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O que significa a palavra “neurose”?

O termo neurose é habitualmente usado, de maneira informal, “para descrever doentes que apresentam emoções e comportamentos como ansiedade, medo, obsessões, compulsões, depressão, fobias e distúrbios somáticos”, explica a médica psiquiatra Círia Pereira.

O primeiro uso da palavra remonta a 1769. O médico escocês William Cullen usou-a “para se referir a distúrbios nervosos sem uma causa orgânica clara”,  explica a psiquiatra, já que, nessa altura, era “a presença ou não de causa orgânica conhecida o que separava as patologias psiquiátricas de outras”. A título de exemplo, explica  “previamente à descoberta da etiologia [origem] da epilepsia, esta era tratada como uma doença mental e não neurológica”, como é hoje.

No entanto, quem deu fama à palavra neurose foi Sigmund Freud — considerado o pai da psicanálise — que a usava para descrever os sintomas  típicos de conflitos internos ou traumas emocionais — como a ansiedade, as obsessões e a instabilidade emocional, entre outros — e é com esse sentido que a palavra é utilizada hoje.

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Mas neurose é um diagnóstico médico?

O termo caiu em desuso entre a classe médica, já que os principais manuais de classificação de doenças deixaram de a usar. “Até à quarta edição do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Perturbações Mentais) e à décima do CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) o termo “perturbações neuróticas” ainda era utilizado, mas foi eliminada nas edições mais recentes”, explica a psiquiatra.

As doenças mentais que eram antes categorizadas como neuroses — a perturbação da ansiedade, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbações relacionadas com o trauma ou stress, entre outras — estão hoje separadas em diferentes grupos diagnósticos, tendo formas de tratamento diferentes.

A palavra é usada sobretudo no vocabulário popular. Quando alguém diz “É neurótico/a” habitualmente fá-lo com uma conotação negativa, referindo-se a alguém que tem reações emocionais muito intensas ou apresenta alguma instabilidade emocional.

 

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E a "psicose", o que é?

A psicose — palavra correntemente usada em psiquiatria — corresponde a uma perceção distorcida da realidade e caracteriza-se por delírios e/ou alucinações. “Pode ocorrer enquanto sintoma em várias condições psiquiátricas, neurológicas, médicas e patologias do neurodesenvolvimento”, diz Círia Pereira,

As alucinações são falsas perceções: a pessoa tem uma experiência vivida de coisas que não são reais. Ouve-se, vê-se, cheira-se, sente-se um gosto ou uma sensação táctil de coisas que não existem na realidade — por exemplo, ouvir uma voz sem que ninguém esteja, na realidade, a falar.

Já os delírios são falsas crenças. “Ou seja, apesar de não serem baseadas na realidade, persistem mesmo quando é mostrada evidência em contrário”, diz a psiquiatra. Os delírios, explica, “podem ser de conteúdo persecutório (acreditar que alguém nos está a perseguir ou que nos quer matar); megalómanos ou de grandiosidade (acreditar que se é campeão mundial de surf ou o Napoleão), de auto-referência (que a TV ou a rádio fala sobre nós); místicos (acreditar que se tem um dom ou que se é Deus) de ruína (que somos responsáveis pelo fim do mundo ou pela crise económica); niilistas (que estamos mortos ou que uma parte de nós está morta); erotomaníacos (que alguém famoso está apaixonado por nós apesar de não haver nenhuma evidência disso)”, entre outros.

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Quais são as doenças que podem causar psicose?

A psicose está — ou pode estar — presente num grande conjunto de doenças, tanto mentais, como físicas. “Dentro das doenças mentais, está presente em perturbações como a esquizofrenia, perturbações delirantes crónicas, psicoses breves, entre outras”, diz a médica psiquiatra, sendo que também pode existir “sintomatologia psicótica em doentes com perturbação afetiva bipolar, perturbações depressivas graves ou em quadros demenciais.”

Além disso, a psicose pode também ser causada por doenças que afetam diretamente o cérebro, sendo disso exemplo, esclarece Círia Pereira, as meningites, encefalites, tumores cerebrais ou traumatismos crânio-encefálicos, ou ainda por “doenças auto-imunes (como o lúpus), patologia hormonal (como o hipertiroidismo), doenças sexualmente transmissíveis (como a sífilis ou o HIV) ou doenças neurológicas como a esclerose múltipla, epilepsia, doença de Parkinson ou coreia de Huntington.”

Por fim, pode ser causada pelo uso de substâncias, como a cannabis, a cocaína, ou medicamentos, como os corticoides. “Nestes casos são chamadas de psicoses tóxicas.”

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Como se trata a psicose?

O tratamento depende da causa e da avaliação médica. Os quadros de perturbações psicóticas, como a esquizofrenia, são tratados sobretudo com medicamentos anti-psicóticos que, geralmente, permitem que o doente melhore e permaneça sem delírios e alucinações.

Já quando a psicose é um sintoma de outra condição médica, seja um tumor ou hipertireoidismo, “o tratamento deve ser dirigido à causa subjacente”, refere a Círia Pereira.

Em ambos os casos, frisa, “o diagnóstico e tratamento precoces são essenciais para a prevenção de complicações graves e para melhoria do prognóstico.”

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Qual é então a principal diferença entre neurose e psicose?

A principal diferença é a presença ou ausência de contacto com a realidade e/ou a capacidade ou incapacidade de pensamento autocrítico.

“O termo neurose, embora atualmente não seja amplamente utilizado como um diagnóstico médico, era usado para descrever distúrbios mentais que causavam angústia, ansiedade ou sofrimento emocional, sem prejudicar a capacidade da pessoa em compreender a realidade”, frisa Círia Pereira.

Já na psicose, o doente tem crenças ou perceções fora da realidade. “E não compreende que estas se devem ao facto de estar doente, (…) pode levar a comportamentos estranhos e bizarros e, o mais importante, motiva o doente a recusar ajuda e tratamento.”

Outra diferença importante, refere a psiquiatra, é que os quadros associados às antigas perturbações neuróticas, embora possam causar sofrimento emocional significativo, “tendem a ser mais leves e menos debilitantes do que a psicose, que está associada, normalmente, a doenças mentais mais graves e com pior prognóstico, além de poder ter um impacto profundo na capacidade de uma pessoa realizar atividades quotidianas, interagir socialmente e cuidar de si mesma.”

Apesar de a distinção entre neurose e psicose ser útil para fins de diagnóstico, muitas das perturbações mentais não se enquadram claramente numa dessas categorias, e podem incluir sintomas de ambas. Além disso, os tratamentos variam de acordo com a gravidade dos sintomas. “Nós tratamos sintomas, não tratamos diagnósticos”, resume a médica psiquiátrica.