Não negam tudo à partida, mas quando encontram uma afirmação demasiado estranha têm de verificar se existem provas para as alegações apresentadas. A “Comunidade Céptica Portuguesa” (Comcept) segue a máxima de Carl Sagan, astrónomo e divulgador de ciência: “Afirmações extraordinárias requerem provas extraordinárias”. Uma das formas de clarificar a diferença entre ciência e pseudociência é a conferência anual, que este ano se realiza dia 15 de novembro no Auditório da Fundação da Juventude, no Porto.

“Na tentativa de imitar a ciência, a pseudociência copia a linguagem e os padrões estéticos normalmente associados à ciência”, escreve David Marçal no livro Pseudociência, da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “A ciência, ao contrário da pseudociência, assenta em provas e não em figuras de autoridade”, continua o autor, um dos oradores da conferência COMCEPTCON 2014 organizado pela “Comunidade Céptica Portuguesa”. “Na origem desta confusão entre ciência e pseudociência está o desconhecimento das características da ciência e do método científico.”

A organização escolheu o tema “Terra – Fogo – Água – Ar : Quatro Elementos, Quatro Cientistas” para desmistificar questões que ainda persistem: a diferença entre ciência e pseudociência, a homeopatia, a astrologia e os organismos geneticamente modificados (OGM).

ComceptCon2013_01_Maria-Joao-Borges

A conferência de 2013 decorreu na Biblioteca Municipal da Nazaré – @ Maria João Borges

Explicar em que medida a controvérsia em torno dos OGM é real é a missão do orador Hugo Oliveira, especialista em biodiversidade de cereais no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, da Universidade do Porto. Não sendo um especialista em OGM, o investigador admite ao Observador que a “grande quantidade de informação e desinformação sobre o tema, torna difícil fazer uma seleção do que é válido”. Para alguns mitos, como as alegações de que os OGM são prejudiciais à saúde e que causam alergias, o investigador não encontrou fundamentação científica. “Não se pode dizer cabalmente que não constituem riscos para a saúde, mas serão os mesmos que outros tipos de alimentos.” Já as controvérsias geradas por questões económicas e políticas são reais, assim como a possibilidade de o material genético dos OGM se misturar com o de outras variedades, durante a reprodução.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Contribuir para aumentar a cultura científica, mas também separar o que é ciência de pseudociência, faz parte dos objetivos da Comcept. Antes de fundarem o grupo, João Monteiro, Diana Barbosa e Leonor Abrantes já tentavam esclarecer alguns erros que encontravam nas notícias, não só da parte de quem as escrevia, mas também de quem as lia. Quando se aperceberam que existiam outras pessoas que partilhavam o mesmo interesse e o mesmo espírito crítico decidiram criar a associação. Juntaram num único grupo pessoas que andavam espalhadas por vários blogues, à semelhança do movimento cético comum nos países anglo-saxónicos.

Criada em 2012, a “Comunidade Céptica Portuguesa” organiza, além da conferência anual, tertúlias mensais abertas ao público – Cépticos com Vox -, onde se discute à mesa de café temas de ciência e pseudociência. As tertúlias decorrem alternadamente entre Lisboa e Porto. A próxima será em Lisboa, numa sexta-feira de dezembro, em data e local ainda a confirmar. Outro dos eventos promovidos pela Comcept são os Prémios Unicórnio Voador, com objetivo de alertar para a pseudociência e afirmações extraordinárias. Alguns dos prémios atribuídos incluem a promoção das superstições e astrologia, assim como da homeopatia como tratamento médico.

unicornio-voador_transp_1

Os prémios Unicórnio Voador premeiam alguns dos piores casos de promoção de pseudociência – @ Cláudia Barrocas

O grupo não tem a pretensão de saber tudo sobre todos os temas. “Quando não estamos bem informados procuramos mais informação junto de especialistas”, diz ao Observador João Monteiro, um dos fundadores da Comcept e comunicador de ciência no CIBIO. Preferem manter uma “postura pedagógica e não agressiva” porque o problema de muitas pessoas é “não saberem distinguir as notícias boas das más”, mas não quer dizer que todos sejam mal-intencionados.

E uma das áreas em que as crenças se sobrepõem à ciência é o caso das medicinas alternativas. João Monteiro prefere não generalizar, mas “há algumas que não funcionam mesmo”, como a homeopatia. Um medicamento homeopático é preparado a partir de diluições infinitesimais sucessivas de uma solução inicial. “Para a homeopatia funcionar toda a química tinha de estar errada”, diz o biólogo. Uma opinião que David Marçal partilha no livro: “Não podemos dividir indefinidamente uma determinada quantidade de matéria, porque a partir de uma certa altura ficamos com menos de um átomo ou de uma molécula.”

Estes placebos, comprimidos de água e açúcar, como lhes chamou David Marçal, não constituem um risco direto para a saúde das pessoas. Mas deixar de usar métodos e medicamentos cientificamente validados, por terapias alternativas que não tenham demonstrado resultados preocupa Diana Barbosa, uma das fundadoras da Comcept. A bióloga diz ao Observador que os movimentos antivacinação lhe causam o mesmo tipo de preocupação, porque põe em risco as crianças, devido a uma escolha dos pais, e outras crianças que com elas convivem.

MELBOURNE, AUSTRALIA - NOVEMBER 12:  Dr Peter Braun, Medical Director for the 2010 Australian Olympic Winter Team holds a needle as he prepares to give snowboarder Joh Shaw a vaccination as Shaw takes part in a vaccination program in the lead up to the 2010 Winter Olympic Games at the Victorian Institute of Sport on November 12, 2009 in Melbourne, Australia.  (Photo by Scott Barbour/Getty Images)

Os movimentos de antivacinação podem provocar um grave problema de saúde pública – Scott Barbour/Getty Images

Em relação aos vários temas há apoiantes e opositores, mas a maior surpresa para o grupo foi a reação ao artigo sobre os rastos de condensação dos aviões. “Foi um dos textos mais lidos, mais comentados e mais criticados”, conta João Monteiro, acrescentando que neste caso não se trata de pseudociência, mas de teorias da conspiração. Há quem acredite que os rastos de condensação são na verdade químicos libertados deliberadamente (chemtrails) para afetar as populações. “Quem argumenta a favor dos chemtrails começa pelos factos, como a dispersão de químicos nos campos de cultivo e a utilização de químicos na guerra do Vietname, mas acaba com informação falaciosa”, explica o biólogo. “Quem lê, pode acabar por acreditar em tudo.”

João Monteiro não critica as pessoas que, de forma inocente, acabam por acreditar e replicar as informações pseudocientíficas. “As pessoas estão, no geral, ávidas de conhecimento científico e acabam por aderir à pseudociência por não procurarem o conhecimento nas fontes certas.” Como referia o comunicador de ciência no jornal Algarve Vivo onde é correspondente: “Não confie em tudo o que lhe dizem, seja cético, exija provas.”