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O que é um trauma psicológico?

Um trauma psicológico é uma experiência intensa ou assustadora, causada por um acontecimento, em geral inesperado, que faz a pessoa sentir que não tem recursos suficientes para lidar com ela. Alguns exemplos de acontecimentos com potencial traumático são os assaltos, violações ou outro tipo de abuso, estar num cenário de guerra, sofrer um acidente de viação grave ou enfrentar um desastre natural — como um incêndio ou terremoto. Estes eventos causam uma rutura da sensação de segurança que a pessoa tinha até então, levando-a a sentir medo, desespero e impotência.

Estes acontecimentos podem causar um trauma a quem os sofre, mas também a quem os presencia ou convive com a pessoa afetada — apesar de não ser vítima direta — e ainda aos profissionais envolvidos, como médicos e bombeiros, que dão apoio às vítimas.

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Como é que a pessoa se sente imediatamente depois de um evento destes?

Há uma resposta aguda ao stress depois de uma experiência traumática que é diferente das reações ao stress, ansiedade e medo que resultam de acontecimentos mais banais, do dia-a-dia. “Após acontecimentos excecionais, potencialmente traumáticos, é comum, nas primeiras horas ou dias, as vítimas apresentarem manifestações exacerbadas de medo e irritabilidade ou, pelo contrário, apatia, desconexão ou aparente indiferença”, explica Luísa Sales, psiquiatra e coordenadora do Observatório do Trauma, no Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra.

A médica e investigadora refere ainda que, nas primeiras semanas, são frequentes as alterações do humor, do sono, do apetite e da atenção, bem como memórias persistentes do acontecimento — repentinas e não controláveis —, sentimentos de culpa, falta de esperança e perda de autoestima. Tudo isto são “respostas normais a acontecimentos anormais”.

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E todas as pessoas ficam doentes depois de um acontecimento desses?

Dois terços da população mundial são confrontados, pelo menos uma vez ao longo da vida, com acontecimentos potencialmente traumáticos, responde Luísa Sales. “Mas nem todas as pessoas se sentem igualmente afetadas, nem todas desencadeiam patologia traumática e nem sempre a mesma pessoa reage de forma igual perante situações de ameaça.”

Assim, depois de um evento traumático podem acontecer três coisas:

  • A maioria das pessoas, depois de um período de tempo (horas, dias ou semanas) acaba por superar estas experiências sem ficar com sintomas ou sequelas relevantes;
  • Outro grupo de pessoas recupera mas não fica com a situação completamente resolvida. Ao longo da vida, em períodos de maior instabilidade emocional, voltam a ter alguns sintomas de sofrimento psicológico, apesar de não terem critérios para um diagnóstico de perturbação mental;
  • Por fim, entre 5% a 8% dos atingidos desenvolve doenças mentais na consequência da exposição ao evento traumático. Algumas das perturbações que podem ocorrer são a depressão, o luto prolongado, os comportamentos aditivos, os sintomas psicóticos. E uma doença mental em particular: Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT).
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O que é a Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT)?

É uma doença mental que se desenvolve em resposta à exposição a um evento traumático e que se caracteriza por um conjunto de sintomas — com a duração de, pelo menos, mais de um mês — que causam grande incapacidade e sofrimento.

Há quatro principais padrões de sintomas que caracterizam a PSPT, explica a psiquiatra Luísa Sales:

  1. Sintomas de evitamento. A pessoa evita ou foge de algumas situações, como falar sobre o assunto ou de locais que a façam lembrar-se do sucedido. Dentro deste grupo de sintomas estão também uma sensação de distanciamento que a pessoa tem em relação a si mesma (conhecida por despersonalização) ou em relação à realidade exterior (chamada desrealização);
  2. Sintomas de reexperienciação. Traduzem-se em pensamentos e memórias constantes sobre o sucedido, que não se conseguem controlar e causam grande sofrimento. Pode ocorrer também sensação de flashback — que faz a vítima sentir que está a viver tudo outra vez — e pesadelos recorrentes;
  3. Sintomas de hipervigilância. Um estado de alerta constante que leva a insónias, agitação, ansiedade e impulsividade;
  4. Sintomas de humor negativo e de distanciamento afetivo. A pessoa tem estados de humor negativo persistentes (idênticos aos sintomas de depressão) e um comportamento mais distante com os outros, vivendo e demonstrando menos as emoções em relação àquilo que era habitual em si antes do evento traumático.

Estes tipo de sintomas começam a manifestar-se pouco tempo depois do trauma e podem persistir durante muitos anos, sendo que, por norma, estão associados a gatilhos, ou seja, a acontecimentos, imagens, sons ou cheiros que evocam o trauma inicial.

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Há fatores de risco para desenvolver PSPT?

O risco de desenvolver PSPT resulta de uma série de interações relacionadas com o evento traumático, o contexto, os fatores individuais, sociais e culturais. A psiquiatra Luísa Sales aponta os seguintes como determinantes:

  • Pertencer a um grupo de risco. Há pessoas mais expostas, seja por razões profissionais (os militares, bombeiros e profissionais de socorro, entre outros) ou por razões de vulnerabilidade política, económica, social ou cultural (minorias étnicas, refugiados, pessoas isoladas e sem redes de suporte). Nestes grupos, as pessoas com doença mental têm mais probabilidade de desenvolver PSPT depois de um incidente traumático: sobe dos 5 a 8% da população geral para 10 a 30%;
  • O tipo de acontecimento traumático. Quanto mais grave, intenso ou violento o acontecimento, maior o risco de desenvolvimento de PSPT. Estar envolvido num acidente de viação aparatoso mas só com danos materiais envolve menos risco do que ter um acidente que cause lesões físicas graves ou a morte de alguém, por exemplo;
  • Os fatores individuais. A idade (crianças e idosos têm menos aptidões e competências para lidar com acontecimentos destes), o género (as mulheres apresentam valores mais elevados de doença traumática) e a presença de experiências traumáticas anteriores, sobretudo na infância, além de outras doenças psiquiátricas, podem aumentar a probabilidade de desenvolver PSPT;
  • Fatores sociais e culturais. O apoio social (ou a falta dele) é um fator crítico: as pessoas mais isoladas, sem apoio familiar ou emocional, que não têm oportunidade de falar sobre o que sentem têm mais risco de desenvolver a perturbação.

Por outro lado, são fatores protetores algumas características pessoais — como a boa auto-estima, a resiliência e a estabilidade emocional — e a existência de redes sociais e psicológicas de suporte no pós-evento, nomeadamente, primeiros socorros psicológicos, ou seja, um apoio imediato que ajude a pessoa a sentir-se segura e a estabilize emocionalmente.

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É possível prevenir esta perturbação?

A melhor forma de tentar prevenir sequelas graves depois um trauma é ter ajuda atempada e competente. É por essa razão que, quando há eventos traumáticos — como foi o caso do incêndio de Pedrógão Grande, em 2017, por exemplo, — é mobilizada para o local uma equipa que presta apoio psicológico no imediato.

No caso de essa ajuda não ser disponibilizada, a pessoa deve procurá-la porque esse apoio pode impedir que as reações iniciais ao evento traumático se transformem numa doença. “A persistência dos sintomas e das queixas, a partir de um mês após a exposição, justifica já um acompanhamento clínico que previna uma possível evolução para patologias pós-trauma, de manutenção prolongada”, alerta Luísa Sales.

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Como se trata a Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT)?

Há três tipos de intervenção possível e, na maioria dos casos, uma pessoa diagnosticada com PSPT beneficia de um plano de tratamento que inclua todas.

  1. Há vários tipos de medicamentos (como os antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos) que cumprem dois papéis: interferem nos mecanismos cerebrais responsáveis pela doença e controlam os respetivos sintomas. Há também estudos com resultados promissores que indicam que o uso de uma droga psicadélica chamada MDMA (Ecstasy) acompanhada de psicoterapia, pode ajudar a tratar a doença, mas este é um tratamento que ainda não está disponível;
  2. A psicoterapia é essencial para o controlo dos sintomas, para ajudar a pessoa a dar significado ao que viveu, para modificar alguns comportamentos prejudiciais e para melhorar as relações com os outros, que por norma ficam afetadas. O tratamento pode ser individual, de grupo ou incluir ambos. É importante que o psicoterapeuta tenha formação e/ou experiência nesta área porque uma conversa mal conduzida sobre o trauma pode “retraumatizar” a vítima;
  3. Por fim, é importante mobilizar redes de apoio social e comunitário que possam dar resposta às necessidades não clínicas, sobretudo se a pessoa está isolada, tem dificuldades económicas e/ou com alguma incapacidade para realizar tarefas do dia-a-dia.
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E o que é o crescimento pós-traumático?

Algumas pessoas, depois de passarem por um evento traumático ficam doentes. Outras, após manifestarem sintomas de sofrimento, voltam ao estado “normal”. Mas a literatura nesta área tem também referido e estudado um fenómeno chamado crescimento pós-traumático, que se refere a um processo em que, depois da vivência de um trauma, a pessoa dá um novo sentido à sua vida. Estas pessoas descrevem geralmente que se sentem mais maduras, com mais ferramentas para enfrentar a vida, dão menos importância a contrariedades pequenas, mudam as prioridades e, não raras vezes, fazem mudanças positivas, atribuindo essas alterações à experiência intensa e ao sofrimento por que passaram.