Dois retângulos, um verde e outro vermelho e uma bola amarela ao centro — é assim a nova imagem da marca do Governo em Portugal. Da interpretação minimal desapareceram sete castelos, as cinco quinas e a esfera armilar. O Executivo de António Costa — que pagou 74 mil euros pelo design — pretendia ter um logótipo mais “inclusivo, plural e laico”, mas acabou por provocar desaprovação dos partidos mais à direita, que consideram o redesenho do símbolo como uma manobra “wokismo” ou até mesmo um ato quase criminoso.
O líder do CDS, em declarações ao Observador, considera “ridículo e um apoucamento quase criminoso” transformar o escudo das armas — “o mais permanente símbolo de Portugal em todas as bandeiras e a esfera armilar, que traduz o trajeto de Portugal no mundo” — num mero elemento circular amarelo. Nuno Melo critica a tomada de decisão de alteração de um símbolo não tendo em consideração que “a Nação transcende um executivo transitório”. E acrescenta: “Na simbologia não está em causa um governo, mas sim a Nação, não está em causa uma maioria, mas todo um povo”.
A nova representação do Governo pretende, segundo se destaca no manual de utilização do símbolo, “responder de forma mais eficaz aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital e dinâmica e por uma consciência ecológica reforçada”. O principal argumento para a alteração, garante o poder executivo, é o da simplificação de uma “configuração visualmente densa, otimizando-se o desempenho em ecrã”, tornado a imagem “mais operativa, ao mesmo tempo que reserva e preserva a bandeira nacional enquanto símbolo de Portugal”. Para o Governo trata-se de uma nova imagem que se afirma “também inclusiva, plural e laica“.
A justificação não colhe junto da direita conservadora. O deputado e ideólogo do Chega, Diogo Pacheco de Amorim, desconfia da justificação dada pelo Governo e denuncia uma intenção clara de “colocar a filosofia woke no próprio cerne dos nossos símbolos nacionais.”
Pacheco de Amorim considera a ação do Governo “rigorosamente inaceitável” e critica severamente a remoção da esfera armilar que “dá o sentido da universalidade e das descobertas e da tão decantada questão da colonização”. E acusa: “Querem reduzir toda a história da nossa expansão.” Sobre a menção à “consciência ecológica”, revela não entender sequer a referência.
Governo diz que imagem anterior tinha “várias fragilidades”
No manual de aplicação de identidade visual do novo símbolo da “República Portuguesa” — a marca do Governo Português — é explicado que a “referência matricial” do símbolo é a bandeira nacional “nas suas cores dominantes e na sua geometria elementar”. Assim, os elementos visuais identitários são articulados de “forma mais sintética, diferenciada e adaptável às condições da comunicação digital”. E é feita a ressalva: “O que se propõe não constitui o redesenho da bandeira, instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910 e devidamente consagrada na Constituição da República Portuguesa como símbolo de soberania, independência, unidade e integridade”.
Ao Observador, fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro responde às críticas e defende que a nova identidade visual do Governo veio “substituir uma imagem criada há 12 anos, que apresentava várias fragilidades, especialmente na aplicação em plataformas digitais”e que a “complexidade do modelo antigo, vertida na soma de muitas cores e detalhes simbólicos, representava uma tendência estética da década anterior, que nos dias de hoje criava vários problemas práticos”. Assinala também a “falta de legibilidade em formatos impressos mais pequenos” como a razão de maior importância para a alteração, mas não deixa de destacar a anterior limitação de acesso às “possibilidades de animação e movimento que caracterizam o meio digital dos dias de hoje”.
A nova marca da República Portuguesa, garante o Governo, “não pretende ser uma representação fidedigna da bandeira ou de qualquer símbolo nacional”, mas sim uma “estilização visual de elementos identificadores”. Além disso, assegura que a nova imagem será “justaposta com frequência” à da bandeira nacional original.
Segundo a mesma fonte, a nova marca “cumpre escrupulosamente os requisitos estabelecidos no caderno de encargos do projeto que, entre outras coisas, “pedia que fosse capaz de identificar inequivocamente o emissor – Governo –, através da utilização de elementos inspirados nos símbolos da República: bandeira nacional, esfera armilar ou busto da República”.
A transição digital também pesou nas contas do Executivo, que afirma ter projetado a nova identidade de raiz “para ser mais dinâmica e operativa em ambiente digital e assim ajudar o Governo a concretizar este eixo programático”. Além disso, responde à dúvida da relação entre o novo design e o benefício ecológico: “Esta mudança serve de incentivo a centrar toda a comunicação do Governo num ambiente desmaterializado, para evitar a impressão desnecessária de todo o tipo de documentos, estacionário, cartões de visita, entre outros.” Ou seja: o Governo diz que o novo símbolo é mais ecológico porque promove uma menor impressão dos documentos.
Designer contratado criou a marca “Porto.”
Para a criação do novo logótipo, o Governo realizou um contrato de “aquisição de serviços de comunicação e design para o desenvolvimento de identidade visual”, no valor de 74 mil euros, publicado no Base a 23 de novembro de 2022 e apresentada em maio de 2023. A entidade contratada foi a Studio Eduardo Aires, S.A. O prestador de serviços obrigou-se a criar uma nova identidade visual, “utilizando os conhecimentos técnicos, a diligência, o zelo e a pontualidade próprios das melhores práticas, sob a direção e fiscalização da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM), sem prejuízo da sua autonomia técnica”.
O estúdio do designer Eduardo Aires criou a marca Porto., que revolucionou a imagem da Câmara Municipal do Porto e conquistou prémios internacionais por este e outros projetos em que segue uma linha de design estilizada, caso da campanha para o combate à Covid- 19 no município do Porto.
Ao Observador, fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro informa que a contratação resultou de um procedimento concursal, com a consulta a três entidades, todas igualmente prestigiadas: Studio Eduardo Aires, Silvadesigners e HTL Publicidade e Comunicação. “O atelier Studio Eduardo Aires apresentou o preço mais baixo, a equipa mais qualificada, integrando especialistas reconhecidos em várias áreas da comunicação visual, e um portefólio de trabalhos notáveis”, aponta.
Costa não queria marca herdada de Passos e substituiu o “Governo de Portugal” pela “República Portuguesa”
Três meses depois de tomar posse como primeiro-ministro, em março de 2016, António Costa impulsionou a mudança de nome da marca do poder executivo em Portugal. Manteve, no entanto, a imagem da bandeira de Portugal estilizada criada pelo anterior executivo, que se manteve como símbolo governamental até maio deste ano.
Em 2011, o Executivo de Passos Coelho anunciou a criação da marca “Governo de Portugal” e o respetivo logótipo, com o objetivo de “identificar, unificar e organizar a comunicação visual do Governo”. Numa nota do Conselho de Ministros, o XIX Governo Constitucional assinalava a mudança como “parte de um processo de reorganização e racionalização dos suportes de comunicação de todo o Governo, constituindo por isso uma medida de eficiência”.
Acabados de chegar ao poder, em 2016, os socialistas queriam uma designação mais “abragente” e optaram pela “República Portuguesa”, como justificou na altura o gabinete da então secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, Mariana Vieira da Silva. O design, bem mais próximo da bandeira portuguesa original, foi mantido e, tal como se garantia, não acarretou custos. O mesmo não sucedeu, agora, com a criação do novo símbolo.