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O que separa Atenas e credores de um acordo?

Apesar das indicações de que existem “progressos” nas negociações com Atenas e da garantia de que o governo liderado por Alexis Tsipras está mais recetivo a ceder em algumas das “linhas vermelhas” definidas antes das eleições, são muito escassos os sinais de aproximação nos pontos mais importantes que há vários meses afastam Atenas e os credores.

Sistematizamos-lhe aqui os quatro principais pontos de conflito:

  •  Reformas e pensões: Os credores insistem que o governo tome medidas para aglutinar e simplificar a estrutura de fundos de pensões e, sobretudo, que diminua a despesa da Segurança Social pública. Na conversa de Alexis Tsipras com Jean-Claude Juncker, no dia 6 de maio, discutiu-se “a importância de um conjunto de reformas que vão no sentido da modernização do sistema de pensões para que este seja justo, sustentável do ponto de vista orçamental” mas, também, “eficaz a impedir a pobreza na terceira idade”, uma terceira componente em que Tsipras terá insistido. Em termos práticos, os credores querem aumentar a idade da reforma, apertar as regras para as reformas antecipadas e impedir que o governo volte a distribuir subsídios de férias aos reformados.
  • Legislação laboral: O governo anterior acordou com a troika que iria reformar o enquadramento legal associado aos despedimentos coletivos e à flexibilidade do mercado de trabalho, nomeadamente no que diz respeito à contratação. Esse continua a ser um objetivo dos credores, combatido pelo governo. As instituições credoras querem, também, tomar medidas de redução do poder dos sindicatos na economia grega, mas o governo argumenta que essa não é a melhor forma de lidar com o problema dada a disfuncionalidade do mercado de trabalho grego, com grande volume de emprego informal.
  • Dimensão máxima do défice orçamental (saldo primário): A troika queria, antes da eleição do Syriza, que a Grécia mantivesse saldos orçamentais primários (diferença entre receitas e despesas do Estado, excluindo juros) positivos na ordem dos 3%. Mas, querendo maior manobra orçamental, Yanis Varoufakis sempre considerou este objetivo “exorbitante”. Agora, as últimas informações apontam para que os credores aceitem um valor de 2%, mas Atenas não parece querer mais do que 1%. A quebra da economia e da receita fiscal neste início do ano terá tornado o objetivo anterior totalmente impossível.
  • Privatizações: “A troika irá continuar a exigir [que o governo grego se comprometa com] um plano abrangente de ativos do Estado, como acordado com o governo anterior”, escreveram analistas do UBS em nota enviada segunda-feira aos clientes.  Esta é uma área onde o governo grego tem tido posições inconstantes, sendo pouco claro quais as privatizações que irão avançar e as que serão interrompidas ou descartadas.
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Quanto tempo (ou dinheiro) resta, afinal, à Grécia?

“Todos nós sabemos que a Grécia tem pouco tempo“, disse segunda-feira o ministro espanhol Luis de Guindos, antes de mais um Eurogrupo onde, mais uma vez, fracassou a conclusão da avaliação da troika que está pendente há cerca de meio ano. A verdade é que ninguém sabe, ao certo, quanto dinheiro resta à Grécia e quanto tempo o país sobrevive sem acesso aos mercados e sem mais ajuda financeira externa.

O governo de Atenas garantiu na segunda-feira, perante a noticia da “preocupação” da Comissão Europeia, que não irá falhar com o reembolso de 750 milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI) esta terça-feira. “A Grécia irá cumprir sempre os seus compromissos”, assegurou Yanis Varoufakis, mas vários políticos e analistas estão cada vez mais preocupados com o risco do que se chama um “incumprimento acidental”.

O governo grego está a recorrer há vários meses a mecanismos complexos de mercado (chamados repos) que permitem utilizar recursos públicos (fundos de pensões públicos, hospitais, universidades etc.) para obter liquidez e receber algum alívio temporário da tesouraria.

Para ajudar a pagar as contas, tanto despesas correntes como reembolsos de dívida, o governo obrigou, também, os órgãos do poder local a transferirem para a conta central do Estado todos e quaisquer excedentes de tesouraria que tenham, uma decisão controversa e que foi muito criticada por vários autarcas importantes, todos pertencentes a partidos diferentes do Syriza, que lidera o governo.

Com esta medida, o Estado grego obteve cerca de dois mil milhões de euros, liquidez suficiente para aguentar pelo menos até ao final de maio, calculam os analistas do UBS, admitindo que possa chegar para as necessidades de financiamento do mês de junho, o mês em que expira a extensão do programa acordada a 20 de fevereiro.

Existe, contudo, quem receie que a relativa inexperiência do governo grego possa levar a que estejam a ser sobrestimadas as reservas de tesouraria – cuja dimensão real não é conhecida por quem está de fora –, pelo que cada data de reembolso de dívida é sempre vista com nervosismo e receio do tal “incumprimento acidental”.

O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, afirmou na noite de segunda-feira que “a questão da liquidez é uma questão terrivelmente urgente“, indicando que Atenas poderá ficar sem liquidez dentro de “um par de semanas“.

Em bilhetes do Tesouro (dívida de curto prazo), que tem sido possível renovar graças aos bancos nacionais e aos repos com dinheiros públicos, é preciso pagar 1.400 milhões de euros a 15 de maio, 3.600 milhões a 12 de junho e 1.600 a 19 de junho. A estes valores juntam-se quatro pagamentos ao FMI que, até final de junho, superam os 1.500 milhões de euros.

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Moeda paralela pode ser a solução ou o início da saída da Grécia?

As dificuldades de tesouraria da Grécia levaram a que nos últimos dias se tenha admitido que algumas despesas internas possam passar a ser pagas em notas de crédito, que não seriam mais do que uma promessa de pagamento de um dado valor numa data futura. Essa possibilidade terá sido examinada pelo Banco Central Europeu (BCE) para o caso de a Grécia chegar, mesmo, a incumprir com algum pagamento (notícia da Reuters de 17 de abril).

Seria, no fundo, uma moeda alternativa ao euro que passaria a circular na economia grega em paralelo com o euro. Para os peritos do BCE, seria uma hipótese para utilizar no pagamento de produtos e serviços contratados pelo Estado (o que poderá já estar a acontecer em certa medida) mas, também, salários.

Nos últimos dias, contudo, esta possibilidade passou a ser vista, cada vez mais, como o início do fim da pertença da Grécia à zona euro. Além de ser algo totalmente imprevisto pelo enquadramento legal europeu em vigor, analistas como os do UBS dizem que “este medida poderia ajudar o governo a conservar euros preciosos para pagar a dívida, mas esta não seria uma solução sustentável“.

A chamada Lei de Greshamda teoria económica, define que a existência de uma moeda paralela (que poderia, depois, mudar de mãos entre os gregos como de qualquer moeda se tratasse), de valor mais baixo, tende a reduzir a circulação da moeda mais forte (o euro) até que esta deixa de desempenhar um papel importante nas transações. Poderia, portanto, ser o primeiro passo para a saída efetiva da Grécia da zona euro, já que o BCE nunca aceitaria uma moeda não reconhecida nas suas operações de financiamento, nem através do banco central nacional.

Mesmo com essas notas de crédito, “o default [incumprimento] e a saída da zona euro pareceriam inevitáveis, no final”, antecipa o UBS.

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Porque se fala cada vez mais de um referendo?

Em 2011, o então primeiro-ministro grego, George Papandreou, decidiu fazer um referendo à continuação do programa de ajustamento que, na altura, causou um enorme alvoroço nos mercados financeiros. Os planos viriam a ser cancelados, com o responsável grego sob forte pressão de parceiros internacionais — com a alemã Angela Merkel à cabeça.

Agora, é a própria Alemanha, pela voz do ministro das Finanças Wolfgang Schäuble, que sugere que uma consulta popular pode ser “a melhor opção para deixar o povo grego decidir se está pronto para fazer aquilo que é necessário”, deixando implícito que falamos do que é necessário para continuar no euro.

Cada vez mais analistas acreditam que este referendo será a única forma de desatar o nó. É que Alexis Tsipras enfrenta uma grande resistência da importante ala mais radical do seu próprio partido. Segundo um relato do The Telegraph, no domingo (10 de maio) vários responsáveis do partido disseram que “chegámos a acordo de que temos de seguir uma estratégia mais dura que passe por deixar de fazer cedências”.

É provável que estes responsáveis não admitam as cedências que os credores estão a exigir que Atenas faça nos pontos que lhe sistematizámos no ponto 1. Pelo que, se Alexis Tsipras quiser manter o governo em funções e chegar a um acordo com os credores, poderá ter de procurar a legitimação da vontade popular para chegar a um “compromisso honrado” que liberte um pouco o governo de algumas das principais promessas eleitorais feitas durante a campanha e nas primeiras semanas de governo.

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A haver um acordo isso significará que o impasse está resolvido?

É muito pouco provável. As negociações que estão a decorrer, mesmo que cheguem a bom porto, dizem respeito apenas à conclusão da quinta e última avaliação do segundo resgate da troika. Esta avaliação tinha de ser concluída até 28 de fevereiro mas o prazo para que houvesse fumo branco foi aumentado a 20 de fevereiro para o final de junho.

Um acordo neste impasse poderá atenuar os receios de que o Banco Central Europeu (BCE) lance a bomba atómica de limitar o recurso dos bancos gregos à liquidez de Frankfurt (através do aumento da exigência nas garantias entregues, que já são escassas). E levará, também, à entrega da tranche de 7.200 milhões de euros que está pendente.

Este valor, sendo importante, não será um grande balão de oxigénio para Atenas já que será rapidamente esgotado não só com o pagamento de dívidas e despesas mas, também, com a regularização das operações de mercado (repos) e com a reposição dessa liquidez que o governo pediu emprestada através destes instrumentos.

Se existir um acordo para a conclusão do segundo resgate, no próprio dia as atenções irão virar-se para as negociações para o mais que provável terceiro pacote de assistência financeira para Atenas. Serão, provavelmente, negociações mais abrangentes que voltarão a colocar em riste as visões divergentes que o governo de Atenas e os parceiros do Eurogrupo têm sobre a forma como se deve reabilitar e reformar a economia grega.