É talvez um dos boatos mais antigos a circular na internet. Talvez se recorde dele ainda antes de as redes sociais fazerem parte do dia-a-dia, quando enviar e-mails em corrente estava na moda. Este era um dos e-mails enviados, pelo menos desde 2009, que agora voltou, através de partilhas no Facebook, com versões para vários países.

O texto da publicação é bastante extenso (e também contraditório), o que facilmente denuncia a falta de veracidade do conteúdo. E através de uma simples pesquisa no Google é possível encontrar centenas de resultados sobre o “mito urbano” criado em torno da “Burundanga” ou “Escopolamina”. Mas do que se trata?

Fact Check droga

Falso alerta sobre “Burundanga” ou “Escopolamina”.

Na publicação, o autor diz que “um homem sem perna e de muletas” lhe passa um cartão para a mão e que “em poucos segundos começava a sentir que desmaiava”. Alegadamente, depois de fazer “exames ao sangue” confirmava-se a presença de “escopolamina” e que era “apenas uma reação à droga” e não uma intoxicação e que seria possível que os dedos tivessem “absorvido toda a droga”, daí que não tivesse acontecido nada de mais grave como “ficar até 8 dias desligado do mundo”.

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Segundo a publicação, haveria já relatos de outras pessoas que tinham, inclusivamente, sido “encontrados sem órgãos”, ainda que não haja qualquer registo de médicos com o nome indicado. A referência ao “Dr. Raul Quesada” apenas surge nas publicações que tentam desmentir o “mito urbano” criado em torno da burundanga ou escopolamina.

Talvez se falarmos num dos nomes comerciais da “Burundanga” ou “Escopolamina” — Buscopan — seja mais fácil começar a juntar as peças em torno da história com mais de 10 anos que vai circulando e tentando assustar as pessoas em relação a um homem “sem uma perna e com muletas” que pediria ajuda, na versão portuguesa, na Praça de Espanha, em Lisboa, e que voltou a ser partilhada milhares de vezes nas últimas semanas.

O medicamento é utilizado para o tratamento da dor abdominal e a absorção do mesmo não é feita “através da pele” ou “pelo ar”, nas duas versões apresentadas na publicação do Facebook. Em abril de 2013, já a “Comunidade Céptica Portuguesa” (Comcept) tinha desmontado o boato, tendo mesmo contactado a técnica do à data Instituto da Droga e da Toxicodependência, Ana Paula Fradinho, que garantia não ter enviado o e-mail, tendo sido alguém a utilizar a sua assinatura indevidamente na altura de fazer circular a história em Portugal.

No entretanto, o Instituto da Droga e da Toxicodependência também foi extinto, no contexto da reforma da Administração Pública de 2011, nomeadamente do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC) tendo sido criado o atual Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

Também através dos nomes citados ao longo da publicação é possível chegar à mesma história em Espanha ou no Brasil, não existindo qualquer referência de veracidade em relação aos nomes citados, inclusivamente de médicos, nos respetivos países.

Conclusão

Ainda que seja uma das histórias mais antigas que correm na internet, primeiro através do e-mail e agora nas redes sociais, continua a gerar milhares de partilhas e a difundir conteúdo falso: a Escolopamnina não se absorve através da pele, nem causa “oito dias” de coma ou outra situação semelhante que possa colocar a vida de alguém em risco. É, aliás, “um medicamento indicado para o alívio de dor ou desconforto abdominal associado a espasmos transitórios e moderados do trato gastrointestinal”, segundo é possível confirmar através de uma pesquisa no site do Infarmed. O alerta não partiu da funcionária Ana Paula Fradinho, do Instituto da Droga e da Toxicodependência, até porque este organismo já foi extinto e substituído pelo SICAD. Todo o conteúdo da publicação é falso.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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