”. E Surma Trio, em novas versões do disco de estreia de Débora Umbelino. E mais estes: os misteriosos Taqbir, um “punk islâmico” com gritos de guerra de origem marroquina. Nem todos os concertos conseguiram casa cheia, mas estiveram bem compostos, o que satisfez a organização — atendendo à fase mais ou menos pós-pandémica e à mais que provável mudança de hábitos do público após dois anos de disrupção (tema a que voltaremos adiante).

  • Surma Trio
    PAULO PACHECO
  • Club Makumba
    PAULO PACHECO
  • Fumo Ninja
    PAULO PACHECO
  • Maika Makovski
    PAULO PACHECO

Na Islândia o Ministério da Cultura é também dos Negócios

Nas conferências, essência do certame, escutou-se um permanente apelo à circulação internacional de obras e autores musicais mais distantes das majors. É esse o objetivo. E curiosamente deixou-se a covid-19 um pouco à margem, discutindo-se o tema menos do que seria de supor (a propósito: houve Westway Lab em 2020 e 2021, mas em versão digital devido às restrições da pandemia).

Um painel sobre o programa de financiamento Europa Criativa suscitou bastante interesse por parte dos profissionais presentes, que ouviram as explicações de Susana Costa Pereira, responsável em Portugal por este projeto da Comissão Europeia. Deu dicas aos interessados sobre como preencher os complexos formulários de candidatura. No fim apontou-nos uma informação de relevo: “Quem se pode candidatar são pessoas coletivas, públicas ou privadas, e não artistas singulares. Mas o programa é muito flexível, com uma grande diversidade.”

Outro painel, este transmitido por videoconferência, deu a conhecer o projeto Record in Iceland, através do qual o Governo islandês reembolsa até 25% de despesas de artistas que escolham o território para gravar música. Uma curiosidade, explicada ao Observador pela oradora, Hrefna Helgadóttir, foi que na Islândia existe um Ministério da Cultura e dos Negócios — no mesmo gabinete governamental, cultura e negócios de mãos dadas, o que na Europa continental seria espinhoso.

“Depois das eleições do ano passado, a Cultura ganhou autonomia e saiu do Ministério da Educação. Juntou-se o turismo, a inovação e as artes no Ministério da Cultura”, explicou Hrefna Helgadóttir. “Há muito tempo que na Islândia os profissionais defendem que a música tem de ser levada a sério, como uma indústria. Não é um passatempo, gera dinheiro, cria empregos.”

Robert Singerman é um dos responsáveis pela empresa LyricFind

PAULO PACHECO

“Não parece grande, mas tem muita força”

O nova-iorquino Robert Singerman, histórico da indústria musical e profundo conhecedor dos festivais showcase da Europa, veio pela quarta vez a Guimarães e falou sobre legendagem. Corre mundo a explicar a importância das legendas e da tradução das letras das canções. É um dos responsáveis pela empresa canadiana LyricFind, cuja missão consiste em fornecer a plataformas como Amazon, Google, YouTube ou Deezer “letras com tradução humana e rigorosa, que dêem rendimento aos autores”.

“Se hoje o YouTube apresenta legendas automáticas em muitos vídeos de música, através do sistema Close Captioning, foi por causa da nossa intervenção. No caso das bandas de língua espanhola tem sido muito importante para uma divulgação global e para que os músicos e autores ganhem mais dinheiro com o seu trabalho”, disse-nos. “As traduções portuguesas, por exemplo, existem na internet, mas são ilegais, logo, os autores não estão a ganhar nada. Falta enquadramento legal.”

Conversámos no bar Ramada 1930, junto à antiga Fábrica de Curtumes da Ramada, atual Instituto de Design de Guimarães. Foi um dos palcos do festival. Robert Singerman já representou R.E.M., James Brown, Suzanne Vega, Gipsy Kings, entre muitos outros. Dirigiu o European Music Office, que funcionou em Bruxelas junto da Comissão Europeia, e esteve à frente do French Music Export Office nos EUA.

Pareceu-nos a pessoa indicada para analisar a importância do Westway Lab. Com a atuação da dupla portuguesa Siricaia em pano de fundo, disse-nos que se trata de um festival intimista numa cidade de pequena dimensão, o que permite conversas cara a cara e interação entre participantes. Coisa rara em festivais congéneres.

“Foi às cabeçadas que aprendi o funcionamento da indústria, por isso a minha missão é a de eliminar a necessidade das cabeçadas, o que só se consegue com a partilha de conhecimento entre todos.”
Nuno Saraiva, um dos responsáveis pelo Westway Lab

“Não é um festival showcase no sentido puro da palavra”, acrescentou, aludindo a eventos como o famoso Eurosonic, na Holanda. “Aqui não há propriamente muitos compradores e vendedores, mas vejo bastantes criadores. Acho que é isso mesmo: um evento de cocriação, devido às residências artísticas para músicos de todo o mundo, que depois se apresentam aqui ao vivo. É também um momento de formação e de troca de experiências, claro. Neste sentido, é único no mundo. Não parece grande, mas tem muita força.”

Desde há 40 anos Robert Singerman é um dos “homens da indústria”. Bom exemplo do tipo de convidados do Westway Lab: gente que conhece por dentro os circuitos comerciais da música e cuja experiência é partilhada com autores, intérpretes, músicos, agentes, promotores, editores. Foram cerca de 130 desta vez, menos do que em 2019. Uns e outros acorrem uma vez por ano a Guimarães. De comboio e de avião (com destino ao Porto). Ficam em hotéis mesmo junto ao CCVF, onde também há restaurante, e por uns dias limitam-se a conversar e a assistir a concertos, com incursões pelo centro histórico da cidade. Uma missão que há de dar frutos nos meses seguintes, esperam todos.

“A minha missão é a de eliminar a necessidade das cabeçadas”

Parece que da parte de quem faz música há muito desconhecimento sobre possibilidades de negócio. Não são só os portugueses que não sabem. A iliteracia será global nesta área. Antes da conversa Robert Singerman já Nuno Saraiva, um dos criadores do Westway Lab, nos tinha dito que a indústria da música existe por causa de quem faz música, embora não saiba falar com os criadores e estes não saibam falar com ela. Vale a pena citar por inteiro as palavras de Nuno Saraiva.

“A indústria tem três subsectores: gravações, publishing e concertos ao vivo. O publishing praticamente não existe em Portugal, inclui editoras, que são publishers, e também record labels, a que nós chamamos produtoras fonográficas e a que os brasileiros chamam gravadoras. O diálogo entre estes subsetores e os criadores é muitas vezes puramente comercial, como quem abate uma árvore para construir uma mesa. Em certa medida, a indústria limita a ação dos artistas e nem todos os artistas têm por feitio ou interesse no lado empreendedor.”

São vários os palcos dos concertos e vários os cenários das conversas

PAULO PACHECO

Ou seja, as partes precisam de dialogar e de se aproximar. Um festival showcase como o Westway Lab pretende servir para isso mesmo. “Foi às cabeçadas que aprendi o funcionamento da indústria, por isso a minha missão é a de eliminar a necessidade das cabeçadas, o que só se consegue com a partilha de conhecimento entre todos”, resumiu Nuno Saraiva, que é também presidente da AMEI (Associação Profissional de Músicos Artistas e Editoras Independentes em Portugal) e responsável pelo WHY Portugal (associação portuguesa para exportação de música).

Já agora, Nuno Saraiva, que conquistas há a destacar destes nove anos de Westway Lab? A resposta saiu-lhe prontamente. Por exemplo, foi este festival que conseguiu pôr Portugal como país-convidado no Eurosonic 2017 (onde se apresentaram The Gift, DJ Firmeza, Throes + The Shine, Rodrigo Leão, Gisela João, muitos outros). E foi pela parceria da AMEI e do Westway que em 2016 nasceu a WHY Portugal, que serve “não só para internacionalizar o sector independente mas também os artistas portugueses que estão nas multinacionais”. “Do lado institucional são estes os frutos. E depois há uma dinâmica fundamental que temos tido: as pessoas virem para cá desacelerar o pensamento, o que faz deste festival uma verdadeira incubadora de ideias”, sublinhou.

“Estou à procura das minhas raízes”

E se assim é, que dizem os criadores sobre o que colhem do evento vimaranense? Muito atenta às conferências e sempre a circular entre concertos, a compositora e professora de música Katerina L’Dokova, bielorrussa radicada em Portugal há 15 anos, disse-nos que vê esta “feira da indústria” como um momento de “aprendizagem”. Esteve na Womex – Worldwide Music Expo, que se realizou no Porto em outubro (será em Lisboa daqui a seis meses), e foi aí que ouviu falar do Westway.

Katerina L’Dokova tem 37 anos e publicou há poucos meses o álbum Mova Dreva, edição de autor com o apoio da Antena 2 e da Fundação GDA. São 10 temas que a própria compôs, tocou e arranjou (com o apoio dos músicos António Loureiro, João Fragoso, Paulo Bernardino, Diogo Duque e Diego Cortez). “Inspirei-me em recolhas feitas nos anos 70 de melodias tradicionais da Bielorrússia. Faço música de nicho, não é pop não é rock, é world music, penso eu. Estou à procura das minhas raízes.”

"É preciso dar prioridade a Espanha, porque custa menos exportar para Espanha do que para outros países. Posso ir de carro, posso lá ir e vir no mesmo dia, posso falar a língua deles."
John Gonçalves, The Gift

Num português apurado, acrescentou que “conhecer e trocar experiências com profissionais da indústria e com outros músicos independentes é fundamental para, quem sabe, conseguir concertos, iniciar colaborações ou encontrar oportunidades para residências artísticas”. Explicou-nos ainda que naqueles dias em Guimarães já tinha falado com agentes musicais e trocado bastantes contactos. “Ouvi falar de bolsas e oportunidades de financiamento, vou continuar a minha pesquisa.”

Outro espectador das conferências foi John Gonçalves, baixista e teclista de The Gift. Depois de um painel sobre o potencial de intercâmbio Portugal-Espanha, em que falaram os agentes Javier Jimenez e Tânia Monteiro, o músico de Alcobaça desabafou ao Observador: falta fazer quase tudo na relação musical com o país vizinho.

Westway Lab. Entre o palco e a tasca, este festival faz de Guimarães uma montra de música

“A minha banda não se pode queixar, já tivemos forte presença em Espanha. Aliás, até hoje tocámos em todo o lado, só não tocámos em África, curiosamente. Mas é preciso dar prioridade a Espanha, porque custa menos exportar para Espanha do que para outros países. Posso ir de carro, posso lá ir e vir no mesmo dia, posso falar a língua deles. Sinto que independentemente de França, Holanda, Inglaterra, nunca se deve descurar o mercado espanhol. É quatro vezes maior que Portugal.”

Acontece que a relação não dá sinais de evoluir. É essa a impressão geral, foi isso que se disse na conferência. O problema será nosso? “Há 20 anos, defendia que os dois países iam deixar de estar de costas voltadas. Errei na perspetiva, os Gift erraram. Não por nós, mas pelos outros que vieram a seguir. Em Portugal há o conceito de que Espanha não gosta de nós, não nos vai dar rádio, não nos dará exposição mediática. Agências, editoras, managers, músicos — não se tem olhado para Espanha como deve ser”, respondeu John Gonçalves, que costuma frequentar o Westway Lab, descrevendo-o como “espaço de encontro profissional à porta de casa”.

Uma diferença se assinala entre a edição deste ano e as anteriores, nomeadamente a de 2019, a que o Observador também assistiu: menos pessoas nas conferências, talvez uma festividade mais contida nos concertos — e não apenas por causa da chuva, que até impediu a utilização de um dos palcos.

“Estamos em tempos de transição”, observou Rui Torrinha. “É preciso fazer um estudo sobre as motivações e as novas rotinas do público. Devido à pandemia estamos todos a sentir que há coisas que já não queremos fazer da mesma forma, como antes de 2020.” A reconfiguração está em curso.

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