António Costa disse a 20 de junho que não havia “a mínima dúvida” de que seria cumprida a legislação que rege a atualização de pensões, algo que levaria a que elas tivessem um “aumento histórico”. Depois, já em setembro, veio uma mudança de ideias – e o primeiro-ministro justificou-a, questionado pelo PSD esta quinta-feira, com uma alteração de “circunstâncias” entre o momento em que fez essa declaração e os meses posteriores.

Em concreto, António Costa disse que a 20 de junho, quando fez a tal declaração, o Governo “só” tinha “em cima da mesa” as previsões de primavera que a Comissão Europeia tinha divulgado em maio – a 16 de maio, mais especificamente. Essas previsões apontavam para uma inflação de 4,4% em Portugal. Mais tarde, a 14 de julho, na seguinte publicação regular de projeções económicas por parte da Comissão Europeia (as previsões de Verão), o cálculo da inflação subiu para 6,8%.

Esse é um aumento que, com efeito, como diz Costa, supera os 50% – entre aquilo que se previu em 16 de maio e aquilo que foi calculado, depois, em julho. Mas para validar a justificação dada por António Costa é preciso ter em conta que a Comissão Europeia apenas publica as suas previsões de acordo com um calendário fixo e pré-definido, ao contrário de um banco de investimento ou uma agência de rating (entidades mais ágeis e reativas a mudanças de enquadramento).

Faz sentido que Costa justifique a sua declaração, feita a 20 de junho, com previsões feitas mais de um mês antes (a 16 de maio) pela Comissão Europeia? Que indicações houve, entre estes dois pontos no tempo, que poderiam ter levado António Costa a perceber que a ameaça inflacionista era ainda mais intensa do que faziam crer as previsões que a Comissão Europeia fez nas semanas que antecederam o dia 16 de maio, dia em que as publicou?

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Não é preciso ir muito longe. Cinco dias antes da declaração de António Costa, no dia 15 de junho, o Boletim Económico do Banco de Portugal – apresentado em conferência de imprensa pelo governador Mário Centeno, ex-ministro das Finanças de Costa – já se avisava que a inflação em Portugal neste ano seria de 5,9%, o triplo dos 2% que se consideram uma inflação normal. E muito mais do que os 4,4% que Costa “tinha em cima da mesa”.

Mais pessimista, ainda, tinha sido a OCDE. Alguns dias antes do Banco de Portugal, a 8 de junho, já tinha avisado que a taxa de inflação em Portugal deveria ser de 6,3% em 2022.

Ou seja, nos dias que antecederam a declaração de 20 de junho, por António Costa, o Governo já tinha ampla evidência de que a inflação seria muito mais intensa do que os 4,4% que a Comissão Europeia tinha previsto.

Aliás, até mesmo antes de a OCDE e o Banco de Portugal se pronunciarem, o próprio António Costa reconheceu a 31 de maio que era um “fator de preocupação” a escalada rápida da inflação. Nesse dia, o Instituto Nacional de Estatística (INE) tinha revelado que a inflação de maio tinha saltado para 8% (quase o dobro da previsão anual da qual Costa agora se socorre).

Conclusão

Formalmente, a justificação de António Costa é válida mas o argumento é enganador porque deixa implícito que só em julho, depois da sua declaração, é que a Comissão Europeia veio, subitamente, rever em alta as previsões de inflação. Não foi assim: várias entidades, incluindo o Banco de Portugal, já tinham publicado nos dias anteriores, projeções bem mais preocupantes e, por isso, não faz sentido dizer que na altura “só” se “tinha em cima da mesa” as estimativas que a Comissão Europeia tinha publicado tanto tempo antes.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

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