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Ando muito triste. Será que estou deprimido?

A tristeza é tão natural como a alegria.  “É relevante distinguir depressão da tristeza normal – enquanto uma emoção expectável, transitória e compreensível, perante eventos de vida adversos e negativos”, explica o psiquiatra Filipe Vicente. É preciso também não a confundir com o luto que, apesar de causar grande sofrimento, “muitas vezes com insónia, perda de apetite e pensamentos ‘ruminativos’ sobre a perda, não desencadeia, na maior parte dos casos, uma disrupção no funcionamento habitual suficientemente grave e persistente para se transformar num episódio depressivo major”, resume o médico.

Ou seja, a maioria das vezes, a tristeza é uma emoção adequada à situação de vida, não persiste no tempo e não causa uma disfunção acentuada – características da depressão.

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E a depressão, o que é?

“A palavra ‘depressão’ reporta-se, comummente, a um conjunto de sinais e sintomas, designados em medicina por síndrome”, esclarece o psiquiatra. “Tal como uma síndrome febril pode estar associada a uma infeção pelo vírus da gripe ou a uma infeção urinária, entre outros”, também o conjunto de sinais e sintomas depressivos pode estar presente em diferentes doenças.

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Que sintomas são esses?

Este conjunto de sinais ou sintomas a que habitualmente se chama “depressão” divide-se em três grupos:

  1. Sintomas afetivos, “como o humor depressivo e a perda de interesse e prazer nas atividades habitualmente prazerosas — fenómeno que designamos por anedonia”, de forma persistente;
  2. Sintomas somáticos, como “perturbações do sono — com insónia ou hipersónia —,  a inquietação ou a lentificação psicomotora, a fadiga na ausência de esforço físico e a diminuição da energia”;
  3. Sintomas cognitivos, associados a “ideias de desvalorização pessoal, culpa excessiva ou inapropriada, desesperança, pensamentos recorrentes sobre a morte, ideação suicida, assim como as dificuldades de concentração e a indecisão frequente”.
    Perante estes sintomas, cabe ao profissional de saúde fazer um julgamento clínico, para chegar ao diagnóstico de uma de várias doenças possíveis.
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E quais são as várias doenças associadas a sintomas depressivos?

Algumas das doenças mais frequentemente associadas ao humor depressivo são, de acordo com Filipe Vicente:

  • Perturbação Depressiva Major. “Doença que se manifesta por episódios depressivos com duração e intensidade suficientemente significativas para causarem uma perturbação e prejuízo na capacidade de funcionamento habitual.” Este tipo de depressão pode dividir-se em vários sub-tipos, atendendo a características particulares que tenha, como a depressão pós-parto ou a depressão com um padrão de surgimento sazonal;
  • Perturbação Depressiva Persistente (Distimia). Semelhante à Perturbação Depressiva Major, mas com sintomas menos expressivos e duração mais prolongada — habitualmente mais de dois anos —, pelo que pode passar despercebida e ser tratada de forma inadequada;
  • Perturbação de Ajustamento com Humor Depressivo. Verifica-se “quando os sintomas emocionais e comportamentais ocorrem no contexto da adaptação do indivíduo a um acontecimento significativo na sua vida, existindo assim uma ligação entre o ajustamento a esse evento e os sintomas apresentados.”
  • Perturbação Bipolar. Doença que tipicamente se manifesta por episódios depressivos alternados com episódios maníacos ou hipomaníacos.

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Quais são as causas habituais da depressão?

Não há uma origem única. Em causa estão fatores genéticos, ambientais e as interações entre ambos. “Diferentes doentes — ou mesmo diferentes episódios de doença no mesmo doente — podem ter diferentes causas e diferentes mecanismos pelos quais a doença se manifesta”, explica Filipe Vicente.

A herança genética tem um peso que alguns estudos quantificam “como em cerca de 35%”, sabendo-se que o risco de desenvolver a doença é “ duas a três vezes superior em familiares de primeiro grau de doentes com depressão major diagnosticada”.

Recentemente, o desenvolvimento da epigenética permitiu esclarecer que se estabelece uma relação entre os genes e o ambiente, ou seja, que os fatores ambientais, nomeadamente os eventos de vida adversos numa fase inicial da vida, podem alterar a expressão dos genes.

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Há fatores de risco identificados?

Sim. Há, por exemplo, fatores socio-demográficos associados a um risco aumentado do desenvolvimento de depressão. É o caso da idade, por exemplo: a depressão é mais prevalente em adultos entre os 24 e os 44 anos.  O facto de ser do sexo feminino, ser divorciado, separado ou viúvo também têm o seu peso. “Há ainda uma associação ao baixo nível socioeconómico — baixo rendimento, pobreza, desemprego e baixa escolaridade — ou a um estilo de vida pouco saudável (álcool, tabaco, dieta rica em gordura ou açúcar e inatividade física.”

Há também outros fatores ambientais, nomeadamente “eventos de vida adversos, como o desemprego ou a insegurança financeira, problemas de saúde, risco de vida ou exposição à violência”, assim como situações traumáticas na infância.

Filipe Vicente explica que, na prática clínica, nem sempre é possível identificar uma causa concreta ou um risco claro, e que “fazer esta procura de forma exaustiva pode ser culpabilizante e agravar o estado emocional do doente, já fragilizado”. Mais relevante é o diagnóstico correto e a aliança terapêutica estabelecida entre o doente e o seu médico.

Foram também identificados fatores protetores como o suporte social e familiar, a resiliência em lidar com a adversidade ou as competências pessoais — como a inteligência, competências sociais e capacidade de auto compaixão.

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Estou com uma depressão. Vou ter de fazer medicação?

Depende. “A medicação não é a única arma terapêutica disponível”, lembra Filipe Vicente, apesar de ser “seguramente a mais acessível, pelos custos envolvidos, e também a mais transversal no combate a todas as apresentações da doença.”

Para o tratamento inicial, a associação de medicação com psicoterapia é a forma mais eficaz de tratamento. Esta conjugação está associada a resultados mais rápidos, sustentados nos tempo e com maior melhoria de sintomas e aumento da qualidade de vida.

Embora a medicação seja muito importante na maioria dos casos, o médico refere que “para formas ligeiras de doença, sobretudo as de início recente, a farmacoterapia não está recomendada, sendo preferível a psicoterapia ou a monitorização de sintomas em consulta com o médico de família.” Por outro lado, para as formas ligeiras de duração prolongada e para as formas moderadas a graves, “o uso de medicação antidepressiva está indicado — com ou sem psicoterapia associada, consoante o caso.”

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E que tipo de medicação é usada para tratar uma depressão?

Os medicamentos usados para tratar a depressão incluem os antidepressivos, mas existem várias subclasses, com mecanismos de ação específicos distintos. “Nomeadamente os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (Sertalina, Fluoxetina, entre outros), os inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (Venlafaxina, Duloxetina entre outros), assim como os antidepressivos atípicos (Trazodona, Mirtazapina) e o Inibidor da Recaptação da dopamina e noradrenalina (Bupropriom).”

Mas há outras classes de medicamentos que também podem ser usadas e estão aprovadas para o tratamento da depressão, “como os antipsicóticos, os antiepiléticos, o Lítio ou a Hormona Tiroideia.”

Mais recentemente, foi também aprovado um novo fármaco, a Escetamina, para a depressão major moderada a grave que não respondeu a pelo menos dois tratamentos diferentes com outros antidepressivos.

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Há outras formas de tratamento da depressão além da medicação e da psicoterapia?

Sim, há outros métodos terapêuticos, embora sejam menos usados. Um deles é estimulação magnética transcraniana, uma técnica não invasiva de estimulação cerebral, que consiste na criação de campos magnéticos que estimulam algumas zonas do cérebro.

Outro é a eletroconvulsoterapia, que aplica uma corrente elétrica no crânio do doente, com o objetivo de gerar uma convulsão com fins terapêuticos. Esta é sobretudo utilizada nos casos de depressão grave “ou quando é necessária uma resposta terapêutica rápida, por exemplo, nos casos em que há incapacidade para beber, para se alimentar ou o risco suicidário é muito elevado, ou outros tratamentos prévios não tiveram sucesso”, diz Filipe Vicente.

A escolha entre as diferentes alternativas terapêuticas depende necessariamente de uma avaliação médica, do custo e da acessibilidade da opção.

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A depressão tem cura?

Com o tratamento apropriado, 70 a 80% dos doentes pode atingir uma redução significativa nos sintomas. Sem tratamento adequado – por atraso ou erro diagnóstico — a taxa de remissão diminui.

“A Perturbação Depressiva Major não é uma doença benigna, pois tende a ser crónica e recidivante”, frisa Filipe Vicente. “Após a recuperação de um primeiro episódio, a taxa estimada de recorrência em dois anos é superior a 40%; após dois episódios, o risco de recorrência em cinco anos é de aproximadamente 75%.”

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Quais as consequências de um diagnóstico tardio ou de uma depressão não tratada?

“O atraso no diagnóstico e tratamento tem consequências na qualidade de vida, na saúde e funcionalidade do doente e acarretar risco suicidário. O impacto estende-se, naturalmente, ao núcleo familiar e social mais próximo.”

Por outro lado, a depressão está associada a défices cognitivos que se relacionam com a gravidade do episódio, que pode ser tanto maior quanto mais tempo se está sem tratamento adequado. “A atenção, as funções executivas e a memória são os domínios mais afetados. Apesar de melhorarem com o tratamento e remissão da depressão, alguns défices podem persistir.”

“A depressão afeta também a arquitetura do sono, com prejuízo da sua função reparadora”, diz Filipe Vicente. Quando não tratada, a depressão “constitui um fator de risco e de pior prognóstico para o desenvolvimento de doenças metabólicas, como a diabetes e as doenças cardiovasculares.”

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É possível prevenir a depressão?

É possível diminuir alguns fatores de risco. Evitar álcool e tabaco, fazer exercício físico e ter uma dieta saudável são bons caminhos. Ao mesmo tempo, é possível investir em fatores protetores, como relações familiares e sociais para evitar o isolamento, e desenvolver competências pessoais, como a resiliência e autocompaixão. Também é importante estar informado e atento a sinais de alarme que permitam um pedido de ajuda precoce.